Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
255/22.0T8VNC-A.G1
Relator: MARGARIDA PINTO GOMES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
PRESCRIÇÃO
PRAZO
ACÓRDÃO DO STJ N.º 6/2022
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DA EMBARGANTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Não demonstrando a embargante/ora recorrente parte em contrato de crédito ao consumo, na modalidade de utilização de cartão de crédito, que o pagamento do capital e juros seria feito em prestações, antecipadamente acordadas, não tem aplicação o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo nº 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 e publicado em Diário da República nº 184/2022, 1ª Série, de 22-09-2022, págs. 5-15 (Acórdão do STJ nº 6/2022).
II. E não sendo enquadrável a situação dos autos no Acórdão invocado, o prazo de prescrição é o prazo de vinte anos.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório:

EMP01... Lda. instaurou acção executiva contra AA, apresentando como título executivo um requerimento de injunção deduzido contra a aqui embargante, no âmbito do procedimento de injunção n.º 113873/20...., com aposição de fórmula executória.

A executada AA apresentou oposição à execução, mediante embargos de executado, sustentando, em suma, que, nas suas palavras, “não se lembra (…) de ter utilizado em seu proveito qualquer quantia por meio de utilização do referido cartão de crédito “Banco 1...” e que “em qualquer dos casos, atendendo à data que vem mencionada como data do contrato, a de 08-11-2012, há muito que terá ocorrido a prescrição de qualquer crédito de que pudesse ser credora inicialmente a Banco 1... e, agora, por força da alegada cessão de crédito, a EMP01...”.

A exequente/embargada apresentou contestação, sustentando, em suma, que não assiste razão à executada/embargante, pois, por um lado, não prescreveu o crédito em apreço e, por outro lado, nas suas palavras, “o desconhecimento ou o facto da embargante alegar que não se recorda da utilização de tal crédito equivale a confissão”, terminando pedindo a improcedência dos embargos.

Foi proferido despacho saneador que julgando improcedente a prescrição invocada pela embargante, declarou os presentes embargos de executado totalmente improcedentes determinando o prosseguimento dos autos de execução com custas pela executada.

Inconformada com a sentença veio da mesma recorrer a executada/embargante formulando as seguintes conclusões:

1.ª)
A recorrente perfilha o entendimento, salvo melhor opinião, de que a douta sentença objeto do presente recurso não decidiu de forma acertada, atendendo à factualidade dos autos que deverá a final ser efetivamente levada em consideração e aos normativos legais aplicáveis ao presente caso.
2.ª)
O recurso ora interposto é apresentado ao abrigo do regime excecional previsto no artigo 629º, nº 2, alínea c) do CPC, porquanto, como infra melhor explicitado, o presente recurso é deduzido com base em violação, por aquela douta sentença, de jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, concretamente no presente caso da jurisprudência constante do douto ACÓRDÃO DO STJ DE 30-06-2022, proferido no processo nº 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 e publicado em Diário da República nº 184/2022, 1ª Série, de 22-09-2022, págs. 5-15 (Acórdão do STJ nº 6/2022).
3.ª)
Nos autos principais de execução, a exequente EMP01... apresentou como título executivo um requerimento de INJUNÇÃO deduzida contra a ora recorrente, no âmbito do procedimento de injunção nº 113873/20...., com aposição de fórmula executória – cfr. req. executivo e docs. respetivos.
4.ª)
Ora, como resulta do próprio requerimento de injunção apresentado pela exequente, está aqui em causa um contrato de utilização de cartão de crédito, ou seja, na realidade, um contrato de crédito ao consumo, datado de 08-11-2012 (cfr. o requerimento de injunção).
5.ª)
Não temos, assim, repare-se bem, como provada qualquer outra data como data de início do alegado incumprimento contratual da recorrente, quer nos factos considerados provados pelo tribunal em primeira instância, quer em qualquer documento constante dos autos, e cuja prova caberia fazer naturalmente por parte da exequente, aqui recorrida, cabendo-lhe tal ónus probatório, o que, certamente não por acaso, não foi demonstrado ou comprovado essa outra eventual data correspondente ao alegado incumprimento.
6.ª)
Pelo que, e como alegado pela recorrente nos próprios embargos de executado que deduziu, a única data passível de consideração nos autos, para efeitos de ponderação da invocada prescrição é, sem dúvida, pois, a já referida data de 08-11-2012.
7.ª)
Sendo certo, por outro lado, e como resulta do acórdão fundamento do presente recurso, o ACÓRDÃO DO STJ DE 30-06-2022, proferido no processo nº 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 e publicado em Diário da República nº 184/2022, 1ª Série, de 22-09-2022, págs. 5-15 (Acórdão do STJ nº 6/2022):
«I — No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II — Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém -se, incidindo o seu termo ‘a quo’ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.»
8.ª)
O que vem a significar, assim, atendendo à mencionada data, única referência dos autos, a data de 08-11-2012, que há muito tinha já ocorrido a prescrição neste caso, porquanto a entrega do requerimento de injunção (como expressamente consta do mesmo) foi efetuada, no Balcão Nacional de Injunções, em 28- 12-2020, prescrição essa de qualquer crédito de que pudesse ser credora inicialmente a Banco 1... e, posteriormente, por força da alegada cessão de crédito, a EMP01....
9.ª)
Cabendo, aqui e agora, ainda sublinhar-se que, tal como vem sendo decidido igualmente pela jurisprudência, como é o caso do douto AC. STJ DE 24-05-2022, no proc. nº 1708/20.0T8GMR.G1.S1 [cfr. em www.dgsi.pt]: «Aos contratos de mútuo ou financiamento que envolvam um plano de amortização de quotas de capital e juros, durante um determinado período de tempo, aplica-se o prazo prescricional de 5 anos previsto no artigo 310.º, al. e), do Código Civil, ainda que se verifique o vencimento antecipado de todas as prestações.»
10.ª)
Sendo aí afirmado ainda, pelo STJ, neste último aresto citado, de 24-05-2022, que: «O contrato dos autos encontra-se legalmente definido no artigo 2.º, n.º 1 alínea a), do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, o diploma vigente à data da celebração do contrato (agora regulado pelo Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, com as alterações subsequentes, as últimas das quais definidas no DL n.º 74-A/2017, de 23/06), como “o contrato pelo qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartão de crédito, ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante”.»
11.ª)
Mais sucedendo, ainda, como bem referido no já citado AC. REL. DE COIMBRA DE 11-12-2018, no proc. nº 96/18.9T8CBR-A.C1 : «O título executivo, reportado no art. 311º, nº 1 do CC, só releva, para efeitos de substituição do prazo de prescrição, se sobrevier antes de completar o prazo curto de prescrição.»
12.ª)
Em consequência do que, tudo visto e devidamente sopesado no caso concreto ao qual se reportam os autos, e no entender da aqui recorrente, neste caso sempre teria, como terá efetivamente, sido ultrapassado o referido prazo de 5 (cinco) anos, tendo por referência a única data apurada em face da documentação contratual invocada e junta pela exequente/recorrida, ou seja, a data de 08-11-2012.
13.ª)
Resultando de tudo isto, pois, que: ao contrário do decidido pelo Tribunal “a quo”, tendo essencialmente por fundamento o supramencionado ACÓRDÃO DO STJ DE 30-06-2022, proferido no processo nº 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 e publicado em Diário da República nº 184/2022, 1ª Série, de 22-09-2022, págs. 5-15 (Acórdão do STJ nº 6/2022), deverá ser declarada nos autos a verificação da mencionada prescrição (5 anos) em benefício da aqui recorrente, AA, com legais consequências, com o que, no entender da recorrente, se fará JUSTIÇA.
14.ª)
Posto o que, deverá ser revogada a sentença proferida, à qual e refere o presente recurso, e substituída a mesma por outra, em conformidade com a procedência deste recurso, como supra exposto.
15.ª)
A douta sentença recorrida violou, s.m.o., por incorreta interpretação e aplicação dos normativos legais e dos meios probatórios carreados para os autos, o disposto nos artigos 310.º, al. e), 311º, nº 1 e 781º do Código Civil, no artigo 4º, nº 1, al. c) do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, e bem assim nas als. a) e g) do artigo 729º e no artigo 857º, nº 1 do Código de Processo Civil.

Não foram produzidas contra alegações.

Colhidos os vistos cumpre apreciar.
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II. Objeto do recurso:

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim sendo, tendo em atenção as alegações e conclusões apresentadas pela recorrente importa aos autos aferir se a sentença proferida pelo Tribunal a quo errou ao não observar a jurisprudência constante do douto Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo nº 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 e publicado em Diário da República nº 184/2022, 1ª Série, de 22-09-2022, págs. 5-15 (Acórdão do STJ nº 6/2022).
*
III. Fundamentação de facto:

1. Foi aposta fórmula executória ao requerimento de injunção n.º 113873/20.....
2. A embargante utilizou em seu proveito o crédito concedido através da utilização do cartão de crédito Banco 2... n.º ...95.
3. No âmbito do referido contrato de adesão ao referido cartão de crédito, celebrado em ../../2012, com a junção dos documentos de identificação da embargante (cópias do Bilhete de Identidade e do Cartão de Contribuinte), foi concedida à embargante uma linha e um cartão de crédito que permitia à mesma (embargante) efetuar operações aderentes da Rede Visa, até ao limite máximo de € 6.000,00, com a aplicação da taxa de juros anual nominal (TAN) de 26,99% e uma taxa anual de encargos efetiva global (TAEG) de 33,1%.
4. A embargada adquiriu, por contrato de cessão, a totalidade do crédito que a Banco 1..., que geria a carteira de clientes provenientes do Banco 2..., detinha sobre a embargante.
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IV. Do direito:

Conforme já atrás se referiu, importa aos presentes autos aferir se a sentença proferida pelo Tribunal a quo errou ao não observar a jurisprudência constante do douto Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo nº 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 e publicado em Diário da República nº 184/2022, 1ª Série, de 22-09-2022, págs. 5-15 (Acórdão do STJ nº 6/2022), Acordão que fixou a seguinte Uniformização de Jurisprudência:
"I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação."
"II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas."
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Vejamos.
Resulta dos factos apurados e que não foram impugnados, que foi celebrado contrato de adesão ao cartão de crédito crédito Banco 2... n.º ...95, celebrado a ../../2012, com a junção dos documentos de identificação da embargante/ora recorrente (cópias do Bilhete de Identidade e do Cartão de Contribuinte), pelo qual lhe foi concedida uma linha e um cartão de crédito que permitia à mesma (embargante) efetuar operações aderentes da Rede Visa, até ao limite máximo de € 6.000,00, com a aplicação da taxa de juros anual nominal (TAN) de 26,99% e uma taxa anual de encargos efetiva global (TAEG) de 33,1%.
Apurado ficou ainda que a embargada adquiriu, por contrato de cessão, a totalidade do crédito que a Banco 1..., que geria a carteira de clientes provenientes do Banco 2..., detinha sobre a embargante.
Destes factos se conclui que entre a embargante/ora recorrente e a Banco 1... foi celebrado um contrato de crédito ao consumo, na modalidade de utilização de cartão de crédito.
Ora, resultou ainda apurado que a embargante utilizou em seu proveito o crédito concedido através da utilização do cartão de crédito Banco 2... n.º ...95.
Cabia sim à embargante demonstrar ter pago aquela quantia, o que não fez.
Ora, veio a mesma arguir a prescrição entendendo que, no caso sub judice, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos da al. e) do artº 310.º alínea e) do Código Civil.
A este propósito pronunciou-se a sentença em crise nos seguintes termos (com os quais concordamos) “Prevê, efectivamente, o artigo 729.º g) do CPC como fundamento de oposição à execução a alegação de qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.
De acordo com o disposto no art. 298.º, n.º 1 do CC, estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
A prescrição torna, assim, inexigíveis os direitos que não sejam indisponíveis, permitindo ao beneficiário recusar o cumprimento da prestação ou opor-se, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (cfr. arts. 301.º e 304.º, n.º 1 do CC).
Constitui, por isso, a prescrição uma excepção peremptória, na modalidade de facto impeditivo do direito, que determina, consequentemente, a absolvição do pedido (cfr. art. 576.º, n.ºs 1 e 3 do CPC e Ac. do STJ, de 19.01.2004, proc. n.º 03A4148, in www.dgsi.pt).
O fundamento da prescrição é a negligência do titular do direito relativamente ao seu exercício durante o período de tempo fixado na lei, a partir do qual se presume que o titular pretendeu renunciar ao direito (cfr. MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1966, p. 445).
Diferentemente do que sucede com a caducidade, o decurso de um prazo de prescrição não extingue o direito a que corresponde, antes confere ao sujeito passivo o poder de se opor ao respectivo exercício, invocando a prescrição (n.º 1 do art. 304.º do CC), sendo, por isso, que não pode “ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita”, mesmo que o devedor tenha cumprido ignorando a prescrição (n.º 2 do mesmo normativo) e daí que o Tribunal não possa declarar um direito extinto por prescrição oficiosamente (cfr. art. 303.º do mesmo diploma legal).
O regime da extinção de direitos por prescrição sanciona, por esta via, a inércia do titular do direito, contra a qual se protege o sujeito passivo, sendo que, por isso mesmo, os prazos de prescrição suspendem-se e interrompem-se (artºs 318º e ss e 323º e ss do CC).
Ora, in casu, está em causa um contrato de adesão ao cartão de crédito Banco 2... n.º ...95 celebrado em ../../2012, com a junção dos documentos de identificação da embargante (cópias do Bilhete de Identidade e do Cartão de Contribuinte), que permitia à embargante efectuar operações aderentes da Rede Visa, até ao limite máximo de €6.000,00, com aplicação da taxa de juros anual nominal (TAN) de 26,99% e uma taxa anual de encargos efetiva global (TAEG) de 33,1%.
Entende a embargante ser de aplicar ao caso em apreço o art. 310.º, al. e) do CC, ou seja, o prazo mais curto da prescrição de cinco anos aplicável aos contratos de mútuo ou financiamento que envolvam um plano de amortização de quotas de capital e juros, durante um determinado período de tempo.
Sem razão.
A dívida de capital reclamada tem subjacente a emissão de um cartão de crédito associado a um contrato específico de utilização.
Como bem afirma a embargada, às dívidas decorrentes da utilização de um cartão de crédito aplica-se o prazo ordinário da prescrição que é de vinte anos nos termos do art. 309.º do CC.
Nas palavras do Tribunal da Relação do Porto, em Ac. de 26/01/2016, proc. n.º 159085/14.8YIPRT.P1, in www.dgsi.pt: “O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309.º do C. Civil) relativamente a crédito concedido pela entidade bancária a cliente com a emissão e utilização de cartão de crédito para aquisição de bens e serviços, cujo pagamento devia ocorrer com o envio e recepção do extracto de conta, não obstante poder beneficiar de uma certa dilação nesse pagamento.”

Mas será, como entende a recorrente que ao caso sub judice, é de aplicar a jurisprudência constante do douto Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo nº 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 e publicado em Diário da República nº 184/2022, 1ª Série, de 22-09-2022, págs. 5-15 (Acórdão do STJ nº 6/2022)?
Vejamos o que resulta do invocado Aresto.
“(…)
Para conhecimento da matéria do julgamento ampliado de revista, está em causa a aplicabilidade ao caso dos autos do disposto no artigo 310.º alínea e) do Código Civil, expressamente citado pelo acórdão recorrido, nos termos do qual prescrevem no prazo de 5 anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
O prazo curto de prescrição justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, Bol.106/112ss.) com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor; o mesmo Autor se pronunciou na Revista Decana, 89.º/328, justificando o prazo curto com o facto de "proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe, ao cabo de um número demasiado de anos".
Visou a lei evitar que o credor deixasse acumular os seus créditos (retardando em demasia a exigência de créditos periodicamente renováveis) a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1983, pg. 452, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 3.ª ed., pg. 278).
A Exequente/Embargada chamou em seu proveito de alegação o disposto no artigo 781.º do Código Civil, segundo o qual "se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas".
Como é doutrina comum e maioritária, este preceito legal não prevê um vencimento imediato, apelidado por alguns "em sentido forte", das prestações previstas para liquidação da obrigação, designadamente da obrigação de restituição inerente a um contrato de mútuo com hipoteca, acrescido de um outro contrato de mútuo, como no caso dos autos - constitui antes um benefício que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato toda a obrigação, em consequência manifestando o credor a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui - assim Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7.ª ed., 1997, pg.54, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed., 2009, pgs. 1017 a 1019, Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, I (75/76), pg. 317, e Menezes Cordeiro, Tratado, Direito das Obrigações, IV (2010), pg. 39.
A obrigação fica assim apenas exigível, ou, como alguns entendem, exigível "em sentido fraco".
Note-se que a norma do artigo 781.º do Código Civil não se constitui como norma imperativa, mas existindo, como existe, nos contratos de mútuo dos autos uma cláusula no sentido de que à credora fica reconhecido o direito de "considerar o empréstimo vencido se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato", concedia-se à mutuante a possibilidade de actuar o vencimento do direito à totalidade das prestações convencionadas pelo simples facto de intentar acção executiva contra os mutuários, como intentou.
Não existe, desta forma, nos contratos dos autos, qualquer cláusula de vencimento automático, apenas a reprodução do esquema de vencimento das prestações que a doutrina associa ao disposto no artigo 781.º do Código Civil.
II
A considerar-se, como em diversas decisões das Relações (1), que o vencimento imediato das prestações convencionadas origina a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), não se atende ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos (por todos, e de novo, cf. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, Bol.107/285, citando Planiol, Ripert e Radouant).
Esta a forma de respeitar o espírito do legislador que os trabalhos preparatórios espelharam.
Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros.
E pese embora devermos considerar que, "no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados", como exarado no Ac. de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J., n.º 7/2009, de 5/5/2009, a referida desoneração do pagamento dos juros não descaracteriza, em qualquer caso, a "acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor" que a doutrina pretendeu evitar, ou, de outro ângulo, o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor.
Como se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explicita opção legislativa, o artigo 310.º alínea e) do Código Civil considera que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis.
"Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artigo 310.º".
Pode assim afirmar-se que, na doutrina maioritária, não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado.
A "ratio" das prescrições de curto prazo, se radica na protecção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito (assim, Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III, 2010, pg. 47).
III
A posição doutrinal que, em II, entendemos a mais adequada, ou seja, a aplicação da prescrição de 5 anos à acumulação das quotas de amortização do capital por perda de benefício do prazo (artigo 781.º CCiv), vem sustentada na quase totalidade da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no Ac. S.T.J. 29/9/2016, revista n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego) cit. e também nos Acs. S.T.J. 8/4/2021, revista n.º 5329/19.1T8STB-A.E1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 9/2/2021, revista n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 (Fernando Samões), S.T.J. 14/1/2021, revista n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1 (Tibério Nunes da Silva), S.T.J. 12/11/2020, revista n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 (Maria do Rosário Morgado), S.T.J. 3/11/2020, revista n.º 8563/15.0T8STB-A.E1.S1 (Fátima Gomes), S.T.J. 23/1/2020, revista n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 27/3/2014, revista n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 (Silva Gonçalves), e em numerosas decisões das Relações. (2)
Parte desta jurisprudência foi aliás oportunamente citada, seja na sentença, seja no acórdão recorrido, seja nas alegações e contra-alegações do processo - encontra-se uma recensão exaustiva de outra jurisprudência, também a propósito, no Ac. S.T.J. 10/9/2020, revista n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1 (Rijo Ferreira).
Tal posição foi igualmente sustentada na sentença proferida em 1.ª instância, justificando-se tal posição por via de uma execução instaurada em 20/7/2019 e de um prazo de prescrição do direito interrompido cinco dias após.
Também no acórdão recorrido se considerou a prescrição de cinco anos, mas mais se considerou que o Embargante apenas alegou a prescrição das prestações devidas até 20/7/2014, como consta do petitório de embargos ("o capital e os juros correspondentes às prestações mensais relativas ao supra referido período - entre 16/1/2013 e 16/12/2012, respectivamente, e 20/7/2014, data da apresentação do requerimento executivo, encontra-se prescrito", devendo ser "declarada a prescrição de capital e juros vencidos antes de 20/7/2014 e o Executado absolvido do respectivo pagamento") - daí que se tenha julgado a apelação apenas parcialmente procedente, nos termos supra expostos.
Na solução a dar à revista, aderimos por completo ao entendimento da Relação, considerando que a invocação da prescrição foi feita nos sobreditos termos, aos quais nos teremos de limitar.
Na verdade, a prescrição tem de ser invocada e não pode ser oficiosamente declarada pelo tribunal - artigo 303.º do Código Civil.
Se aquele a quem aproveita a prescrição pode, ou não, invocá-la, podendo até renunciar à invocação, é também dos exactos termos em que invoca a prescrição que podem decorrer os respectivos efeitos extintivos da obrigação.
Resta porém a matéria da uniformização de jurisprudência, oportunamente suscitada no recurso.
IV
Visto o teor do despacho adrede proferido, nos termos do disposto no artigo 686.º n.º 2 do Código Civil, a matéria da uniformização de jurisprudência suscitava-se na ponderação da aplicação de um prazo curto de prescrição a uma quantia total que não poderia ser considerada "quota de amortização de capital" (artigo 310.º alínea e) do Código Civil) - posto que as quotas tinham prazos de vencimento pré-determinados no contrato.
Importa pois aquilatar, neste momento, se a prescrição incide sobre cada uma das prestações de capital (tendo como termo inicial o vencimento dessas mesmas prestações de acordo com o plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes) ou, no reverso, se a prescrição se reporta à integralidade da obrigação em dívida (tendo como termo inicial a data do incumprimento pelo devedor, enquanto data a partir da qual o direito podia ser exercido - artigo 306.º n.º 1 1.ª parte do Código Civil).
Na hipótese dos autos, continuariam a ter um prazo pré-fixado antes da citação para a acção executiva e, seguindo tal critério, não se encontrariam prescritas parte das prestações que integravam a quantia total por via da perda de benefício do prazo - designadamente as quantias integrando prestações vencidas há menos de 5 anos, à data da interrupção da prescrição - artigo 323.º n.º 1 CCiv (sem prejuízo do conteúdo da alegação do devedor/Embargante, a que já aludimos).
Desta forma, a integral procedência da prescrição deveria pressupor que as prestações de amortização, considerado o seu prazo inicial convencionado de vencimento, se encontrassem já igualmente prescritas, considerando o prazo de 5 anos, do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, na data em que a prescrição se mostrar interrompida.
Este último critério apontado tem sido seguido por alguma jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, mas sobre o mais das Relações, (3) cabendo salientar o Ac. S.T.J. 4/5/93 Col. II/82 (Santos Monteiro) o Ac. S.T.J. 15/1/2008, revista n.º 4059/07 (Cardoso Albuquerque), in www.stj.pt e o Ac. S.T.J. 25/5/2017, revista n.º 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2 (Olindo Geraldes, in www.direitoemdia.pt).
Outras decisões, porém, afirmam que, tendo cessado o pagamento das prestações convencionadas em determinada data, e tendo decorrido mais de cinco anos, após essa data, sem que o credor suscitasse o direito relativo à perda de benefício do prazo, ocorre a prescrição relativamente a todas as prestações, incluindo as vencidas entre a data do primeiro incumprimento e a data do exercício do direito relativo à perda de benefício do prazo.
É o que decorre dos fundamentos do Ac. S.T.J. 9/2/2021, revista n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 (Fernando Samões), do Ac. S.T.J. 12/11/2020, revista n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 (Maria do Rosário Morgado) e do Ac. S.T.J. 27/3/2014, revista n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 (Silva Gonçalves).
Pode, todavia, apontar-se unanimidade nas apontadas decisões, em vista de afastar a aplicação do prazo prescricional ordinário, do artigo 309.º do Código Civil, à quantia resultante do vencimento antecipado das prestações, por via do exercício do direito a que se reporta o artigo 781.º do Código Civil.
Nesse sentido, pode também dizer-se que o Supremo Tribunal de Justiça tem aceite que:
- No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
- Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º do Código Civil, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo "a quo" na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
É nesse sentido que deve actuar a presente uniformização de jurisprudência.
            (…)
Fixa-se finalmente a seguinte Uniformização de Jurisprudência:
"I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação."
"II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas."
(…)”.

Resulta da leitura do Acordão, em parte, supra citado que, o mesmo se aplica a contratos, designadamente, de mútuo, em que a amortização do capital mutuado pagável com juros é feita em prestações.
Da leitura de tal Acordão resulta ainda que, no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.

Como refere a sentença em crise, e com a qual concordamos, “(…)as quotas de amortização de capital e juros têm um carácter sucessivo, são antecipadamente determinadas, como forma fraccionada de cumprimento de uma única obrigação, aplicando-se, tendencialmente, a obrigações com vista à aquisição de habitação ou de outros bens, tratando-se de prestações periódicas, tendencialmente iguais, e sucessivas para pagamento de uma quantia previamente mutuada, acrescida dos juros remuneratórios.
Ora, no caso sub judice, a embargada/ora recorrida vem exigir crédito que não configura uma qualquer quota de amortização mas sim o capital global da dívida à data do incumprimento, pela embargante/ora recorrente, do contrato de utilização de um cartão de crédito.
E continua aquela sentença “Nos contratos de utilização de cartão de crédito, o montante do pagamento está condicionado ao uso que é feito pelo cliente – número de transacções e respectivo valor - e o limite de crédito concedido, pelo que não pode ser antecipadamente fixado ou pré-determinado entre as partes.
Não estamos perante a exigência pela embargada do pagamento de quotas de amortização do capital pagáveis com juros, mas do pagamento do valor do crédito utilizado pela embargante em determinado período, resultante da utilização, por esta, do cartão de crédito na aquisição de bens e serviços a terceiros, e liquidadas pela entidade emitente, e cujo pagamento aquela não efectuou, ou seja, está em causa a exigência do pagamento de uma única obrigação pelo incumprimento de uma única prestação e não do pagamento fraccionado do saldo em dívida, em prestações mensais, isto é, o valor em divida corresponde às transacções efectuadas pela embargante com o mencionado cartão de crédito.
(…)”.
Incumbia pois, à embargante/ora recorrente demonstrar nos autos que resultava do contrato de crédito ao consumo, na modalidade de utilização de cartão de crédito, que o pagamento do capital e juros seria feito em prestações, antecipadamente acordadas, o que não resulta dos autos.
Assim sendo, não resultando dos autos aquele mesmo acordo para pagamento do capital em prestações, não tem aplicação o Acordão invocado.
E não sendo enquadrável a situação dos autos no Acordão invocado, o prazo de prescrição é o prazo de vinte anos.
Sendo, como é e alega a embargante/ora recorrente, a única data a única data passível de consideração nos autos, para efeitos de ponderação da invocada prescrição, 8 de novembro de 2012, não se mostra decorrido o aludido prazo de prescrição, motivos porque, se julga improcedente a excepção de prescrição invocada pela embargante, ora recorrente e, consequentemente, improcedente o recurso.
*
V. Decisão:

Nestes termos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, julgar o recurso totalmente improcedente e, em consequência, mantem-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pelos recorrentes.

Guimarães, 14 de março de 2024

Relatora: Margarida Pinto Gomes
Adjuntas: Jorge Santos
Maria Amália Santos.