Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1115/06 - 1
Relator: CRUZ BUCHO
Descritores: BURLA
PREJUÍZO
VALOR CONSIDERAVELMENTE ELEVADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/06/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- Nos crimes patrimoniais o momento relevante para a fixação do prejuízo é aquele em que se consuma o crime do qual ele decorre.

II- No crime de burla a determinação do valor consideravelmente elevado do prejuizo do burlado é feita pelo valor do dano no momento da prática do acto, independentemente da subsequente apreensão do bem ou valores com os quais o ofendido foi total ou parcialmente ressarcido.
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Guimarães:
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No Tribunal Judicial de Caminha, no âmbito do Processo Comum Colectivo nº 163/01.8TBCMN, por acórdão de 17 de Novembro de 2005, o arguido M…, foi condenado pela prática de um crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º e 218º, n.º 2, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.
Nos termos do artigo 1º, n.º 1, da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, foi declarado perdoado um ano da pena de prisão aplicada ao arguido, sob a condição do artigo 4º do mesmo diploma legal e sem prejuízo de eventual cúmulo jurídico.

Inconformado com a decisão, o arguido dela interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“A)- Tornou-se patente, de acordo com as regras da experiência comum, a insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, extraindo-se claramente pelo texto do Acórdão recorrido, que Tribunal ‘a quo’, na dúvida decidiu contra o arguido, violando dessa forma o princípio ‘in dúbio pro reo’, o qual deve ser aplicado sem qualquer restrição, não só nos elementos fundamentadores da incriminação mas também na prova de quaisquer factos cuja fixação prévia seja condição indispensável de uma decisão susceptível de desfavorecer, objectivamente, o arguido.
B)- O Tribunal "a quo" dada a factualidade provada não fez uma boa aplicação das normas quanto à submissão dos factos ao Direito, ao não qualificar/subsumir a matéria de facto assente ao crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo Artigo 11º, n.º1 alínea a) do Decreto de Lei n.º 454/91 de 28 de Dezembro.
C)- Para mais, o Acórdão ora recorrido, violou os Artº.(s) 40. nº. 1 e 2, 70º e 71°. do Código Penal Português, e Art. 18 n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que, no caso sub-judice, o critério da determinação da medida dessa pena, foi no entender do arguido aqui recorrente exageradamente penalizante, violando-se claramente o principio básico da proporcionalidade.
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O recurso foi admitido, para o Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 589.
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O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso de forma muito douta, pugnando pela manutenção do julgado.
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Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer pronunciando-se igualmente no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com o formalismo aplicável.
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II- Fundamentação


1. É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo:

A) Factos provados (transcrição)

“ O ofendido, A…, mandou publicar no Jornal de Notícias” um anúncio publicitando a venda da sua auto caravana, marca Peugeot, matrícula 66-12-BX.
Em 13.08.98, recebeu o ofendido um telefonema de um indivíduo que se identificou como "Padre Martins", o qual se dizia interessado em ver a auto caravana, tendo aprazado encontro, ainda para aquele dia, na Av. dos Plátanos, nesta vila, onde o veículo se encontrava estacionado.
Assim, da parte da tarde, conforme combinado, o arguido, que envergava cabeção, apresentou-se no referido local, dizendo ser pároco em Fafe.
Mostrando-se satisfeito com o estado do veículo, afirmou-se interessado em adquiri-lo, tendo ambos acordado que o negócio se faria por Esc. 3 800.000$00 (três milhões e oitocentos mil escudos).
Como o arguido manifestasse interesse em levar o veículo o mais rápido possível, o ofendido disse-lhe que se a pagasse até a poderia levar no próprio dia.
O arguido prontificou-se a fazê-lo de imediato, pelo que se dirigiram ambos para a residência do ofendido, sita em Vilarelho, nesta comarca, a fim deste retirar alguns objectos seus do veículo.
Cerca das 17h, o arguido referiu que precisava de ir embora, pois que ás 18h teria que oficiar um funeral, em Fafe, ficando acordado que voltaria depois para levar alguns artigos pertencentes à auto caravana.
Nessa altura, o arguido tirou da sua pasta um livro de cheques, do Banco Central Hispano, alegando que tinha conta nesse banco por ter um restaurante em Porrifío, Espanha, retirou um e pediu ao ofendido que o preenchesse.
O ofendido preencheu-o e o arguido assinou-o e entregou-lho. Por seu turno, o ofendido entregou-lhe os documentos da auto caravana, bem como a declaração de venda.
Tendo apresentado o cheque a pagamento no dia imediato, na agência da Caixa Geral de Depósitos, nesta vila, o ofendido viu o cheque, que é efectivamente de uma conta de que o arguido é titular, ser devolvido, em 23.09.98, por falta de provisão, embora tal menção não conste do mesmo, mas somente do impresso que aquela instituição dirigiu ao ofendido.
Em 15 de Janeiro de 1999, na sequência de uma perseguição que, por distinto motivo, lhe foi movida pela Polícia de Segurança Pública da Maia, com vista à sua detenção, o arguido veio a abandonar a auto caravana, na Serra de Santa Eufemia, Vila do Conde, logrando escapulir-se.
O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com o propósito concretizado de conseguir para si um aumento indevido do seu património com o consequente empobrecimento do património do ofendido, que logrou obter através da convicção que criou ao apresentar-se como padre e ao trajar com cabeção, bem como ao emitir e entregar o cheque supra mencionado, para suposto pagamento do preço da auto caravana, determinando, desse modo, o ofendido a entregar-lhe o veículo.
Não desconhecia o arguido que tal conduta é proibida.
A auto caravana foi restituída ao ofendido em 27.05.1998.
O arguido não é padre, mas leigo na “Igreja Apostólica Católica Ortodoxa”, anteriormente designada por «Igreja Apostólica do Sião» que se encontra registada na Secretaria-Geral do Ministério da Justiça sob o n.º 214.
O arguido é casado, tem 4 filhos. É comerciante, possui um restaurante no Porrino - Espanha, que se encontra actualmente encerrado.
Do CRC do arguido constam várias condenações em penas de prisão, pelo cometimento de crimes de burla, falsificação e emissão de cheque sem provisão, entre os quais se conta a proferida no âmbito do Proc. Comum Colectivo n.º 34/97, da 28 Vara do Tribunal Criminal do Porto, por factos de 24.01.96, onde foi condenado, por douto acórdão de 07.05.97, na pena única de cinco anos e quatro meses de prisão, não tendo esta condenação constituído suficiente prevenção contra o crime. Sofreu também condenações posteriores, nomeadamente proferidas nos anos de 2002, 2003 e 2005. Actualmente encontra-se em cumprimento de pena.

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B) Factos não provados (transcrição)


“Não resultaram provados outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente:
- que o arguido envergasse sotaina;
- que o arguido tivesse dito ao ofendido que este já que estaria mais habituado a preencher cheques.”


C) Convicção (transcrição)

“O Tribunal formou a sua convicção na apreciação crítica do conjunto da prova produzida, a qual se mostrou suficiente para, além da dúvida razoável, dar por assentes os factos que o foram.
Assim, teve o tribunal em conta, designadamente:
As declarações do arguido, na parte em que se mostraram convincentes, tendo confessado parcialmente os factos, nomeadamente parte do negócio realizado, o modo como abandonou a auto-caravana. Por outro lado, negou, mas sem convencer, a intenção de enganar o ofendido, bem como outros pormenores dos factos. Relatou ainda as suas condições pessoais e modo de vida.
As declarações sinceras e isentas do ofendido A…, tendo apresentado uma versão convincente dos factos, nomeadamente, o modo como foi contactado e se encontrou com o arguido, o negócio realizado entre ambos, o modo como o arguido se apresentava vestido, o facto de se apresentar como padre, como lhe pediu para preencher o cheque, a entrega da viatura, a pressa do arguido em se ir embora pois dizia que tinha um funeral para realizar em Fafe. Referiu ainda que confiou no arguido por este “ser Padre”.
Teve ainda o tribunal em conta os documentos juntos aos autos, nomeadamente, o auto de apreensão de fls. 19, a guia de entrega de fls. 20, os de fls. a fls. 33, o livro de cheques de f1s. 36, a declaração de venda de fls. 37, o aviso de débito da CGD de fls. 52, o cheque de fls. 66, o exame directo de fls. 70, o termo de entrega de fls. 99-100, a informação bancária de fls. 128, o CRC de fls. 307-331, a informação e a cópia certificada de fls. 373 - 374, a informação de fls. 315, o relatório psiquiátrico forense de fls. 490 e segs., onde se concluiu pela imputabilidade do arguido, 66, 72 a 91 e 128.




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2. Conforme é sabido, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artigos 402º, 403º, 412º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98)
Neste recurso, são as seguintes as questões a apreciar:
· Saber se ocorre o invocado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto;
· Se se verifica a alegada violação do princípio “in dubio pro reo”;
· Se o enquadramento jurídico se mostra correcto ou antes o arguido praticou um crime de emissão de cheque sem previsão;
· Se a medida da pena se encontra correctamente doseada ou, pelo contrário, se mostra “exageradamente penalizante”
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3. Começando pelo vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto, importa antes do mais salientar que o arguido laborou num erro manifesto ao qualificar esta questão como matéria de direito.
O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou a este respeito pelo que são dispensáveis quaisquer outras considerações a este respeito.
Apenas se impõe referir que o conceito de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” constante da alínea a) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal foi já suficientemente trabalhado pela doutrina e pela jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal.
À luz de tais ensinamentos é hoje pacífico que só existe tal insuficiência quando se faz a formulação incorrecta de um juízo em que a conclusão extravasa as premissas ou quando há omissão de pronúncia pelo tribunal, sobre os factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Lisboa/S.Paulo, 1994, pág. 325, Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., Lisboa, 2002, pág. 61 a 64, estes últimos com amplas referências jurisprudenciais)
À luz de tais ensinamentos jurisprudenciais e doutrinais é bom de ver que não se verifica o apontado vício.
Em primeiro lugar, porque a matéria de facto não é insuficiente para fundamentar a solução de direito.
Entende o recorrente verificar-se tal vício por o tribunal não ter dado como provado que o facto de o arguido ter-se intitulado padre tenha sido decisivo para que o ofendido viesse a aceitar o negócio da venda da auto - caravana.
Mas está equivocado.
É que o tribunal deu precisamente como provado que o aumento indevido do património do arguido com o consequente empobrecimento do património do ofendido, foi obtido pelo arguido através da convicção que criou ao apresentar-se como padre e ao trajar com cabeção, bem como ao emitir e entregar o cheque supra mencionado, para suposto pagamento do preço da auto-caravana, determinando, desse modo, o ofendido a entregar-lhe o veículo.
É esse inequivocamente o significado do seguinte parágrafo dos factos provados:
“O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com o propósito concretizado de conseguir para si um aumento indevido do seu património com o consequente empobrecimento do património do ofendido, que logrou obter através da convicção que criou ao apresentar-se como padre e ao trajar com cabeção, bem como ao emitir e entregar o cheque supra mencionado, para suposto pagamento do preço da auto caravana, determinando, desse modo, o ofendido a entregar-lhe o veículo.
Não desconhecia o arguido que tal conduta é proibida.”

E mais equivocado se mostra quando insinua que o facto de o arguido se ter intitulado padre corresponde à sua convicção de ter sido ordenado pela Igreja Apostólica do Sião, embora não tenha “(…) sido possível provar que o recorrente fosse à data padre naquela congregação (…).
Não se distorçam as palavras !
O acórdão recorrido afirmou, preto no branco, que o arguido não é padre, quando fez consignar em sede de factos provados a seguinte factualidade:

“O arguido não é padre, mas leigo na “Igreja Apostólica Católica Ortodoxa”, anteriormente designada por «Igreja Apostólica do Sião» que se encontra registada na Secretaria-Geral do Ministério da Justiça sob o n.º 214.”

E o colectivo motivou, com toda a clareza, esta sua afirmação. A mesma teve em consideração o teor da informação de fls. 385 (e não 315, como por lapso de escrita ali se menciona) prestada pela Igreja Apostólica Católica Ortodoxa, anteriormente denominada Igreja Apostólica do Sião, informação que foi obtida nos autos após inúmeras diligências efectuadas pelo M.º juiz titular do processo.
Por isso nenhuma lacuna existe ao nível da matéria de facto provada para fundamentar a decisão de direito a que o tribunal recorrido chegou.
Por outro lado, não pode dizer-se que o tribunal tenha deixado de investigar toda a matéria com interesse para a decisão final.
O tribunal investigou tudo o que podia e conseguiu investigar dentro do objecto do processo, tal como ele foi delimitado pela acusação e pela defesa, sendo que se não vislumbra que a prova produzida em audiência justificasse qualquer outra investigação suplementar.
Não ocorre, por conseguinte, o apontado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Diga-se, de resto que, conforme decorre do n.º2 do citado artigo 410º, os vícios ali apontados como fundamento do recurso (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova), têm de resultar do próprio “texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadas com as regras da experiência comum” e que se não descortina nenhum dos referidos vícios.
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4. Quanto à pretensa violação do princípio “in dubio pro reo” o recorrente é igualmente lacónico, referindo que tal violação se extrai «claramente pelo texto do Acórdão recorrido, que Tribunal ‘a quo’, na dúvida decidiu contra o arguido, violando dessa forma o princípio ‘in dúbio pro reo’»
Salvo o devido respeito, é despropositada a alusão ao princípio “in dubio pro reo”, já que o mesmo apenas opera em caso de dúvida (dúvida insanável, motivável e objectivável).
Ora, no caso em apreço, conforme decorre claramente do texto da motivação de facto do acórdão recorrido, não perpassou pelo espírito dos julgadores a mínima dúvida: o tribunal ficou antes seguro na sua convicção, estabelecendo os factos em harmonia com o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal.
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5. Entende, ainda, o recorrente que praticou antes um crime de emissão de cheque sem previsão.
Alcança-se perfeitamente o objectivo do recorrente até porque, como foi argutamente salientado na resposta da Exma Procuradora-Adjunta junto do Tribunal recorrido, a conduta do arguido nunca seria susceptível de punição a título de crime de emissão de cheque sem provisão, bastando para o efeito atentar no cheque junto aos autos e confrontá-lo com o disposto no artigo 40º da Lei Uniforme sobre Cheques.
Mas, a factualidade provada - e só a esta nos podemos ater – integra, claramente, o crime de burla por que o arguido vinha acusado e foi condenado, conforme foi evidenciado no acórdão recorrido de forma esclarecedora, concisa mas precisa:
“Resultou provado, por um lado, que o arguido logrou induzir o ofendido em erro, através da convicção que criou ao apresentar-se como padre e ao trajar com cabeção, bem como ao assinar, pedindo ao ofendido para preencher, e ao entregar a este um cheque sem provisão para suposto pagamento do preço da auto caravana, além de que alegou pressa para ir celebrar um funeral a Fafe, o que, tudo junto, revela uma encenação astuciosamente levada a cabo por aquele; e que por via dessa encenação determinou o ofendido a entregar-lhe o veículo, causando a este um prejuízo no montante do valor do negócio e ao arguido um enriquecimento ao guardar para si o veículo. Acresce que o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com o propósito concretizado de conseguir para si um aumento indevido do seu património com o consequente empobrecimento do património do ofendido, sabendo tal conduta proibida.
“Vistas estas circunstâncias é de concluir que o arguido preencheu todos os elementos -objectivos e subjectivos - do ilícito que lhe era imputado.”
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6. Sustenta, ainda, o recorrente que mesmo considerando-se a sua conduta passível de integrar o tipo legal de burla de modo algum se poderão qualificar os prejuízos económicos como tendo sido elevados e/ou consideravelmente elevados.
Mais uma vez não lhe assiste razão.
Como bem salienta a Digna Procuradora Adjunta na sua resposta, citando Almeida e Costa “na actualidade advoga-se um conceito objectivo-individual de dano patrimonial, havendo de concluir-se pela existência de um dano sempre que se observe uma diminuição do valor económico por referência à posição em que o lesado se encontraria se o agente não houvesse realizado a sua conduta (Comentário Conimbricence do Código Penal, vol. II, págs. 283 e 284).
Ora, no caso em apreço, o valor do prejuízo patrimonial é equivalente ao valor do negócio, isto é, ao preço da auto-caravana, ou seja, de 3.800.000$00, o qual se reputa de valor consideravelmente levado porquanto excede 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto (alínea b) do artigo 202º do Código Penal).
A este respeito, o recorrente labora num equívoco quando afirma não ter “conseguido perceber qual ou quais os prejuízos patrimoniais sofridos pelo ofendido”.
É que o momento relevante para a aferição do prejuízo é aquele em que se consuma o crime do qual ele decorre (José António Barreiros, Crimes contra o património, Lisboa, 1996, pág. 175), a determinação do valor consideravelmente elevado do prejuízo do burlado é feita pelo valor do dano no momento da prática do acto, independentemente da subsequente apreensão de bens ou valores com os quais o ofendido foi total ou parcialmente ressarcido (Acs. do STJ de 7-10-1991, Col. de Jur. ano XVI, tomo 4, pág. 34 e BMJ n.º 410, pág. 305, e de 16-10-1991, BMJ 410, pág. 357).
Por isso, a circunstância de a auto-caravana ter sido posteriormente recuperada em nada influi na determinação do valor do prejuízo, apenas devendo ser valorada em sede de determinação da medida da pena.
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7. A pena.

Finalmente, insurge-se o recorrente contra a pena que lhe foi aplicada por a considerar “exagerada”.
Afigura-se-nos, no entanto, que numa moldura de 2 a 8 anos de prisão a pena aplicada de 3 anos de prisão se revela necessária, adequada e proporcional, por ter sido criteriosamente definida em função das disposições conjugadas dos artigos 40º e 71º, ambos do Código Penal, tendo em consideração, nomeadamente, a culpa do arguido que se mostra elevada, atento o dolo intenso, a recuperação do veículo [que por ter ficado a dever-se a actividade de terceiros, no caso da autoridade policial, bem sucedida, por não provir de qualquer acto voluntário e espontâneo do arguido, afasta a atenuação especial a que alude o artigo 206º, n.º1 do Código Penal ex vi do n.º 3 do artigo 218º (cfr. neste sentido o Ac. da Rel. do Porto de 7 de Outubro de 1983, Col. de Jur. ano VIII, tomo 4, pág. 279 e, já após a nova redacção conferida àquele preceito pela Lei n.º 48/95, de 15 de Março, o Ac. do S.T.J. de 7 de Maio de 1997, B.M.J. n.º 467, pág. 268 e a lição do Prof. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, Tomo II, Coimbra, 1999, pág. 119, §11), estando totalmente afastada a possibilidade de tal atenuação especial à luz do n.º 2 do citado artigo 206º], sem esquecer que o arguido dispôs da auto-caravana entre 13 de Agosto de 1998 e 15 de Janeiro de 1999, e as prementes necessidades de prevenção especial, atento o mau comportamento anterior e posterior do arguido bem ilustrado pelas inúmeras condenações já sofridas.
Por ultimo, e como foi de resto expressamente consignado no acórdão recorrido, é manifesto que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não se mostram suficientes para realizar de forma adequada as finalidades da punição (cfr. artigo 50º do Código Penal), pelo que seria totalmente impensável a suspensão da execução da pena.

Por isso que, também nesta sede, o douto acórdão recorrido não seja merecedor de qualquer censura.


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III- Dispositivo
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, com 4 UC de taxa de justiça.
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Guimarães, 6-12-2006