Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
461/19.4T8PRT-A.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
JUÍZOS DE COMÉRCIO
DIREITOS SOCIAIS
PEDIDO GENÉRICO
EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A apreciação da competência material dos tribunais afere-se em função do pedido do autor, considerando a pretensão formulada e os fundamentos em que a mesma se baseia, atendendo à relação jurídica controvertida tal como configurada na petição inicial.
II- Nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 128º da Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário) compete aos juízos de comércio preparar e julgar as ações relativas ao exercício de direitos sociais e as ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais;
III- Os direitos sociais “são os direitos cuja matriz, directa e imediatamente, se funda na lei societária (lei que estabelece o regime jurídico das sociedades comerciais) e/ou no contrato de sociedade”, podendo ser titulares de direitos sociais a sociedade, os sócios, os credores sociais e terceiros.
IV- Para efeitos de integração na alínea c) do n.º 1 do artigo 128º da Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário), estando em causa direitos sociais dos sócios, deverá entender-se que são os que integram a esfera jurídica daqueles, por força do contrato de sociedade, sendo inerentes à sua qualidade e estatuto, dirigidos à proteção dos seus interesses sociais; o que pressupõe que o autor tenha a qualidade de sócio, que o direito que visa realizar através da ação se alicerce no contrato de sociedade e que com o pedido formulado vise a proteção de um qualquer dos seus interesses sociais.
V- Os pedidos devem ser formulados de forma clara, determinada, congruente e coerente, apresentando-se, sob pena de ineptidão, como uma consequência lógica dos fundamentos invocados, ainda que possam ser apresentados de forma alternativa (artigo 553º), subsidiária (artigo 554º), cumulativa (artigo 555º), genérica (artigo 556º) e em prestações vincendas (artigo 557º), nas circunstâncias legalmente previstas.
VI- A formulação de pedido genérico fora do condicionalismo legal reconduz-se a uma exceção dilatória inominada.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

M. N., e marido J. N., residentes na Rua …, n.º …, Porto, instauraram ação de processo comum contra F. M., E. P. e mulher M. G., R. J., P. M. & Filhos, Limitada, X – Comércio de Pronto a Vestir, Limitada, Y – Importação e Exportação de Artigos para o Lar, Ldª e A. P..

Pedem os Autores que:
1) seja declarada inexistente a justa causa invocada pelos sócios da Ré P. M. & Filhos, Ldª e ora Réus E. P., M. G., R. J. e F. M. para fundamentação da destituição da Autora de gerente desta Ré na deliberação aprovada por estes Réus na assembleia geral realizada no dia 12 de novembro de 2018;
2) ser declarada nula ou anulável a deliberação de destituição da gerência da sociedade de M. N., com base em justa causa, tomada na assembleia geral da sociedade P. M. & Filhos, Ldª realizada na data de 12 de novembro de 2018, com as consequências legais;
3) serem os Réus R. J. e F. M. condenados a absterem-se de realizarem ou praticarem qualquer ato, incluindo quaisquer negócios entre a sociedade P. M. & Filhos, Lda e qualquer uma das outras sociedade em que os Réus E. P. e M. G. detêm participações sociais e qualquer uma das sociedades de que o Réu R. J. seja sócio ou gerente, que diminua ou prejudique a mais-valia de negócio para a sociedade P. M. & Filhos, Lda e qualquer outra sociedade onde os Réus E. P. e M. G. detêm ou detenham participações sociais;
4) serem os Réus R. J. e F. M. condenados a absterem-se de realizarem ou praticarem qualquer ato ou negócio de direta ou indiretamente contribua ou possa contribuir para a diminuição do valor das participações sociais atuais da sociedade P. M. & Filhos, Lda.;
5) serem os Réus R. J. e F. M. condenados a absterem-se de realizarem ou praticarem qualquer ato ou negócio que distorça, desvalorize ou por qualquer meio, forma ou processo tenha subjacente e revele a forma intencional de provocar a redução do valor patrimonial dos bens e participações sociais que os seus pais E. P. e M. G. detêm nas sociedades identificadas na presente petição inicial, para obterem proveito pessoal contrário à ordem pública e aos bons costumes, através de contratos e ou negócios e ou do reforço ou desvalorização de participação social de qualquer uma das sociedades de que os Réus E. P. e M. G. são ou sejam titulares, assentes em atos e ou contratos simulados e ou dissimulados;
6) ser a Ré P. M. & Filhos, Ldª condenada a se abster de, através dos seus respetivos representantes legais, administradores ou gerentes, acionistas ou sócios, de decidir, deliberar, realizar, executar ou registar quaisquer atos, incluindo aumentos de capital social, fusões ou cisões que tenham subjacentes os factos e o direito invocados pela Autora e que distorçam, desvalorizam ou por qualquer meio, forma ou processo tenham subjacente e revelem a forma intencional dos Réus R. J. e F. M. de provocar a redução do valor patrimonial dos bens e participações sociais detidas pelos Réus seus pais E. P. e M. G. para obterem proveito pessoal contrário à ordem pública e aos bons costumes, através de contratos e negócios e ou do reforço de participação social nesta sociedade de cada um dos Réus, assentes em atos e ou contratos simulados e ou dissimulados;
7) ser declarada a nulidade por simulação ou decretada a anulabilidade por dissimulação, da cessão da quota social de €165.000,00 da sociedade X feita pelos RR E. P. e M. G. para a sociedade Y, de que é único beneficiário efetivo o Réu R. J., por esta cessão de quota esconder a doação feita pelos seus pais E. P. e M. G. ao filho e ora Réu R. J.;
8) serem os RR E. P., M. G. e R. J. condenados a reconhecerem que a cessão da quota social de €165.000,00 da sociedade X feita pelos RR E. P. e M. G. para a sociedade Y, propriedade do Réu R. J., foi um contrato simulado ou dissimulado por esta cessão de quota esconder a doação feita pelos pais da Autora mulher ao Réu R. J.;
9) serem os RR R. J. e Y condenados a verem integrada esta participação adquirida pelo Réu R. J., através da simulada cessão onerosa da quota social de €165.000,00 no valor das heranças abertas por óbito dos RR E. P. e M. G., e levadas à colação;
10) serem os RR R. J. e Y condenados solidariamente no pagamento das quantias que resultarem superiores ao valor do quinhão hereditário que venha a pertencer ao Réu e herdeiro legitimário R. J., por efeito da realização desta doação dissimulada desta participação social de €165.000,00 do capital social da X que foi transmitida pelos RR E. P. e M. G. para a sociedade Ré Y;
11) ser declarada a nulidade por simulação ou decretada a anulabilidade por dissimulação, da cessão da quota social de €90.000,00 da sociedade X, correspondente a 30% do capital social desta sociedade feita pelo anterior sócio A. P. através da ata nº. 39 da sociedade X e registada no registo comercial pela menção depósito 1098/2012-12-14 da retificação do anterior depósito 1090/2012-12-05 relativo à transmissão da quota social de €90.000,00, que este havia vendido ao Réu E. P. e depois retificada a transmissão para aparecer como adquirente da quota de A. P., o ora Réu R. J., por esta retificação e registo comercial esconderem a doação dissimulada desta participação social feitas pelos RR E. P. e M. G. ao seu filho R. J., devendo ordenar-se o cancelamento do registo através da menção depósito 1098/2012-12-14, bem como qualquer outro registo posterior respeitante a esta quota social;
12) serem os RR E. P., M. G., R. J. e X sejam condenados a reconhecerem que a retificação constante na ata nº. 39 da sociedade X relativa à anterior ata nº. 38, e registada através da menção depósito 1098/2012-12-14 da retificação do anterior depósito 1090/2012-12-05 relativo à transmissão da quota social de €90.000,00 foi um ato simulado por representar unicamente a forma encontrada pelos RR E. P., M. G. e R. J. de esconderem, dissimuladamente, a doação desta participação social de €90.000,00 da sociedade X feita pelos RR E. P. e M. G. ao seu filho e ora R. R. J.;
13) serem os RR R. J. e X condenados a verem integrada esta participação adquirida pelo Réu R. J., no valor das heranças abertas por óbito dos RR E. P. e M. G., e levadas à colação,
14) serem os RR R. J. e X condenados solidariamente no pagamento das quantias que resultarem superiores ao valor do quinhão hereditário que venha a pertencer ao Réu e Herdeiro legitimário R. J., por efeito da realização desta doação dissimulada desta participação social de €90.000,00 do capital social da X que havia transmitida pelo ex-sócio A. P. para o R. E. P. e, em seguida, mediante o esquema simulado de retificação, transferida para o R. R. J..
Foi proferido despacho saneador que (na parte que aqui releva), julgou o juízo central cível incompetente, em razão da matéria, para conhecer dos pedidos 1) e 2) da petição inicial e absolveu os Réus da instância, quanto aos mesmos, absolveu também os Réus da instância quanto aos pedidos 3) a 6) e indeferiu o requerido pelos Autores a fls. 42.

Inconformados vieram os Autores recorrer concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“C O N C L U S Õ E S:

1. A instauração da presente ação assenta, não no exercício de direitos sociais, mas sim no incumprimento de regras legais sucessórias manifestadas através dos repetidos atos voluntários e conscientes praticados pelos RR, enquanto pais e enquanto filhos com vista a serem desviados valores e dinheiros dos pais a favor dos RR filhos, em prejuízo da Autora/Recorrente, igualmente filha e herdeira legitimária.
2. O que está em causa na presente ação, é a existência de uma relação paternal/filial entre as partes e respeita à prática de atos simulados praticados entre os RR, E. P. e M. G., (pais da Autora/Recorrente M. N.) e o Réu R. J. com vista a esconderem, sobre a capa dos atos simulados que praticam, a existência de verdadeiras doações que os Autores fazem e pretendem fazer ao R. R. J., em violação da lei sucessória e em prejuízo das outras herdeiras.
3. A Autora/Recorrente mulher é filha dos RR E. P. e M. G. e irmã dos RR F. M. e R. J., sendo as Rés sociedades, empresas familiares, sendo todos os RR sócios da P. M. e o Réu R. J. sócio da X e Y;
4. A Autora/Recorrente M. N., pela lei sucessória, é herdeira legitimária, dos RR E. P. e M. G.;
5. A Autora/Recorrente não é sócia da sociedade P. M. e Filhos, Ldª
6. Com este processo, a Autora/Recorrente mulher, pretende evitar e impedir que, por acordo entre os Réus E. P. e M. G. e seu filho R. J., seja defraudado o direito que lhe assiste de impedir a prática de atos e contratos que defraudem a lei, violando os princípios legais que garante aos filhos o seu direito sucessório à quota legitimária.
7. Têm existido nestes últimos anos, atos e factos que revelam que existe um esquema consciente e voluntário, em comunhão de esforços conjunto entre os Réus E. P., M. G. e R. J. destinado a beneficiar ilegalmente os filhos R. J. e F. M., com a intenção de virem a subtrair mais e outros bens do património dos Réus E. P. e M. G., como meio de beneficiarem ilegalmente os Réus R. J. e F. M., em prejuízo da Autora/Recorrente M. N..
8. Os direitos da sociedade que se podem considerar direitos dos sócios são, não todos os que genericamente poderiam ser classificados como direitos exercidos pelos sócios, mas sim os correspondentes aos direitos que provêm da relação social ou seja da relação da sociedade com o sócio;
9. A determinação da competência material do tribunal deve assentar na estrutura do objeto do processo, envolvida pela causa de pedir e pelo pedido formulados na petição inicial da ação;
10. Não pretendendo a Autora/Recorrente exercer direitos sociais reconhecidos ou previstos nas normas do Código das Sociedades Comerciais e importando apenas verificar e reconhecer direitos decorrentes da lei civil substantiva (no confronto com a invocada atuação dos Réus), a competência para a preparação e julgamento da causa está atribuída à Jurisdição Comum/Cível;
11. A causa de pedir da ação instaurada pela Autora/Recorrente assenta essencialmente na conclusão de vários negócios simulados entre os Réus, os quais estão narrados na petição inicial e através dos quais os RR pretendem defraudar a lei sucessória e, através disso, privilegiar os RR R. J. e F. M. em prejuízo da Autora/Recorrente M. N.;
12. Na presente ação, nos pedidos 1), 2), 3), 4), 5) e 6) a Autora/Recorrente não visa um qualquer efeito específico suscetível de integrar um concreto direito social que pretenda exercer futuramente, mas apenas a paralisação da posição dos Réus, enquanto sócios da sociedade P. M. & Filhos, Ldª , com o objetivo de assegurar, com referência a esta sociedade, a não realização de atos e contratos simulados, nos termos expostos na petição inicial, ou seja, têm natureza eminentemente cível;
13. A expulsão da Autora/Recorrente M. N., de gerente da sociedade Ré P. M. & Filhos, Ldª tem como único objetivo dos Réus E. P., M. G. e R. J. possibilitar a este Réu R. J. a gerência da sociedade, sem qualquer restrição, impedimento, ou controle, e poder o Réu R. J. a passar, em nome da Ré P. M., a comprar pelos preços, forma de pagamento e demais condições e termos que entender, toda a mercadoria que a Ré P. M. tem necessidade em termos de:
· têxteis e louças, cujo fornecedor serão os Armazéns X de que o Réu R. J. é titular e detentor da totalidade das participações sociais e seu único e último beneficiário efetivo da totalidade do capital social desta sociedade,
· mercearia (bebidas, talho, pão), cujo fornecedor será o supermercado … de que é dono o Réu R. J.;
· têxteis decorativos, tecidos e tapetes, cujo fornecedor será a sociedade Y cujo único titular e único beneficiário efetivo é o Réu R. J.;
· reparação e manutenção de veículos da Ré sociedade na sociedade W, na qual o Réu R. J. é sócio maioritário;
14. o que comprova que os pedidos dos pontos 3) a 6) do petitório, são concretos, ou pelo menos facilmente determináveis e não são nem genéricos nem abstratos pelo que nunca os RR deveriam ter sido absolvidos da instância relativamente a estes pedidos;
15. A expulsão da Autora/Recorrente M. N. das suas funções de gerente, permite aos Réus E. P., M. G. e R. J. obterem os seus seguintes benefícios pessoais: c) Eliminam todo e qualquer controle pela Autora/Recorrente M. N. que possa existir em qualquer contrato que exista ou possa existir na sociedade P. M. & Filhos Lda; d) Permitem que o Réu e filho R. J. possa, livremente e sem qualquer controle, proceder a toda e qualquer ligação entre todas as empresas, nas sua qualidade de fornecedores/clientes, estabelecendo as regras que venha a considerar mais adequadas ao seus interesse pessoal, em prejuízo dos interesses das sociedade, nomeadamente, da sociedade P. M. & Filhos, La;
16. O afastamento da Autora/Recorrente M. N. de gerente da Ré P. M. & Filhos, Ldª, os Réus E. P., M. G., F. M. e R. J. pretendem:
· impedir o acesso dos Autores às tomadas de decisões e atos de gestão desta Ré, por forma aos Autores desconhecerem o que se vai passar na sociedade, de entre cujos atos se indicam, a título exemplificativo:
· impedimento no acesso dos Autores a contas bancárias da Ré P. M. & Filhos, Ldª, bem como ao controlo e gestão dos dinheiros desta sociedade,
· afastamento à administração quer dos movimentos financeiros da sociedade Ré P. M. & Filhos, Ldª, quer sobre os ativos desta sociedade Ré,
· e, eventualmente, poder fazer circular contabilisticamente, através de mecanismos e esquemas contabilísticos arranjarem forma de realizarem as subscrições que façam em posteriores deliberações de aumento de capital social através do dinheiro da sociedade P. M. & Filhos, Ldª.
17. Os pais da Autora/Recorrente e os seus irmãos, ora Réus, de forma ardilosa, concertada e em união de esforços e vontades, procederam a uma arquitetura de situações através das quais é pretendido que estas passem dissimuladas sob uma capa de aparência legal, por forma a que as verdadeiras doações que os Réus E. P. e M. G. quiseram fazer ao filho R. J., nem sequer passem pelo crivo da avaliação de bens em partilhas, sempre com o objetivo de deserdarem a filha, ora Autora/Recorrente, na parte em que excede o valor dos bens passíveis de serem doados pelos Réus E. P. e M. G. no âmbito do direito que têm relativamente à disposição das suas quotas disponíveis;
18. Não assiste aos Réus E. P., M. G., R. J. e F. M., o direito de ilegal e abusivamente, marginalizarem e excluírem a Autora/Recorrente dos destinos da sociedade P. M. & Filhos, Lda invocando falsamente justa causa para a destituição da Autora/Recorrente de gerente, para, em seguida, através desse expediente, esvaziarem ardilosamente os valores das doações feitas, conscientes que estes seus atos voluntários, embora com a aparência formal legal, violam as regras e normas de ordem pública e bons costumes subjacentes ao ordenamento jurídico português.
19. Os Réus pretendem defraudar a lei sucessória através da destituição sem justa causa da Autora/Recorrente de gerente desta sociedade P. M. & Filhos, Ldª, com o objetivo de defraudar os direitos de herdeira da Autora/Recorrente, no património e nos bens desta sociedade, à data da abertura das heranças dos seus pais.
20. Esta é uma situação que, sob a capa legal, é profundamente abusiva e ilícita porque é incompatível com a ordem jurídica, com os princípios norteadores do direito das sucessões e constitui a prática de atos imorais, contrários à moral pública.
21. O objetivo dos Réus:
· é fazer com que os valores dos bens e participações na sociedade P. M. & Filhos, Lda não tenham valor económico algum,
· impedir que eles sejam avaliados pelo seu valor real e, em simultâneo,
· os Réus pessoalmente, apropriarem-se do valor dos bens da sociedade P. M. & Filhos, Lda,
· sem que levem o valor real dos bens doados à colação, através da criação de condições fictícias,
· à semelhança do que os RR pretenderam fazer com as doações dissimuladas feitas pelos RR E. P. e M. G., das quotas sociais da sociedade Ré X nos valores nominais de €90.000,00 e de €165.000,00
· e através de negócios internos fomentados pelo Réu R. J. nas sociedade Rés e demais sociedades de que é gerente,
· deslocalizar a mais-valia de cada negócio da sociedade e sociedades de que são titulares os Réus E. P. e M. G. para as sociedades de que é titular e último beneficiário efetivo o Réu R. J.
22. Através deste esquema inteligente, mas ardiloso, os Réus filhos obtêm, para eles:
· a totalidade do valor dos bens e participações que lhe foram doados pelos pais,
· apropriam-se das mais-valias dos negócios e contratos feitos, em prejuízo das empresas nas quais os Réus E. P. e M. G. detêm participações sociais,
· não levam à colação o valor real que tais bens têm e que lhe foram doados, nem os valores das mais-valias retiradas abusivamente dos negócios feitos entre empresas e
· conseguem anular o valor da herança dos pais, deserdando, desta maneira, a Autora/Recorrente.
23. A atuação dos Réus E. P., M. G. e R. J. é manifestamente abusiva e desconforme à boa fé negocial, agindo os RR E. P., M. G. e R. J. com abuso de direito, previsto no Art. 334º do Código Civil, que verifica-se quando o respetivo “titular se excede no seu exercício, consistindo justamente na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que deve ser exercido” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 1997, BMJ n.º 470, p. 546 e COUTINHO DE ABREU, Do abuso do direito, reimpressão, Coimbra, 1999, passim, especialmente p. 55-69);
24. O requerido a folhas 42 é elemento indispensável para a boa descoberta da verdade que os RR sejam notificados para juntarem aos autos os documentos que os Autores/Recorrentes peticionaram, já que os mesmos constituem elementos decisivos para a descoberta da verdade em relação a todos os pedidos formulados no petitório e cuja junção deverão acrescer os documentos cuja junção se requereu nos artigos 90º, 92º e 100º da petição inicial.
25. O Senhor Doutor Juiz no despacho saneador que proferiu violou o disposto nos artigos 96º, 429º, 595º do CPC”.
Pugnam os Recorrentes pela integral procedência do recurso.
Os Réus apresentaram contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes:

1 - Determinar se o juízo central cível é competente, em razão da matéria, para conhecer dos pedidos 1) e 2) da petição inicial;
2 - Determinar se os pedidos 3) a 6) da petição inicial são inadmissíveis em face da sua imprecisão/indeterminação;
3 – Determinar se se deve ser deferido o requerido pelos Autores a fls. 42.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

Os Recorrentes vieram interpor o presente recurso por se não conformarem com a decisão proferida pelo tribunal a quo que, julgando verificada a exceção da incompetência material quanto aos pedidos 1) e 2) da petição inicial, decidiu absolver os Réus da instância quanto aos mesmos, absolveu ainda os Réus da instância quanto aos pedidos 3) a 6) em face da sua imprecisão/indeterminação e parcial ininteligibilidade e indeferiu o requerido a fls. 42.
Vejamos então se lhes assiste razão, sendo que as incidências fáctico-processuais a considerar são as descritas no relatório.
*
a) Da competência em razão da matéria quanto aos pedidos 1) e 2) da petição inicial

Como é consabido um dos pressupostos mais importantes relativo aos tribunais é o da sua competência, resultando do facto de o poder jurisdicional ser repartido, segundo diversos critérios, por vários tribunais, tendo depois, cada um, competência para determinadas matérias do direito.
A incompetência será assim a “insusceptibilidade de um tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida da jurisdição suficiente para essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição do tribunal arbitral” (v. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Edição, página 128).
No caso em apreço, os Recorrentes vieram interpor o presente recurso por se não conformarem com a decisão proferida pelo tribunal a quo que se julgou materialmente incompetente para conhecer dos pedidos formulados em 1) e 2) da petição inicial.
A primeira questão que vem suscitada tem, por isso, a ver com a incompetência absoluta do Tribunal recorrido, em razão da matéria.
A competência em razão da matéria distribui-se por diferentes espécies de tribunais, situados no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia, subordinação ou dependência entre eles, estando na base desta repartição de competência o princípio da especialização, que se traduz na vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do direito (v. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, página 194, 195 e 207).
Dispõe o n.º 1 do artigo 209º da Constituição da República Portuguesa, nas suas várias alíneas que, “além do Tribunal Constitucional, existem as seguintes categorias de tribunais: a) O Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e de segunda instância; b) O Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais; c) O Tribunal de Contas”; e o artigo 211º n.º 1 que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”
Em conformidade, decorre também do artigo 64º do Código de Processo Civil que os tribunais judiciais são competentes, em razão da matéria, para conhecer das causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, acrescentando o artigo 65°, que as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada.
A Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário, de ora em diante apenas LOSJ) preceitua no artigo 117º n.º 1, alíneas a) e c) que compete aos juízos centrais cíveis a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a €50.000,00, bem como a preparação e julgamento dos procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência.

E prevê no n.º 1 do artigo 128º que compete aos juízos de comércio preparar e julgar:

a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização;
b) As ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade;
c) As ações relativas ao exercício de direitos sociais;
d) As ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais;
e) As ações de liquidação judicial de sociedades;
f) As ações de dissolução de sociedade anónima europeia;
g) As ações de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais;
h) As ações a que se refere o Código do Registo Comercial;
i) As ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.

Assim, e na parte que aqui releva, a preparação e julgamento das ações relativas ao exercício de direitos sociais, à suspensão e anulação de deliberações sociais compete aos tribunais de comércio (alíneas c) e d) do referido n.º 1 do artigo 128º).
No entanto, o teor deste preceito permite perceber que a competência dos Juízos de Comércio não abarca todas as questões que objetiva ou subjetivamente tenham natureza comercial, mas apenas aquelas que o legislador entendeu que mais justificariam a sua separação da esfera de competência residual atribuída aos Juízos Cíveis, e que são as que no mesmo se mostram elencadas.
Assim, na atribuição de competência especializada aos Tribunais do Comércio “para preparar e julgar as ações relativas ao exercício dos direitos sociais e que têm por objeto questões relacionadas com a atividade das sociedades comerciais, releva a circunstância de estarmos perante matérias que exigem especial preparação técnica e sensibilidade e envolvem dificuldades/complexidades que podem repercutir-se também na respetiva solução”, para as quais “são necessários, naturalmente, conhecimentos especiais para que estão mais vocacionados os tribunais a que foi atribuída competência especializada nessa área (tribunais do comércio) relativamente aos tribunais cíveis” (v. Acórdão da Relação de Coimbra de 03/05/2016, Relator Desembargador Fonte Ramos, disponível em www.dgsi.pt).
Importa ainda considerar o que deve entender-se por “exercício de direitos sociais”, uma vez que a lei não contém uma definição concreta de “direitos sociais” para efeitos de integração na previsão da referida alínea c) do n.º 1 do artigo 128º.
Os direitos sociais “são os direitos cuja matriz, direta e imediatamente, se funda na lei societária (lei que estabelece o regime jurídico das sociedades comerciais) e/ou no contrato de sociedade”, podendo ser titulares de direitos sociais a sociedade, os sócios, os credores sociais e terceiros (v. Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/09/2015, Processo n.º 5542/13.5TBLRA.C1, de 03/05/2016, Processo n.º 851/14.9TBCLD-A.C1 e de 11/04/2019, Processo n.º 591/18.0T8LRA.C1, e do Supremo Tribunal de Justiça de 08/05/2013, Processo n.º 5737/09.6TVLSB.L1-S1, todos em www.dgsi.pt).
Para efeitos de integração na referida alínea c) do n.º 1 do artigo 128º, estando em causa direitos sociais dos sócios, deverá entender-se que são os que integram a esfera jurídica daqueles, por força do contrato de sociedade, sendo inerentes à sua qualidade e estatuto, dirigidos à proteção dos seus interesses sociais; o que pressupõe que o autor tenha a qualidade de sócio, que o direito que visa realizar através da ação se alicerce no contrato de sociedade e que com o pedido formulado vise a proteção de um qualquer dos seus interesses sociais (v. Acórdão da Relação de Évora de 13/02/2020, Processo n.º 1601/19.9T8STR-A.E, Relator Desembargador Manuel Bargado, também disponível em www.dgsi.pt).
Por outro lado, é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que a competência se afere pelo pedido do autor, considerando a pretensão formulada e os fundamentos em que a mesma se baseia, considerando a relação jurídica controvertida tal como configurada na petição inicial, sendo irrelevante qualquer juízo de prognose que se possa fazer relativamente à sua viabilidade (v. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume I, página 111 e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, página 91) e que não cabendo uma causa na competência de outro tribunal ela será do tribunal comum por uma questão de competência residual (cfr. entre outros, Acórdãos da Relação de Guimarães de 05/03/2009 e de 18/01/2018, da Relação do Porto de 22/02/2011 e de 07/04/2016, da Relação de Lisboa de 13/07/2010 e do Supremo Tribunal de Justiça de 02/03/2017, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Analisemos então a questão colocada à luz dos considerandos acabados de enunciar, começando por atender aos pedidos formulados pelos Autores em 1) e 2) e aos fundamentos em que se baseiam uma vez que a determinação da competência em razão da matéria assim deve ser aferida.

No caso em apreço, os Autores pedem em 1) e 2) que seja declarada inexistente a justa causa invocada pelos sócios da Ré P. M. & Filhos, Ldª, os ora Réus E. P., M. G., R. J. e F. M., para fundamentação da destituição da Autora de gerente desta Ré na deliberação aprovada por estes Réus na assembleia geral realizada no dia 12 de novembro de 2018 e que seja declarada nula ou anulável essa deliberação.
Sustentam os Recorrentes suas alegações de recurso que a causa de pedir assenta essencialmente na alegação de vários negócios simulados entre os Réus, através dos quais estes pretendem defraudar a lei sucessória e privilegiar os Réus R. J. e F. M. em prejuízo da Autora/Recorrente, defraudando os direitos desta no património e nos bens desta sociedade, à data da abertura das heranças dos seus pais, integrando-se a destituição da Autora de gerente, segundo a posição deste, nesse alegado esquema destinado a que à data da morte dos pais estes não tenham quaisquer bens nem nenhuma participação social em nenhuma sociedade, de forma a que os Réus R. J. e F. M. sejam os únicos a herdarem os bens dos pais; tal corresponde efetivamente ao alegado, entre outros, nos artigos 140º a 158º da petição inicial.
Segundo os Recorrentes a invocação da justa causa para destituição visa alegadamente esvaziar “através desse expediente” “os valores das doações feitas” evaporando-se “todo o património da eventual herança que, porventura pudesse existir à data do falecimento dos pais” pelo que sustentam que na presente ação não visam “um qualquer efeito específico suscetível de integrar um concreto direito social (…) mas apenas a paralisação da posição dos Réus, enquanto sócios da sociedade P. M. & Filhos, Ldª, com o objetivo de assegurar, com referência a esta sociedade, a não realização de atos e contratos simulados”, não estando verdadeiramente em causa uma pretensão dirigida ao exercício de direitos sociais.
Concluímos, em face das suas conclusões, que pretendem que a presente ação, designadamente quanto aos pedidos formulados em 1) e 2), não se enquadra na alínea c) do n.º 1 do referido artigo 128º por não estar em causa uma ação relativa ao exercício de direitos sociais.
Porém, não está em causa verdadeiramente apreciar se estamos perante uma pretensão dirigida ao exercício de direitos sociais pois, considerando os pedidos formulados, visando a inexistência de justa causa e a declaração de nulidade ou anulação da deliberação de destituição de gerente aprovada na assembleia geral realizada no dia 12 de novembro de 2018, a presente ação integra-se, relativamente aos pedidos 1) e 2), na alínea d) do n.º 1 do referido preceito: ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais.
O legislador entendeu que estando em causa a suspensão e anulação de deliberações sociais a competência deve ser atribuída aos juízos de comércio, afastando nesses casos a competência residual atribuída aos juízos cíveis.
Assim, estando em causa nos pedidos 1) e 2) a anulação da deliberação de destituição da gerência por inexistência de justa causa o seu conhecimento não cabe na competência residual atribuída aos juízos cíveis, não merecendo censura nessa parte a decisão proferida pelo tribunal a quo.
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b) Da inadmissibilidade dos pedidos 3) a 6) da petição inicial em face da sua imprecisão/indeterminação

Os Recorrentes também não se conformam com a decisão proferida pelo tribunal a quo que absolveu os Réus da instância quanto aos pedidos formulados em 3) a 6) por serem imprecisos e indeterminados e parcialmente ininteligíveis.
Sustentam para o efeito que estes pedidos estão diretamente ligados com os pedidos 1) e 2) e que nestes pedidos [(1) a 6)] a Autora/Recorrente não visa um qualquer efeito especifico suscetível de integrar um concreto direito social que pretenda exercer futuramente, mas apenas a paralisação da posição dos Réus, visando assegurar com referência à sociedade P. M. & Filhos Lda a não realização de atos e contratos simulados.
Cumpre referir, em primeiro lugar que, na própria perspetiva dos Recorrentes, os pedidos em causa, estando diretamente ligados com os pedidos 1) e 2), deveriam ser logicamente apreciados em conjunto com estes, pelo que não sendo o tribunal a quo competente para destes conhecer, não sendo os mesmos apreciados nos presentes autos, seria desde logo incoerente apreciar e decidir nos presentes autos os pedidos formulados em 3) a 6).
Mas a questão colocada pelo tribunal a quo é a da verificação da exceção dilatória inominada da imprecisão/indeterminação dos pedidos em causa.
Vejamos então.
Nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 552º do Código de Processo Civil na petição, com que propõe a ação, deve o autor formular o pedido.
É inquestionável que a formulação do pedido é um dos elementos essenciais da petição inicial, constituindo a sua verdadeira razão de ser pois através dele dirige o autor ao tribunal a sua pretensão.
Aliás, o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (cfr. artigo 3º, n.º 1 do Código de Processo Civil), e o juiz, na sentença, também não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que foi pedido (cfr. artigo 609º n.º 1 do Código de Processo Civil).
A sua falta ou a sua ininteligibilidade tornam a petição inepta, o que acarreta a nulidade de todo o processo e a absolvição do réu da instância (artigos 186º n.º 1 e n.º 2, alínea a) e 278º n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil).
Impõe-se por isso, que, na petição inicial, o autor indique de forma clara e percetível o pedido que pretende ver decretado pelo tribunal; “só um pedido cujo alcance possa ser compreendido pelo juiz e pelo réu é passível de sustentar um processo em que se pretende uma decisão judicial definidora de um conflito de interesses, assegurar o efetivo exercício do contraditório, circunscrever com rigor os limites da sentença (art. 609º, n.º 1) e delimitar o caso julgado material (art. 621º) (António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, página 609).
O pedido deverá também ter um conteúdo determinado ou determinável em fase de liquidação ou execução de sentença, de forma a que possa ser facilmente apreendido por terceiros e permita a definição dos contornos do direito no caso concreto (António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, ob. e pág. cit., dão como exemplo negativo o caso apreciado pelo Tribunal da Relação de Évora em que foi pedida a “declaração de que o autor não tem para com o réu qualquer divida ou qualquer obrigação de pagar ou indemnizar”).

Como é óbvio, os pedidos vagos e imprecisos não satisfazem esta exigência; o mesmo ocorrendo com os pedidos genéricos, pelo que estes apenas são excecionalmente admitidos nos casos previstos no n.º 1 do artigo 556º do Código de Processo Civil Anotado, isto é:

“a) Quando o objeto mediato da ação seja uma universalidade, de facto ou de direito;
b) Quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequência do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código civil;
c) Quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro ato que deva ser praticado pelo réu”.

Os pedidos formulados na petição inicial devem ser, por isso e em regra, determinados no seu quantitativo e conteúdo, apenas podendo formular-se pedidos genéricos nos casos previstos no referido artigo 556º.
Impõe-se então concluir que os pedidos não podem ser formulados de forma vaga, imprecisa e indeterminada, e nem de forma ininteligível; antes devem ser formulados de forma clara, determinada, congruente e coerente, apresentando-se, sob pena de ineptidão, como uma consequência lógica dos fundamentos invocados, e certa, ainda que possam ser apresentados de forma alternativa (artigo 553º), subsidiária (artigo 554º), cumulativa (artigo 555º), genérica (artigo 556º) e em prestações vincendas (artigo 557º), nas circunstâncias legalmente previstas.
Nos casos em que tal não ocorre, e à semelhança das situações de ineptidão da petição inicial, expressamente prevista como exceção dilatória, estaremos também perante uma exceção dilatória, ainda que inominada, sendo inquestionável, em face do artigo 577º do Código de Processo Civil (onde consta expressamente a referência a “entre outras”) a existência de exceções dilatórias inominadas.
Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, 1982, II, página 250) considera que quando se “formula indevidamente um pedido genérico, ainda aí a consequência deverá ser a absolvição da instância, pois não poderá o tribunal legalmente conceder o que o autor pede (a isso obsta, por definição, o art 471º) nem conceder coisa diversa (art 668º/1 al e)”; no sentido de a formulação ilegal de pedido genérico constituir exceção dilatória pronuncia-se também Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 1997, página 75 e ob. cit. Página 618) considerando que a “dedução de pedido genérico fora do condicionalismo legal reconduz-se a uma exceção dilatória inominada”.
In casu, analisando os pedidos formulados pelos Autores em 3), 4), 5) e 6) da petição inicial, temos de concordar com o entendimento perfilhado pelo tribunal a quo, concluindo que se apresentam efetivamente formulados com um caráter impreciso, indeterminado e genérico.
Tal como se refere na decisão recorrida “Se acaso o tribunal julgasse os pedidos em causa procedentes, eles sofreriam de uma indeterminação e imprecisão tal que, perante cada ato que os R.R. viessem a praticar, ter-se-ia de andar a discutir se tal ato diminuía ou prejudicava “a mais-valia de negócio” (seja lá o que isso for), se tal ato “direta ou indiretamente contribuía ou podia contribuir para a diminuição do valor das participações sociais”, se tal ato “distorcia, desvalorizava ou por qualquer meio, forma ou processo tinha subjacente e revelava a forma intencional de provocar a redução do valor patrimonial dos bens e participações sociais, para obtenção de proveito pessoal contrário à ordem pública e aos bons costumes…, assentes em atos e ou contratos simulados e ou dissimulados”.
Conforme já referimos o pedido deve ser indicado de forma clara e percetível para a ser perfeitamente compreendido pelo juiz e pelo réu tendo em vista possibilitar verdadeiramente o exercício do contraditório, permitir a definição dos contornos do direito no caso concreto e a prolação de uma decisão que seja definidora do conflito de interesses subjacente ao mesmo; a decisão judicial que venha a ser proferida não pode ser imprecisa e/ou indeterminada, antes sendo necessário saber com exatidão o que o tribunal decidiu, para que os autores e os réus, e qualquer pessoa, possam saber sem dúvidas o que foi decidido e o que deve ser cumprido pelos réus no futuro.
Os pedidos em causa apresentam-se formulados com um carater manifestamente indeterminado e patentemente genérico (mas insuscetível de integrar a previsão do artigo 556º do Código de Processo Civil) pelo que, consequentemente, a decisão proferida pelo tribunal a quo, que absolveu os Réus da instância relativamente aos pedidos 3) a 6), não merece censura, devendo manter-se, improcedendo também nesta parte o presente recurso.
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c) Determinar se se deve ser deferido o requerido pelos Autores a fls. 42.
Sustentam, por último, os Recorrentes que a junção dos documentos nos termos por si peticionados é elemento indispensável para a boa descoberta da verdade.

Pelo tribunal a quo foi proferido o seguinte despacho (na parte que aqui releva):
“Indefiro o requerido a fls. 42, face à confissão de que, o R. R. J. e a Y nada pagaram pelas cessões de quotas em causa e por não terem utilidade para a decisão da causa, atento aquele que é o objeto do litígio”.
Alegam os Recorrentes que o requerido “a fls. 42” é decisivo para a descoberta da verdade, bem como os documentos cuja junção requereram nos artigos 90º, 92º e 100º da petição inicial.
Cumpre salientar desde logo que a decisão recorrida, proferida pelo tribunal a quo, apenas se pronunciou sobre a junção dos documentos requeridos a “fls. 42”, não se tendo ainda pronunciado relativamente ao requerido pelos Autores nos artigos 90º, 92º e 100º da petição inicial; assim, este tribunal apenas irá apreciar se os documentos cuja junção foi requerida pelos Recorrentes e foi indeferida pelo tribunal a quo se mostram necessários para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.
E também aqui temos de concordar com o tribunal a quo porquanto, os documentos pretendidos pelos Recorrentes, atenta a posição assumida pelos Réus no seu articulado de contestação, aceitando que o Réu R. J. e a Y nada pagaram pelas cessões de quotas em causa, carecem neste momento de interesse para a decisão a proferir.
Vejamos.

O objeto do litígio, tal como identificado no despacho proferido, consiste na:
“Invalidade da cessão de quotas do Interveniente A. P., na sociedade X (e suas consequências), com fundamento em simulação.
Invalidade da cessão de quotas dos R.R. E. P. e M. G., da sociedade X para a sociedade Y (e suas consequências), com fundamento em simulação.
Caducidade de uma eventual anulabilidade de tais cessões de quotas”.

Os documentos cuja junção os recorrentes pretendem são os seguintes:
“1) Para prova do atrás referido relativamente à aquisição das participações sociais adquiridas pela Y e X, cujas transmissões atrás foram narradas nesta petição inicial, que se digne ordenar a notificação destas Rés sociedades para juntarem aos autos documentos comprovativos financeiros do pagamento das quotas sociais que dizem que adquiriram.
1) Que o R. R. J. seja notificado para juntar aos autos fotocópias dos cheques, documentos de transferências bancárias ou quaisquer outros documentos que revelem e mostrem os movimentos financeiros que efetuou com vista e por causa da aquisição das participações sociais feitas, quer em nome pessoal com referência às sociedades atrás identificadas, com referência às participações sociais que detém nelas, quer em relação às participações sociais adquiridas pela sociedade Y;
2) Que o Réu R. J. seja notificado para juntar aos autos fotocópias dos cheques, documentos de transferências bancárias ou quaisquer outros documentos que revelem e mostrem os movimentos financeiros que efetuou com vista e por causa do pagamento das suas entradas em dinheiro para subscrever e realizar entradas de capital quer na constituição da sociedade X em que ele foi sócio constituinte quer para a subscrição e realização de aumentos de capital em todas as sociedades referidas nesta ação e para a compra de participações sociais nas sociedades em que o Réu R. J. é sócio e na sociedade Y em que é o único e o último beneficiário efetivo;
3) Que os Réus E. P. e M. G. sejam notificados para juntarem aos autos fotocópias dos cheques, documentos de transferências bancárias ou quaisquer outros documentos que revelem e mostrem os movimentos financeiros que o filho R. J. lhes entregou ou pagou com vista e por causa da aquisição das participações sociais detidas por este em todas as sociedades identificadas na presente ação, quer feitas, quer em nome pessoal com referência à todas as sociedades atrás identificadas, com referência às participações sociais que os Réus E. P. e ou M. G. transferiram diretamente para o filho R. J. e ou para sociedades onde este filho R. J. detinha participações sociais, nomeadamente para as sociedades X e Y
4) Que as sociedades P. M. & Filhos, Ldª, X – Comércio de Pronto a Vestir, Limitada, Y – Importação e Exportação de Artigos para o Lar, Ldª, Armazéns da … – Comércio Geral, Limitada, Armazéns Europa – Comércio Geral, Limitada sejam notificados para juntarem aos autos fotocópias dos cheques, documentos de transferências bancárias ou quaisquer outros documentos que revelem e mostrem os movimentos financeiros feitos pelo Réu R. J. para cada uma destas sociedades, a título de subscrição e realização de capital social, quer este seja para a constituição quer seja para aumento de capital de cada uma destas sociedades, ou a qualquer outro título, quer seja a prestação de suprimentos, prestações suplementares de capital ou outros.
5) Que os Réus E. P. e M. G. sejam notificados para juntarem aos autos todos os cheques, transferências bancárias ou quaisquer outros documentos identificativos da entrega ou doação de dinheiros e ou valores financeiros que estes Réus fizeram ao seu filho R. J., ou no caso de não possuírem tais documentos, que, no prazo indicado por V. Exª, informem o tribunal se autorizam o acesso do Tribunal e ou dos Autores para solicitarem e requererem ao Banco de Portugal e a qualquer instituição financeira existente em Portugal a entrega de fotocópia de todo e qualquer documento bancário, sejam cheques, transferências bancárias, ordens e pagamento ou quaisquer outros feitos de qualquer conta bancária dos Réus E. P. e M. G. para qualquer conta bancária em que o Réu R. J. seja ou tenha sido titular ou co-titular, devendo igualmente informar onde têm e onde tiveram, nos últimos 15 anos contas bancárias abertas para mais fácil acesso à informação”.
Assim, tendo em atenção que está em causa apreciar a invalidade da cessão de quotas do Interveniente A. P., na sociedade X, com fundamento em simulação, e a invalidade da cessão de quotas dos Réus E. P. e M. G., da sociedade X para a sociedade Y (e suas consequências), também com fundamento em simulação, para além da questão da caducidade de uma eventual anulabilidade de tais cessões de quotas, suscitada pelos Réus, e que os Réus aceitam que o Réu R. J. e a Y nada pagaram pelas cessões de quotas em causa, entendemos também que neste momento carece de interesse para a decisão a proferir a junção aos autos dos referidos documentos.
Em face de todo o exposto, improcede, pois, integralmente a apelação, sendo de confirmar a decisão recorrida.
As custas são da responsabilidade dos Recorrentes atento o seu decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
***
SUMÁRIO (artigo 663º n º 7 do Código do Processo Civil)

I - A apreciação da competência material dos tribunais afere-se em função do pedido do autor, considerando a pretensão formulada e os fundamentos em que a mesma se baseia, atendendo à relação jurídica controvertida tal como configurada na petição inicial.
II - Nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 128º da Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário) compete aos juízos de comércio preparar e julgar as ações relativas ao exercício de direitos sociais e as ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais;
III - Os direitos sociais “são os direitos cuja matriz, directa e imediatamente, se funda na lei societária (lei que estabelece o regime jurídico das sociedades comerciais) e/ou no contrato de sociedade”, podendo ser titulares de direitos sociais a sociedade, os sócios, os credores sociais e terceiros.
IV - Para efeitos de integração na alínea c) do n.º 1 do artigo 128º da Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário), estando em causa direitos sociais dos sócios, deverá entender-se que são os que integram a esfera jurídica daqueles, por força do contrato de sociedade, sendo inerentes à sua qualidade e estatuto, dirigidos à proteção dos seus interesses sociais; o que pressupõe que o autor tenha a qualidade de sócio, que o direito que visa realizar através da ação se alicerce no contrato de sociedade e que com o pedido formulado vise a proteção de um qualquer dos seus interesses sociais.
V - Os pedidos devem ser formulados de forma clara, determinada, congruente e coerente, apresentando-se, sob pena de ineptidão, como uma consequência lógica dos fundamentos invocados, ainda que possam ser apresentados de forma alternativa (artigo 553º), subsidiária (artigo 554º), cumulativa (artigo 555º), genérica (artigo 556º) e em prestações vincendas (artigo 557º), nas circunstâncias legalmente previstas.
VI - A formulação de pedido genérico fora do condicionalismo legal reconduz-se a uma exceção dilatória inominada.
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 16 de setembro de 2021
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)