Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
45/21.7T8MDR-A.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: EXECUÇÃO
ARROMBAMENTO
NULIDADE
FÉRIAS JUDICIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Em matéria de nulidades, o regime aplicável às chamadas nulidades secundárias, inominadas ou atípicas remete o julgador para uma análise casuística, só sendo de invalidar o acto que não possa, de todo, ser aproveitado.
2. O despacho que defere ao requerido pelo Agente de Execução, no sentido de pedir o auxílio da força pública para tomar posse efectiva do imóvel já penhorado, a fim de preparar a venda executiva não cometeu qualquer nulidade por não ter previamente ouvido os executados.
3. O facto de o arrombamento do imóvel penhorado nos autos, com substituição de fechaduras e constituição de novo fiel depositário, ter sido realizado em período de férias judiciais constitui uma mera irregularidade, que não pode ter qualquer consequência processual sob pena de se estar a cometer um atentado contra a celeridade processual.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo de Competência Genérica ..., corre termos uma execução sumária em que é exequente Banco 1..., CRL, e executados AA e outros.

Em 28.04.2021 o agente de execução realizou a penhora de dois bens imóveis, tendo constituído fieis depositários dos bens penhorados, nos termos do artigo 756° do CPC, os executados, AA e BB.

Posteriormente, veio o Agente de Execução, no exercício da função de que foi incumbido, solicitar o auxílio da força pública, a fim de se proceder ao arrombamento de portas e substituição das fechaduras, nomeando-se fiel depositário pessoa a indicar pela exequente, para que se possam mostrar os bens ao potenciais interessados e para que possam examinar e verificar o estado de conservação dos mesmos, e para que possam finalmente os interessados apresentar propostas.

Foi então foi proferido o seguinte despacho (datado de 7.7.2022):

Requerimento com a refª. citius ...53:
Veio o Senhor Agente de Execução solicitar o auxílio da força pública, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 757.º e artigo 768.º, ambos do Código do Processo Civil, a fim de se proceder ao arrombamento de portas e substituição das fechaduras, nomeando-se fiel depositário pessoa a indicar pela exequente, para que se possam mostrar os bens ao potenciais interessados e para que possam examinar e verificar o estado de conservação dos mesmos, e para que possam finalmente os interessados apresentar propostas.
Cumpre apreciar e decidir.
Resulta do preceituado no artigo 757.º n.º 2 do Código de Processo Civil que “o agente de execução pode solicitar directamente o auxílio das autoridades policiais, quando seja oposta alguma resistência, ou haja receio justificado de oposição de resistência.”
Todavia, quando se trate de domicílio, a solicitação de auxílio das autoridades policiais carece de prévio despacho judicial, como decorre do artigo 757.º n.º 4 do Código de Processo Civil.
E, nos termos previstos no n.º 5 do mesmo artigo, quando a diligência deva efectuar-se em domicílio, só pode realizar-se entre as 7 e as 21 horas.
Por seu turno, resulta do preceituado no artigo 764.º n.º 4 do Código de Processo Civil que, “quando, para a realização da penhora, seja necessário forçar a entrada no domicílio do executado ou de terceiro, bem como quando haja receio justificado de que tal se verifique, aplica-se o disposto nos n.ºs 4 a 7 do artigo 757.º.”
Assim, fundamentando o Requerente o auxílio da força pública na oposição de resistência à realização da diligência, ao abrigo do disposto nas normas conjugadas dos artigos 757.º, n.ºs 4 a 7, ex vi artigo 764.º, n.º 4 e 767.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (ex vi art.º 375.º e 376.º, n.º 1, do mesmo diploma legal), autoriza-se a requerida requisição do auxílio da competente autoridade policial, fim de se proceder ao arrombamento de portas e substituição das fechaduras, nomeando-se fiel depositário pessoa a indicar pela exequente, para que se possam mostrar os bens ao potenciais interessados e para que possam examinar e verificar o estado de conservação dos mesmos, e para que possam os interessados apresentar propostas, em conformidade com o disposto no n.º 3 e 5 do artigo 757.º do Código de Processo Civil. Notifique.

Posteriormente, veio a executada reclamar de nulidades que entendeu cometidas, colocando, em síntese, as seguintes questões:

a) a omissão de notificação de acto processual, pois não foi notificada do requerimento apresentado pelo AE no qual terá sido requerido o auxílio da força pública por oposição de resistência à realização da diligência requerida.
a.1) foi omitido um acto ou formalidade que a lei prescreve, irregularidade susceptível de influir no exame ou na decisão da causa – arts. 219º, nº 2, 3º, nº 1 e nº 3 e 195º, nº 1 do CPC, o que determina a nulidade do despacho de 7/07/2022 e dos actos processuais subsequentes, o que expressa e oportunamente se argui, nos termos do art. 199º, nº 1 e 149º, nº 1, do CPC.
a.2) nulidade que deve ser de imediato apreciada – art. 200º, nº 3, do CPC – e julgada procedente, ordenando-se a notificação à Executada, na pessoa da sua mandatária, do Requerimento do AE, e garantindo, assim, o exercício do contraditório.
b) do auto de diligência de 27/07/2022, consta que foi nomeado fiel depositário do imóvel penhorado um representante da Exequente. Sucede que a remoção do fiel depositário constituído nos autos só pode ocorrer a requerimento de qualquer interessado ou por iniciativa do AE, quando aquele deixe de cumprir os deveres do seu cargo – art. 761º, nº 1 do CPC. Deve, porém, o depositário ser notificado para responder, nos termos do art. 761º, nº 2 do CPC, o que também não sucedeu.
b.1) foi mais uma vez omitido um acto ou formalidade que a lei prescreve, irregularidade susceptível de influir no exame ou na decisão da causa – arts. 219º, nº 2, 761º, nº 2 e 195º, nº 1 do CPC, o que determina a nulidade do referido despacho e dos actos subsequentes, o que expressa e oportunamente se argui, nos termos do art. 199º, nº 1 e 149º, nº 1, do CPC.
c) a diligência levada a cabo pelo Agente de Execução, datado de 27/07/2022, no qual foi concretizado o arrombamento e substituição da fechadura do imóvel, no Auto de Penhora junto aos autos, decorreu em 27/07/2022, ou seja, em período de férias judiciais.
c.1) nos termos do art. 137º,1,2 CPC, não se praticam actos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais, exceptuando-se as citações e notificações, os registos de penhora e os actos que se destinem a evitar dano irreparável.
c.2) pelo que o acto está ferido de irregularidade, ao abrigo do art. 195º,1 CPC, o que determina a nulidade da diligência processual realizada e dos actos subsequentes, o que expressa e oportunamente se argui, nos termos do art. 199º, nº 1 e 149º, nº 1, do CPC.
d) E assim, requer:
1. que o Tribunal determine a nulidade do Despacho judicial de 7/07/2022 e dos actos subsequentes, ordenando a notificação do requerimento do AE com a referência ...53 à Executada, na pessoa da sua Defensora Oficiosa, para o efectivo e legítimo exercício do contraditório;
2. que o Tribunal determine a nulidade do despacho de remoção da Executada como fiel depositária do imóvel penhorado nos autos e dos actos subsequentes, ordenando o cumprimento do disposto no art. 761º,nº 2 do CPC.
3. que o Tribunal determine a nulidade do acto praticado durante as férias judiciais, por contrário à lei;

Foi então proferido o seguinte despacho:

Requerimento de 10-08-2022, referência electrónica n.º ...99:
a) Da nulidade do despacho proferido em 07-07-2022, por inobservância do direito ao contraditório:
Veio a executada invocar a nulidade do despacho proferido em 07-07-2022, por não ter sido observado o contraditório relativamente à solicitação apresentada pelo Sr. Agente de Execução (de 05-07-2022), no qual consta o pedido de autorização para intervenção da força pública a fim de proceder ao arrobamento e substituição das fechaduras.
Cumpre apreciar e decidir.
O art. 757.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil estabelece o seguinte: “2- Quando seja oposta alguma resistência, ou haja receio justificado de oposição de resistência, o agente de execução pode solicitar directamente o auxílio das autoridades policiais. 3- O agente de execução pode, ainda, solicitar directamente o auxílio das autoridades policiais nos casos em que seja necessário o arrombamento da porta e a substituição da fechadura para efectivar a posse do imóvel, lavrando-se auto da ocorrência.”. Por seu turno, o n.º 4 da mesma disposição legal apresenta a seguinte redacção: “ 4- Nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3, quando se trate de domicílio, a solicitação de auxílio das autoridades policiais carece de prévio despacho judicial”.
Ora, como se constata, por regra, a lei permite ao agente de execução que solicite o auxilio das autoridades policiais, sempre que seja oposta resistência ou haja receio justificado de que a mesma venha a ocorrer. Tal relaciona-se com as funções que lhe são atribuídas pelo legislador no âmbito do processo executivo, tal como decorre do art. 720.º do Código de Processo Civil. Assim, a intervenção do juiz será meramente circunstancial e, quando esteja em causa o pedido de auxílio da força pública, apenas quando a diligência venha a ocorrer em domicílio. Tal está relacionado com as funções atribuídas ao juiz no processo executivo e que se encontram patentes no disposto no art. 723.º do Código de Processo Civil.
Tendo presente a natureza do processo executivo, onde vários actos e diligências consagrados legalmente visam garantir a ausência o sucesso da execução, não se vislumbra que o despacho de 07-07-2022 padeça de qualquer nulidade.
Como se referiu supra, por regra, o agente de execução poderá solicitar esse auxílio sem comunicar a qualquer parte e ao próprio Tribunal, tendo tal ocorrido, apenas e só, porquanto está em causa a entrada em domicílio.
Tal como se vislumbra das normas legais citadas (que concedem poderes ao próprio agente de execução para solicitar o auxílio da força pública), o pedido de auxilio da força pública não carece de contraditório prévio, visando-se garantir o sucesso da diligência a realizar.
Neste sentido, tendo o Sr. Agente de Execução justificado a razão pela qual solicitava o auxílio da força pública no requerimento apresentado em 05-07-2022, dúvidas não subsistem que o despacho proferido em 07-07-2022 não padece de qualquer nulidade, tendo observado o teor das normas legais que regem a questão.
Em consonância com o exposto, indefere-se a nulidade invocada, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Notifique.
b) Da nulidade por substituição do depositário (art. 761.º do Código de Processo Civil):
Veio a executada alegar que, no auto da diligência, de 27-07-2022, resulta que houve uma substituição dos fiéis depositários do imóvel, não tendo sido, contudo, observadas as formalidades prescritas no disposto no art. 761.º do Código de Processo Civil.
O Agente de Execução, por resposta apresentada nestes autos, em 27-10-2022, referiu que os executados não mostraram cooperação ao longo do processo, não tendo apresentado disponibilidade para mostrar o bem; razão pela qual se deverá proceder à nomeação de fiel depositário.
Cumpre apreciar e decidir.
Decorre do art. 761.º do Código de Processo Civil, o seguinte:
“1- A requerimento de qualquer interessado, ou por iniciativa do agente de execução, é removido o depositário que, não sendo o agente de execução, deixe de cumprir os deveres do seu cargo.
2- O depositário é notificado para responder, observando-se o disposto nos artigos 292.º a 295.º.
3- O depositário pode pedir escusa do cargo, ocorrendo motivo atendível.”.
Por requerimento apresentado, em 05-07-2022, o agente de execução veio peticionar o auxílio da força pública e a nomeação de fiel depositário, dando a conhecer ao Tribunal os entraves que, alegadamente, haviam sido colocados pelos executados.
Por despacho proferido em 07-07-2022, decidiu-se o seguinte: “Assim, fundamentando o Requerente o auxílio da força pública na oposição de resistência à realização da diligência, ao abrigo do disposto nas normas conjugadas dos artigos 757.º, n.ºs 4 a 7, ex vi artigo 764.º, n.º 4 e 767.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (ex vi art.º 375.º e 376.º, n.º 1, do mesmo diploma legal), autoriza-se a requerida requisição do auxílio da competente autoridade policial, fim de se proceder ao arrombamento de portas e substituição das fechaduras, nomeando-se fiel depositário pessoa a indicar pela exequente para que se possam mostrar os bens ao potenciais interessados e para que possam examinar e verificar o estado de conservação dos mesmos, e para que possam os interessados apresentar propostas, em conformidade com o disposto no n.º 3 e 5 do artigo 757.º do Código de Processo Civil.”.
Nestes termos, a substituição de fiel depositário observou o disposto no art. 761.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Porém, têm razão os executados quando referem que não foi observado o disposto no art. 761.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Para este efeito, importa convocar o disposto no art. 193.º, n. º1 do Código de Processo Civil, que prescreve o seguinte:
“1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”.
A ausência de notificação a que alude o disposto no art. 761.º, n.º 2 do Código de Processo Civil não constitui nulidade, na medida em que não é, deste modo, cominada por lei. Do mesmo modo, não se pode considerar que o incumprimento do disposto no art. 761.º, n.º 2 do Código de Processo Civil influa na boa decisão da causa, tendo em conta a fase processual em que nos encontramos.
Todavia, constatamos que a não verificação do disposto no art. 761.º, n.º 2 do Código de Processo Civil constitui uma irregularidade, que cumpre ser sanada. Nesta senda, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04-10-2010, onde se pode ler o seguinte: “A irregularidade, quando afecte o valor do acto, poderá ser reparada a todo o tempo em que dela se tome conhecimento. Isto significa que, ainda antes da arguição e mesmo que a irregularidade não seja arguida, pode oficiosamente ser reparada ou mandada reparar pela autoridade judiciária competente para aquele acto, enquanto mantiver o domínio dessa fase do processo”.
Neste sentido, determino que o agente de execução notifique os executados, nos termos e para efeito do disposto no art. 761.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, sanando a irregularidade em apreço, seguindo-se os termos previstos nos arts. 292.º a 294.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
c) Da prática de acto em férias judiciais:
No requerimento apresentado em 10-08-2022, a executada veio, ainda, invocar a irregularidade da diligência levada a cabo pelo agente de execução, com auto datado de 27-07-2022, por o mesmo ter ocorrido durante o período de férias judiciais e alegando o disposto no art. 137.º do Código de Processo Civil.
O Agente de Execução, em resposta apresentada em 27-10-2022, alegando que tomada de posse do imóvel, ao contrário do sugerido pelos executados, não configura qualquer acto processual sujeito à limitação temporal prevista no n.º 1 do artigo 137º, do Código de Processo Civil, tratando-se de procedimentos subsequentes à realização da penhora, acessórios da venda por negociação particular, há muito em curso, visando a sua efectivação segundo critérios de bom senso, conveniência e oportunidade.
Cumpre apreciar e decidir.
O art. 137.º do Código de Processo Civil dispõe da seguinte forma:
“1- Sem prejuízo de actos realizados de forma automática, não se praticam actos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais.
2- Exceptuam-se do disposto no número anterior as citações e notificações, os registos de penhora e os actos que se destinem a evitar dano irreparável.
3- Os actos das partes podem ser praticados por via electrónica ou através de telecópia em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos tribunais.
4- Os actos das partes praticados por forma presencial junto do tribunal, nomeadamente a entrega de quaisquer articulados, requerimentos ou documentos, devem ser praticados durante as horas de expediente dos serviços.”
Importa, contudo, perceber o que deverá ser entendido por acto processual.
Ora, tal como decorre do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 09-09-2021, processo n.º 763/20.7T8TMR-A.E1, disponível em www.dgsi.pt: “Acto processual é todo o acto praticado pelas partes, pelos magistrados, pela secretaria e por terceiros que tenha implicações processuais. (…) Deste modo, aquilo que releva para definir certo acto como processual é a implicação do acto no processo e não o modo como o mesmo é praticado”.
Na verdade, o acto de tomada de posse do imóvel constitui um acto posterior à realização da penhora. Em bom rigor, o aludido acto constitui um acto acessório da venda por negociação particular, que há muito se iniciou.
Neste sentido, não se vislumbra que o acto praticado, ainda que no decurso de férias judiciais, tenha implicação no processo: na verdade, o acto visa dar prosseguimento aos normais termos do mesmo (designadamente, a apresentação de propostas e a venda do bem). A prática do acto visa, portanto, a consecução do que se encontra determinado legalmente, não apresentando qualquer implicação relevante no processo.
Indefere-se, por isso, a invocada irregularidade por prática de acto em férias judicias.
Notifique”.

Inconformada com esta decisão, a executada dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, (art. 644º,1,a CPC), a subir imediatamente, em separado, e com efeito devolutivo (arts. 853º,4, 645º,2), e 647º,1 CPC).

Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
1. O despacho de 7/7/2022 foi proferido sem que à Executada tivesse sido facultada a possibilidade de se pronunciar sobre a pretensão do Agente de Execução, sendo, por isso, nulo por violação clara do princípio do contraditório;
2. Ao não ser notificada do despacho de 7/7/2022 e do Requerimento do AE em que solicitou a intervenção de força pública, a Executada não pôde conhecer o teor dos mesmos, nomeadamente, dos motivos concretos que terão justificado o recurso à força pública;
3. O pedido do AE de autorização para intervenção da força pública exige a verificação de determinados pressupostos de facto, cuja verificação só pode ser avaliada pelo Tribunal depois de exercido o contraditório quanto ao alegado pelo AE sobre tal circunstancialismo factual.
4. A Executada não foi notificada para qualquer diligência relacionada com inspecções ou vistorias ao imóvel, pelo que jamais ofereceu qualquer resistência;
5. O acto realizado pelo AE de arrombamento e substituição de fechaduras de um imóvel penhorado nos autos, com constituição simultânea de novo fiel depositário, em substituição dos Executados, efectiva a tomada de posse do imóvel, investe um terceiro na qualidade de seu legítimo detentor e possuidor (ainda que em nome alheio) e priva os Executados do seu gozo e fruição;
6. A existência de uma categoria “actos acessórios” de actos processuais carece de consagração legal no CPC em vigor, pelo que a caracterização do acto processual praticado in casu como acto acessório, não tem base legalmente sustentada;
7. Qualquer acto que tenha implicações ao nível do processo, quer seja praticado pelas partes, pelos magistrados, pela secretaria, por terceiros ou por qualquer interveniente processual, é um acto processual;
8. O AE é um interveniente no Processo de Execução, com funções e competências próprias, praticando e realizando actos com implicações processuais, que, evidentemente, são actos processuais;
9. É cristalino que o arrombamento do imóvel penhorado nos autos, com substituição de fechaduras e constituição de novo fiel depositário, tem implicações no processo de execução;
10. Com efeito, tendo sido penhorado nos autos um prédio urbano e tendo os Executados sido constituídos no acto da penhora, seus fiéis depositários, o que implica um estatuto processual, com direitos e deveres específicos, qualquer alteração pretendida a uma tal situação jurídica, seja a requerimento do Exequente ou de qualquer Credor Reclamante, seja por iniciativa do Tribunal, da Secretaria ou do Agente de Execução, só pode operar-se através de um acto processual, que invista outra pessoa, parte ou terceiro no processo, naquela veste de novo fiel depositário.
11. Tal acto terá essa implicação processual, de substituição dos até então fiéis depositários por novo fiel depositário, também sujeito de especiais direitos e deveres e se o mesmo é realizado concomitantemente com o arrombamento e substituição das fechaduras do imóvel penhorado, mais evidentes e manifestas se tornam as implicações processuais de tal acto, com a efectiva apreensão do bem e consequente privação real do mesmo da esfera dos Executados.
12. O acto realizado pelo AE em 27/07/2022, oportunamente impugnado, é portanto, um verdadeiro acto processual, sendo inegável e indiscutível a sua relevância no Processo de Execução.
13. O acto impugnado não foi realizado de forma automática nem se trata de citação, notificação, registo de penhora ou de acto destinado a evitar dano irreparável, nem tal foi invocado.
14. A prática de tal acto durante o período de férias judiciais, é, portanto, legalmente inadmissível.
15. Foram violados ou mal interpretados os artigos 3º, nº 3, 137º, nº1 e 757º, nrs. 2, 3 e 4 do C.P.C.
NESTES TERMOS e nos mais de direito aplicáveis, devem V.as Ex.as, Meritíssimos Senhores Juízes Desembargadores, julgar a presente Apelação procedente, e em consequência, revogar o douto despacho recorrido, de 2/11/2022, e substituí-lo por outro que julgue verificadas as nulidades invocadas.

Não houve contra-alegações.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber se ocorreu alguma das nulidades apontadas pela recorrente, e em caso afirmativo, que consequências daí extrair.

III
Tudo o que é necessário para decidir o recurso consta da exposição supra.

IV
Conhecendo.

A recorrente pretende que esta Relação declare que foram cometidas as nulidades que refere, na tramitação dos autos na primeira instância, e daí extraia as necessárias consequências.
Vamos então começar pelo conceito de nulidade.
O CPC consagra nos artigos 186º, 187º, 191º, 193º e 194º várias nulidades que são conhecidas como as nulidades principais, nominadas ou típicas, por serem expressamente previstas na lei.

Fora desses casos nominados, o art. 195º CPC, sob a epígrafe “Regras gerais sobre a nulidade dos actos”, dispõe:
1- Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2- Quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.

Assim, como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, in CPC anotado, Volume I, anotação ao art. 195º, “fora dos casos assim regulados na lei (v.g. art. 566, acerca de irregularidades da citação em situações de revelia absoluta), quaisquer irregularidades detectadas na tramitação processual só constituirão nulidade se a lei assim o determinar ou quando o vício possa influir no exame ou decisão da causa, ou seja, quando se repercutam na sua instrução, discussão ou julgamento, ou em processo executivo, na realização da penhora, venda ou pagamento (cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anot, vol. I, 4ª edição, p. 401). Teremos então as chamadas nulidades secundárias, inominadas ou atípicas, que poderão ter por base a prática de um acto que a lei não admite, a omissão de um acto que a lei prescreve ou a prática de um acto legalmente admitido ou prescrito mas sem a observância das formalidades respectivas”.
Acrescentam os mesmos autores, com grande relevância, que “este sistema remete o juiz para uma análise casuística, susceptível de só invalidar o acto que não possa, de todo, ser aproveitado, sendo certo que a nulidade de um acto acarreta a invalidação dos actos da sequência processual que daquele dependam absolutamente”.

Vejamos então se o processo de execução em causa está assim tão infestado de nulidades, como a recorrente pretende.

1. O não ter sido dada à executada a possibilidade de se pronunciar sobre a pretensão do Agente de Execução de pedir o auxílio da força pública: o AE requereu ao Juiz o auxílio da força pública, e o Juiz deferiu, sem que a executada fosse notificada para se pronunciar.

O Tribunal recorrido, recorde-se, quando confrontado com esta reclamação, explicou em síntese que, por regra, o agente de execução poderá solicitar esse auxílio sem comunicar a qualquer parte e ao próprio Tribunal, tendo tal ocorrido, apenas e só, porquanto está em causa a entrada em domicílio. Por outro lado, não resulta da letra da lei que o pedido de auxílio da força pública careça de contraditório prévio. Assim, tendo o Agente de Execução justificado a razão pela qual solicitava o auxílio da força pública no requerimento apresentado em 05-07-2022, dúvidas não subsistem que o despacho proferido em 07-07-2022 não padece de qualquer nulidade, tendo observado o teor das normas legais que regem a questão.
E esta Relação entende que bem andou o Tribunal recorrido.
Dispõe o art. 3º,3 CPC que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Ora, como vimos supra, em matéria de nulidades secundárias, a lei remete o juiz para uma análise casuística, susceptível de só invalidar o acto que não possa, de todo, ser aproveitado.
E olhando para o caso concreto, o que temos à nossa frente é uma acção executiva, cujo objectivo é, recordemos, a satisfação do direito do credor, já que o devedor não pagou voluntária e atempadamente.
Dentro deste objectivo incontornável da acção executiva, verificamos também que o primeiro e o mais importante dos direitos dos executados é o de se poderem opor à própria execução, por embargos, para evitar que o seu património venha a ser ilegal e injustamente agredido.
O segundo direito mais importante dos executados, podemos dizer, é o de se poderem opor à penhora de um determinado bem, por considerarem que tal bem não deve ser penhorado. Ora, não é isso que está aqui em causa, pois a penhora dos imóveis já tinha sido realizada anteriormente, e nem sequer resulta dos requerimentos da executada, que ela se tenha tentado opor à realização de tal penhora. Tanto quanto resulta destes autos a ora recorrente não se opôs à penhora do imóvel agora em causa. O que torna estranho que se venha agora opor a que o Tribunal tenha requisitado a força pública para tomar posse efectiva do imóvel penhorado.
Dito isto, e considerando que no espírito do legislador (que passou para a letra da lei) o agente de execução pode oficiosamente requisitar o auxílio da força pública, nos termos do art. 757º,2,3,4 CPC, sem necessidade de ouvir previamente o executado, só tendo de o requerer ao juiz do processo caso o imóvel em causa se trate de um domicílio, não vemos que o despacho de 7.7.2022 tenha cometido qualquer nulidade. O que esse despacho se limitou a fazer, nos seus próprios termos, foi autorizar a requisição do auxílio da autoridade policial, fim de se proceder ao arrombamento de portas e substituição das fechaduras, nomeando-se fiel depositário pessoa a indicar pela exequente, com o objectivo declarado de se poderem mostrar os bens ao potenciais interessados para que possam examinar e verificar o estado de conservação dos mesmos, e para que possam os interessados apresentar propostas, em conformidade com o disposto no n.º 3 e 5 do artigo 757.º do Código de Processo Civil. Tratou-se de uma decisão totalmente dentro da lógica do processo de execução, que visa agilizar o processo de satisfação dos credores, facilitando a preparação da venda dos bens penhorados, e que não ofende os direitos dos executados em nada.
Afirma ainda a recorrente que não foi notificada para qualquer diligência relacionada com inspecções ou vistorias ao imóvel, pelo que jamais ofereceu qualquer resistência. Presume-se que estará a tentar negar a verificação dos requisitos para recorrer ao auxílio da força pública. Só que, ao suscitar esta questão da nulidade, e ao interpor este recurso, acaba por demonstrar que, na prática, esses requisitos se verificavam, e que com grande probabilidade ela não colaboraria com a diligência.
E ainda afirma ela que o acto realizado pelo AE de arrombamento e substituição de fechaduras de um imóvel penhorado nos autos, com constituição simultânea de novo fiel depositário, em substituição dos Executados, efectiva a tomada de posse do imóvel, investe um terceiro na qualidade de seu legítimo detentor e possuidor (ainda que em nome alheio) e priva os Executados do seu gozo e fruição. Ora, esquece a recorrente, a posse efectiva do imóvel é um dos passos essenciais que decorrem da penhora, estão contidos na mesma, e antecedem a venda executiva. Portanto, repetimos o que já dissemos supra: se a executada entendia que a penhora era ilegal, tinha de ter reagido contra ela. Se reagiu mas a penhora se manteve, então mais nada podia ter feito. O acto contra o qual agora se vem revoltar é apenas uma consequência dessa penhora, nada mais.
E assim, salvo melhor opinião, era manifestamente desnecessário mandar ouvir os executados antes de requisitar a força pública.
Assim, não correu aqui qualquer nulidade.

2. O facto de o arrombamento do imóvel penhorado nos autos, com substituição de fechaduras e constituição de novo fiel depositário, ter sido realizado em período de férias judiciais: afirma a recorrente que, como não se trata de acto destinado a evitar dano irreparável, nem tal foi invocado, a prática de tal acto durante o período de férias judiciais é legalmente inadmissível (art. 137º,1 CPC).
O Tribunal recorrido pronunciou-se sobre isto, dizendo em síntese que tudo depende do que se entender por acto processual. E que na verdade, o acto de tomada de posse do imóvel constitui um acto posterior à realização da penhora. Em bom rigor, o aludido acto constitui um acto acessório da venda por negociação particular, que há muito se iniciou. E nesse sentido, não se vislumbra que o acto praticado, ainda que no decurso de férias judiciais, tenha implicação no processo: na verdade, o acto visa dar prosseguimento aos normais termos do mesmo (designadamente, a apresentação de propostas e a venda do bem). A prática do acto visa, portanto, a consecução do que se encontra determinado legalmente, não apresentando qualquer implicação relevante no processo.
Ora bem.
A lei é clara: sem prejuízo de actos realizados de forma automática, não se praticam actos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais (art. 137º,1 CPC).
Exactamente qual é o acto de que estamos a falar ?
Estamos a falar do acto que deu cumprimento ao ordenado no despacho de 7.7.2022, que autorizou a requisição do auxílio da força pública, e determinou que fosse nomeado como fiel depositário pessoa a indicar pela exequente. Ou seja, um acto que foi fisicamente praticado fora das instalações do Tribunal, pelo Agente de Execução.

Comentando o artigo 137º,1 CPC, escreve Miguel Teixeira de Sousa (CPC Online):
(a) A redacção do n.º 1 não é muito feliz, não só porque não tem sentido impedir que o tribunal pratique actos quando estiver encerrado ou durante as férias judiciais, mas também porque, ao contrário do que o preceito parece dar a entender, não há nenhuma proibição de as partes praticarem, mesmo presencialmente, actos durante as férias judiciais. O que se pode estabelecer é que não se praticam sessões com a presença do tribunal e das partes (em especial, audiências) quando aquele estiver encerrado (art. 124.º, n.º 1 e 2, LGTFP; art. 45.º ROFTJ; art. 2.º P 307/2018, de 29/11) ou durante as férias judiciais (art. 28.º LOSJ) (nº 1). (b) De acordo com esta razoável interpretação, a realização pelo tribunal de qualquer acto quando estiver encerrado ou durante as férias judiciais não implica a invalidade desse acto. Uma sentença proferida num Domingo ou durante as férias judiciais não é uma sentença inválida”.
Seguindo a opinião do Ilustre Professor, embora não tenhamos dúvidas que em sentido lato, o acto aqui em causa tem de ser considerado um acto processual, pois que se insere no decurso de um processo executivo, e visa ajudar a alcançar o objectivo final do processo, teremos todavia de considerar que o acto em causa, apesar de ter sido praticado em férias judiciais, jamais poderá ser considerado nulo. Trata-se de um acto material, praticado fora das instalações do Tribunal, que nenhuma disposição legal secundária considera expressamente nulo, e que jamais poderá influir no exame ou decisão da causa. O único efeito sensível deste acto, digamos, irregular, é o de contribuir para a celeridade da marcha do processo e para o alcançar do fim da acção executiva.
Como certeiramente escreve Teixeira de Sousa, uma sentença proferida num domingo ou durante as férias judiciais não é uma sentença inválida. Da mesma forma, o acto de que agora estamos a tratar, apesar de praticado em período de férias judiciais, não é um acto inválido. Pelo contrário, foi praticado por ordem do Juiz do processo, e levado a cabo de acordo com a tramitação pertinente. Uma visão excessivamente formalista, que levasse a que por causa da prática em férias judiciais o acto em causa fosse declarado nulo, e mandado repetir seria um atentado ao princípio da economia processual, e, num País onde existe a percepção generalizada (bem ou mal) que os Tribunal são lentos a realizar Justiça, mandar anular um acto de extrema eficiência, seria um total absurdo.
Recordando a formulação do art. 195º,1 CPC, diremos que a prática deste acto fora do período em que deveria ter sido praticado não produz nulidade, pois não só a lei não o declara, como a irregularidade cometida, além de não poder influir no exame ou na decisão da causa, veio trazer celeridade ao andamento do processo.
Nem a recorrente pode ter qualquer interesse legítimo na anulação deste acto e na sua repetição sem ser em férias judiciais. Excluindo o interesse de retardar o processo, e esse não merece ser acolhido, não vislumbramos que outra razão possa ter a recorrente para deduzir esta pretensão.
E assim, concordamos igualmente com a decisão recorrida.

Com o que o recurso improcede na íntegra.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, e confirma na íntegra a decisão recorrida.

Custas pela recorrente (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 23.2.2023

Relator (Afonso Cabral de Andrade)

1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)