Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2285/21.0T8BRG.G1
Relator: MARIA CRISTINA CERDEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DECLARAÇÕES DE PARTE
DEPOIMENTO DE PARTE
CONTRATO DE MANDATO FORENSE
AUJ Nº. 2/2022
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PERDA DE CHANCE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I) - O mandato forense é um contrato de mandato atípico sujeito ao regime especial do Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo-lhe ainda aplicável, a título subsidiário, o regime civilístico do mandato constante dos artºs 1157º a 1184º do Código Civil.
II) - No exercício do mandato forense, o advogado não se obriga a obter ganho de causa, mas sim a utilizar, com diligência e zelo, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender os interesses do seu cliente, utilizando os meios ajustados ao caso, segundo as “leges artis”, com o objectivo de vencer a lide, visto tratar-se de uma obrigação de meios, e não de resultado.
III) - O incumprimento dos deveres adstritos ao advogado pela celebração do contrato de mandato pode determinar a sua responsabilidade civil contratual pelos danos daí decorrentes para o mandante e, consequentemente, a obrigação de indemnizar.
IV) - O perfilhar entendimento diverso daquele que é defendido pelo Tribunal, quanto à contagem do prazo de recurso, não pode consubstanciar a violação de qualquer dever por parte de um mandatário constituído.
V) - O ressarcimento por “perda de chance”, encarado como uma nova e autónoma espécie de dano, não visa indemnizar a perda do resultado querido, mas antes e apenas a oportunidade perdida enquanto um direito em si mesmo violado com uma conduta ilícita.
VI) - A verificação do dano por “perda de chance” exige a demonstração da consistência e seriedade da perda da oportunidade de obter uma vantagem (ou de evitar um prejuízo) segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, que terá de ser aferido casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados.
VII) - Com efeito, não bastará que um advogado, por falta de zelo, não tenha praticado um determinado acto, para que, sem mais, nasça na esfera jurídica do seu cliente o direito à indemnização por “perda de chance”, sem se exigir qualquer outro requisito. Tal entendimento, de uma forma que se tem por inadmissível, afastaria os requisitos da responsabilidade civil, mormente, a necessidade de existência de dano e o nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano.
VIII) - Para haver dano da “perda de chance” susceptível de indemnização, não basta a prova da conduta ilícita do advogado consubstanciada no incumprimento do mandato, não basta a prova do acto/facto lesivo, uma vez que segundo o instituto jurídico invocado não há reparação sem estar também provada a existência dum dano e causado por tal acto/facto ilícito, sendo também necessário que esse incumprimento pudesse conduzir, com um elevado grau de probabilidade, à procedência da pretensão do lesado.
IX) - Numa acção destinada a apurar a responsabilidade civil do advogado no âmbito de um contrato de mandato forense, deve o lesado demonstrar que existia uma probabilidade séria e real de a sua pretensão ter sido reconhecida, caso o mandante tivesse actuado com a diligência devida, o que implica fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A. L. intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra C. F., advogada, e X – Corretores de Seguros, S.A., pedindo a condenação solidária das RR. a pagarem-lhe a quantia de € 130.000,00 acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento, e quantia não inferior a € 50.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Para tanto alega, em síntese, que em Julho de 2012 celebrou um contrato de mandato forense com a 1ª Ré, de modo a assegurar a sua defesa no âmbito do processo n.º 502/12.6TBVVD que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Cível de Braga - J2, que lhe foi movido por E. R., onde este peticionava a sua condenação no pagamento de € 150.000,00.
Em 11/03/2015 foi proferida sentença no referido processo que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou válida a resolução operada pelo Autor do contrato-promessa celebrado entre o mesmo e o Réu A. L. e condenou este a pagar ao Autor o montante de € 130.000,00 a título de devolução, em dobro, dos veículos entregues a título de sinal, acrescido de juros de mora à taxa de 4% calculados desde a citação até integral pagamento, absolvendo-o do remanescente, mais absolvendo a Ré (esposa do R. A. L.) da totalidade do pedido.
O aqui Autor, não se conformou com essa sentença e em conversação com a 1ª Ré foi decidido que fosse interposto recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, atendendo à manifesta probabilidade de êxito do mesmo.
Mais alega que a 1ª Ré interpôs recurso da aludida sentença em 25/06/2015, tendo sido proferida decisão singular pelo Tribunal da Relação de Guimarães, notificada às partes em 13/12/2015, que decidiu não conhecer do objecto do recurso por ter sido interposto após o decurso do prazo legal.
Tal situação não foi transmitida pela 1ª Ré ao Autor, que só veio a ter conhecimento da mesma com a sua citação em Janeiro de 2021 para a acção executiva, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão – Juiz 1 sob o nº. 4688/20.8T8VNF e cujo título executivo era a sentença proferida no mencionado processo n.º 502/12.6TBVVD.
Todo o circunstancialismo supra descrito causou grande angústia e transtorno ao Autor ao ficar cônscio de que a sua mandatária, aqui Ré, de forma dolosa o enganou quanto à verdadeira situação existente e lhe fez crer que tal recurso tinha sido atempadamente interposto e estaria ainda a aguardar a competente decisão.
A 1ª Ré não actuou com o zelo, diligência, cuidado e cautela exigíveis no caso concreto, tendo violado de forma grave e grosseira os mais elementares deveres contratuais e deontológicos, incumprindo, deste modo, o supra referido contrato de mandato forense.
Refere, ainda, que do incumprimento do contrato por parte da 1ª Ré resultaram danos patrimoniais para o Autor no valor de € 130.000,00, correspondente ao montante que foi condenado a pagar na sentença proferida no processo judicial supra identificado, e danos não patrimoniais traduzidos na angústia, preocupação, desgosto, problemas conjugais e de saúde, e até da sua honra e bom nome, que cifra em quantia não inferior a € 50.000,00.
A responsabilidade civil profissional da 1ª Ré encontra-se transferida para a 2ª Ré, através do contrato de seguro de grupo de responsabilidade civil profissional dos advogados.

A Ré X – Corretores de Seguros, S.A. (2ª Ré) contestou, arguindo a sua ilegitimidade para ser demandada na presente acção, porquanto apenas é mediadora na celebração de contratos de seguros entre Tomador de Seguro e Companhia de Seguros, recebendo uma comissão pela prestação dos seus serviços.
No âmbito da sua actividade de mediação de seguros, a Ré não pode ser condenada no pagamento de indemnizações decorrentes de sinistros verificados na pendência de contratos de seguro.
Mais alegou que não celebrou qualquer contrato de seguro de responsabilidade civil, não se verificando por isso qualquer responsabilidade da sua parte no pagamento das quantias peticionadas.
Impugnou, ainda, a matéria alegada na petição inicial, concluindo pela procedência da excepção de ilegitimidade passiva invocada e sua absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da acção com a sua absolvição do pedido.

A Ré C. F. (1ª Ré) apresentou contestação, no âmbito da qual refutou ter violado qualquer obrigação decorrente do contrato de mandato forense celebrado com o Autor.
Alegou ter interposto recurso da sentença proferida no processo n.º 502/12.6TBVVD, conforme pretendido pelo Autor, no 2º dia útil após o termo do prazo que dispunha para o efeito, considerando que foi notificada daquela decisão no dia 22/04/2015, ainda que as hipóteses de sucesso do recurso estivessem seriamente comprometidas por falta de fundamentos, como a Ré fez questão de deixar claro ao Autor e à sua esposa.
Após descrever a forma como procedeu à contagem do prazo para a interposição de recurso, a Ré invocou que o Tribunal da Relação de Guimarães, entendendo que a sentença objecto do recurso tinha sido notificada em 21/04/2015, o que levou a uma contagem do prazo diferente da propugnada pela Ré, decidiu não conhecer daquele recurso por extemporâneo.
Referiu, ainda, que sempre deu conhecimento ao Autor de todas as vicissitudes processuais, mormente do desfecho da inadmissibilidade do recurso, tendo-o informado da possibilidade de reagir processualmente contra a decisão que rejeitou o recurso, por extemporâneo, sendo que este nunca lhe transmitiu essa vontade, criando-lhe a convicção de que se tinha conformado com tal decisão.
Acrescentou que só tratou dos assuntos judiciais do Autor até finais de Outubro de 2015, altura em que aquele constituiu outro mandatário em vários processos que eram tramitados pelo escritório da Ré, após ter cessado a sua relação profissional com a Ré e o seu escritório, ficando esta a aguardar que aquele constituísse novo mandatário no aludido processo, o que não aconteceu.
Impugnou também a factualidade referente aos alegados prejuízos sofridos pelo Autor, defendendo que este não invocou qualquer facto que indicie que pagou, ou que tem condições patrimoniais para pagar, a quantia que está a ser supostamente executado, do mesmo modo que não avançou qualquer facto que permita sustentar a hipótese de procedência do recurso que não foi admitido por extemporâneo, limitando-se a invocar que a não apreciação do recurso lhe causou um prejuízo de € 130.000,00 (equivalente à quantia em que foi condenado) e que sofreu danos não patrimoniais que quantifica em € 50.000,00.
Invocou que tem um seguro base de responsabilidade civil profissional, denominado de seguro de grupo, associado à sua inscrição como advogada, com um limite de indemnização de € 150.000,00 por sinistro (sem limite de anuidade), em que figura como segurador Y COMPANY SE, como tomador do seguro a Ordem dos Advogados Portugueses e como segurados os Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam a actividade em prática individual ou societária, tendo em vista dar satisfação às reclamações de terceiros com base em dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos antes da data de efeito da respectiva apólice ou durante o período de seguro, estando convencionada uma franquia de € 5.000,00 por sinistro, a qual não é oponível a terceiros.
A referida apólice de seguro foi objecto de reforço por parte da Ré, reforço esse que se cifrou em € 150.000,00, em que figura também como tomador do seguro a Y COMPANY SE e em que foi corretora a AON, pelo que estando os riscos inerentes à actividade profissional da 1ª Ré cobertos pelas mencionadas apólices de seguro, deve ser condenada no seu pagamento apenas a seguradora Y COMPANY SE e nunca a ora Ré.
A Ré C. F. deduziu, na contestação, o incidente de intervenção principal provocada da Y COMPANY SE, em virtude da responsabilidade civil decorrente da sua actividade profissional se encontrar transferida para esta Companhia de Seguros, que terá todo o interesse em contradizer os factos alegados na petição inicial e, eventualmente, na contestação apresentada pela Ré.
Concluiu, pugnando pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido, ou caso assim não se entenda, deve, de acordo com a procedência do pedido formulado pelo Autor, ser exclusivamente a seguradora chamada Y COMPANY SE condenada a pagar o referido montante, reconhecendo-se, com esse escopo, a existência das apólices nºs ...........A e ...........1A-...7 atinente ao reforço da mesma, ao abrigo das quais se encontra transferida para aquela a responsabilidade civil profissional da Ré por conta de dolo, erro, omissão ou negligência profissional, determinando-se, assim, a improcedência do pedido de condenação solidária formulado pelo Autor.

Em 28/06/2021 foi proferido despacho a admitir a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Y COMPANY SE, na qualidade de associada da Ré C. F., determinando a sua citação.

Regularmente citada, a interveniente Y COMPANY SE, Sucursal en España apresentou contestação, aceitando a existência do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado com a Ordem dos Advogados de Portugal e titulado pela apólice n.º ...........A, bem como o seguro de reforço de capital contratado pela 1ª Ré e titulado pela apólice n.º ES00013960EO20A-00049, por via do qual a interveniente Y passou a garantir, nos termos expressamente previstos (e não excluídos) nas condições contratuais previstas nas apólices, e para factos ocorridos e conhecidos pela Ré a partir da data da contratação da referida apólice de reforço (29/06/2020), a cobertura dos riscos emergentes do exercício da sua actividade profissional de advogada até ao limite de € 150.000,00 por sinistro, em excesso da cobertura prevista na apólice base/de grupo contratada pela Ordem dos Advogados (€ 150.000,00), com uma franquia contratual prevista na apólice base contratada pela Ordem dos Advogados, no montante de € 5.000,00 por sinistro.
Defendeu-se por excepção, invocando que à data do início dos períodos de seguro dos contratos celebrados com a interveniente Seguradora (1/01/2018 e 29/06/2020), a 1ª Ré tinha já conhecimento dos factos que, potencialmente, poderiam vir a gerar a sua responsabilização e que constituem a causa de pedir, não podendo aquela desconhecer e/ou desconsiderar a existência desse risco, pelo que o sinistro profissional em análise nos autos encontra-se excluído das coberturas e garantias previstas nas apólices de seguro acima referidas, o que conduz, desde logo, à impossibilidade de qualquer responsabilização da interveniente Seguradora perante os danos reclamados pelo Autor nos presentes autos.
A interveniente Seguradora aderiu à defesa deduzida pela 1ª Ré, alegando, em síntese, que esta não pode ser responsabilizada civilmente por qualquer acto e/ou omissão ocorrida no âmbito da sua actuação profissional, uma vez que não se encontram minimamente preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil.
Termina, pugnando pela procedência da excepção de falta de cobertura do contrato de seguro por via do pré-conhecimento, ou subsidiariamente, pela improcedência da acção, em ambos os casos com a absolvição da interveniente Seguradora dos pedidos contra si deduzidos.

A Ré C. F. apresentou resposta relativamente à excepção de exclusão do sinistro profissional em causa da cobertura do seguro de responsabilidade civil, deduzida pela interveniente Seguradora, alegando, em suma, que só tramitou processos do A. até finais de Outubro de 2015, altura em que este constituiu outro mandatário para tramitar todos os seus processos, para além de que a inacção do A. concatenada com a falta de qualquer interpelação realizada por este a suscitar esclarecimentos ou a manifestar alguma discordância legitima, por si só, o raciocínio lógico seguido pela Ré de que o A. não tinha interesse em reagir à decisão.
Perante este circunstancialismo, a convicção da Ré segurada era de que o assunto judicial em apreço nunca poderia ser gerador de qualquer responsabilidade, até porque durante vários anos nunca mais foi questionada, seja pelo A. seja pela sua mulher, sobre qualquer particularidade atinente ao mesmo, sendo que não podia a Ré antever e muito menos saber, dentro da lógica da normalidade das coisas vistas sob o prisma do homem médio, que o A. viesse em meados de 2021, passados mais de cinco anos, a exigir qualquer responsabilidade por conta da postura profissional da Ré, isto quando antes não havia o mínimo eco de que isso pudesse vir a acontecer, pelo que não se verifica “in casu” a aludida exclusão da cobertura da apólice.
Conclui, defendendo, ainda, a inoponibilidade da causa de exclusão ao Autor e pugnando pela improcedência da excepção de falta de cobertura dos contratos de seguro, por ausência de fundamentos.

O Autor também respondeu à excepção invocada pela interveniente Seguradora, alegando, em síntese, que a cláusula de pré-conhecimento prevista no art.º 3º, al. a) das Condições Especiais da apólice, contrariamente ao alegado pela Ré, não é, nem poderá ser oponível ao Autor enquanto terceiro lesado, porquanto sendo o mesmo beneficiário do Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil obrigatório, pode ser accionada a apólice à primeira reclamação, embora o facto gerador do dano tenha tido lugar em momento anterior, nos termos do artº. 3º, al. a) das Condições Especiais e ainda que o segurado tenha tido conhecimento anterior de tal facto.
Refere que não assiste qualquer razão válida à Ré, pelo que deve ser julgada improcedente a alegada excepção de falta de cobertura temporal dos contratos de seguro atento o pré-conhecimento, podendo à Ré, em caso de condenação, exercer o seu direito de regresso, nos termos do artº. 101º, n.º 4 da Lei de Contrato de Seguro.
Conclui, pugnando pela procedência da acção e remetendo para o alegado na petição inicial.
Foi realizada a audiência prévia, no decurso da qual o Autor desistiu dos pedidos formulados contra a Ré X - Corretores de Seguros, S.A., desistência essa homologada por sentença proferida em 14/12/2021. Foi proferido despacho saneador, no qual se fixou o valor da causa, se procedeu ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância, identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas de prova, que não sofreram reclamações.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.
Após, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu as RR. C. F. e Y COMPANY, SE, Sucursal en España do pedido.

Inconformado com tal decisão, o Autor dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

I. A necessidade das presentes alegações de recurso surgem na sequência da Sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, que, de forma manifestamente injustificada, julgou totalmente improcedente a Ação de Processo Comum interposta pelo Autor, aqui Recorrente, absolvendo as Rés C. F. e Y Company, SE., do pedido.
II. E diz-se manifestamente injustificada, porquanto atenta toda a prova produzida, quer em sede de Audiência de Julgamento, quer em sede de prova documental, os factos dados como provados nos pontos 9, 20, 21 e 22, jamais assim o poderiam ser,
III. Bem como os factos dados como não provados nos pontos 31, 32, 33, 34, 35 e 36 da Sentença recorrida, que deveriam, imperativamente, serem considerados como provados.
IV. Todavia, não obstante a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, as alegações de Recurso prender-se-ão também com a errada subsunção jurídica efetuada pelo Tribunal a Quo, que inopinadamente considerou não se ter verificada qualquer atuação ilícita e culposa no âmbito do contrato de mandato celebrado com o Autor.
V. Nessa conformidade, a discordância com a Sentença Recorrida prende-se não só com a matéria de facto, que o Recorrente entende encontrar-se incorretamente julgada, mas também com a errónea subsunção jurídica realizada pelo Tribunal a Quo,
VI. Na medida em que o Recorrente entende ter sido produzida prova de que a 1.º Ré, C. F., violou de forma grave e grosseira os seus deveres estatutários e deontológicos, nomeadamente, os constantes dos artigos 44.º do C.P.C, 799.º, 1157.º e 1161.º, alínea c), do Código Civil e 81.º, 97,º n.º 1 e n.º 2, 100.º e 104.º n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados, que produziram danos patrimoniais e danos não patrimoniais na esfera jurídica do agora Recorrente.
VII. Assim, o Recorrente pretende colocar em sindicância não só a apreciação da prova efetuada pelo Tribunal a Quo, mas também a qualificação jurídica da situação em apreço feita por aquele,
VIII. Designadamente os factos dados como provados nos pontos 9, 20, 21 e 22, que jamais assim o poderiam ser,
IX. E ainda os factos dados como não provados nos pontos 31, 32, 33, 34, 35 e 36 da Sentença recorrida, que deveriam, impreterivelmente, serem considerados provados.
X. Na verdade, atenta toda a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, o Recorrente não compreende a forma como o Tribunal a Quo formulou a sua convicção para dar como provados os referidos factos,
XI. Pois, em momento algum, foi feita prova, muito pelo contrário, que a 1.ª Ré terá transmitido ao Recorrente que a possibilidade de procedência do recurso era diminuta face à falta de fundamento,
XII. E muito menos que o Recorrente não incumbiu a Recorrida de reagir processualmente ao despacho que não conheceu o objeto do recurso interposto.
XIII. Tudo isto a significar que, percorrida, integralmente, a prova produzida em sede de audiência de Discussão e Julgamento, em lado algum se encontra a prova que esteve na génese de tal factualidade.
XIV. E, como se tal não bastasse, é por demais evidente a excessiva credibilização que o Tribunal recorrido conferiu ao depoimento da Recorrida Dra. C. F. em prejuízo do depoimento prestado pelo Recorrente, e pela Testemunha P. G., sua esposa,
XV. Que de forma clara, sucinta, e sem margem para dúvidas, deram a conhecer ao Tribunal a quo, que nunca a Recorrida lhes transmitiu que as possibilidades de procedência do recurso eram diminutas face à ausência de fundamento legal,
XVI. Nem tampouco que a mesma ter-lhes-á transmitido o teor da decisão que não conheceu do objeto do recurso interposto, informando-os do que poderiam fazer processualmente para reagir.
XVII. De igual forma surpreendente e injustificada, é de todo impercetível como o Tribunal recorrido concluiu que o Recorrente nunca mais contactou com a Recorrida, tal como vertido no ponto 22 da factualidade da como provada.
XVIII. E para demonstrar, inequivocamente, a errada apreciação da prova realizada pelo Tribunal a Quo, basta atender ao depoimento do Autor e da Testemunha P. G., que de forma clara, concisa e merecedora de credibilidade, desvirtuam a factualidade dada como provada.
XIX. Em face de tais declarações/depoimentos, que relataram de forma clara, exata e objetiva os factos que têm conhecimento direto,
XX. E sendo tais depoimentos merecedores de credibilidade, jamais poderia o Tribunal a Quo, dar como provados os factos vertidos nos pontos 9, 20, 21 e 22,
XXI. Dado que, em momento algum, foi produzida prova de como a Recorrida transmitiu o seu entendimento de que as hipóteses de sucesso no recurso estavam seriamente comprometidas por falta de fundamento,
XXII. Nem tampouco foi produzida prova no sentido de que a Recorrida comunicou ao Recorrente o teor da Decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, de não admitir o Recurso interposto, com fundamento na extemporaneidade do mesmo.
XXIII. Nessa conformidade, e uma vez que o Tribunal a Quo, na Sentença recorrida, não pode, como inopinadamente fez, apenas atribuir credibilidade e fundar a sua convicção nas declarações prestadas pela Recorrida, Dra. C. F.,
XXIV. A factualidade vertida nos pontos 9, 20, 21 e 22 da matéria dada como provada, deve ser dada como não provada,
XXV. Conforme V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores certamente decidirão,
XXVI. Para que, assim, se alcance a almejada justiça material.
XXVII. Quanto à factualidade dada como não provada, não se alcança a forma como o Tribunal a Quo formulou a sua convicção para dar como não provados os referidos factos,
XXVIII. Porquanto, resulta de toda a prova produzida que a Recorrida, Dra. C. F., para além de omitir ao Recorrente a extemporaneidade do Recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães,
XXIX. Fê-lo crer que estaria a aguardar o competente acórdão.
XXX. Além de tudo isso, ficou claro, a todas as luzes, que o Recorrente só tomou conhecimento e consciência da não apresentação atempada do Recurso e da consequente rejeição e trânsito em julgado da sentença recorrida e da omissão de tais factos pela Recorrida em janeiro de 2021, aquando da citação do processo executivo.
XXXI. Em bom abono da verdade, percorrida, integralmente, a prova produzida em sede de audiência de Discussão e Julgamento, é incompreensível, com o devido respeito, a forma como o Tribunal a Quo, dá como não provados os referidos pontos,
XXXII. Na medida em que, é por demais evidente a inúmera prova que corrobora tais factos,
XXXIII. Designadamente, que a atuação dolosa da Recorrida causou no Recorrente angústia, preocupação, desgosto, problemas conjugais e afetação da sua honra e bom nome.
XXXIV. E por forma a demonstrar, inequivocamente, a errada apreciação da prova realizada pelo Tribunal a Quo, basta atender ao depoimento do Autor e da Testemunha P. G.,
XXXV. Que, ponto por ponto, dão a conhecer ao Tribunal a Quo a forma como sucedeu toda a relação mantida com a Recorrida,
XXXVI. Mormente, o desconhecimento da extemporaneidade das alegações de Recurso que a Recorrida foi incumbida de apresentar.
XXXVII. Com efeito, analisado, pormenorizadamente, os depoimentos transcritos, chegamos inelutavelmente à conclusão de que afinal a Recorrida, Dra. C. F., omitiu a extemporaneidade do Recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães,
XXXVIII. Fazendo crer o Recorrente que o mesmo teria sido atempadamente interposto, e que teria que aguardar a decisão do mesmo,
XXXIX. Sendo por demais evidente, atenta toda a prova produzida, que o Recorrente só tomou conhecimento e consciência da não apresentação extemporânea do recurso, da sua não admissão e consequente trânsito em julgado da sentença recorrida, em janeiro de 2021, aquando da citação para a ação executiva.
XL. Tudo isto a significar, claramente e a todas as luzes, que o Tribunal a Quo, valorou, erroneamente, a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento,
XLI. Motivo pelo qual, devem os pontos 32, 33, 34, 35 e 36 da matéria de facto dada como não provada, serem considerados provados,
XLII. Conforme V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores certamente decidirão,
XLIII. Para que, assim, se alcance a almejada justiça material.
XLIV. Por outro lado, à ainda imperiosa necessidade de realçar que Tribunal a Quo, procedeu sobeja e erradamente à subsunção jurídica dos factos,
XLV. Pois, de forma súbita e inesperada, decidiu que não existiu qualquer violação, por parte da Recorrida, de obrigações decorrentes do Contrato de Mandato celebrado com o Autor, aqui Recorrente.
XLVI. Sucede, porém, que face à prova produzida, e supra melhor elucidada, a Sentença recorrida fez tábua rasa, num verdadeiro autismo, a tudo o alegado em sede de petição Inicial,
XLVII. Olvidando, também, todos os meios de prova produzidos e constantes do processo,
XLVIII. Porquanto, a prova testemunhal produzida encontra-se em total contradição com o sentido da Decisão erradamente proferida,
XLIX. O que demonstra, de forma clara e inequívoca, que o Tribunal a Quo errou, demasiadamente, na aplicação do Direito,
L. Razão pela qual, não pode de forma alguma, e à luz das mais elementares regras e princípios de Boa Justiça, ser mantida a Sentença proferida pelo Tribunal a Quo.
LI. Com efeito, se da prova constante dos autos, se pode concluir, inquestionavelmente, que a 1.ª Ré, ora Recorrida, por culpa única e exclusivamente sua, interpões recurso da sentença condenatória do seu cliente extemporaneamente,
LII. Retirando-lhe, dessa forma, a possibilidade de exercer o seu direito de defesa e de ver a sua pretensão apreciada por um Tribunal superior,
LIII. Deveria o Tribunal a Quo, como não podia deixar de fazer, concluir pela atuação ilícita e culposa da mesma no âmbito do exercício do Mandato Forense,
LIV. E, nessa conformidade, condenar a mesma a indemnizar o Autor, ora Recorrente, por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais alegados e devidamente provados pelo próprio,
LV. Designadamente, a perda de oportunidade ou “perda de chance”,
LVI. Que no caso em apreço se traduzia, e ainda traduz, em evitar um prejuízo,
LVII. O que sucederia se a Ré cumprisse os seus deveres deontológicos no âmbito do processo n.º 502/12.6TBVVD, do Juízo Central Cível de Braga – Juiz 2, e apresentasse o recurso tempestivamente como tinha sido incumbido, e devidamente ressarcida, para o fazer.
LVIII. Nessa conformidade, e independentemente do valor da indemnização à atribuir, o Tribunal a Quo, face a todo o circunstancialismo que pautou o caso em apreço, e consequentemente a prova produzida, teria inevitavelmente que considerar a atuação da Ré como violadora de deveres decorrentes do contrato de mandato celebrado como o Recorrente,
LIX. E tal só não sucedeu porque o Tribunal a Quo, em total arrepio do direito e da justiça, desconsiderou a prova produzida e atribuiu uma credibilidade desmesurada à 1.ª Ré em manifesto prejuízo da certeza e segurança jurídicas e, consequentemente, do Recorrente.
LX. Motivo pelo qual a sentença a quo errou na aplicação do Direito,
LXI. Não operando a subsunção de todos os factos alegados ao Bom Direito,
LXII. Razão pela qual deve a Sentença proferida ser revogado e substituída por outra que V/Exas., douta e superiormente proferirão no sentido de condenar a Recorrida nos moldes peticionados pelo Autor.
LXIII. Ora, ainda a este propósito é de assinalar que os factos alegados e provados pelo Recorrente relativamente aos danos não patrimoniais e patrimoniais têm de ser encarados, apreciados, no seu conjunto para assim melhor se ver a revolta, a angústia, a incerteza de quem sofreu os danos causados pela recorrida C. F.,
LXIV. Pela violação da confiança depositada nesta quanto ao contrato de prestação de serviços através do mandato forense que lhe foi conferido.
LXV. O que não sucedeu no caso sub judice,
LXVI. Pois na Sentença recorrida se olvidou que a convicção positiva do juiz (que aqui se impunha) deverá coincidir com a hipótese factual que logra obter explicação através das provas produzidas,
LXVII. Pelo que se impõe afirmar, de modo saliente, que a Recorrida C. F. apresentou extemporaneamente (por sua exclusiva culpa) as alegações de recurso, conforme era seu dever de patrocínio, omitindo-lhe de forma dolosa tal facto, provocando no Recorrente vários prejuízos,
LXVIII. Estando-se perante uma obrigação de meios, os quais o Advogado tem de utilizar, no caso presente necessariamente, e nunca de resultados.
LXIX. O que significa, a todas as luzes, que a Recorrida, como Advogada do Recorrente no processo em causa, com a sua dolosa omissão não cumpriu as obrigações advindas do exercício do mandato forense, que firmou com o seu cliente, constituindo-se, portanto, para com ele em responsabilidade civil contratual,
LXX. Pois, como se encontra provado no processo, foi celebrado um contrato de prestação de serviços, na modalidade com mandato de representação, por via do qual a Recorrida como advogada se obrigou a apresentar tempestivamente as alegações de Recurso e ainda a realização dos imprescindíveis atos jurídicos de acordo com as regras profissionais e deontológicas da respetiva atividade, e o não cumprimento da obrigação a que estava adstrita fá-la incorrer em responsabilidade civil contratual.
LXXI. Por violar, desse modo grave, grosseiro e doloso, os seus deveres contratuais e deontológicos, nomeadamente os constantes dos Artigos 44.º do C.P.C, 799.º, 1157.º e 1161.º al. c) do Código Civil e 81.º, 97.º n.º 1 e 2, 100.º e 104.º n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados.
LXXII. Em jeito de conclusão, é notório que a Recorrida, Dra. C. F. não cumpriu, ponto por ponto, o contrato de mandato que celebrou com o Recorrente,
LXXIII. Já que por culpa sua, o recurso interposto em nome do Recorrente não foi admitido por extemporaneidade e após ter conhecimento da Decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, nada mais lhe comunicou,
LXXIV. Criando, no Recorrente, a convicção que teria cumprido tal obrigação.
LXXV. E bem sabia as consequências que adviriam dessa sua ilícita omissão de atuação, ou seja, que da extemporaneidade das alegações de recurso, resultaria, como resultou, a confirmação da decisão recorrida, da qual o Recorrente já tinha dado a conhecer a sua intenção de recorrer.
LXXVI. O que leva à conclusão, inelutável, de que a Recorrida retirou ao seu cliente a possibilidade de exercer o seu direito de defesa e, consequentemente, a possibilidade de ver apreciados no processo pelos Tribunais Superiores os seus argumentos, as suas razões e provas que as suportariam, de intervir no desenvolvimento e resultado do processo, bem como lhe retirou a oportunidade de o Recorrente ver a sua situação apreciada por aquele tribunal, o que constitui, só por si, um dano autónomo.
LXXVII. O que jamais a Sentença recorrida poderia ignorar, como inopinadamente fez.
LXXVIII. Em suma, a Recorrida privou o Recorrente do exercício do seu direito de defesa, como bem jurídico, tutelado pelo contrato de mandato forense celebrado entre ambos,
LXXIX. Danos esses que têm de ser ressarcidos, prejuízos concretos e quantificados, que devem ser indemnizados,
LXXX. Pelo que não colhe, de forma alguma, a argumentação aduzida na Sentença agora recorrida, na parte em que refere que o Recorrente não logrou provar os danos patrimoniais e não patrimoniais.
LXXXI. Nessa exata medida, resulta à saciedade que carece de total fundamento a afirmação feita pelo Tribunal a quo de que o Recorrente não alegou nenhum facto, que ponha em causa a bondade da decisão impugnada,
LXXXII. Pois, na verdade, descreveu situação de direito e de facto, que levaria com grande probabilidade à procedência parcial ou total do recurso.
LXXXIII. Mas, sem conceder, como supra se alegou, o ter tido a Recorrida a supra alegada conduta dolosa, que não admissão do recurso, é só por si causa única, direta, necessária e adequada de um dano autónomo.
LXXXIV. Tudo isto a significar que carece de fundamento lógico, lógico jurídico e teleológico, a Sentença agora recorrida, que julgou totalmente improcedente a ação interposta pelo Recorrente,
LXXXV. A qual, como é facto notório, que não carece de alegação nem de prova, não tomou na devida consideração a realidade dos factos praticados pela Recorrida, a sua causalidade e intencionalidade (ilícita e dolosa), a sua explicação e os sintomas de verdade, que se encontram, sem dúvida, associados aos mesmos,
LXXXVI. Desvalorizando a conduta absolutamente ilícita da Advogada,
LXXXVII. Em face de tudo isso, não se consegue compreender, a forma como o Tribunal a Quo, entendeu, na Sentença recorrida, que o Recorrente não logrou provar os danos patrimoniais e não patrimoniais,
LXXXVIII. E não se compreende como desconsiderou, atuação dolosa da Recorrida, supra melhor explanada,
LXXXIX. A qual causou ao Recorrente, sem sombra de dúvida, para além da angústia e desespero, uma natural e inerente afetação da sua personalidade,
XC. Isto para além dos danos patrimoniais consideráveis, que o afetaram gravemente até através da “perda da chance” com reflexos na sua personalidade, como é evidente,
XCI. Bastando, para tanto, salientar-se a tremenda surpresa de ser citado da execução, quando pensava que o Recurso que a Recorrida foi incumbida de apresentar, ainda estava em fase de apreciação.
XCII. Assim sendo, e contrariamente ao decidido pelo Tribunal a Quo, a referida conduta dolosa da Recorrida, como mandatária do Recorrente, constitui uma manifesta violação do dever de zelo causadora direta de um dano na posição jurídica do mandante com expressão patrimonial.
XCIII. Em face disso, e em total colisão com a Sentença recorrida, é indiscutível e seguro que o Recorrente tem de ser indemnizado em quantia certa, em última análise com recurso à equidade, nos termos do art.º 566, n.º 3 do CPC, com a prudência que faltou na decisão recorrida,
XCIV. Falta essa resultante, além do mais, da total desconsideração da prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento,
XCV. Mormente das declarações prestadas pelo Autor, aqui Recorrente, e pela Testemunha P. G.,
XCVI. Que de forma clara e merecedora de credibilidade, transmitiram ao Tribunal a Quo toda a conduta ilícita e dolosa da Recorrida.
XCVII. Porém, o tribunal recorrido, de forma injustificada e incompreensível, só atribuiu credibilidade às declarações prestadas pela Recorrida,
XCVIII. E diz-se injustificada uma vez que se impunha ao Tribunal a Quo, proceder à valoração da prova de forma coerente, e por sua vez, oferecer credibilidade aos depoimentos do Autor e da Testemunha P. G.,
XCIX. O que a acontecer, como não podia deixar de ser, impunha uma sentença final oposta à Sentença agora recorrida,
C. Ou seja, a condenação da Recorrida nos termos peticionados pelo Autor.
CI. Tanto mais que não se está no caso in merito perante omissão enquadrável no conceito de discricionariedade técnica, autonomia e isenção essencial ao exercício do mandato judicial,
CII. Motivos pelos quais a Sentença recorrida errou na aplicação do Direito, e na subsunção dos factos ao Bom Direito,
CIII. Pelo que deve ser imediatamente revogada e substituída por outra decisão que V/Exas., douta e superiormente proferirão e que decida em sentido contrário,
CIV. Importando salientar, também, que essa omissão só deixaria de ser fundamento de indemnização pelos danos patrimoniais e danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente em virtude de circunstâncias muito excecionais que, manifestamente, não ocorreram no caso sub judice
CV. No qual está manifestamente provado que a Recorrida, como Advogada, agiu de forma dolosa, omitindo do Recorrente quanto ao estado do processo em que era mandatária deste,
CVI. O que teve como consequência a não admissão do recurso por intempestivo, o que impediu um reexame do processo pelos Tribunais Superiores,
CVII. Provocando no Recorrente uma profunda angústia da sua surpreendente posição, quando estava à espera do tempo, com base na confiança dolosa, enganosa, que a Recorrida lhe transmitiu de que o processo continuava a correr os seus regulares termos.
CVIII. E com a supra descrita conduta da Recorrida, esta tornou tal exame irreversível, com prejuízos e manifestos danos para o Recorrente, tão notórios que nem carecem de alegação nem de prova,
CIX. Pensar o contrário, como foi argumentado na Sentença recorrida, é dar um prémio a quem é relapso e abrir uma porta ao caos – e a esperança nunca morre.
CX. No presente processo ficou cabalmente provado que a Recorrida, apesar de ser incumbida para tal pelo Recorrente, apresentou as alegações de Recurso extemporaneamente,
CXI. Acrescendo que a Recorrida, ainda criou, maliciosamente, a convicção no Recorrente de que ele teria, atempadamente, apresentado as respetivas alegações de Recurso,
CXII. Não lhe tendo transmitido que o Tribunal da Relação de Guimarães não admitiu o Recurso interposto.
CXIII. O que significa a todas as luzes que a Recorrido teve uma omissiva e dolosa conduta em total desacordo com as obrigações, que contratualmente assumiu para com o Recorrente (irrefragável omissão do zelo exigível no cumprimento de tais obrigações).
CXIV. E com grave e também manifesta violação dos seus deveres deontológicos.
CXV. Em plena falta de cumprimento das “legis artis”, numa situação em que de modo algum havia qualquer discricionariedade técnica, de maneira nenhuma havia qualquer outra hipótese a não ser apresentar as alegações de recurso como tinha sido solicitado, e pago, pelo Recorrente.
CXVI. Pois a Recorrida tinha plena consciência, bem sabia, e não podia ignorar, que tinha a estrita obrigação de cumprir o que lhe fora incumbido pelo Recorrente, ou seja, apresentar tempestivamente as alegações de Recurso,
CXVII. Alheando-se a Recorrida, portanto, da aplicação das “legis artis”, não tendo apresentado tempestivamente as tais alegações, e bem pior do que isso, sabendo após que o recurso não foi admitido, não comunicou tal factualidade ao Recorrente,
CXVIII. Tendo o Recorrente tido conhecimento disso, quando, volvidos largos anos, foi citado de uma ação executiva intentada em sequência desse processo.
CXIX. Dessa forma, e ao invés do inopinadamente decidido pelo Tribunal a Quo, o Recorrente, como é facto notório, que não carece de alegação nem de prova, sentiu-se profundamente confuso, humilhado e indignado perante a grave e dolosa condutada sua mandatária,
CXX. Sofrendo com isso danos não patrimoniais que são inquestionáveis, e que mereciam, ser tutelados pelo direito,
CXXI. O que, em total arrepio da lei e da justiça, a Sentença recorrida não fez.
CXXII. Por fim, quanto à questão da responsabilidade civil contratual da Recorrida, Dra. C. F., é totalmente de sindicar a Sentença recorrida,
CXXIII. Na medida em que, não é possível acompanhar o raciocínio do Tribunal a Quo, na parte em que considera que o Recorrente não pode ser indemnizado pela recorrida por não ter provado os danos patrimoniais e não patrimoniais.
CXXIV. Ora, atento à factualidade constante dos autos, é patente que entre Recorrente e a Recorrida foi celebrado um contrato de mandato,
CXXV. Demonstrado como ficou que o Recorrente contactou a Recorrida Dra. C. F., a quem incumbiu de apresentar alegações de Recurso no âmbito do processo 502/12.6TBVVD, do Juízo Central Cível de Braga,
CXXVI. Tendo a mesma anuído e ficado com a responsabilidade de interpor, tempestivamente, o Recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães,
CXXVII. Sendo que, conforme resulta da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, o Recorrente pagou os honorários relativos a tal peça processual.
CXXVIII. Também, no caso dos autos, e face à inopinada Sentença da qual agora se recorre, é pertinente chamar à colação a deontologia profissional,
CXXIX. Conjunto de deveres, princípios e normas que regulamentam o comportamento público e profissional dos advogados que, na execução do acordado com o cliente, devem praticar, reciprocamente, a lealdade e a confiança, sob pena de colocarem em crise a relação jurídica criada, agindo segundo as exigências das “leges artis”, os deveres deontológicos da classe e os conhecimentos jurídicos, então, existentes, de acordo com o dever objetivo de cuidado,
CXXX. Sendo pacífico que estamos perante um contrato de mandato forense, oneroso e com representação, celebrado entre a Recorrida C. F. e o Recorrente, o qual teve por objeto a apresentação tempestiva das alegações de recurso como processualmente se lhe impunha, e tinha sido incumbido pelo Recorrente,
CXXXI. A Recorrida, numa total conduta ilícita e dolosa, apresentou as Alegações de Recurso extemporaneamente, razão pela qual o mesmo não foi admitido pelo Tribunal da Relação de Guimarães,
CXXXII. Tendo, dessa forma, se formado caso julgado de uma Sentença de 1.ª Instância desfavorável para o Recorrente, e da qual ele tinha imperioso necessidade de recorrer.
CXXXIII. Não obstante tudo isso, a Recorrida, omitiu ao Recorrente a extemporaneidade do Recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães, fazendo-lhe crer que estaria a aguardar o competente acórdão.
CXXXIV. Também nesta parte não se suscitam quaisquer dúvidas relativamente ao cumprimento defeituoso desse contrato por parte da Recorrida,
CXXXV. É, ainda, inquestionável que a omissão em que incorreu foi ilícita e culposa, o que contrariamente ao decidido pelo Tribunal a Quo, a toma inteiramente responsável pelos prejuízos, que causou ao Recorrente, nos termos dos art.ºs 798.º e segs. do Código Civil,
CXXXVI. E tudo sito por se tratar de responsabilidade civil contratual, onde a culpa sempre se presume,
CXXXVII. E não tendo a Recorrida ilidido tal presunção estabelecida no n.º 1 do art.º 799.º, tem, assim, de se concluir que agiu com culpa grave e efetiva.
CXXXVIII. Nessa conformidade, é incontroverso que o Recorrente sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, cujos montantes devem ser fixados nas quantias peticionadas em sede de Petição Inicial.
CXXXIX. Aliás, sempre se dirá que se a Recorrida C. F. tivesse apresentado tempestivamente as alegações de recurso, o aqui Recorrente não teria sido condenado ao pagamento da quantia de montante de €130.000,00 (Cento e Trinta mil euros), acrescido de juros de mora, calculados sobre aquele montante à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento.
CXL. O que leva á inelutável conclusão de que, e ao contrário do que consta da Sentença Recorrida, a conduta ilícita e culposa da Recorrida foi causa única, direta, necessária e adequada de um elevado dano patrimonial e de um grave dano não patrimonial.
CXLI. Já que, se reitera, no cumprimento do mandato forense o advogado deve colocar todo o seu saber e empenho na defesa dos interesses do seu constituinte, naturalmente com respeito pelas regras de conduta (nomeadamente de deontologia) genericamente impostas no exercício da respetiva profissão,
CXLII. Ou seja, embora nesse cumprimento não se inclua pelo menos em regra, a obrigação de ganhar a causa, o certo é que a Recorrida tinha o dever de defender os interesses diligentemente, o que não fez, segundo as regras da arte, com o objetivo de vencer a lide; tratando-se , como habitualmente se refere, de uma obrigação de meios e não de resultado (cfr., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de 29/4/2010, processo n.º 2622/07.0TBPNF.Pl.Sl, de 28/9/2010, processo n.º 171/2002.Sl e de 4/12/2012, processo n.º 289/10.7TVLSB.Ll.S1).
CXLIII. A Recorrida ao não apresentar, tempestivamente, as alegações de Recurso, em conformidade com o solicitado e incumbido pelo Recorrente, violou o contrato de mandato que o ligava ao Recorrente,
CXLIV. Sendo por demais evidente que a Recorrida não estudou com cuidado e não tratou com zelo a questão de que foi incumbida.
CXLV. Além disso, ocultou isso mesmo ao Recorrente, e omitindo informação por ele pedida sobre o seu andamento, violando, deste modo, o dever imposto pelo art.º 100º do EOA, segundo o qual deve prestar ao cliente, "sempre que lhe for pedido, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas'', dever esse (tal como os restantes) que estava obrigado a cumprir "pontual e escrupulosamente"
CXLVI. E sabido é que, no âmbito da responsabilidade civil contratual, o pressuposto do incumprimento traduz-se na não realização objetiva da prestação devida (acórdão do STJ de 27/11/2008)
CXLVII. Em face disso, é no mínimo estranho o teor da Sentença recorrida,
CXLVIII. Porquanto, tendo na devida consideração a referida conduta ilícita e omissiva da Recorrida, resultou como causa adequada a “perda da Chance” por parte do Recorrente de ver apreciado pelos Tribunais superiores a sua defesa, de ver, assim, alterada na totalidade ou pelo menos em parte a sentença de 1ª Instância, que o condenou no pagamento da quantia de €130.000,00 (Cento e Trinta Mil euros),
CXLIX. Perda da chance essa que é portadora de um valor de per si, sendo a respetiva perda passível de indemnização, nomeadamente quanto à frustração das expectativas, que fundadamente nela se filiaram.
CL. No caso dos autos, tal chance foi, irremediavelmente, afastada por causa do ato da Recorrida, a qual violou as regras gerais da responsabilidade civil contratual, que vigoram no nosso ordenamento jurídico.
CLI. E a “perda de chance” ou perda de oportunidade deve ser valorada como um dano autónomo e indemnizada segundo um julgamento de equidade, desde que sendo possível, como no caso presente, com a prova produzida em sede de julgamento, formar o julgador a convicção de que a conduta negligente do mandatário judicial frustrou uma probabilidade de ver alterada a seu favor a sentença que o condenou, ainda que parcial ou mínima, da pretensão ou da defesa do seu cliente.
CLII. Contrariamente ao que foi decidido na Sentença ora recorrida, com fundamento em juízos de equidade, pela dita “perda de chance”, devia ser atribuído ao Recorrente, ao abrigo do disposto nos arts.º 4º e 566º, n.º 3, do C. Civil, uma indemnização,
CLIII. Dado que face à conduta ilícita, dolosa e culposa da Recorrida, assistiu ao caso julgado da Sentença que o condenou no pagamento de €130.000,00 (Cento e trinta mil euros).
CLIV. No que concerne à indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente em consequência da conduta contratual ilícita e culposa da Recorrida,
CLV. Há que destacar que o Recorrente, conforme ficou notoriamente provado em sede de Audiência de Julgamento, quer através das suas declarações, quer através do depoimento das restantes testemunhas, que sofreu bastante, sentindo-se revoltado por ter ficado abruptamente privado da possibilidade de recorrer para os tribunais superiores, para além do facto da Recorrida não lhe ter transmitido a verdade sobre o estado do processo,
CLVI. A qual omitiu o real estado do Processo, ficando o Recorrente a pensar que teria sido interposto tempestivamente, e que ficaria a aguardar pelo Acórdão, que poderia, certamente, ser favorável.
CLVII. Ora, com grande surpresa sua, foi o aqui Recorrente citado do processo executivo n.º 4688/20.8T8VNF, a correr termos no Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão – Juízo, cujo titulo executivo dado a tal execução foi precisamente a sentença proferida no processo 502/12.6TBVVD, que a Recorrida ficou incumbida de interpor recurso, e não o fez.
CLVIII. Ora, dessa forma, e face ao supra alegado, que injustificadamente não foi tido em consideração pelo Tribunal a Quo, censurável é não só a falta de zelo da Recorrida C. F.,
CLIX. Mas também a falta de transparência na relação com o seu cliente Recorrente, designadamente por não lhe ter dado conta da real situação em que se encontrava o processo em que era sua Advogada.
CLX. Porque estamos perante responsabilidade Civil Contratual, os danos não patrimoniais são indemnizáveis, desde que do clausulado (ou de normas imperativamente aplicáveis) não resulte uma sanção autónoma para o incumprimento e que o dano não patrimonial apurado resulte diretamente do incumprimento, por verificação da causalidade adequada na formulação do disposto no art. 563º, do C. Civil (por todos, cfr. o já citado Ac. do STJ de 29.04.2010, relatado por Sebastião Póvoas).
CLXI. Nessa exata medida, e face ao exposto, impunha-se, ao Tribunal Recorrido, face à factualidade conhecida na pendência dos autos, julgar totalmente procedente a Ação intentada pelo Recorrente,
CLXII. E, nessa sequência, condenar as Recorridas a indemnizar o Recorrente,
CLXIII. Sendo que essa indemnização não mais seria do que dar ao Recorrente uma compensação pelo dano sofrido,
CLXIV. Proporcionando-lhe situações ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, tanto quanto possível, a intensidade da dor física e psíquica (cfr. Vaz Serra, BMJ 78, pág. 83 e BMJ 278, pág. 182).
CLXV. Através dela visa-se compensar prejuízos como os desgostos morais, os vexames, a todos os danos à privação de liberdade e ao bom nome e honra do Recorrente,
CLXVI. Sendo assim, no nosso caso, merecendo os danos não patrimoniais apurados, pela sua gravidade, a tutela do direito – art. 496º, n.º 1, do C. Civil –, o montante da indemnização correspondente a tais danos deve ser calculada (haja dolo ou mera culpa), segundo critérios de equidade, atendendo, nomeadamente, ao grau da culpabilidade do responsável, à sua situação económica, às do lesado e do titular da indemnização – art. 494º, aplicável ex vi do art. 496º, n.º 3, do C. Civil –, aos padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência e às flutuações da moeda; havendo ainda que ter em conta a sensibilidade do indemnizado, o grau de sofrimento por ele suportado e a sua idade.
CLXVII. Aplicando as considerações ora expostas ao caso vertente, deve a indemnização pelos apontados danos não patrimoniais (morais) sofridos pela autora cifra-se em €50.000,00, (Cinquenta mil euros) levando-se igualmente em conta a data de prolação da presente decisão.
CLXVIII. Cumpre ainda afirmar que além dos valores indemnizatórios supra mencionados atribuídos a título de “perda de chance” e danos não patrimoniais, atendendo ao momento da prolação da presente decisão (cfr. art.º 566º, n.º 2, do C. Civil), são devidos juros de mora sobre a quantia indemnizatória apurada (€ ), calculados à taxa legal (4% ao ano), desde a data da presente decisão e até integral e efetivo pagamento – cfr. arts.º 559º, n.º 1, 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente), 806º, nºs 1 e 2, do C. Civil – cfr. ainda Ac. do STJ de 09.02.2002 para fixação de jurisprudência (n.º 4/2002), publicado no D.R. Série I-A, de 27.06.2002.
CLXIX. Por último, cumpre alegar que na Sentença Recorrida, o julgador de 1.ª Instância, que a proferiu, não tomou também em consideração o apuramento, através de prova testemunhal produzida, e não só, dos pertinentes factos segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e que é a ele e não às partes que compete fazer o enquadramento jurídico dos mesmos,
CLXX. Sendo este último necessariamente no sentido de com fundamento nos pertinentes preceitos jurídicos se condenarem as Recorridas no pagamento ao Recorrente das referidas quantias indemnizatórias pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por este,
CLXXI. E que tiveram como causa única, direta, necessária e adequada, a conduta dolosamente omissiva da Recorrida.
CLXXII. Nessa conformidade, face a tudo o supra alegado, e contrariamente ao inusitado entendimento do Tribunal a Quo, tem-se de concluir, face a toda a prova produzida, que estão preenchidos os pressupostos necessários para que seja julgada totalmente procedente a ação por si interposta,
CLXXIII. Uma vez que a responsabilidade civil contratual tem como pressupostos a inexecução da obrigação (ato ilícito), o dolo (na sua plenitude imputável à Recorrida C. F., como dano patrimonial de €130.000,00 (Cento e Trinta Mil euros) e a causalidade adequada (tal prejuízo advém única e exclusivamente da apresentação extemporânea das devidas alegações de Recurso, omissão e conduta enganosa daquela), e dano não patrimonial nunca inferior a €50.000,00 (Cinquenta mil euros).

Termina entendendo que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida.

A interveniente Y COMPANY SE, Sucursal em Espanha, apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 262.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2 (aplicável “ex vi” do artº. 663º, n.º 2 in fine), 635º, nº. 4, 637º, nº. 2 e 639º, nºs 1 e 2 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante designado NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pelo Autor, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:
I) - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
II) - Saber se deverá ser alterada a solução jurídica da causa.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:

1. A ré C. F. exerce a profissão de advogada, estando inscrita na Ordem dos Advogados desde 04.05.2001.
2. Entre o autor e a ré C. F. foi celebrado um contrato de mandato, através do qual aquele constituiu a ré como sua mandatária com vista a assegurar a sua defesa no processo que correu termos sob n.º 502/12.6TBVVD, do Juízo Central Cível de Braga - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, contra o pagamento de honorários e despesas.
3. O processo n.º 502/12.6TBVVD foi instaurado por E. R. contra o autor e sua mulher, P. G., peticionando-se, além do mais, a condenação destes no pagamento de € 150.000,00.
4. Naquele processo, a ré C. F. apresentou contestação em 06.07.2012.
5. E foi proferida sentença no dia 17.04.2015, em que julgando a ação parcialmente procedente, declarou-se “válida a resolução operada pelo autor, do contrato-promessa celebrado, entre o mesmo e o Réu A. L., em 16.01.2008” e condenou-se “o referido Réu a pagar ao Autor o montante de 130.000,00 € (cento e trinta mil euros) a título de devolução, em dobro, dos veículos entregues a título de sinal, acrescido de juros de mora, calculados sobre aquele montante à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento, absolvendo-o do remanescente, mais absolvendo a Ré da totalidade do pedido. Custas da ação por Autor e Réu na proporção do respetivo decaimento, fixando-se à causa o valor indicado na petição inicial”.
6. A notificação de tal sentença às partes foi elaborada/inserida na plataforma informática Citius no dia 21.04.2015, pelas 17h49m42s, com a data de 22 de abril de 2015.
7. A sentença foi lida pelas mandatárias das partes no dia 22 de abril de 2015.
8. A ré informou o autor do teor da sentença.
9. E transmitiu-lhe o seu entendimento de que as hipóteses de sucesso de recurso estavam seriamente constrangidas por falta de fundamento.
10. Apesar do entendimento da ré quanto ao eventual sucesso do recurso, o autor decidiu interpor recurso da sentença proferida no âmbito do processo n.º 502/12.6TBVVD.
11. A ré apresentou no processo n.º 502/12.6TBVVD, no dia 29 de maio de 2015, requerimento, alegando que se encontrava internada desde o dia 24.05.2015, sendo previsível um período de internamento entre 05 a 10 dias após a realização de uma cirurgia no dia 03.06.2015, solicitando a prorrogação do prazo de recurso por período nunca inferior a 15 dias.
12. Por despacho datado de 05.06.2015, foi deferida a prorrogação do prazo para interpor recurso por 15 dias.
13. A ré interpôs recurso da sentença, apresentando as respetivas alegações, no dia 25.06.2015, liquidando a multa correspondendo à prática do ato no primeiro dia útil após o decurso do prazo que dispunha para recorrer.
14. O recurso foi admitido pelo tribunal recorrido por despacho datado de 23.09.2015.
15. Por despacho proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 21.10.2015, foi ordenada a notificação do recorrente A. L. para, no prazo de 5 dias, exercer o contraditório face à questão da extemporaneidade do recurso suscitada nas contra-alegações do recorrido.
16. A ré, na qualidade de mandatária de A. L., aí recorrente, respondeu àquela notificação, pugnando pela tempestividade do recurso interposto.
17. Em finais de outubro de 2015, cessou a relação entre o autor e o escritório de advogados da ré, tendo aquele constituído outro mandatário, estranho àquele escritório, em vários processos que eram ali tramitados até essa data.
18. Por decisão singular proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, datada de 26.11.2015, foi decidido que “não se pode conhecer do objeto da apelação, porque interposta esta após o decurso do prazo perentório (art. 638º, n.º 1, do C.P.C) disponível para o efeito, tendo, portanto, os apelantes A. L. e P. G., deixado extinguir/precludir o direito de praticar o competente ato”.
19. Essa decisão foi notificada às partes no dia 03.12.2015.
20. A ré comunicou ao autor o teor da decisão que não conheceu do objeto do recurso interposto, informando aquele do que poderia fazer processualmente para reagir.
21. O autor não incumbiu a ré de reagir processualmente ao despacho que não conheceu o objeto do recurso interposto.
22. O autor nunca mais contatou a ré, designadamente a propósito do processo n.º 502/12.6TBVVD.
23. O autor foi citado no âmbito do processo executivo n.º 4688/20.8T8VNF, Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, cujo título executivo é a sentença proferida na ação n.º 502/12.6TBVVD.
24. A ré beneficia de um contrato de seguro de grupo de responsabilidade civil profissional, associado à sua inscrição como advogada, titulado pela apólice n.º ...........A, em que figura como segurador a Y Company SE, Sucursal en España, e como tomador a Ordem dos Advogados, com um limite de indemnização de € 150.000,00 (sem limite por anuidade) e franquia de € 5.000,00 por sinistro, com período de cobertura das 00h00 do dia 01 de janeiro de 2021 às 00h00 do dia 01 de janeiro de 2022, em vigor desde 01.01.2018, tendo em vista dar satisfação às reclamações de terceiros com base em dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos antes da data de efeito daquela apólice (e sem qualquer limitação temporal da retroatividade) ou durante o período de seguro.
25. Em 29 de junho de 2020, a ré C. F. contratou junto da Y Company SE uma apólice de seguro de reforço de capital emitida sob o n.º ...........1A-0049, a qual esteve em vigor entre as 0h00 do dia 29.06.2020 e as 24h00 do dia 31.12.2020, renovado para a anuidade de 2021, sob o n.º de apólice ...........1A-...7, até ao limite de € 150.000,00 por sinistro em excesso da cobertura prevista na apólice base/de grupo contratada pela Ordem dos Advogados, prevendo-se a manutenção da franquia de € 5.000,00 por sinistro.
26. A ré C. F. participou à interveniente Y Company SE a factualidade reportada ao sinistro profissional que lhe é imputado pelo autor em 01.06.2021.
27. Em 01.06.2021, as apólices n.ºs ...........A e ...........1A-...7 encontravam-se em vigor.
28. Nos termos previstos na alínea a) do art. 3º das condições especiais dos contratos de seguro identificados em 24 e 25 “Ficam expressamente excluídos da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido (a) do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação”.
29. E prevê o art. 4º das Condições Especiais que a apólice será “competente exclusivamente para as reclamações que sejam pela primeira vez apresentadas no âmbito da presente apólice:
a) Contra o segurado e notificadas ao segurador;
b) Contra o segurador em exercício de ação direta;
c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberta, com fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado, após a data retroativa”.

Por outro lado, na sentença recorrida, foram considerados não provados os seguintes factos [transcrição]:
30. A disponibilização e consulta da sentença proferida no âmbito do processo n.º 502/12.6TBVVD só foi possível no dia 22 de abril de 2015.
31. Existia manifesta probabilidade de êxito no recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães.
32. A ré omitiu ao autor a extemporaneidade do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães e o teor da decisão identificada em 18, fazendo-lhe crer que estaria a aguardar o competente acórdão.
33. Perante a execução indicada em 23, o autor tentou, por diversas vezes e vários meios, designadamente telefónico, contactar com a ré para esta o elucidar/informar do acórdão proferido quanto ao recurso interposto, sem sucesso.
34. O autor acabou por revogar a procuração que tinha outorgado à ré, para poder constituir, como constitui, um novo mandatário e poder consultar o processo 502/12.6TBVVD.
35. O autor só tomou conhecimento e consciência da não apresentação atempada do recurso, da sua rejeição e do trânsito em julgado da sentença recorrida e da omissão de tais factos pela ré, em janeiro de 2021 aquando da citação para a ação executiva identificada em 23.
36. A atuação da ré descrita em 32, causou ao autor angústia, preocupação, desgosto, problemas conjugais, de saúde, da sua honra e bom nome.
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A restante matéria vertida nos articulados é conclusiva ou de direito e os demais factos não assumem relevância considerando o objeto do litígio e os temas da prova enunciados na audiência prévia.
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Apreciando e decidindo.

I) – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Vem o A., ora recorrente, impugnar a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que:
a) - os pontos 9 e 20 a 22 dos factos provados sejam dados como não provados;
b) - os pontos 32 a 36 dos factos não provados sejam considerados provados;
por entender que o Tribunal “a quo” valorou erroneamente a prova produzida em audiência de julgamento, designadamente o depoimento de parte da Ré Drª. C. F., o depoimento/declarações de parte do Autor e o depoimento da testemunha P. G., esposa do Autor.

Ora, na “motivação de facto” que integra a sentença recorrida, escreveu-se o seguinte [transcrição]:
A decisão sobre a matéria de facto resultou da valoração conjunta e crítica do acordo das partes decorrente dos articulados (pontos 1, 26 e 27) com o teor dos documentos de fls. 11/20 (cópia da sentença proferida no âmbito do processo n.º 502/12.6TBVVD – 3 e 5), fls. 29v/30 (cópia da citação no processo executivo n.º 4688/20.8T8VNF – ponto 23), fls. 31 (cópia do despacho do TRG de 21.10.2015 proferido no processo n.º 502/12.6TBVVD – ponto 15), fls. 32/34 (cópia da decisão singular do TRG de 26.11.2015 proferido no processo n.º 502/12.6TBVVD – ponto 18), fls. 62 (informação retirada da plataforma citius), fls. 62v/64 (cópia do requerimento apresentado pela ré a pedir prorrogação do prazo para recorrer da sentença proferida no processo n.º 502/12.6TBVVD – ponto 11), fls. 65 (cópia do despacho datado de 05.06.2015, que prorrogou o prazo para apresentar recurso – ponto 12), fls. 66 (cópia do despacho datado de23.09.2015 proferido pelo Tribunal recorrido que admitiu o recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães – ponto 14), fls. 67 (cópia do requerimento apresentado pela ré perante o TRG a pugnar pela tempestividade do recurso interposto – ponto 16), fls. 68/87, 111/126 e 127/167 (cópia das condições gerais e especiais e particulares das apólices n.º ...........A e n.º ...........1A-0...7 – pontos 24, 25, 28 e 29) e ref. 178531316 (documento retirado da plataforma citius relativo aos atos praticados no processo n.º 502/12.6TBVVD, no qual se retira a data e hora de inserção da notificação às partes da sentença proferida na 1ª instância – 21.04.2015 - e a data colocada como sendo a dessa notificação – 22.04.2015 – pontos 6 e 7), da consulta efetuada ao processo n.º 502/12.6TBVVD – apensado à presente ação conforme foi ordenado em sede de audiência de discussão e julgamento) – (pontos 2, 3, 4, 5, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 19) - e, ainda, com o depoimento de parte da ré, o depoimento/declarações de parte do autor e o depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento.
Particularizando.
A Ré C. F., com o nome profissional de C. F., relatou de forma objetiva, precisa, coerente e serena, as relações profissionais que manteve com o autor, esclarecendo designadamente a sua atuação no que se refere ao processo judicial que correu termos sob o n.º 502/12.6TBVVD, do Juízo Central Cível de Braga, J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
Começou por dizer que o autor foi cliente do escritório de advogados onde exerce a sua atividade, desde, pelo menos, o ano de 2010. Referiu que o litígio a que se reportava o processo que correu termos sob o n.º 502/12.6TBVVD, foi sempre tratado e acompanhado por ela, depois de o autor e a sua mulher lhe terem apresentado a petição inicial dessa ação, com vista à contestação da mesma. A ré declarou que o principal objetivo com a defesa solicitada, prendia-se com a absolvição da mulher do autor, demandada naquele processo, sem que tivesse tido qualquer intervenção na factualidade que ali se discutia. A ré, na qualidade de mandatária constituída, pelo autor e mulher, deduziu contestação e acompanhou os ulteriores termos processuais. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida a sentença, a qual absolveu a mulher do autor, condenando este no pagamento da quantia de € 130.000,00. A ré afirmou que explicou o teor da sentença ao autor, acrescentando que o sentido daquela decisão era o esperado, atendendo à prova produzida. Explicou, ainda, que, nessa ocasião, foi discutida com o autor a possibilidade de interpor recurso, embora o tenha alertado dos riscos que corria, ou seja, as hipóteses reduzidas de sucesso e até a reversão da absolvição da sua mulher, caso fosse interposto um recurso subordinado. De todo o modo, e porque o autor manifestou interesse em prorrogar o trânsito em julgado da sentença, ficou assente que a ré deveria interpor recurso da sentença proferida em 1ª instância. A ré esclareceu que interpôs recurso, em conformidade com o decidido pelo autor, tendo apresentado as respetivas alegações no prazo legal que dispunha para o efeito, considerando a respetiva contagem a partir da notificação dessa sentença através da plataforma citius e atendendo, ainda, que lhe tinha sido deferida uma prorrogação de 15 dias para recorrer. A ré declarou que telefonou inclusivamente para a secretaria do Tribunal, como faz frequentemente, para se certificar do termo do prazo para recorrer. Declarou que foi notificada da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães que não conheceu do objeto do recurso por entender que este era extemporâneo, questão suscitada nas contra-alegações de recurso pela parte contrária e sobre a qual já se tinha pronunciado, após notificação para esse efeito, no processo, por escrito. Transmitiu o teor dessa decisão ao autor, o qual se mostrou conformado, dizendo-lhe que afinal já tinham conseguido o pretendido, ou seja, a absolvição da sua mulher, que também corriam riscos com o recurso interposto, sendo que já tinha resolvido a questão tratado no processo de outra forma. A ré referiu que estes factos ocorreram no período em que o autor se incompatibilizou com o seu colega de escritório – Dr. J. A. - que o acompanhava noutros assuntos. Na sequência da rutura da relação do autor com o escritório da ré, aquele constituiu um novo mandatário para tratar os assuntos e processos pendentes, o que não ocorreu na ação n.º 502/21.6TBVVD – jamais ocorreu nesta ação uma renuncia ou revogação do mandato que lhe tinha sido conferido pelo autor-, o que contribuiu também para a convicção da ré no sentido de que o autor se tinha efetivamente conformado com a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães em rejeitar o recurso interposto. Aliás, a ré afirmou que a avaliação que faz do recurso interposto é que o mesmo não teria provimento ou teria poucas hipóteses de ser julgado procedente. Por fim, a ré afirmou que é beneficiária de um contrato de seguro de responsabilidade profissional celebrado com a interveniente, relativamente ao qual efetuou um reforço da apólice mais recentemente, sendo que só comunicou os factos em discussão neste processo para efeitos de acionamento do seguro depois de ter sido citada para a presente ação. Só alguns dias antes da propositura da presente ação é que tomou conhecimento que a sua atuação no âmbito da ação n.º 502/12.6TBVVD podia ser geradora de responsabilidade profissional, como pretende agora o autor, já que entre finais de 2015 até então jamais voltou a ser abordada sobre tal assunto.
O autor A. L. declarou que foi cliente do escritório onde a ré exerce a sua atividade profissional de advogada, acrescentando que foi esta quem tratou sempre do processo n.º 502/12.6TBVVD. Referiu que a absolvição da sua mulher nesse processo era um dos objectivos pretendidos com a defesa assegurada pela ré, o que foi alcançado. O autor declarou que confiou sempre na ré, acrescentando que foi decidido que seria interposto recurso da sentença proferida em 1ª instância naquele processo, designadamente com o objetivo de se ganhar tempo para conseguir um acordo extrajudicial quanto ao litígio vertido nessa ação. O autor declarou que estava convencido que esse acordo extrajudicial seria alcançado e por isso despreocupou-se quanto ao mais. Afirmou que, entretanto, ocorreu a rutura da relação que mantinha com o escritório da ré, sendo que quer esta, quer o seu colega de escritório, Dr. J. A., renunciaram às procurações que lhe tinham sido conferidas por si. Declarou que isso não sucedeu no processo n.º 502/16.8TBVVD, no qual não constituiu nenhum outro mandatário, afirmando ter perdido interesse nessa ação. Referiu que só quando foi citado, em 2021, no âmbito de uma ação executiva em que a sentença proferida naquela ação constitui o título executivo é que percebeu que a ré nunca o informou que o recurso tinha sido interposto fora do prazo, nem nunca prestou qualquer esclarecimento sobre o mesmo. Afirmou que não pagou a quantia que se pretende executar no processo executivo, sendo que o aí exequente pretende alcançar uma compensação de créditos, uma vez que foi considerado devedor do autor numa outra ação.
A testemunha P. G., mulher do autor, declarou que nunca falou com a ré C. F. a propósito do processo n.º 502/12.6TBVVD, tendo acrescentado que só tomou consciência da existência do mesmo quando o autor foi citado no âmbito do processo executivo cujo título é a sentença ali proferida. A partir deste ponto do seu depoimento, a testemunha revelou um conhecimento pouco consistente dos factos, declarando, porém, que a ré C. F. nunca lhe comunicou a rejeição do recurso interposto ou o resultado do mesmo. Confirmou a verificação de uma rutura da relação que existiu entre o autor e o escritório da ré no ano de 2015, referindo que houve renuncia aos mandatos que o marido tinha conferido. Declarou que recolheu toda a documentação relativa aos assuntos que eram tratados no escritório da ré em 2017 e que contrataram outro advogado para acompanhar esses assuntos, nos quais não estava incluído o processo n.º 502/12.6TBVVD. Reconheceu que neste processo não houve renuncia ao mandato.
A testemunha J. A., marido da ré C. F., declarou que o autor foi, durante alguns anos, cliente do escritório onde ambos exercem a sua atividade de advogados. Afirmou que não tem qualquer conhecimento direto sobre o processo n.º 502/12.6TBVVD, no qual jamais teve qualquer intervenção. Declarou que este processo sempre foi tratado e acompanhado pela ré. Referiu que a partir de outubro de 2015 verificou-se uma perda de confiança entre o autor e ele e, consequentemente, decidiram de forma consensual pôr termo ao relacionamento profissional, tendo renunciado às procurações que aquele lhe havia conferido. Desde essa data, nunca mais falou com o autor, desconhecendo se este voltou a reunir-se com a ré a propósito de algum assunto. A mulher do autor deslocou-se posteriormente ao escritório onde recolheu toda a documentação ali existente relativa a processos pendentes. A testemunha demonstrou a convicção de que à data do termo da relação com o autor, o assunto relacionado com o processo n.º 502/12.6TBVVD já se encontrava resolvido. Só tomou conhecimento que existia um processo executivo instaurado contra o autor quando o mandatário deste lhe telefonou durante o ano de 2021 a informá-lo desse facto.
A testemunha R. P. foi funcionária no escritório onde a ré exerce a sua atividade durante 44 anos, tendo desempenhado funções maioritariamente externas, junto das finanças, conservatórias, correio e repartições públicas. Não demonstrou conhecimento sobre factos essenciais que pudessem contribuir para a decisão da causa. Afirmou, no entanto, que o autor foi cliente do escritório desde os anos de 2008/2009 e até outubro de 2015, altura em que ocorreram as renuncias às procurações conferidas à ré e ao Dr. J. A.. Revelou desconhecimento sobre se o autor voltou ao escritório para falar com a ré após outubro de 2015. Não demonstrou conhecimento sobre o processo n.º 502/16.8TBVVD, nem se a decisão de rejeição do recurso foi ou não comunicada ao autor. Declarou que depois da rutura da relação do autor com o escritório, foram entregues à mulher do autor várias caixas contendo documentação reportada aos assuntos que ali eram tratados.
O Tribunal não identificou nos depoimentos das testemunhas infra identificadas, a presença de processos (v.g. mentiras, exageros ou erros interpretativos) que pudessem interferir com a respetiva credibilidade. Pelo contrário, tais relatos caraterizaram-se pela objetividade, precisão e coerência, merecendo, por isso, credibilidade a este Tribunal.
De todo o modo, aqueles depoimentos pouco ou nada contribuíram para o apuramento dos factos essenciais à resolução do litígio e designadamente para a questão a decidir enunciada sobre o ponto II, 1 – A violação das obrigações assumidas pela Ré C. F. no âmbito do contrato de mandato celebrado com o autor.
Na verdade, do depoimento da testemunha P. G. resulta que esta nunca falou com a ré C. F. a propósito do processo n.º 502/12.6TBVVD, o qual afirmou ser um processo do autor, não tendo havido um acompanhamento da sua parte à medida em que decorriam os termos processuais daquele.
A testemunha J. A. nunca teve qualquer intervenção no processo n.º 502/12.6TBVVD.
E a testemunha R. P. nada demonstrou de concreto acerca da tramitação deste processo, nem das conversações havidas entre o autor e a ré a propósito do mesmo.
Assim sendo, os depoimentos destas testemunhas contribuiriam apenas para a prova da factualidade vertida no ponto 17, ou seja, a cessação da relação do autor com o escritório de advogados da ré e a constituição de novo mandatário, estranho àquele escritório, para acompanhamento jurídico dos assuntos do autor que até então eram ali tramitados.
Restam, então, os depoimentos/declarações do autor e da ré, os quais abordaram a factualidade atinente à questão enunciada sob o ponto II, 1.
Importa, assim, comparar estes depoimentos, averiguando se algum deles merece mais credibilidade do que o outro.
A ré C. F. prestou as suas declarações de forma objetiva, precisa e serena, esclarecendo designadamente a sua atuação no que se refere ao processo judicial que correu termos sob o n.º 502/12.6TBVVD, do Juízo Central Cível de Braga, J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga. Afigura-se que o seu depoimento, seguro e sustentado nos termos processuais do processo n.º 502/12.6TBVVD, demonstrou uma atuação profissional séria, correta, com cumprimentos das obrigações que decorriam do contrato de mandato celebrado com o autor. Na sequência do mandato conferido pelo autor para assegurar a sua defesa naquele processo, a ré deduziu contestação, juntou documentos, participou na audiência preliminar, apresentou os meios de prova, participou na audiência de discussão e julgamento, requereu a cópia da gravação da audiência de discussão e julgamento, requereu a prorrogação do prazo para apresentar o recurso da sentença, apresentou o recurso, pugnou pela sua tempestividade quando notificada para se pronunciar sobre tal matéria. Significa, pois, que a ré atuou de forma diligente ao longo do processo, tendo obtido, inclusivamente, a absolvição da ré, o que, de acordo com as afirmações do autor, seria um dos objetivos da defesa. Ora, o facto de a ré ter perfilhado um entendimento jurídico quanto à contagem do prazo de recurso da sentença proferida naquele processo que não mereceu a concordância do Tribunal da Relação de Guimarães, não traduz nenhuma negligência ou incumprimento das obrigações que decorriam do contrato de mandato. Aliás, note-se que o tribunal recorrido entendeu que o recurso que a ré interpôs era tempestivo, como resulta do despacho datado de 23.09.2015. Assim sendo, assentando a rejeição do recurso num entendimento jurídico do Tribunal da Relação de Guimarães quanto à data da notificação da sentença às partes, com claro reflexo na contagem do prazo de recurso, diferente do da ré, não se crê que esta tivesse qualquer pejo em comunicar, como afirmou ter feito, tal decisão ao autor, com vista, designadamente, a que este pudesse ponderar reagir processualmente. Tanto mais que à data da prolação da decisão que rejeitou o recurso, as relações do autor com o escritório da ré já tinham entrado numa fase de rutura, não sendo verosímil que a ré corresse qualquer risco de não comunicar aquela decisão ao autor, já que seria evidente que a falta de tal comunicação traduziria um ato doloso suscetível de poder gerar responsabilidade profissional da mesma. E, sendo assim, merecem inteira credibilidade as declarações da ré quando referiu que comunicou ao autor a decisão que não conheceu o objeto do recurso interposto, informando-o do que poderia fazer processualmente para reagir. E consequentemente a afirmação de que o autor não a incumbiu de reagir a tal despacho, nunca mais tendo voltado a contatá-la.
Note-se que esta versão dos factos encontra alguma sustentação no depoimento do próprio autor – depoimento nem sempre tão preciso e claro quando comparado com o da ré. Na verdade, ficou evidente que o autor depositava grande esperança que o litígio objeto do processo n.º 502/12.6TBVVD pudesse ser resolvido extrajudicialmente, tendo dito inclusivamente que o recurso interposto visou obter um ganho de tempo para alcançar o referido acordo e que face à hipótese deste se despreocupou com o demais. Estas afirmações, conjugadas com os riscos do recurso que já tinham sido transmitidos pela ré, conforme esta teve a oportunidade de relatar, são suscetíveis de tornar compreensível a ausência de instruções dadas à ré para que esta reagisse à rejeição do recurso por extemporâneo. Por último, importa dizer que se a comunicação da rejeição do recurso e a falta de instruções no sentido de reagir processualmente quanto a essa decisão não tivesse ocorrido, seria incompreensível que o autor, face à rutura ocorrida com o escritório da ré, não tivesse pugnado pela renúncia ao mandato que ocorreram nos demais processos pendentes e constituição de novo mandatário que pudesse acompanhar aquele processo até ao seu trânsito em julgado. A falta de renúncia ao mandato pela ré e a ausência de constituição de novo mandatário pelo autor, aponta claramente para a conformação deste face à rejeição do recurso, nos exatos termos declarados pela ré.
Face ao exposto, o Tribunal considerou demonstrados os factos vertidos nos pontos 9, 20, 21 e 22.
A prova da factualidade vertida nos pontos 8 e 10 assentou nas declarações coincidentes, quanto a esta matéria, do autor e da ré.

O Tribunal julgou não demonstrados os factos vertidos nos pontos 30 a 36, atendendo às razões a seguir indicadas:
ponto 30 – a factualidade em causa é contrariada pelo facto da notificação da sentença proferida no âmbito do processo n.º 502/12.6TBVVD ter sido inserida na plataforma citius no dia 21 de abril de 2015, permitindo a sua disponibilização às partes e consulta pelas mesmas;
pontos 31, 33, 34 e 36 – o autor não logrou a prova desta factualidade, sendo que da análise do processo n.º 502/12.6TBVV resulta evidente que o autor não constituiu nenhum outro advogado para além da ré ou do seu colega de escritório, Dr. J. A.;
pontos 32 e 35 – esta factualidade foi contrariada pela prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nos exatos termos supra apreciados.

Decorre do disposto no artº. 662º, n.º 1 do NCPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjectiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no entender do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objecto da impugnação (cfr. acórdão do STJ de 1/10/2015, relatora Cons. Maria dos Prazeres Beleza, proc. n.º 6626/09.0TVLS, disponível em www.dgsi.pt).
Neste sentido, o artº. 640º do NCPC estabelece os ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, sendo a cominação para a inobservância do que aí se impõe a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
Por força deste dispositivo legal, deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do nº. 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do Tribunal “ad quem”, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer oficiosamente e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do nº. 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor de forma clara a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do nº. 1).
Decorre do que atrás se deixou dito que, no caso em apreço, o recorrente cumpriu os ónus que aquele dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do nº. 1, quer o da alínea a) do nº. 2, tendo inclusive procedido à transcrição de alguns excertos do seu depoimento/declarações de parte e do depoimento da testemunha P. G., por ele mencionados para fundamentar a sua pretensão, e estando gravados, no caso concreto, os depoimentos prestados em audiência de julgamento, bem como constando do processo toda a prova documental tida em atenção pelo Tribunal “a quo” na formação da sua convicção, nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto relativamente aos factos provados e não provados colocados em crise no presente recurso.
Acresce referir que, embora o A. mencione, nas conclusões III e IX do seu recurso, que “os factos dados como não provados nos pontos 31, 32, 33, 34, 35 e 36 da Sentença recorrida deveriam, imperativamente, serem considerados como provados”, dali parecendo resultar que também pretenderia impugnar o ponto 31 dos factos não provados, contudo na conclusão XLI refere apenas que “devem os pontos 32, 33, 34, 35 e 36 da matéria de facto dada como não provada, serem considerados provados”, não fazendo mais alguma menção ao ponto 31 dos factos não provados, para além de que em relação a este facto, consideramos que o recorrente não cumpriu cabalmente os ónus estabelecidos no artº. 640º, nº. 1, al. b) e nº. 2 do NCPC, porquanto não especifica nem nas alegações de recurso, nem nas respectivas conclusões, relativamente àquele facto dado como não provado, quais os concretos meios de prova (testemunhal e documental) constantes do processo ou da gravação nele realizada em que fundamenta a sua discordância e que, em seu entender, levariam a uma decisão diversa da recorrida.
É este o entendimento plasmado no acórdão do STJ de 5/09/2018 (proc. nº. 15787/15.8T8PRT, relator Cons. Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt), que aqui sufragamos, onde se conclui que: «A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos» (vide também acórdão do STJ de 20/12/2017, relator Cons. Ribeiro Cardoso, proc. nº. 299/13.2TTVRL, disponível em www.dgsi.pt).
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do STJ de 27/09/2018 (relator Cons. Sousa Lameira, proc. nº. 2611/12.2TBSTS, disponível em www.dgsi.pt), no qual se conclui que o recorrente «não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida (…)».
Por esta razão, não será apreciada a “eventual” impugnação da matéria de facto atinente ao mencionado ponto 31 dos factos não provados, que se mantém, por isso, inalterado.
Em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, incumbe à Relação, “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto” (cfr. acórdão da RG de 15/10/2020, proc. nº. 3007/19.0T8GMR, disponível em www.dgsi.pt).
Importa, porém, não esquecer que se mantêm em vigor os princípios gerais da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova (este último consagrado no artº. 607º, nº. 5 do NCPC), sendo certo que o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Assim, a alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando seja possível concluir, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, ou seja, quando a Relação tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento relativamente a concretos pontos de facto impugnados (cfr. acórdãos da RG de 30/11/2017, proc. nº. 1426/15.0T8BGC-A, de 30/01/2020, proc. nº. 500/18.6T8MDL e de 15/10/2020 acima referido, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Tendo por base estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, apreciar e decidir sobre a impugnação da matéria de facto apresentada pelo ora recorrente.
Com efeito, após ouvida a gravação da prova produzida em audiência de julgamento – com destaque para o depoimento/declarações de parte do Autor A. L. e o depoimento da testemunha P. G. (esposa do Autor), ambos mencionados nas alegações de recurso, relativamente aos factos provados e não provados acima referidos e colocados em crise pelo recorrente - e sopesando-a com a restante prova existente no processo, designadamente com o depoimento de parte da Ré Drª. C. F., com o nome profissional de C. F., os depoimentos das demais testemunhas inquiridas e os documentos referidos na fundamentação de facto, constatamos que o Tribunal “a quo” fez uma correcta apreciação e análise crítica e minuciosa de todos os elementos de prova constantes do processo, confrontando-os, ainda, com as regras da experiência comum, tal como consta clara e detalhadamente explanado na “motivação de facto” da sentença recorrida que acima transcrevemos e que merece a nossa concordância.
Vejamos então.

Os pontos 9 e 20 a 22 dos factos provados que o recorrente pretende que sejam dados como não provados têm a seguinte redacção:

9. E transmitiu-lhe o seu entendimento de que as hipóteses de sucesso de recurso estavam seriamente constrangidas por falta de fundamento.
20. A ré comunicou ao autor o teor da decisão que não conheceu do objeto do recurso interposto, informando aquele do que poderia fazer processualmente para reagir.
21. O autor não incumbiu a ré de reagir processualmente ao despacho que não conheceu o objeto do recurso interposto.
22. O autor nunca mais contatou a ré, designadamente a propósito do processo n.º 502/12.6TBVVD.

Pretende, ainda, o recorrente que sejam considerados provados os pontos 32 a 36 dos factos não provados que passamos a transcrever:
32. A ré omitiu ao autor a extemporaneidade do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães e o teor da decisão identificada em 18, fazendo-lhe crer que estaria a aguardar o competente acórdão.
33. Perante a execução indicada em 23, o autor tentou, por diversas vezes e vários meios, designadamente telefónico, contactar com a ré para esta o elucidar/informar do acórdão proferido quanto ao recurso interposto, sem sucesso.
34. O autor acabou por revogar a procuração que tinha outorgado à ré, para poder constituir, como constitui, um novo mandatário e poder consultar o processo 502/12.6TBVVD.
35. O autor só tomou conhecimento e consciência da não apresentação atempada do recurso, da sua rejeição e do trânsito em julgado da sentença recorrida e da omissão de tais factos pela ré, em janeiro de 2021 aquando da citação para a ação executiva identificada em 23.
36. A atuação da ré descrita em 32, causou ao autor angústia, preocupação, desgosto, problemas conjugais, de saúde, da sua honra e bom nome.
O ora recorrente justifica a pretendida alteração da matéria de facto, de acordo com uma perspectiva subjectiva, mediante uma apreciação unilateral e parcial da prova, pretendendo substituir a convicção que o Tribunal recorrido formou sobre a prova produzida pela sua própria convicção pessoal que, relativamente aos factos colocados em crise, não coincide com a do julgador.
Na realidade, o A./recorrente fundamenta a sua discordância, quanto aos factos supra referidos, apenas em alguns excertos do seu depoimento/declarações de parte e do depoimento da testemunha P. G. acima mencionada, que transcreve nas suas alegações, alegando que estes de forma clara, concisa e merecedora de credibilidade, desvirtuam a factualidade dada como provada.
Porém, como tivemos oportunidade de constatar pela audição da prova gravada, o recorrente procedeu apenas à transcrição de determinados segmentos do seu depoimento/declarações de parte e do depoimento da testemunha P. G. por ele assinalada, isoladamente considerados, incompletos e completamente descontextualizados, “cirurgicamente” escolhidos para sustentar a sua versão dos factos, ignorando completamente a restante parte desses depoimentos e a demais prova existente no processo, bem como a apreciação e análise crítica da prova constante da “motivação de facto” inserta na decisão recorrida, tendo o recorrente extraído, ainda, determinadas conclusões sem qualquer base de sustentação nos elementos de prova por ele invocados e separados da restante prova produzida.
Como é sabido, a análise crítica da prova impõe uma ponderação objectiva e global de toda a prova produzida e não apenas de alguns depoimentos analisados separadamente e valorados apenas na parte que interessa ao recorrente, tendo sido do conjunto de todos os elementos de prova, sopesados com as regras da experiência comum, que resultou a convicção do Tribunal “a quo” no sentido plasmado na sentença sob censura.
O julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova deve ser ponderado por si, mas também em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha, tem de ser ponderado em conjugação com os das outras testemunhas e todos conjugados com os demais elementos de prova (cfr. acórdãos da RG de 4/02/2016, proc. nº. 283/08.8TBCHV-A e de 18/12/2017, proc. nº. 4601/13.9TBBRG, acessíveis em www.dgsi.pt).
Ora, revisitados o depoimento/declarações de parte do Autor e o depoimento da testemunha P. G. mencionados pelo recorrente, conjugados com os restantes meios de prova produzidos nos autos e em consonância com o que se mostra explanado na “motivação de facto”, não se vislumbra que tais depoimentos, designadamente nos excertos referidos, sejam de molde a permitir a alteração da matéria de facto nos termos pretendidos pelo recorrente, não tendo este tribunal de recurso adquirido, assim, convicção diferente da que foi obtida pelo Tribunal da 1ª instância.
Com efeito, os factos dados como provados e não provados são o resultado da análise cuidadosa de toda a prova produzida e respectiva valoração feita pelo Tribunal “a quo”, tal como consta da motivação de facto supra transcrita, na qual explicitou detalhadamente, não apenas os vários meios de prova (depoimento e declarações de parte, depoimentos das testemunhas e documentos) que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro, sendo certo que os argumentos aduzidos pelo recorrente não se mostraram compatíveis com a prova produzida nos autos de forma a infirmar a apreciação feita pelo Tribunal.
Conforme se alcança da motivação de facto, para formação da sua convicção quanto aos pontos 9 e 20 a 22 dos factos provados ora impugnados, o Tribunal “a quo” levou em consideração, essencialmente, os depoimentos/declarações do A. e da Ré Advogada, na medida em que apenas estes revelaram conhecimento directo e efectivo sobre aqueles factos, relacionados com a questão a decidir de “violação das obrigações assumidas pela Ré Drª. C. F. no âmbito do contrato de mandato celebrado com o Autor”.
Tendo aquele Tribunal, no âmbito dos seus poderes, analisado, comparado e ponderado os esclarecimentos prestados por ambas as partes, por forma a averiguar se algum deles merecia mais credibilidade do que o outro.
Concluindo que o depoimento prestado pela Ré Drª. C. F. merecia mais credibilidade, uma vez que esta “prestou as suas declarações de forma objetiva, precisa e serena, esclarecendo designadamente a sua atuação no que se refere ao processo judicial que correu termos sob o n.º 502/12.6TBVVD (…)”, afigurando-se que “o seu depoimento, seguro e sustentado nos termos processuais do processo n.º 502/12.6TBVVD, demonstrou uma atuação profissional séria, correta, com cumprimento das obrigações que decorriam do contrato de mandato celebrado com o autor”, ao passo que o depoimento do Autor nem sempre foi preciso e claro quando comparado com o da Ré.
Todavia, sustenta o recorrente que o Tribunal “a quo” conferiu excessiva credibilização ao depoimento da Ré Drª C. F. em detrimento dos depoimentos prestados pelo recorrente e pela testemunha P. G., sua esposa, “que relataram de forma clara, exata e objetiva os factos de que têm conhecimento direto”, e “sendo tais depoimentos merecedores de credibilidade, jamais poderia o Tribunal a quo, dar como provados os factos vertidos nos pontos 9, 20, 21 e 22”.
No que concerne ao valor probatório das declarações de parte (e também do depoimento de parte), vem sendo defendido na nossa jurisprudência que o actual Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6) introduziu, com o normativo do artº. 466º, “um novo e autónomo meio de prova, tendo carácter inovador a introdução, ao lado da prova por confissão, a figura da prova por declarações de parte que, todavia, não pode ser requerida pela parte contrária, nem pode ser ordenada oficiosamente”, sendo tais declarações sempre livremente apreciadas pelo Tribunal, nos termos do nº. 3 do artº. 466º do NCPC, na parte em que não representem confissão (cfr. acórdãos da RL de 10/04/2014, proc. nº. 2022/07.1TBCSC-B e da RG de 29/05/2014, proc, nº. 2797/12.6TBBCL-A, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Na Exposição de Motivos do diploma esclareceu-se que, agora se prevê “a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão”.
O novo meio probatório corresponde ao acolhimento da possibilidade de a parte se pronunciar, a requerimento próprio, sobre factos que lhe são favoráveis, com intencionalidade probatória, restrita porém a factos de directa e pessoal intervenção da parte ou do seu directo conhecimento (cfr. acórdão da RL de 13/10/2016, proc. nº. 640/13.8TCLRS, disponível em www.dgsi.pt).
Relativamente ao depoimento de parte a que aludem os artºs 352º e 356º, nº. 2 do Código Civil, refere o citado acórdão da Relação de Lisboa de 10/04/2014 que “é já hoje aceite por numerosa jurisprudência que as declarações de qualquer uma das partes, proferidas em depoimento de parte, ainda que não sejam susceptíveis de levarem à confissão, não impedem o Tribunal de se socorrer das mesmas para melhor esclarecer e apurar a verdade dos factos, estando sujeitas à livre apreciação do julgador, ao abrigo do disposto no artigo 361º do C.C., conjugadas com os demais meios probatórios”.
Ademais, no citado acórdão da Relação de Guimarães de 29/05/2014 refere-se que “actualmente, e perante o que dispõe o artº. 466º do C.P.C. vigente, é inequívoco que as declarações de parte sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, segundo a sua livre convicção”, acrescentando, ainda, no que concerne ao depoimento de parte, que já não fará sentido reduzir tal depoimento aos factos que sejam desfavoráveis ao depoente, “integrando também o domínio da livre apreciação do juiz os factos declarados pela parte que lhe sejam favoráveis, ainda que se reconheça que esta apreciação terá de ser mais rigorosa e apertada que a parte do relato dos factos desfavoráveis, impondo-se a conjugação com outros elementos de prova que apontem no sentido da corroboração da realidade daqueles factos”.
Defende o Prof. José Lebre de Freitas (in A acção Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 278) que a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas.
Por outro lado, se defendermos que a valorização das declarações de parte deve respeitar apenas o princípio da livre apreciação da prova, inexiste obstáculo legal a que aquelas declarações possam fundar a convicção do tribunal, desde que este possa, no confronto dos demais meios de prova, concluir pela sua credibilidade.
Como é sabido, as declarações/depoimento de parte (quando este último não se traduza em confissão) contêm sempre um risco de parcialidade decorrente da posição das mesmas na lide e do manifesto interesse que têm no desfecho da acção, pelo que devem ser atendidas e valoradas com especial cautela e cuidado, tendo sempre em conta a fragilidade intrínseca deste meio probatório.
Fazer depender a avaliação de um facto, unicamente, das declarações/depoimento de uma parte sem a necessária confirmação de outros meios de prova relevantes, dificilmente se justificará, uma vez que a parte, tendo um interesse directo na causa, normalmente confirma as posições por si assumidas nos articulados, que lhe são favoráveis.
Como vem sendo defendido na jurisprudência, a relevância das declarações de parte (e também do depoimento de parte) poderá justificar-se pela possibilidade de vir a fornecer elementos relevantes para a apreciação da prova, particularmente se forem confirmadas por outros elementos probatórios relevantes.
Importa, assim, nas declarações da parte que o seu relato esteja espontaneamente contextualizado e seja coerente, quer em termos temporais, espaciais e emocionais e que seja corroborado por outros meios de prova, designadamente que tais declarações sejam confirmadas por outros dados que, ainda que indirectamente, demonstrem a veracidade da declaração.
Na verdade, a prova dos factos favoráveis ao depoente e cuja prova lhe incumbe não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos, é necessária a confirmação por algum outro elemento de prova, com os demais dados e circunstâncias, sob pena de se desvirtuarem as regras elementares sobre o ónus probatório e das acções serem decididas apenas com as declarações das próprias partes (cfr. acórdão da RG de 18/01/2018, proc. nº. 294/16.0Y3BRG, disponível em www.dgsi.pt).
Como bem resulta da motivação de facto, o Tribunal “a quo” analisou o depoimento de parte da Ré Drª. C. F. e o depoimento/declarações de parte do Autor de forma crítica e com o cuidado que lhe é exigido, dado o interesse directo que ambos têm na decisão da causa, não se podendo ignorar que as declarações do Autor se revelaram imprecisas, pouco consistentes e estruturadas, quando comparadas com o depoimento da Ré, tendo nalguns aspectos sido até contraditórias e incoerentes com o depoimento de sua esposa P. G..
De facto, escrutinado o depoimento/declarações do A. constatamos que este revelou alguma dificuldade em situar-se no tempo quanto ao objecto do litígio, tendo, relativamente a determinadas questões pertinentes que lhe foram sendo colocadas, afirmado que já não se recordava bem uma vez que “já vai há muitos anos”, revelando, ainda, as suas declarações pouca precisão quanto à factualidade em discussão nos autos.
Com efeito, quando confrontado pelo Mº Juiz “a quo” para assinalar, em concreto, alguma falha por parte da Ré Drª. C. F. no exercício do mandato que lhe foi conferido pelo A. para o patrocinar no mencionado processo nº. 502/12.6TBVVD, o A. não logrou responder concretamente e com clareza a esta questão, tendo o seu depoimento se revelado inconsistente, com algumas hesitações, procurando o A. discutir nestes autos questões relacionadas com o outro processo (tendo sido, por várias vezes, advertido pelo Mº Juiz de que não interessava discutir nesta acção questões atinentes ao outro processo) e afirmado mais do que uma vez que lhe “prepararam uma armadilha”, não se compreendendo o alcance de tal afirmação do A. e até que ponto terá algo a ver com a situação em discussão nos presentes autos.
Por outro lado, não se vislumbra em que medida o depoimento da testemunha P. G. poderia contribuir para a alteração da matéria de facto nos termos pretendidos pelo recorrente, quando foi referido pela própria testemunha que não teve qualquer envolvimento na acção judicial que serve de substracto à presente acção, nunca tendo falado com a Ré Drª. C. F. a respeito daquele processo, sendo as reuniões sobre o que se passava no processo sempre realizadas entre o A. e a Ré, esclarecendo que apesar de ter sido demandada naquela acção, delegou no marido a responsabilidade de tratar de todos os assuntos relacionados com a mesma.
Ademais, a não intervenção da testemunha P. G. no processo n.º 502/12.6TBVVD foi também confirmada pelo Autor, em sede de depoimento/declarações de parte, o qual admitiu que a sua esposa “não tinha absolutamente nada a ver com aquele processo”.
Na sequência do que é referido na sentença recorrida, acresce referir que em algumas partes do depoimento da testemunha P. G. são evidentes algumas contradições e discrepâncias, que o tornam pouco credível.
Senão vejamos:
Logo no início do seu depoimento, a referida testemunha afirmou que só muito recentemente, em 2021, quando foi instaurada a acção executiva, se apercebeu da existência do processo nº. 502/12.6TBVVD e de qual tinha sido o seu desfecho. Porém, no decurso do depoimento, a instâncias do Mº Juiz “a quo”, referiu que tomou conhecimento do processo quando foi confrontada com a sentença nele proferida, em que foi absolvida e o marido foi condenado, e que ia ser interposto recurso, acabando posteriormente por admitir, quando questionada pelo mandatário da Ré, que teve conhecimento da petição inicial desse processo quando foi citada para o mesmo (e não apenas da sentença), o que não é coincidente com o que havia dito inicialmente.
Por outro lado, pese embora os depoimentos do Autor e da testemunha P. G. tenham sido convergentes ao relatarem a ruptura que ocorreu na relação que o A. mantinha com o escritório da Ré (que situaram no ano de 2015) e o facto daquele ter constituído outro mandatário, estranho àquele escritório, em vários processos que se encontravam pendentes (com excepção do processo nº. 502/12.6TBVVD, em que ambos admitiram o facto de não ter sido tramitado por nenhum outro advogado), os mesmos não foram coincidentes quanto à forma como se processou a cessação do mandato da Ré e do seu colega de escritório, Dr. J. A.: enquanto a testemunha P. G. afirmou que aqueles advogados renunciaram às procurações que lhe tinham sido conferidas nos vários processos que se encontravam pendentes, não tendo havido renúncia no aludido processo nº. 502/12.6TBVVD, o Autor, por sua vez, referiu ter revogado as procurações que tinha passado àqueles advogados, não o tendo feito naquele processo, confirmando ainda que não constituiu novo mandatário para acompanhar a tramitação do mesmo.
Ora, em face do acima exposto e em conjugação com o que é referido na sentença recorrida, a versão dos factos apresentada pelo Autor e pela testemunha P. G. – na parte em que afirmaram que a Ré nunca forneceu ao A. qualquer informação sobre o recurso no processo nº. 502/12.6TBVVD, nem lhe comunicou que o mesmo tinha sido rejeitado pelo Tribunal da Relação por ter sido interposto fora de prazo, tendo o A. tomado conhecimento dessa situação somente quando foi citado para a acção executiva – não logrou convencer o Tribunal, não só por ter sido claramente contrariada pelo depoimento da Ré Drª C. F. que foi apreciado e valorado conforme descrito na “motivação de facto”, mas também por haver alguma incoerência nos depoimentos do A. e de sua esposa quando se referiram ao momento em que houve ruptura entre o A. e o escritório de advogados da Ré em finais de Outubro de 2015 e o A. constituiu outro mandatário em vários processos que eram ali tramitados até àquela data, não se compreendendo porque é que o A. não revogou a procuração que tinha outorgado à Ré no aludido processo nº. 502/12.6TBVVD e não constituiu outro mandatário para consultar e acompanhar aquele processo, quando, como eles próprios referiram, o A. ainda não tinha conhecimento do resultado do recurso nele interposto.
Não obstante a Ré Drª C. F. ser parte interessada nesta acção, o seu depoimento foi prestado de forma objectiva, precisa, coerente e serena ao confirmar a matéria vertida nos pontos 9 e 20 a 22 dos factos provados, revelando um conhecimento seguro e estruturado em relação à tramitação do processo n.º 502/12.6TBVVD e sua intervenção no mesmo, razão pela qual logrou convencer este Tribunal, podendo e devendo ser valorado da forma como o foi pelo Tribunal recorrido, no confronto com os depoimentos do A. e de sua esposa, que foram prestados de forma insegura, inconsistente e desconforme com a restante prova produzida nos autos.
No seguimento do que é referido na sentença recorrida, importa salientar que a Ré Drª. C. F. começou por esclarecer que, quando foi notificada da sentença, comunicou logo ao A., afirmando que a absolvição da esposa do A. naqueles autos era, em bom rigor, o principal objectivo pretendido pelo A., o que, aliás, foi confirmado por aquele, pois quando questionado pelo Mº Juiz “a quo” sobre se seria, ou não, um dos seus objectivos afastar a sua esposa daqueles autos, o mesmo respondeu afirmativamente, uma vez que a sua esposa “não tinha que pagar por uma situação com a qual nada tinha a ver”.
Afirmou, ainda, a Ré que explicou o teor da sentença ao A., acrescentando que o sentido daquela decisão era o esperado, atendendo à prova produzida. A este respeito, referiu a Ré que a prova apresentada pelo aqui A. naquele processo não era consistente, e quando foi questionada sobre as probabilidades de sucesso do recurso, referiu que “eram nulas”, tendo perfeita consciência que havia interposto um recurso que não teria provimento, pois a prova por si apresentada “era muito espartilhada”, o que transmitiu ao A., não lhe escondendo nada.
Esclareceu também que, não obstante ter alertado o A. dos riscos que corria com a interposição de um eventual recurso – ou seja, as hipóteses reduzidas de sucesso, para além da parte contrária poder apresentar recurso subordinado que poderia vir a revogar a decisão na parte que havia absolvido a sua esposa - ficou acordado interpor recurso da sentença proferida em 1ª instância, até porque o A. pretendia protelar o trânsito em julgado da decisão, dado que estariam a ser feitas diligências extrajudiciais tendentes a pôr termo àquele litígio. O que, aliás, foi de certa forma confirmado pelo A. ao relatar as suas expectativas na resolução extrajudicial do litígio, o qual seria, então, resolvido entre o Sr. C. e o autor no processo n.º 502/12.6TBVVD.
Em face do acima exposto, conjugado com a apreciação feita pelo Tribunal de 1ª instância na sentença recorrida, e no que concerne concretamente à factualidade vertida no ponto 9 dos factos provados, entendemos que não foi feita prova que permita ao A., como pretende fazer crer, sustentar que a Ré Drª C. F. não lhe transmitiu quais seriam as probabilidades de sucesso do recurso, até porque, e conforme decorre das declarações do próprio A., este depositava grande esperança que o litígio objecto do processo n.º 502/12.6TBVVD pudesse ser resolvido extrajudicialmente, tendo dito inclusivamente que o recurso interposto visou obter um ganho de tempo para alcançar o referido acordo e que face à hipótese deste poder vir a ser alcançado, se desinteressou do assunto, até porque “para si o processo estava resolvido”, não tendo procurado saber mais nada daquele processo.
No que se refere concretamente aos pontos 20 a 22 dos factos provados, pretende o A./recorrente fazer crer que nunca chegou a ter conhecimento da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães que não conheceu o recurso interposto por o considerar intempestivo e, como tal, nunca foi informado da possibilidade de poder reagir processualmente contra aquela decisão, procurando transmitir a ideia que, pese embora mandatada para interpor recurso da decisão proferida em 1ª instância, a Ré Drª C. F. nunca lhe deu qualquer informação e/ou esclarecimento sobre o recurso no processo n.º 502/12.6TBVVD.
Resulta da audição de depoimento da Ré que esta foi clara e sincera a explicar ao Tribunal que, efectivamente, tinha instruções para avançar com o recurso e que, por entendimento diverso do seu quanto à contagem do prazo para recorrer, a Relação de Guimarães não admitiu o recurso interposto, considerando-o extemporâneo, tendo declarado que transmitiu ao A. o teor dessa decisão e a possibilidade de reagir processualmente, o qual se mostrou conformado, dizendo-lhe que afinal já tinham conseguido o pretendido, ou seja, a absolvição da sua mulher, que também corriam riscos com o recurso interposto e que já tinha resolvido a questão tratada no processo de outra forma.
A Ré referiu que estes factos ocorreram no período em que o A. se incompatibilizou com o seu colega de escritório, Dr. J. A., que o acompanhava noutros processos, tendo a Ré ficado com a convicção, em face da informação que lhe foi prestada pelo A., que a sua preocupação e interesse relativamente ao recurso eram diminutas, não sendo, por isso, de estranhar a ausência de instruções do A. para que a Ré reagisse à rejeição do recurso por extemporâneo.
De modo que, conforme referido pela Ré, esta não se sentiu constrangida em informar o A. da não admissão do recurso, conhecendo de antemão a sua posição quanto ao mesmo e o seu verdadeiro e efectivo interesse, para além de que mantinha a convicção de que o recurso fora interposto atempadamente, tendo inclusivamente ligado para a secretaria do Tribunal para se certificar do termo do prazo para recorrer, sendo o mesmo admitido na 1ª instância e tendo a sua rejeição assentado num entendimento jurídico do Tribunal da Relação de Guimarães quanto à data da notificação da sentença às partes, com claro reflexo na contagem do prazo de recurso, diferente do sufragado pela Ré.
Resulta, assim, mais do que evidente a constatação de que o A. teve conhecimento da decisão que havia rejeitado o recurso interposto, porquanto a mesma lhe havia sido transmitida pela Ré e também tinha sido alvo de discussão conjunta quanto a uma eventual reacção, a qual foi descartada, tendo-se apurado que o A. até já teria resolvido as coisas de outra maneira.
Conceder o contrário seria até contraditório com o facto de o A. não ter revogado a procuração outorgada à Ré no processo n.º 502/12.6TBVVD, nem ter constituído aí novo mandatário, circunstância confirmada por ambas as partes nos seus depoimentos/declarações.
Como bem se refere na “motivação de facto” da sentença recorrida, “se a comunicação da rejeição do recurso e a falta de instruções no sentido de reagir processualmente em relação a essa decisão, não tivesse ocorrido, seria incompreensível que o autor, face à rutura ocorrida com o escritório da ré, não tivesse pugnado pela renúncia ao mandato que ocorreram nos demais processos pendentes e constituição de novo mandatário que pudesse acompanhar aquele processo até ao seu trânsito em julgado.”
Resulta dos depoimentos/declarações do Autor e da Ré Drª. C. F. que, na sequência da ruptura com o escritório onde trabalhava a Ré e de ter revogado todas as procurações quanto aos demais processos que ali corriam, o A. não revogou a procuração passada à Ré no âmbito do processo n.º 502/12.6TBVVD, nem tão pouco constituiu naqueles autos novo mandatário, sendo que o A. nunca mais apareceu naquele escritório, nem contactou a Ré a procurar saber do estado daquele processo.
Deste modo, concluímos como o Tribunal recorrido de que “a falta de renúncia ao mandato pela ré e a ausência de constituição de novo mandatário pelo autor, aponta claramente para a conformação deste face à rejeição do recurso, nos exatos termos declarados pela ré.”
Para além de que o facto de o A. nunca mais ter contactado a Ré para saber do processo n.º 502/12.6TBVV evidencia que, para o mesmo, o assunto estava encerrado.
Nesta conformidade, não poderia o Tribunal “a quo” deixar de dar como provados os factos plasmados nos mencionados pontos 20 a 22.
Relativamente aos pontos 32 a 36 dos factos não provados, importa referir que tendo resultado provada a factualidade vertida nos pontos 9 e 20 a 22 nos termos supra referidos, não poderiam aqueles factos serem considerados provados.
Contrariamente ao pretendido pelo recorrente, o seu depoimento/declarações de parte e o depoimento da testemunha P. G. não permitem que sejam dados como provados aqueles factos supra referidos ora colocados em crise, sendo que o A. não logrou fazer prova desta factualidade, como lhe competia, tendo, ao invés, a factualidade constante dos pontos 32 a 35 sido contrariada pela prova produzida em audiência de julgamento, nos termos acima expostos e ainda pelas razões expendidas na “motivação de facto” da sentença recorrida. Para além de que, da análise do processo n.º 502/12.6TBVV, resulta evidente que o A. não revogou a procuração que tinha outorgado à Ré e ao seu colega de escritório, Dr. J. A., nem constituiu nenhum outro advogado para além daqueles.
Assim sendo, da conjugação de toda a prova produzida nos autos (por declarações/depoimento de parte, testemunhal e documental) com as regras da experiência comum, nos termos supra expostos e em conformidade com o explanado na “motivação de facto” da sentença recorrida, entendemos que se devem manter inalterados os pontos 9 e 20 a 22 dos factos provados e os pontos 32 a 36 dos factos não provados colocados em crise pelo recorrente.
Como tivemos oportunidade de constatar, a prova produzida nos autos, e designadamente os elementos probatórios mencionados pelo recorrente, não têm a virtualidade de sustentar qualquer alteração à matéria de facto dada como provada e não provada, nos termos por ele pretendidos.
Na fixação da matéria de facto provada e não provada, o Tribunal de 1ª instância rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artº. 607º, nº. 5 do NCPC, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, só podendo ocorrer alteração da mesma por parte do Tribunal da Relação, que se deve reger também pelo aludido princípio, nos termos do artº. 662º do mesmo diploma legal.
De acordo, pois, com o citado artº. 607º, nº. 5 do NCPC, o Tribunal “a quo”, neste caso, apreciou livremente as declarações/depoimento de parte e os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, em conjugação com as demais provas produzidas, designadamente a prova documental, sopesando-as com as regras da lógica e da experiência comum, tendo decidido segundo a sua prudente convicção acerca da factualidade ora colocada em crise.
Ora, a convicção formada por este tribunal de recurso, depois de ouvida a gravação da prova produzida em audiência de julgamento e de efectuada a apreciação dos depoimentos prestados em conjugação com os documentos mencionados e as regras da experiência comum, é aquela que vem plasmada na decisão do Tribunal recorrido, resultando do atrás exposto que, relativamente à matéria de facto que o recorrente pretende ver alterada, inexistem quaisquer elementos de prova seguros e consistentes que permitam formar uma convicção diferente.
É certo que o recorrente não concorda com o decidido, mas não carreou para os autos prova consistente que imponha decisão diversa, como bem refere o Tribunal “a quo” na sentença recorrida.
Deste modo, porque a decisão sobre a matéria de facto está clara e detalhadamente fundamentada, com indicação dos meios de prova e apreciação crítica da prova produzida, em termos que não merecem reparo, considera-se definitivamente fixada a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto pelo Autor.
*
II) - Saber se deverá ser alterada a solução jurídica da causa:

O recorrente insurge-se contra a sentença recorrida que concluiu:
- pela inexistência de qualquer violação das obrigações assumidas pela Ré Drª. C. F. no âmbito do contrato de mandato celebrado com o Autor;
- que não existindo qualquer facto ilícito e culposo da Ré, não se mostram, desde logo, preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar, pretendida pelo A. na presente acção;
- que ainda que o Tribunal não concluísse pela inexistência de violação por parte da Ré de obrigações decorrentes do contrato de mandato celebrado com o A., este não teria logrado provar os danos patrimoniais e não patrimoniais alegados e, consequentemente, não haveria lugar à condenação da Ré no pagamento de qualquer indemnização/compensação.
Ora, mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado e não provado pelo Tribunal “a quo”, ter-se-á de manter, igualmente, a decisão jurídica da causa, tendo aquele Tribunal feito uma correcta integração da aludida factualidade apurada nas normas jurídicas aplicáveis ao caso em apreço, tal como consta clara e detalhadamente explanado na “fundamentação de direito”, à qual aderimos integralmente e que aqui damos por reproduzida a fim de evitar repetições.
Tendo em conta que a alteração da decisão jurídica da causa pretendida pelo recorrente se baseava na alteração de decisão da matéria de facto, que não ocorreu, outra não poderia ter sido a decisão do Tribunal “a quo”, quanto ao pedido formulado pelo Autor, senão a que consta do dispositivo da sentença recorrida.
Todavia, entende o A./recorrente que, em face da factualidade dada como provada, deveria o Tribunal “a quo” concluir pela actuação ilícita e culposa da 1ª Ré no âmbito do exercício do mandato forense, por ter interposto recurso da sentença que condenou o A. fora do prazo legal, o que a faria incorrer em responsabilidade civil contratual em que a sua culpa se presume, e não tendo a Ré ilidido tal presunção estabelecida no art.º 799º, n.º 1 do Código Civil, teria aquele Tribunal de concluir que a mesma era responsável pelos prejuízos que, com a sua conduta omissiva, causou ao recorrente, nos termos do artº. 798º do mesmo Código. E nessa conformidade, condenar a 1ª Ré (ou a interveniente Seguradora para quem havia sido transferida a sua responsabilidade profissional) a indemnizar o A., ora recorrente, por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais alegados e devidamente provados pelo próprio, designadamente a perda de oportunidade ou “perda de chance”, que no caso em apreço se traduzia em evitar um prejuízo.
Conforme se alcança dos autos, entre o A. e a 1ª Ré foi celebrado um contrato de mandato forense, nos termos do artº. 1157º do Código Civil, através do qual esta última, enquanto advogada do A., assumiu para com ele a obrigação de desenvolver com diligência e zelo uma actividade jurídica, orientada no sentido da salvaguarda dos seus interesses.
Trata-se, por isso, de um contrato de mandato atípico sujeito ao regime especial do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante designado EOA), aprovado pela Lei nº. 145/2015 de 9/9, aplicável aos factos em apreço, sendo-lhe ainda aplicável, a título subsidiário, o regime civilístico do mandato constante dos artºs 1157º a 1184º do Código Civil.
Conforme dispõe o artº. 97º, n.º 2 do EOA, “o advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.
E por força do disposto no artº. 100º, nº. 1 daquele diploma legal, o advogado, no cumprimento do mandato forense, está sujeito, para além de outras obrigações, aos seguintes deveres específicos:
“a) Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, (…);
b) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade; (…).”
No entanto, no exercício do mandato forense, o advogado não se obriga a obter ganho de causa, mas sim a utilizar, com diligência e zelo, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender, os interesses do seu cliente, utilizando os meios ajustados ao caso, segundo as “leges artis”, com o objectivo de vencer a lide, visto tratar-se de uma obrigação de meios, e não de resultado (cfr. Mário de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª ed., Almedina, pág. 971 e 972; acórdãos do STJ de 29/04/2010, relator Sebastião Póvoas, proc. nº. 2622/07.0TBPNF, de 4/12/2012, relator Alves Velho, proc. nº. 289/10.7TVLSB, de 15/11/2018, relatora Rosa Tching, proc. nº. 296/16.6T8GRD e de 10/09/2019, relatora Graça Amaral, proc. nº. 1052/16.7T8PVZ e da RG de 23/06/2021, relator Afonso Cabral de Andrade, proc. nº. 1859/20.0T8BRG, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Sem prejuízo do exposto, é reconhecido ao advogado uma margem de liberdade de actuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, conforme resulta do disposto no artº. 89º do EOA: “O advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência (…).”
O incumprimento dos deveres adstritos ao advogado pela celebração do contrato de mandato pode determinar a sua responsabilidade civil contratual pelos danos daí decorrentes para o mandante e, consequentemente, a obrigação de indemnizar.
Para que surja a obrigação de indemnizar decorrente da violação do mandato têm de estar preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil: (i) o facto voluntário do lesante; (ii) a ilicitude do mesmo; (iii) a imputação do facto ao lesante (culpa); (iv) a ocorrência de um dano e (iv) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Ora, no caso em apreço, alega o A./recorrente que a 1ª Ré não interpôs atempadamente o recurso da sentença proferida no processo n.º 502/12.6TBVVD, não lhe tendo também comunicado a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, que não conheceu o objecto daquele recurso por o considerar intempestivo, incorrendo, deste modo, no incumprimento do mandato.
Todavia, em face da factualidade apurada nos autos, teremos de concluir, tal como fez o Tribunal “a quo”, que a 1ª Ré não incorreu em nenhum facto ilícito e culposo, na medida em que, atentas as disposições legais aplicáveis e em vigor à data dos factos, a intempestividade (ou não) do recurso sempre seria questionável.
Como bem se refere na sentença recorrida, “o facto da Ré ter perfilhado um entendimento jurídico quanto à contagem do prazo de recurso da sentença que não mereceu a concordância do Tribunal da Relação de Guimarães, não traduz nenhuma negligência ou incumprimento das obrigações que decorriam do contrato de mandato.” Aliás, o Tribunal recorrido entendeu que o recurso interposto pela Ré era tempestivo, tendo-o admitido, como resulta do despacho proferido em 23/09/2015.
Não podemos querer assumir que o perfilhar de entendimento diverso daquele que é defendido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, quanto à contagem do prazo de recurso, pode consubstanciar a violação de um dever por parte do mandatário constituído.
Acolhemos a posição defendida na sentença recorrida quanto a esta questão, que após tecer algumas considerações sobre a notificação dos actos processuais através do sistema informático Citius, refere o seguinte:
«No caso sub iudice, verifica-se que a notificação à ré, na qualidade de mandatária do aqui autor, da sentença proferida no processo n.º 502/12.6TBVVD foi elaborada/inserida no sistema informático Citius no dia 21.04.2015, pelas 17h49m42s3.
De acordo com as disposições legais acima indicadas, tal notificação presume-se efetuada no dia 24 de abril de 2015, ou seja, no 3º dia posterior à elaboração daquela notificação.
Ora, o autor dispunha de 30 dias para recorrer da sentença – art. 638º, n.º 1 do C.P.C -, acrescido do prazo de 10 dias para reapreciação da prova gravada – art. 638º, n.º 7, do C.P.C - e, ainda, do prazo de 15 dias que lhe tinha sido concedido por despacho datado de 05.06.2015, sendo que o prazo processual é contínuo – art. 138º, n.º 1 do C.P.C.
Nestes termos, o prazo que o autor dispunha para recorrer da sentença terminava no dia 18 de junho de 2015.
O autor poderia ainda recorrer dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa – art. 139º, n.ºs 5 e 6, do C.P.C.-, ou seja, até ao dia 23 de junho de 2022 [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “23 de Junho de 2015”, em face do que consta nos parágrafos anteriores desta fundamentação].
Este foi o entendimento seguido pela decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, datada de 26.11.2015, que não conheceu o objeto do recurso, por ser extemporâneo.
Sucede, porém, que, no caso em análise, a notificação da sentença às partes, embora tenha sido elaborada/inserida no citius no dia 21 de abril de 2022 [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “21 de Abril de 2015”, em face do que consta nos parágrafos anteriores desta fundamentação e no processo electrónico disponível no Citius], foi aí inserida com a data de 22 de abril de 2022 [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “22 de Abril de 2015”, em face do que consta nos parágrafos anteriores desta fundamentação e no processo electrónico disponível no Citius], tendo sido a partir desta data que a ré contou o prazo que dispunha para recorrer.
E o entendimento da ré de que seria a partir dessa data que se contaria aquele prazo não é de todo indiferente quanto à questão da tempestividade do recurso interposto.
Na verdade, tomando em consideração a data aposta no sistema informático citius como sendo a da elaboração/inserção da notificação da sentença – note-se, aliás, que o autor na petição inicial também considera o dia 22 de abril de 2015 como sendo a data da notificação da sentença às partes -, tal notificação presume-se efetuada no dia 27 de abril de 2015, 1º dia útil seguinte ao terceiro dia posterior ao dia 22 daquele mês. O prazo para recorrer – 30+10+15 - terminava no dia 22 de junho de 2015. Considerando que o dia 24 de junho de 2015 era feriado municipal, a ré poderia ainda apresentar recurso nos três dias úteis após aquele prazo, ou seja, até ao dia 26 de junho de 2015, mediante o pagamento da multa prevista no art. 139º, n.ºs 5 e 6, do C.P.C.
Ora, a ré apresentou o recurso no dia 25 de junho de 2017 [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “25 de Junho de 2015”, em face do que consta no ponto 13 dos factos provados e no processo electrónico disponível no Citius], tendo procedido ao pagamento de uma multa.
O Tribunal recorrido, tendo aderido a esta contagem, admitiu o recurso, por despacho datado de 23.09.205 [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “23.09.2015”, em face do que consta no ponto 14 dos factos provados e no processo electrónico disponível no Citius].
No caso dos autos, tem-se por seguro que na notificação da sentença proferida no processo n.º 502/12.6TBVVD dirigida às mandatárias das partes se inseriu uma data, imediatamente apreensível a quem a ela aceder, que refere o dia 22.04.2015, que não coincide com a data da certificação citius (21.04.2015).
A menção na notificação pelo oficial de justiça que a elaborou de uma data que não coincide com a da elaboração certificada pelo sistema citius pode induzir em erro o destinatário sobre a data da sua elaboração com reflexos diretos na definição do momento a partir do qual se conta o prazo para a prática de atos processuais da mesma derivados.
Afigura-se que o sistema jurídico não deveria alhear-se desta potencialidade de erro e privar o destinatário da notificação do direito de interpor o recurso por motivos meramente formais.
Com efeito, crê-se que tal privação pode ofender princípios relevantes em termos de conformação do Processo Civil, nomeadamente, o princípio do processo justo e equitativo, consagrado no artigo 20º, n.º 4, da Constituição da República.»
Deste modo, entendemos não ser, de todo, censurável que, atenta a data inserida no sistema informático Citius como sendo a da notificação da sentença dirigida aos mandatários das partes (que não coincide com a data da certificação Citius – 21/04/2015), tenha a 1ª Ré, mandatária do aqui A. naquele processo, iniciado a contagem do prazo a partir daquela, isto é, a partir de 22/04/2015, sendo a apreciação desta questão absolutamente essencial quanto à questão da tempestividade do recurso interposto.
De facto, como já se referiu, o Tribunal de 1ª instância admitiu o recurso interposto pela 1ª Ré, considerando-o tempestivo, aderindo, assim, à contagem do prazo sustentada por aquela.
Entendimento esse que não foi perfilhado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, na decisão singular proferida em 26/11/2015, que não tomou em consideração o facto de se ter inserido a data de 22/04/2015 como sendo a da notificação da sentença proferida no processo n.º 502/12.6TBVVD dirigida aos mandatários das partes, a qual não coincidia com a data da certificação citius (21/04/2015). E, nestes termos, aplicando de forma rigorosa as normas legais supra citadas, concluiu pela extemporaneidade do recurso apresentado pela Ré Drª C. F..
Ora, quanto a esta questão, não podemos deixar de acompanhar o entendimento expendido pelo Tribunal Constitucional, no acórdão de 8/03/2006, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, transcrito na sentença recorrida, no qual se decidiu o seguinte:
“Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide julgar inconstitucional, por violação do artigo 20º, nºs 1 e 4 da Constituição, a norma do artigo 198°, n° 2 do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de considerar sanada a nulidade da citação no prazo para apresentar a contestação, quando a Secretaria informa a ré, erradamente, de que não é obrigatória a constituição de advogado e esta somente reage quando é notificada da sentença condenatória, revogando, consequentemente, a decisão recorrida que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade”.
Na mesma linha de orientação, pronunciou-se o acórdão do STJ de 17/05/2016 (proc. nº. n.º 1185/13.1T2AVR, relatora Ana Paula Boularot), citado na sentença recorrida, no qual se refere que: “O fair trial e/ou due process, integra vários vectores, sendo que o principal é enformado pela confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual, não podendo os interessados sofrer quaisquer limitações, exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem, sequer, vir a ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar (…)”.
Neste sentido, considerou o Tribunal “a quo” que «estes princípios não podem ser desrespeitados, sob pena de o sistema de justiça perder a dimensão substancial que o deve caracterizar e pôr em causa a sua verdadeira função que é a realização da Justiça.»
Face ao exposto, entendemos que bem andou o Tribunal “a quo” ao concluir que «não se afigura que a atuação da ré possa traduzir uma violação de qualquer obrigação decorrente do contrato de mandato celebrado com o autor.
A ré tomou em consideração a data da notificação da sentença inserida no sistema informático citius, imediatamente apreensível a quem a ele aceder, contando a partir daquela – 22.04.2015 - o prazo que dispunha para recorrer da sentença.
Em conformidade com o decidido pelo autor, ali recorrente, a ré recorreu da sentença proferida no processo n.º 502/12.6TBVVD, tendo inclusivamente solicitado uma prorrogação do prazo que dispunha para o efeito, atendendo ao impedimento pessoal vertido no requerimento que dirigiu ao processo datado de 29 de maio de 2015. Liquidou uma multa pelo facto de ter apresentado as alegações do recurso num dos três dias úteis após o decurso do prazo. E respondeu, quando notificada para esse efeito, à questão suscitada pelo recorrido atinente à extemporaneidade do recurso.
O Tribunal da Relação de Guimarães contabilizou o prazo para recorrer da sentença a partir da data da elaboração daquela notificação certificada no citius – 21.04.2015 -, em conformidade com os preceitos legais acima citados, ignorando de todo o facto de a data da notificação da sentença inserida no sistema informático não coincidir com aquela. Concluiu, ao contrário do que tinha entendido o Tribunal recorrido, que o recurso apresentado era extemporâneo.
O perfilhar entendimento diverso daquele que é defendido pelo Tribunal não pode consubstanciar de maneira alguma a violação de qualquer dever de um mandatário constituído.»
Nesta conformidade, teremos de concluir que a 1ª Ré não incumpriu qualquer obrigação a que se encontrava vinculada por efeito do mandato que lhe foi conferido pelo Autor, não lhe podendo, assim, ser imputada qualquer actuação omissiva ou negligente, dado que de tudo fez para melhor acautelar os interesses do aqui Autor.
Tendo a 1ª Ré, a nosso ver, afastado a presunção de culpa que sobre ela impendia, nos termos do artº. 799º, nº. 1 do Código Civil.
Ora, tal como se refere na sentença recorrida, não existindo qualquer facto ilícito e culposo por parte da 1ª Ré, não se mostram preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar, pretendida pelo A. na presente acção.
De todo o modo, ainda que não se concluísse pela inexistência de violação de qualquer obrigação pela 1ª Ré, sempre a pretensão indemnizatória do A. estaria votada ao insucesso.
Senão, vejamos.
No caso em apreço, o ora recorrente invoca a ressarcibilidade dos danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente por ele sofridos, designadamente a “perda de chance” ou perda de oportunidade, que em seu entender constitui um dano autónomo, argumentando que a Ré, com a sua conduta ilícita e omissiva, lhe retirou a possibilidade de ver apreciada pelos Tribunais Superiores a sua defesa e de ver, assim, alterada na totalidade, ou pelo menos em parte, a sentença da 1ª instância que o condenou no pagamento da quantia de € 130.000,00, acrescida de juros de mora, calculados sobre aquele montante à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento.
Como é sabido vem sendo discutido na doutrina e na jurisprudência dos nossos tribunais superiores se a “perda de chance” ou perda de oportunidade constitui, só por si, um dano autónomo susceptível de ser ressarcido.
Sobre a evolução que se tem vindo a verificar na doutrina e na jurisprudência, quanto a esta matéria, refere o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº. 2/2022 de 5/07/2021, publicado no D.R. – I Série, nº. 18, de 26/01/2022, o seguinte:
«(…) Quer a doutrina, quer a jurisprudência, começaram por ir no sentido de recusar o ressarcimento do dano da perda de chance (da perda da oportunidade de ganhar um processo): para haver obrigação de indemnizar – argumentava-se e ainda se argumenta – o dano a ressarcir tem que ser certo, o que não acontece na perda de chance, que tem como característica essencial haver uma incerteza, também no futuro, sobre a existência do dano, na medida em que não é possível determinar com segurança qual seria a situação hipotética do lesado que existiria caso não se tivesse verificado o evento lesivo; por outro lado – argumentava-se e ainda se argumenta – tal incerteza também não permite que se possa dizer que existe nexo causal entre o facto lesivo (no caso, a falta do advogado) e o resultado final desfavorável do processo (não se pode dizer que sem o facto lesivo o resultado final desfavorável não teria ocorrido) – vide, entre outros, Júlio Gomes, “Sobre o dano da perda de chance”, Direito e Justiça, 2005 e “Em torno do dano da perda de chance: algumas reflexões”, estudos em Homenagem ao Prof. Castanheira Neves; Paulo Mota Pinto, “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, Vol. II, pág. 1103/7, nota 3.103 e “Perda de Chance Processual”, Direito Civil, Estudos, pág. 763 e ss. e Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral, Negócio Jurídico, 2014, pág. 288; acórdãos do STJ de 26/10/2010, proc. nº. 1410/04.OTVLSB, de 29/05/2012, proc. nº. 8972/06.5TBBRG, de 18/10/2012, 5817/09.8TVLSB, de 5/02/2013, proc. nº. 2035/05.8TVLSB e de 30/05/2013, proc. nº. 2531/05.7.TBBRG, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Argumentos que indicam que a incerteza, característica da perda de chance, acaba por dizer respeito quer ao nexo causal quer ao dano, o que é inteiramente compreensível, na medida em que a questão da causalidade se coloca sempre em conexão com um determinado dano e visto que será o critério da causalidade que determinará qual a situação hipotética que existiria se não se tivesse verificado o dano.
Argumentos que conduziam a que um mandatário que não agisse com a devida diligência (que não intentou a ação, que não a contestou, que não apresentou o rol ou que não apresentou recurso) escapasse à responsabilidade e – é o aspeto que perturba o “sentido de justiça” – com o fundamento em se desconhecer (ser incerto) qual teria sido o desenrolar e o desfecho normal do processo caso ele tivesse tido o comportamento devido, sendo que foi exatamente a circunstância de ele ter tido tal comportamento indevido (a sua conduta ilícita) que impediu o desenrolar e o desfecho normal que determina a incerteza que agora se invoca para recusar o ressarcimento da perda de chance.
Justamente por isto – para repor a justiça – foram-se desenhando abordagens tendentes a evitar que tais eventos lesivos escapem, de todo, às malhas da responsabilidade civil, não obstante a incerteza sobre o que teria acontecido (depois de tais eventos lesivos).
Sendo a mais difundida a que autonomiza o dano da perda de chance, ou seja, nos casos das “perdas de chances processuais”, o dano não estará no resultado final desfavorável do processo (no não ganhar ou no perder o processo), mas na própria perda da possibilidade/oportunidade de obter um resultado favorável (de ganhar ou de não perder o processo), decorrente do evento lesivo do mandatário e, por conseguinte, o que está sob indemnização é um dano intermédio (em relação ao dano final): o dano autónomo e emergente da perda de oportunidade de sucesso (e não o dano final do resultado desfavorável do processo).
(…)
O que, assim configurado o dano da perda de chance, como dano autónomo e emergente, suscita a objeção duma tal perda de oportunidade não passar ainda duma “expetativa/esperança” e, por isso, não se poder dizer que constitui uma situação que “integre o património ou a esfera jurídica do seu titular e que [possa] ser alienada autonomamente”, não podendo ser qualificada como um dano autónomo.
Daí que, numa segunda abordagem (igualmente tendente a responsabilizar tais eventos lesivos), a oportunidade perdida (a perda de chance) seja considerado como afim do lucro cessante: diz-se que o dano provocado pelo evento lesivo ocorre no futuro e do que se trata, na perda de oportunidade, é duma antecipação do dano final, observando-se, criticamente, que “não se vislumbra, normalmente, qualquer indício quanto à fixação de um valor patrimonial autónomo da perda de chance, sendo este, via de regra, decalcado dos lucros cessantes (ou do prejuízo que poderia ter sido evitado) (…), pelo que não está em causa um valor patrimonial próprio, mas simplesmente uma fração ou antecipação de lucros cessantes relativamente incertos” (cfr. Rui Cardona Ferreira, “A perda de chance revisitada”, in ROA, ano 73, n.º 4, pág. 1312).
Não pode pois dizer-se que seja pacífico, sequer entre os defensores da indemnização pelo dano da perda de chance, o modo de enquadrar dogmaticamente a perda de chance e, em particular, a sua caracterização/qualificação como dano emergente ou lucro cessante.»
De acordo com o supra citado AUJ do STJ, a questão fundamental que se coloca é saber se toda e qualquer “perda de chance” pode/deve ser reconhecida como um dano indemnizável ou se só uma perda de chance consistente e séria configura um dano (por perda de chance) indemnizável.
Como refere Paulo Mota Pinto (in “Perda de Chance Processual”, pág. 799/802), «mesmo no direito francês, não obstante a larga projeção que a figura da perda de chance aí alcançou, para que a respetiva indemnização seja admitida, impõem-se determinados requisitos. Além da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano exige-se, designadamente, que a chance a indemnizar seja real e séria. Não basta, assim, a constatação da prévia existência, numa qualquer medida, de uma oportunidade ou possibilidade de obtenção de um resultado favorável de uma vantagem pelo lesado, que tenham sido destruídas. É ainda necessário que a concretização da chance se apresente com um grau de probabilidade ou verosimilhança razoável e não com carácter meramente hipotético (…).»
Tendo no mencionado AUJ do STJ nº. 2/2022 se defendido que assim deve ser também entre nós, para mais adiante concluir que: «A certeza do dano e a imputação objetiva deste ao ato lesivo (nexo causal), requisitos exigíveis segundo os princípios e regras do nosso direito de responsabilidade civil, não dispensam que se apure, caso a caso, a suficiente probabilidade da consistência e seriedade da concreta “chance” processual comprometida.
A verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo causal entre o facto lesivo e o dano, impõem, em linha com o que se referiu, que a “chance”, para poder ser indemnizável, seja “consistente e séria” e que a sua concretização se apresente com um grau de probabilidade suficiente e não com carácter meramente hipotético.
Só assim a “chance” preencherá, num limiar mínimo, a certeza que é condição da indemnizabilidade do dano, só assim este pode ser considerado como objetivamente imputável ao ato lesivo e só assim se respeitará a regra (e a ideia de justiça) de que ao lesante apenas poderá ser imposto que responda pelos danos que causou.
Significa isto que a toda a chance ou oportunidade perdida (a todo o ato lesivo e a todo processo perdido) não se segue, como que automaticamente e sem mais, uma indemnização por dano da perda de chance: a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar.»
Antes da publicação do supra citado AUJ do STJ, já este entendimento vinha encontrando suporte doutrinário (cfr. Paulo Mota Pinto, “Perda de chance processual”, RLJ, Ano 145º, Março-Abril de 2016 e Nuno Santos Rocha, “Perda de chance como uma nova espécie de Dano”, Almedina, pág. 81) e jurisprudencial, mormente na jurisprudência do STJ que, após a prolação do acórdão de 22/10/2009 (proc. nº. 409/09.4YFLSB, disponível em www.dgsi.pt), fortaleceu-se e sedimentou-se no sentido de que o dano resultante da perda de chance processual pode relevar se se tratar de uma chance consistente, designadamente se, tal como se afirma no acórdão do STJ de 29/04/2010 (proc. nº. 2622/07.0TBPNF, disponível em www.dgsi.pt), se puder concluir “com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança” que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida (neste sentido vide, entre outros, acórdãos do STJ de 29/11/2012, proc. nº. 29/04.0TBAFE, de 4/07/2013, proc. nº. 298/10.6TBAGN, de 5/11/2013, proc. nº. 1150/10.0TBABT, de 1/07/2014, proc. nº. 824/06.5TVLSB, de 9/12/2014, proc. nº. 1378/11.6TVLSB, de 30/04/2015, proc. nº. 338/11.1TBCVL, de 9/07/2015, proc. nº. 5105/12.2TBSXL e de 19/05/2016, proc. nº. 6473/03.2TVPRT, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Com efeito e procurando tomar posição sobre esta questão, no acórdão do STJ de 15/11/2018 (proc. nº. 296/16.6T8GRD, relatora Rosa Tching, disponível em www.dgsi.pt) foi perfilhada a orientação seguida nos acórdãos do STJ de 9/07/2015 (proc. nº. 5105/12.2TBSXL) e de 30/11/2017 (proc. nº. 12198/14.6T8LSB, ambos disponíveis em www.dgsi.), que aqui também sufragamos, no sentido de que «a perda de oportunidade ou “perda de chance” de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, pode-se traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e, portanto, qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, e aferido, casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados em cada caso concreto.
Assim, transpondo esta qualificação da “perda de chance” como dano autónomo para o campo da responsabilidade civil contratual por perda de chance processual e adotando a metodologia seguida nestes mesmos acórdãos, diremos que, para se fazer operar tal responsabilidade, impõe-se, perante cada hipótese concreta, num primeiro momento, averiguar da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da ação ou do recurso) não fora a chance perdida (não olvidando que o ónus de prova de tal probabilidade, nos termos do disposto do artº. 342º, nº. 1 do Código Civil, impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar), importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa (neste sentido cfr., entre outros, acórdãos do STJ de 5/02/2013, proc. nº. 488/09.4TBESP, de 14/03/2013, proc. nº. 78/09.5TVLSB e de 30/09/2014, proc. nº. 739/09.5TVLSB.L2-A, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
E, num segundo momento, caso se conclua afirmativamente pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade contratual (ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada), proceder à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo.»
No mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos do STJ de 19/12/2018 (proc. nº. 1337/12.1TVPRT, relator Fonseca Ramos), de 10/09/2019 (proc. nº. 1052/16.7T8PVZ, relatora Graça Amaral) e de 5/05/2020 (proc. nº. 27354/15.1T8LSB, relator António Magalhães), todos disponíveis em www.dgsi.pt, tendo sido esta também a posição seguida pelo Tribunal “a quo” na sentença recorrida.
Na verdade, a perda de chance não poderá ser entendida com total desprendimento da teoria da causalidade adequada acolhida no nosso Direito Civil.
De facto, não bastará que um advogado, por falta de zelo, não tenha praticado um determinado acto, para que, sem mais, nasça na esfera jurídica do seu cliente o direito à indemnização por “perda de chance”, sem se exigir qualquer outro requisito. Tal entendimento, de uma forma que se tem por inadmissível, afastaria os requisitos da responsabilidade civil, mormente, a necessidade de existência de dano e o nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano.
Reportando-nos ao caso em apreço, entende o recorrente que a apresentação intempestiva do recurso por parte da 1ª Ré, impediu o A. de ver a sua pretensão reapreciada por uma instância superior e, consequentemente, de ver a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância totalmente revertida, decorrendo o invocado direito a ser indemnizado da (alegada) perda de oportunidade de apreciação da sua pretensão (perda de chance).
No entanto, parece o recorrente olvidar que não basta alegar que perdeu a oportunidade de ver reapreciada a sua pretensão para que nasça sem mais o direito a ser indemnizado ao abrigo do instituto da “perda de chance”.
Na verdade, o recorrente não carreou para os presentes autos qualquer indício da factualidade e/ou dos argumentos e meios de prova que, no seu entendimento, eram passíveis de reverter aquela decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Braga no processo nº. 502/12.6TBVVD.
Entendimento, aliás, perfilhado pela sentença recorrida na qual se refere (e bem) o seguinte:
«No caso em análise, o autor não alegou e demonstrou qualquer facto que sustentasse, com elevado grau de probabilidade, que obteria certo benefício não fora a chance perdida consubstanciada na rejeição do recurso da sentença proferida no processo n.º 502/12.6TBVVD.
Nem sequer alegou e provou factualidade que corrobore uma probabilidade, não necessariamente forte, mas ainda assim suficiente quanto à verificação do evento final favorável, caso se siga a teleologia cada vez mais atual que subjaz à doutrina da perda de chance.
Na verdade, competiria ao autor/lesado o ónus da prova da consistência e seriedade do dano da perda de chance processual, nos exatos termos decididos no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 2/2022, de 05 de julho de 2021, in DR n.º 18/2022, série I, de 2022.01.26.»
Aliás, como é referido no citado AUJ do STJ, «Não há indemnização civil sem dano e este tem que ser certo, sendo que a certeza do dano de chance (que, por isso, merece a tutela do direito e ser indemnizado) está exatamente na probabilidade suficiente, em função da consistência da chance, do resultado favorável da ação comprometida.
Uma "chance" puramente abstrata e especulativa - isto é, independente da prova de qualquer concreta probabilidade - não é, de modo algum, um dano certo; assim como não atingirão a certeza exigível, não sendo indemnizáveis, as "perdas de chance" que correspondam a uma pequena probabilidade de sucesso da ação comprometida.
Concretizando um pouco mais, para estarmos perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável acção comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência.»
O que significa que «colocando-se num processo (…) a questão da indemnização pelo dano da perda de chance, tal probabilidade – o mesmo é dizer, a consistência concreta da oportunidade ou “chance” processual que foi comprometida – tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em “dano certo” e sem este não pode haver indemnização.
Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental – o já chamado “julgamento dentro do julgamento” – a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso (ou seja, no mínimo, uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance “consistente e séria”) e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo.»
Assim, visando-se com tal apuramento estabelecer o preenchimento de requisitos da responsabilidade civil (dano e nexo causal), estão em causa factos constitutivos do direito indemnizatório invocado pelo lesado, «sendo este – face ao encargo que o ónus da prova lhe coloca (cfr. 342º, nº. 1 do Código Civil) – que terá que fornecer os elementos que irão permitir apurar qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometida a falta do advogado (ou seja, os factos que irão permitir apurar que o processo comprometido tinha uma suficiente, no referido limiar mínimo, probabilidade de sucesso ou, dito por outras palavras, que a chance perdida era consistente e séria).»

Sendo que no final do mencionado AUJ do STJ nº 2/2022 se conclui que:
- não é ao lesante que cabe provar que a chance não era consistente e séria, uma vez que a consistência e seriedade da oportunidade perdida é que permite dizer que há dano da “perda de chance” susceptível de indemnização, ou seja, a consistência e seriedade preenche um dos requisitos exigidos pelo instituto jurídico (responsabilidade civil) em que o lesado alicerça o seu direito, sendo constitutivo (não é impeditivo) do direito invocado;
- para haver dano da “perda de chance” susceptível de indemnização, não basta a prova da conduta ilícita do advogado, não basta a prova do acto/facto lesivo (a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar), uma vez que segundo o instituto jurídico invocado não há reparação sem estar também provada a existência dum dano e causado por tal acto/facto ilícito.
De volta ao caso dos autos, entendemos que o Tribunal não pode determinar, como pretende o recorrente, que ao não ter a 1ª Ré (alegadamente) observado o prazo legalmente previsto para interpor recurso, terá a mesma frustrado o direito do A. de obter provimento da sua pretensão.
Com efeito, não poderá o recorrente sustentar que o seu decaimento foi apenas e só consequência daquela omissão da 1ª Ré, verificando-se, por si só, o dano de “perda de chance”, tanto mais que não logrou cumprir o ónus da prova que sobre si impendia nos termos acima referidos.
Em face do que atrás se deixou exposto e atenta a prova produzida, resulta inequivocamente afastado qualquer (pretenso) nexo de causalidade entre a actuação profissional da 1ª Ré (advogada) e os danos alegadamente sofridos pelo recorrente.
Não bastando que se verifique o incumprimento do mandato para que haja indemnização por “perda de chance”, sendo também necessário que esse incumprimento pudesse conduzir, com um elevado grau de probabilidade, à procedência da pretensão do lesado, e não se verificando, no presente caso, que o recorrente teria essa probabilidade de sucesso, não haverá lugar a qualquer indemnização a este título.

Ademais, como bem refere o Tribunal “a quo”, em síntese, na sentença recorrida:
“Ainda que o tribunal tivesse concluído pela atuação ilícita e culposa da ré, no âmbito do contrato de mandato celebrado com o autor, este não teria logrado provar os danos patrimoniais e não patrimoniais alegados e consequentemente não haveria lugar à condenação da ré no pagamento de qualquer indemnização/compensação.”
Face ao exposto, entendemos que a sentença recorrida não merece qualquer reparo, improcedendo, assim, o recurso interposto pelo Autor.
*
SUMÁRIO:

I) - O mandato forense é um contrato de mandato atípico sujeito ao regime especial do Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo-lhe ainda aplicável, a título subsidiário, o regime civilístico do mandato constante dos artºs 1157º a 1184º do Código Civil.
II) - No exercício do mandato forense, o advogado não se obriga a obter ganho de causa, mas sim a utilizar, com diligência e zelo, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender os interesses do seu cliente, utilizando os meios ajustados ao caso, segundo as “leges artis”, com o objectivo de vencer a lide, visto tratar-se de uma obrigação de meios, e não de resultado.
III) - O incumprimento dos deveres adstritos ao advogado pela celebração do contrato de mandato pode determinar a sua responsabilidade civil contratual pelos danos daí decorrentes para o mandante e, consequentemente, a obrigação de indemnizar.
IV) - O perfilhar entendimento diverso daquele que é defendido pelo Tribunal, quanto à contagem do prazo de recurso, não pode consubstanciar a violação de qualquer dever por parte de um mandatário constituído.
V) - O ressarcimento por “perda de chance”, encarado como uma nova e autónoma espécie de dano, não visa indemnizar a perda do resultado querido, mas antes e apenas a oportunidade perdida enquanto um direito em si mesmo violado com uma conduta ilícita.
VI) - A verificação do dano por “perda de chance” exige a demonstração da consistência e seriedade da perda da oportunidade de obter uma vantagem (ou de evitar um prejuízo) segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, que terá de ser aferido casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados.
VII) - Com efeito, não bastará que um advogado, por falta de zelo, não tenha praticado um determinado acto, para que, sem mais, nasça na esfera jurídica do seu cliente o direito à indemnização por “perda de chance”, sem se exigir qualquer outro requisito. Tal entendimento, de uma forma que se tem por inadmissível, afastaria os requisitos da responsabilidade civil, mormente, a necessidade de existência de dano e o nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano.
VIII) - Para haver dano da “perda de chance” susceptível de indemnização, não basta a prova da conduta ilícita do advogado consubstanciada no incumprimento do mandato, não basta a prova do acto/facto lesivo, uma vez que segundo o instituto jurídico invocado não há reparação sem estar também provada a existência dum dano e causado por tal acto/facto ilícito, sendo também necessário que esse incumprimento pudesse conduzir, com um elevado grau de probabilidade, à procedência da pretensão do lesado.
IX) - Numa acção destinada a apurar a responsabilidade civil do advogado no âmbito de um contrato de mandato forense, deve o lesado demonstrar que existia uma probabilidade séria e real de a sua pretensão ter sido reconhecida, caso o mandante tivesse actuado com a diligência devida, o que implica fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa.

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo Autor A. L. e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Notifique.
Guimarães, 24 de Novembro de 2022
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

Maria Cristina Cerdeira (Relatora)
Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta)
Margarida Almeida Fernandes (2ª Adjunta)