Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | CONCEIÇÃO SAMPAIO | ||
Descritores: | MANDATO RENÚNCIA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/18/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário (da relatora): I - Tendo sido proferida decisão sem que estivesse esgotado o prazo para a constituição de mandatário, declarando-se por via disso extinta a oposição à execução, o vício em causa afeta a decisão, não sendo um vício de procedimento. A sentença final, sancionou, implicitamente, a prática de um ato que a lei processual não admite, sendo essa nulidade conhecida em recurso. II - Sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato não produz efeitos enquanto não decorrer o prazo de 20 dias, concedido ao mandante para constituir mandatário. O regime do artigo 47.º do CPC visa justamente acautelar a produção de efeitos negativos para a parte, quando o patrocínio é obrigatório, e a parte não consegue imediatamente constituir novo mandatário. Daí que o advogado renunciante continue ligado ao mandato, durante 20 dias, até, dentro deste prazo, o mandante constituir novo mandatário, extinguindo-se, então, o primeiro mandato. III - A norma em causa procede a uma conciliação entre os interesses do mandatário, os do mandante e ainda aos interesses da boa administração da justiça. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - RELATÓRIO Inconformada com a decisão que declarou extinta a oposição à execução por embargos, por falta de constituição de mandatário no prazo de 20 dias, ao abrigo do disposto no artigo 47º, nº3, alínea c), do Código de Processo Civil, veio a executada M. A., dela interpor recurso, terminando com as seguintes conclusões: I. Vem o presente recurso interposto do douto despacho/sentença proferido no processo acima identificado, que declarou a extinção da oposição à execução mediante embargos, pela falta da constituição de mandatário por parte da executada. II. A recorrente beneficia de apoio jurídico na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo desde 2015. III. A recorrente solicitou juntos dos competentes serviços da segurança social, no dia 20.11.2018 a extensão do pedido de apoio jurídico na modalidade de nomeação de patrono – referencia citius 7913066. Em 01.04.2019 veio a segurança social convidar a Recorrente a suprir irregulares quanto ao pedido de apoio por si formulado – referencia citius 8487448 Na data em que convidou ao suprimento a segurança social já havia ultrapassado o prazo de trinta 30 dias para a pronuncia – pelo que ocorreu naquela data o deferimento tácito. Não obstante, veio a segurança social indeferir em 22.07.2019 o apoio jurídico em causa - referencia citius 8948768 Não conformada com esta decisão, veio a aqui recorrente impugnar o indeferimento do pedido de proteção jurídica, cujo o processo correu termos sob o apenso B dos autos de processo principal 2128/15.3T8VNF, tendo o tribunal em 01.07.2020 emitido pronuncia de mérito a favor da aqui recorrente – revogando, assim, a decisão de indeferimento. IV. Pelo que se conclui que, desde 2015 até à corrente data a recorrente nunca perdeu o apoio jurídico de que beneficia V. Que desde novembro de 2018 requereu a sua extensão na modalidade de nomeação de patrono. VI. Extensão que se considera tacitamente deferida desde dezembro de 2018 – sendo que a nomeação requerida de patrono apenas foi perpetuada pela ordem dos advogados em 04 de setembro de 2020. VII. Sem sombra de uma qualquer divida que o despacho / sentença ora recorrido se encontra ferido de absoluta nulidade e encontra na violação do princípio constitucional do direito à justiça, previsto e estatuído no artigo 20.º da CRP. VIII. A falta de constituição de advogado pelo embargante após notificação da renúncia ao mandato nos embargos de executado. Da sentença recorrida consta, como questão prévia ao conhecimento do mérito da causa, a apreciação da “extinção oposição à execução quanto aqui Recorrente”. Aí é referido que, em 08.11.2018, o advogado da aqui Recorrente veio renunciar ao mandato conferido. Sendo que, notificado pessoalmente da renúncia, o executado não constituiu novo mandatário no prazo de 20 dias, de acordo com o estabelecido no Art. 47º n.º 3 do C.P.C.. IX. Por isso, invocando o disposto no art. 47º n.º 3 al. c) do C.P.C., o Tribunal a quo declarou extinta a instância de oposição à execução, mediante embargos, apenas quanto ao executado, aqui recorrente. X. A Recorrente sustenta que a oposição mediante embargos de executado corresponde a uma verdadeira ação declarativa enxertada no processo executivo, em relação ao qual corre por apenso e, nessa medida, seria de aplicar a al. a) do n.º 3 do Art. 47º do C.P.C. e não a alínea c), como foi decidido pelo Tribunal a quo. XI. No direito processual pretérito à reforma introduzida pela Lei n.º 41/2013 de 26/6, a mesma situação vinha regulada no Art. 39º n.º 3 do C.P.C. de 1961 onde se estabelecia que: «Nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor; se for do réu, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os atos anteriormente praticados pelo advogado». Verifica-se assim, que o legislador de 2013 aditou uma solução nova e autónoma ao introduzir a previsão da alínea c) ao n.º 3 do Art. 47º do C.P.C.. XII. De facto, no processo de execução principal o patrocínio judiciário só é obrigatório nas execuções de valor superior à alçada da Relação ou nas de valor superior à alçada da 1.ª instância, quando tenha lugar algum procedimento que siga os termos do processo declarativo (Art. 58º n.º 1 do C.P.C.). XIII. Nos demais casos, se a execução for superior à alçada da 1.ª instância, podem as partes fazerem-se representar por advogado, ou penas por advogado estagiário ou solicitador (Art. 58º n.º 3 do C.P.C.), pois, caso contrário, nem sequer é obrigatória a representação judiciária por profissional do foro. XIV. Admitimos igualmente que também esteja subjacente ao pensamento do legislador o reconhecimento de que muitas vezes estes incidentes autónomos têm uma vertente de expediente dilatório, que justificaria a particularidade da solução legal encontrada. XV. Seja como for, fica claro da letra da lei e da ratio legis que lhe está subjacente que o legislador quis criar uma solução diversa para casos específicos, como o dos embargos de executado, que correm por apenso à ação executiva, não assistindo razão ao Recorrente, porque deve aplicar-se ao caso o disposto no Art. 47.º n.º 3 al. c) do C.P.C.. XVI. No entanto, para além da embargante sobre os quais incidiu a decisão de mérito, existiam outros executados, que estavam precisamente na mesma posição jurídica daqueles, nomeadamente da recorrente, relativamente ao qual a instância da oposição à execução, foi julgada extinta, nos termos do Art. 47º n.º 3 al. c) do C.P.C., como atrás vimos. XVII. Mal andou o tribunal – uma vez que na data da prolação da sentença em crise, em 12.06.2019 – ainda não havia sido nomeado o patrono – pelo que necessária a instância teria de estar suspensa, pelo que o despacho em crise não poderia nunca ter sido proferido. XVIII. Ora, a suspensão deste prazo pode cessar em duas situações diferentes, consoante o pedido seja deferido ou indeferido. XIX. No primeiro caso, a recontagem inicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado, notificação esta que se destina a dar-lhe conhecimento do facto de ter sido nomeado. No segundo caso, é com a notificação ao próprio requerente que a contagem se retoma. XX. Sendo assim, o despacho recorrido não fez mais do que aplicar a Lei XXI. Conforme o seu entendimento, a norma legal terá de ser interpretada no sentido de, havendo um hiato entre a data da notificação ao patrono da sua designação e a data da notificação do beneficiário de apoio judiciário da nomeação de patrono, ser considerada a última das duas datas, para efeitos de início do prazo interrompido XXII. Repare-se que, como no caso dos autos, a recorrente nada sabe (quanto ao apoio judiciário) durante e só vem a saber quando, por força do mesmo dispositivo legal, o prazo terminou ou está a terminar. Até este momento, a recorrente de nada sabe; se nada sabe, como pode exercer o seu direito? E note-se que a obrigação de contacto, entre patrono e patrocinado, incumbe a este último. XXIII. Por isso, o art.º 31.º, n.º 2, determina que a «notificação da decisão de nomeação do patrono é feita com menção expressa, quanto ao requerente, do nome e escritório do patrono bem como do dever de lhe dar colaboração, sob pena de o apoio judiciário lhe ser retirado». Como poderia a recorrente contactar o seu patrono em tempo útil se desconhecia que já lhe tinha sido nomeado um? A execução do art.º 20.º da Constituição não pode ser impedida por acasos burocráticos como é, certamente, as notificações em datas diferentes. O que a Constituição pretende, com o n.º 2 daquele preceito, é que efetivamente a pessoa tenha um patrono judiciário, o que tem como pressuposto óbvio que as pessoas interessadas tenham conhecimento da sua relação de patrocínio. XXIV. Quem careça de ser patrocinado em juízo por advogado e não disponha de condição económica idónea a suportar o custo de tais serviços, pode requerer que lhe seja nomeado patrono e satisfeito pelo Estado - total ou parcialmente - o respetivo pagamento, devendo fazê-lo, por regra, antes da primeira intervenção processual subsequente a tal necessidade (artigo 18.º, n.os 2 e 3 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho), junto dos serviços da segurança social da área de residência ou sede do requerente, entidade administrativa competente para a respetiva decisão (artigos 20.º e 21.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho). XXV. a previsão de norma a estatuir a interrupção da contagem de prazo em curso como efeito da dedução de pedido de nomeação de patrono remonta ao Decreto-Lei n.º 562/70, de 18 de novembro. No seu artigo 4.º, foi estabelecido que o pedido de nomeação de patrono operava a suspensão da instância - o que, por seu turno, já acontecia no regime anterior, constante do artigo 6.º do Decreto n.º 33 548, de 23 de fevereiro de 1944 - e, bem assim, por força do n.º 2 do mesmo preceito, que "[o] prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido conta-se de novo, por inteiro, a partir do momento do despacho que dele conhecer". XXVI. A Lei n.º 30-E/2000, de 20 de dezembro, afastou-se desse modelo, que substituiu por sistema de índole administrativa, conferindo inteira autonomia ao procedimento de proteção jurídica, ainda que com repercussões excecionais no andamento da causa a que respeite (artigo 25.º). XXVII. Entre as exceções previstas encontrava-se justamente a interrupção dos prazos em curso e o seu reinício (artigo 25.º, n.os 4 e 5, alíneas a) e b), da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de dezembro). XXVIII. No âmbito do regime da Lei n.º 30-E/2000, de 29 de dezembro, através dos Acórdãos nos 98/2004, 467/2004 e 285/2005, o Tribunal Constitucional foi chamado a apreciar a conformidade constitucional da norma do n.º 4 do artigo 25.º, sendo questionado o ónus de junção aos autos de documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo, para efeitos de interrupção dos prazos processuais que estiverem em curso. Em todos os arestos, foi sublinhada a essencialidade da interrupção dos prazos em cursos para respeitar a garantia de acesso ao Direito e aos Tribunais por parte dos cidadãos economicamente carenciados, contida no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, em conjugação com o imperativo constitucional de igualdade entre os cidadãos (artigo 13.º da Constituição), na vertente da igualdade de armas. XXIX. Ora, se, como se viu, a solução de paralisia do prazo em curso obedece à necessidade de preservar a possibilidade de o requerente de apoio judiciário vir aos autos através de técnico do direito expor as suas razões de facto e de direito, então, por identidade de razão, o reinício do prazo interrompido haverá de obedecer à reunião de condições que garantam o efetivo estabelecimento e a atuação de uma relação de patrocínio judiciário. O que pressupõe naturalmente, como em qualquer relação comunicante, o conhecimento pelos seus dois polos - patrono e patrocinado - da existência de um tal vínculo. XXX. Com efeito, em caso de deferimento do requerimento de nomeação de patrono por decisão da Segurança Social, de acordo com os critérios legais de insuficiência económica, segue-se uma nova fase, da competência da Ordem dos Advogados. XXXI. Intercede, porém, uma outra vertente do regime, com influência no problema em análise. Trata-se da crescente introdução de mecanismos de automatização e desmaterialização do procedimento de nomeação e de notificação do advogado nomeado, o que passou a ser feito na modalidade de envio de correio eletrónico através do sistema informático próprio da Ordem dos Advogado - denominado SINOA - de acordo com os artigos 2.º e 29.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, alterada pelas Portarias n.º 210/2008, de 29 de fevereiro, 654/2010, de 11 de agosto, e 319/2011, de 30 de dezembro. Enquanto isso, a notificação do beneficiário do apoio judiciário segue a via postal registada. XXXII. Pese embora os anteriores regimes de notificação, a cargo da secretaria judicial, não tenham sido imunes a situações pontuais em que as notificações da decisão de nomeação de patrono não ocorreram em simultâneo - a jurisprudência dá notícia de dois casos (cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de outubro de 1981, publicado na Coletânea de Jurisprudência, ano IV, tomo IV, p. 116 e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10 de abril de 1997, in Coletânea de Jurisprudência, ano XII, pp. 72-73), ambos resolvidos no sentido de considerar operante a última notificação -, o regime aplicável aos presentes autos propicia que exista uma dilação temporal significativa entre a instantânea receção e produção de efeitos da mensagem de correio eletrónico enviada através do SINOA ao advogado nomeado, e data em que se presume recebida a notificação feita por carta registada (o terceiro dia posterior ao do registo ou o terceiro dia útil seguinte, quando o não seja), dirigida à residência ou sede ou para o domicílio escolhido para tal pelo requerente da nomeação de patrono (artigo 249.º do CPC). XXXIII. Para o tribunal a quo, e também para o recorrente, o início do prazo interrompido nas apontadas condições de desconhecimento pelo requerente de apoio judiciário sobre a identidade de quem o patrocina em juízo, e à qual deve colaboração, coloca este em posição de indefesa, podendo ver frustrado o seu direito de acesso à justiça devido a insuficiência de meios económicos. XXXIV. De facto, desconhecendo a nomeação e a identidade do patrono, o beneficiário do apoio não dispõe de informação que lhe permita prestar a colaboração necessária à apresentação de articulado de defesa, mormente no plano dos factos, além de que não tem meios de apurar por si mesmo que o prazo interrompido voltara a correr. Aliás, a dupla advertência imposta pelo legislador no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 julho, visa justamente obstar a uma tal situação de impotência, e de indefesa, consubstanciadora de uma posição processual desfavorável em relação às partes ou sujeitos processuais que possam suportar a constituição de mandatário, em termos similares ao que se julgou nos Acórdãos n.os 98/2004 e 467/2004. XXXV. É certo que a notificação do patrono nomeado assegura de imediato o estabelecimento da relação de representação em juízo, nada obstando a que o advogado, ciente da premência da obtenção de elementos para a defesa, desencadeie aponte sua o contacto com quem patrocina, fazendo-o em tempo côngruo com o respeito pelo prazo processual cuja contagem se iniciou com a sua notificação. XXXVI. Porém, mesmo que o cumprimento de tais deveres postule uma conduta ativa por parte do advogado nomeado no quadro do apoio judiciário, de modo a que a comunicação entre representante e representado seja estabelecida antes mesmo do recebimento da notificação estipulada nos n.os 1 e 2 do artigo 31.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, não existem garantias normativas idóneas a assegurar que assim aconteça em todos os casos. E, sobretudo, não remove a possibilidade de o cidadão economicamente carenciado sofrer, sem culpa sua, um encurtamento, ou até a inutilização, do prazo de organização e exercício da sua defesa em juízo com a assistência de um representante que assegure a condução técnico-jurídica do processo, face ao que teria ao seu dispor caso, logo após a notificação do requerimento de injunção, contasse com meios económicos para contratar de imediato os serviços de um advogado como seu mandatário. XXXVII. Conclui-se, pelo exposto, que, não existindo à data da prolação da sentença em crise – nomeação de patrono, nunca a mesma poderia ter sido emitida nos moldes em que o foi, razão pela qual deverá o despacho em crise ser desconsiderado com as legais consequências. XXXVIII. Sem prescindir, encontra-se ferida de nulidade a realização de audiência de julgamento ocorrida em 08.11.2018, tendo em conta que o mandatário da Embargante – ora Recorrente – renunciou nesse mesmo dia ao mandato. XXXIX. Esta em causa é uma nulidade processual secundária, baseada na realização da audiência de julgamento sem a presença do seu mandatário, depois de este ter renunciado ao mandato, em desrespeito pelo art.º 47.º do CPC, muito embora também tenha afirmado, de forma contraditória, que o mandatário renunciante tinha obrigação de comparecer e assegurar a defesa da sua constituinte. Houve, na ótica da Recorrente desrespeito por aquele normativo. XL. Sabe-se que o patrocínio judiciário consiste na representação das partes por profissionais do foro na orientação técnico-jurídica do processo, mediante a prática dos actos processuais adequados, garantindo-lhes uma defesa eficaz dos direitos em litígio e justificando-se pela falta de conhecimentos à generalidade daquelas para conduzir a prossecução dos seus interesses em juízo - razão técnica - e por não disporem, em regra, da serenidade suficiente para ajuizarem objectivamente as situações e ponderarem os seus direitos e deveres - razão psicológica. XLI. Também é sabido que o mandato forense, sendo de constituição voluntária, tem na sua base uma relação de confiança entre o mandante e o advogado que contrata como mandatário. XLII. A lei processual civil, no art.º 47.º, regula, face às consequências da quebra de confiança postulada pela renúncia ao mandato, os termos a seguir para não deixar desprotegido o mandante com a retirada do seu mandatário. XLIII. Hoje, o n.º 2 do artigo 47.º determina que a renúncia produz efeitos a partir da notificação ao mandante, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a qual deverá ser feita pessoalmente, com a advertência dos efeitos previstos no n.º 3. XLIV. Por sua vez, este o número prevê que, nos casos de constituição obrigatória de advogado, se o réu não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, após a notificação da renúncia, o processo segue os seus termos se a falta for do réu, aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo mandatário que renunciou. XLV. Dá-se a suspensão da instância no caso de faltar advogado ao autor ou exequente, ou extingue-se o incidente (ou o procedimento não incidental, como é o caso dos embargos e do procedimento cautelar prévio) se faltar advogado ao requerente (incluído o opoente) ou embargante (in casu) mas prossegue o processo, por não poder ser penalizado o autor, exequente ou requerente, se faltar advogado ao réu, executado ou requerido”. XLVI. Significa isto que, sendo obrigatória a constituição de advogado, o renunciante só fica desonerado do mandato depois de o mandante ter constituído novo mandatário ou depois de decorrido aquele prazo de vinte dias após a notificação sem que tal suceda. XLVII. A notificação da renúncia ao mandante terá de ser pessoal, como manda o n.º 2 do citado art.º 47., seja ou não o patrocínio obrigatório, discutindo-se se ela deve ou não ser feita nos termos do art.º 250.º do CPC XLVIII. Porém, para o caso pouco importa essa discussão, visto que, independentemente da aplicação dessa norma, foi proferido um despacho, no reinício da audiência de discussão e julgamento, a considerar notificada a EMBARGANTE da renúncia e a determinar a realização da audiência, do qual não foi interposto recurso – porque no seu prazo foi interrompida a instância com o pedido de nomeação de patrono. XLIX. Esse despacho, por tal ordem de razão, não transitou em julgado, pelo que não se formou caso julgado formal (art.ºs 620.º, n.º 1 e 628.º, ambos do CPC) – e se recorre do mesmo, igualmente no presente recurso. L. Razão pela qual padece de nulidade o ato de realização da audiência de discussão e julgamento realizada em 08 de novembro de 2018 – o que expressamente se argui. O tribunal tinha de adiar ou dar sem efeito a audiência pelas razões também já referidas. E a produção de prova acabou por ter lugar, na ausência dos mandatários faltosos, sendo que falta do mesmo claramente influenciou o exame ou a decisão da causa. Pugna a apelante pela revogação do despacho recorrido, bem como da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 08 de novembro de 2018, com as legais consequências. * Não foram apresentadas contra-alegações.* Foram colhidos os vistos legais.Cumpre apreciar e decidir. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSOO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC). São duas as questões a apreciar: - se aquando da prolação da decisão de extinção da instância ainda estava a decorrer o prazo de nomeação de patrono; - se a renuncia do mandato implicava a não realização da audiência de julgamento. * III - FUNDAMENTAÇÃO3.1. Os factos a considerar são os seguintes: - A Recorrente foi notificada da renuncia do mandato em 08.11.2018. - No dia 20.11.2018 a Recorrente solicitou junto Segurança Social a extensão do pedido de apoio jurídico na modalidade de nomeação de patrono, juntando comprovativo do pedido no processo. - A Segurança Social veio a indeferir em 22.07.2019 o apoio jurídico. - A Recorrente impugnou a decisão de indeferimento do pedido de proteção jurídica, tendo o tribunal em 01.07.2020 emitido pronuncia de mérito a favor da impugnante, revogando a decisão de indeferimento. - A nomeação de patrono foi efetuada pela ordem dos advogados em 04 de setembro de 2020. - O Mandatário da executada/embargante não compareceu na audiência de julgamento do dia 08.11.2018 tendo a mesma se realizado sem a sua presença por se ter considerado que os efeitos da renúncia ainda não se haviam produzido. - Com data de 12.06.2019 foi proferida sentença onde se decidiu que: «Decorrido que se mostra o prazo de 20 (vinte) dias, os aludidos J. F. e M. A. não constituíram mandatário nos autos. Nos termos do artigo 47º, nº3, alínea c), do Código de Processo Civil, nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias (…) c) Extingue-se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação de qualquer acção, se a falta for do requerente, opoente ou embargante. Em face do exposto, declara-se extinta a presente oposição à execução por embargos, absolvendo-se o embargado/exequente “Banco …, S. A.” do pedido formulado pelos embargantes/executados.». * 3.2. O DireitoDa sentença recorrida consta, como questão prévia ao conhecimento do mérito da causa, a apreciação da extinção da oposição à execução. Aí é referido que, em 08.11.2018, o advogado dos embargantes veio renunciar ao mandato conferido. Sendo que, notificado pessoalmente da renúncia, o executado não constituiu novo mandatário no prazo de 20 dias, de acordo com o estabelecido no artigo 47º n.º 3 do Código de Processo Civil. Por isso, invocando o disposto no artigo 47º n.º 3 do Código de Processo Civil, o tribunal a quo declarou extinta a instância de oposição à execução, mediante embargos. A Recorrente começa por sustentar que a oposição mediante embargos de executado corresponde a uma verdadeira ação declarativa enxertada no processo executivo, em relação ao qual corre por apenso e, nessa medida, seria de aplicar a al. a) do n.º 3 do art. 47º do C.P.C. e não a alínea c), como foi decidido pelo tribunal a quo. Não assiste razão à Recorrente. E a resposta é encontrada sem necessidade de outros considerandos na evolução da norma. Estabelece o atual n.º 3 do artigo 47º do Código de Processo Civil: «Nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias: a)- Suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente; b)- O processo segue os seus termos, se a falta for do réu, do executado ou do requerido, aproveitando-se os atos anteriormente praticados; c)- Extingue-se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação de qualquer ação, se a falta for do requerente, opoente ou embargante.” No direito processual pretérito à reforma introduzida pela Lei n.º 41/2013 de 26/6, a mesma situação vinha regulada no artigo 39º n.º 3, onde se estabelecia que: «Nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor; se for do réu, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os atos anteriormente praticados pelo advogado». Verifica-se assim que o legislador de 2013 aditou uma solução nova e autónoma ao introduzir a previsão da alínea c) ao n.º 3 do artigo 47º do Código de Processo Civil. A razão de ser desta especificidade da lei resulta da circunstância de os embargos de executado se traduzirem numa instância declarativa autónoma, em que necessariamente são discutidas questões de direito, com tramitação própria, o que justifica que a falta de patrocínio judiciário obrigatório reclame uma solução distinta relativamente à instância executiva principal. De facto, no processo de execução principal o patrocínio judiciário só é obrigatório nas execuções de valor superior à alçada da Relação ou nas de valor superior à alçada da 1.ª instância, quando tenha lugar algum procedimento que siga os termos do processo declarativo (artigo 58º n.º 1 do Código de Processo Civil). Nos demais casos, se a execução for superior à alçada da 1.ª instância, podem as partes fazerem-se representar por advogado, ou penas por advogado estagiário ou solicitador (artigo 58º n.º 3 do Código de Processo Civil), pois, caso contrário, nem sequer é obrigatória a representação judiciária por profissional do foro. Ao pensamento do legislador esteve também subjacente o reconhecimento de que muitas vezes estes incidentes autónomos têm uma vertente de expediente dilatório, que justificaria a particularidade da solução legal encontrada. Seja como for, fica claro da letra da lei e da ratio legis que lhe está subjacente que o legislador quis criar uma solução diversa para casos específicos, como o dos embargos de executado. Em confirmação do exposto, José António França Pitão e Gustavo França Pitão (1) sustentam que “tratando-se de procedimento (cautelar), incidente (v.g. habilitação, produção antecipada de prova, etc.) ou oposição (á execução ou à penhora), este extingue-se se a falta for do requerente, oponente ou embargante”. Os embargos aqui em causa foram apresentados em juízo em 2015, portanto, na vigência da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o denominado novo Código de Processo Civil. Pelo que ao caso o segmento normativo a aplicar é o previsto na alínea c) do nº3, do artigo 47.º A questão, porém, não deve ser posta nestes termos. Na apreciação da questão posta em recurso o que se afigura relevante é aferir da natureza da irregularidade suscitada distinguindo o que são nulidades processuais e nulidades da sentença. O Prof. Miguel Teixeira de Sousa de uma forma clara e elucidativa explica em que consiste uma nulidade processual para a distinguir das nulidades da sentença: “Todo o processo comporta um procedimento, ou seja, um conjunto de actos do tribunal e das partes. Cada um destes actos pode ser visto por duas ópticas distintas: -Como trâmite, isto é, como acto pertencente a uma tramitação processual; -Como acto do tribunal ou da parte, ou seja, como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte. No acto perspectivado como trâmite, considera-se não só a pertença do acto a uma certa tramitação processual, como o momento em que o acto deve ou pode ser praticado nesta tramitação. Em contrapartida, no acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, o que se considera é o conteúdo que o acto tem de ter ou não pode ter. Do disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um acto não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um acto que é imposto por essa tramitação. Isto demonstra que a nulidade processual se refere ao acto como trâmite, e não ao acto como expressão da decisão do tribunal ou da posição da parte. O acto até pode ter um conteúdo totalmente legal, mas se for praticado pelo tribunal ou pela parte numa tramitação que o não comporta ou fora do momento fixado nesta tramitação, o tribunal ou a parte comete uma nulidade processual. Em suma: a nulidade processual tem a ver com o acto como trâmite de uma tramitação processual, não com o conteúdo do acto praticado pelo tribunal ou pela parte. É, aliás, fácil comprovar, em função do direito positivo, o que acaba de se afirmar: - A única nulidade processual nominada que decorre do conteúdo do acto é a ineptidão da petição inicial (cf. art. 186.º); mas não é certamente por acaso que esta nulidade é também a única que constitui uma excepção dilatória (cf. art. 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. b), e 577.º, al, b), CPC); - As nulidades da sentença e dos acórdãos decorrem do conteúdo destes actos do tribunal, dado que estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podem ter (cf. art. 615.º, 666.º, n.º 1, e 685.º CPC); também não é por acaso que estas nulidades não são reconduzidas às nulidades processuais reguladas nos art.ºs 186.º a 202.º CPC.” (2). Mantém-se a atualidade do brocardo segundo o qual “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. Se houver um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir será a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente; a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial (3). O tribunal de recurso não pode conhecer isoladamente de nulidades processuais, mas pode e deve conhecer de decisões inquinadas de uma nulidade, ou que foram proferidas no pressuposto do cumprimento de determinado ato que não se verificou. Neste conspecto, a primeira questão a dirimir consiste em saber se à data da sentença de extinção da oposição à execução por embargos já havia decorrido o prazo para a parte constituir mandatário. Em face do quadro factual apurado a resposta é negativa. Com efeito, sem que se tivesse atentado na existência de impugnação judicial da decisão de indeferimento nos termos dos artigos 26.º e 27.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, secundado por informações contraditórias por parte dos serviços da Segurança Social, foi declarada extinta a oposição à execução, quando ainda não se encontrava esgotado o prazo previsto no artigo 47º, nº3, do Código de Processo Civil. À data da prolação da sentença em crise ainda corria a tramitação referente ao pedido de nomeação de patrono. Tendo vindo a ser proferida a decisão sem que estivesse esgotado o prazo para a constituição de mandatário, declarando-se por via disso extinta a oposição à execução, o vício em causa afeta a decisão, não sendo um vício de procedimento. A este propósito refere-se no acórdão da Relação de Lisboa, de 11 de Julho de 2019 (4) que “ainda que na generalidade das nulidades processuais a sua verificação deva ser objecto de arguição, reservando-se o recurso para o despacho que sobre esta incidir, tal solução é inadequada quando estão em causa situações em que o próprio juiz, ao proferir a decisão, omite uma formalidade de cumprimento obrigatório ou implicitamente dá cobertura a essa omissão”. Acrescenta ainda o aludido aresto, com citação de pertinente doutrina e jurisprudência que: “Nesses casos, a nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve comunica-se ao despacho ou decisão proferidos, pelo que a reacção da parte vencida passa pela interposição de recurso dessa decisão em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d), in fine, do CPC – cf. neste sentido, Prof. Miguel Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, 29-11-2016, Jurisprudência (496) Decisão-surpresa; nulidade; investigação da paternidade; caducidade, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2016/11/jurisprudencia-496_29.html; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23-06-2016, relator Abrantes Geraldes, processo n.º 1937/15.8T8BCL.S1; de 6-12-2016, Fonseca Ramos, processo n.º 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2 e de 22-02-2017, relator Chambel Mourisco, processo n.º 5384/15.3T8GMR.G1.S1; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-11-1995, relator Luís Fonseca, CJ 1995, V, 129 – “se a nulidade está coberta por um despacho judicial que a tenha sancionado, ainda que de modo implícito, o meio próprio para a arguir não é a reclamação mas o recurso, não sendo mesmo necessário qualquer indicação mais ou menos concludente no sentido de o juiz ter considerado o ponto a que se refere a nulidade.” A irregularidade cometida foi consumida pela própria sentença que em função dela veio a julgar extinta a oposição. A sentença final, sancionou, implicitamente, a prática de um ato que a lei processual não admite, sendo essa nulidade conhecida em recurso. Impõe-se, como tal, revogar a decisão de extinção da oposição proferida ao abrigo do artigo 47º, nº3, alínea c), do Código de Processo Civil, devendo ser proferida a sentença que ao caso couber em decorrência do julgamento realizado. Procede, nesta parte, a apelação. Sustenta ainda a Recorrente que também a realização de audiência de julgamento ocorrida em 08.11.2018, deve ser anulada tendo em conta que o mandatário da Embargante, ora Recorrente, renunciou ao mandato. Nesta parte, não assiste razão à Recorrente. Sob a epigrafe “revogação e renúncia do mandato”, prescreve o artigo 47º, do Código de Processo Civil que: 1 - A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária. 2 - Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no número seguinte. 3 - Nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias: a) Suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente; b) O processo segue os seus termos, se a falta for do réu, do executado ou do requerido, aproveitando-se os atos anteriormente praticados; c) Extingue-se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação de qualquer ação, se a falta for do requerente, opoente ou embargante. 4 - Sendo o patrocínio obrigatório, se o réu, o reconvindo, o executado ou o requerido não puderem ser notificados, é nomeado oficiosamente mandatário, nos termos do n.º 3 do artigo 51.º. 5 - O advogado nomeado nos termos do número anterior tem direito a exame do processo, pelo prazo de 10 dias. 6 - Se o réu tiver deduzido reconvenção, esta fica sem efeito quando for dele a falta a que se refere o n.º 3; sendo a falta do autor, segue só o pedido reconvencional, decorridos que sejam 10 dias sobre a suspensão da ação. Decorre do preceito regimes diversos quanto ao momento da eficácia da revogação e da renuncia e dentro desta nos casos em que o patrocínio é ou não obrigatório. Esta diversidade vem muito bem explicada por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (5), do seguinte modo: Com a notificação da revogação do mandato este extingue-se, cumprindo ao mandante constituir novo mandatário para que não fique numa situação de falta de patrocínio judiciário. Daí em diante, se a parte pretender praticar algum ato processual em ação em que seja exigido patrocínio judiciário por advogado, só poderá fazê-lo mediante a designação de novo advogado. Diverso é o regime nos casos de renúncia. Esta é imediatamente eficaz na data em que ocorrer a notificação pessoal do mandante se o patrocínio judiciário por advogado não for obrigatório. Já nos demais casos, deu-se guarida à necessidade de tutelar os interesses da parte patrocinada, persistindo o mandato por mais 20 dias após a notificação da renúncia, sendo o mandante advertido dos efeitos que decorrem da falta de constituição de novo mandatário. Acrescentam os autores que se trata de regime que parece equilibrado na medida em que, nos casos de renúncia, obsta a que se produzam efeitos imediatos que poderiam, por exemplo, refletir-se na preclusão relacionado com a prática de atos cujo prazo estivesse ainda em curso. E concluem destacando que enquanto perdurar o mandato forense por essa via mantém-se os deveres que normalmente emergem dos termos que conjuguem as regras de direito civil com normas do EOA. O Tribunal Constitucional no acórdão n.º 671/2017 de 13/10 (6), não julgou inconstitucional a interpretação do artigo 47.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), segundo a qual, sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato não produz efeitos enquanto não decorrer o prazo de 20 dias, concedido ao mandante para constituir mandatário. Ainda sob a égide da anterior redação, o Tribunal Constitucional apreciou a constitucionalidade do artigo 39.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, tendo afirmado no Acórdão n.º 314/2007, e foi reiterado no Acórdão n.º 188/2010 (7), que da aplicação do artigo 39.º do Código de Processo Civil resulta que a renúncia ao mandato por parte de advogado constituído não tem como consequência a imediata extinção da relação de mandato e a consequente cessação das obrigações do mandatário para com o seu cliente, mantendo-se o dever do mandatário renunciante de prestar assistência ao mandante. E assim julgou não desconforme à Lei Fundamental a interpretação segundo a qual aqueles preceitos não atribuem à apresentação de renúncia pelo mandatário judicial efeito suspensivo do prazo para apresentação das alegações de recurso, que estava em curso no momento em que a renúncia foi formalizada. Revertendo ao caso em apreciação, na data designada para a realização da audiência de discussão e julgamento (8 de novembro de 2018), a Embargante apresentou-se desacompanhada de Mandatário, que havia apresentado a renúncia ao mandato e foi nesse momento notificada da renuncia. Por conseguinte, o Sr. Juiz a quo determinou a realização da audiência de julgamento, justificando cuidadosamente que a renúncia apenas produzia efeitos após aquele prazo, sendo que a circunstância de o Mandatário da Embargante se encontrar faltoso não constituía causa de adiamento do julgamento. A decisão de realização da audiência de julgamento não posterga o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, princípios consagrados no artigo 20.º da CRP, e que consubstanciam uma manifestação do imperativo de constitucionalização de direitos fundamentais numa dimensão organizacional, procedimental e processual. É que tais direitos mantiveram-se incólumes, na medida em que se concluiu que a renúncia ao mandato ainda não havia produzido efeitos, pelo que caberia ao Mandatário assegurar a realização da audiência de discussão e julgamento em representação da Embargante. Na confrontação dos interesses em presença - interesses do mandante e o desiderato de boa administração da justiça - distinta conclusão hermenêutica redundaria, necessariamente, num expediente dilatório, que atentaria contra o dever de administração célere da justiça. Até à data da audiência, a Embargante esteve sempre representada por Mandatário, o qual foi conformando a ação de acordo com a estratégia processual gizada em consonância com a Embargante, tendo participado até então em todos os atos realizados. Na data do julgamento, o mandatário da Embargante não compareceu, sendo certo que tal ausência não constituía causa de adiamento do julgamento (artigo 603.º, n.º 1, do CPC), pelo que a audiência de julgamento realizou-se como tinha de ser. Em sustentação do que se vem de dizer, pode ler-se no citado acórdão n.º 671/2017 do Tribunal Constitucional, o seguinte trecho: «A norma em causa procede a uma conciliação entre os interesses do mandatário, os do mandante e ainda aos interesses da boa administração da justiça. Assim se compreende que a revogação e a renúncia do mandato judicial tenham lugar no próprio processo e que a renúncia seja pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no n.º 3 (artigo 47.º, n.º 2, do CPC). O regime do artigo 47.º do CPC visa justamente acautelar a produção de efeitos negativos para a parte, quando o patrocínio é obrigatório e a parte não consegue imediatamente constituir novo mandatário. Daí que o advogado renunciante continue ligado ao mandato, durante 20 dias, até, dentro deste prazo - de dimensão perfeitamente razoável - o mandante constituir novo mandatário, extinguindo-se, então, o primeiro mandato. Estando, por força da lei, o mandatário judicial constituído ligado ao mandato, no momento em que ocorreu a audiência de julgamento, não pode afirmar-se que se tenha verificado qualquer perturbação relativamente ao exercício do direito à tutela efetiva que afetasse a posição processual da recorrente. O facto de a audiência de julgamento ter prosseguido, sem que a embargante estivesse representada, resultou da ausência do advogado (…). Por outro lado, independentemente de uma eventual quebra na relação de confiança entre a mandante e o mandatário, o certo é este não poderia deixar de cumprir as obrigações a que se encontrava adstrito enquanto o mandato não pudesse considerar-se extinto. Não há, por isso, qualquer risco, em situação de normalidade e desde que se use a diligência devida, de a parte deixar de exercer os direitos processuais por virtude da renúncia do mandato, visto que a lei contempla mecanismos que permitem assegurar a representação processual sem prejuízo para a defesa dos interesses que se pretende fazer valer na ação. A especialidade do regime tem, pois, a fundamentá-la uma razão material bastante - a celeridade da administração da justiça - razão essa congruente com a prossecução, por parte do legislador ordinário, de interesses e valores constitucionais dotados de particular relevância. Tanto basta para que se conclua que, face ao parâmetro contido no artigo 20.º da CRP, não merece a norma sob juízo qualquer censura». Por estes fundamentos, improcede, nesta parte, a apelação. * IV - DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência: - Revoga-se a decisão datada de 12 de junho de 2019 de extinção da oposição proferida ao abrigo do artigo 47º, nº3, alínea c), do Código de Processo Civil, devendo ser proferida a sentença que ao caso couber em decorrência do julgamento realizado; - Mantém-se a audiência de julgamento realizada no dia 8 de novembro de 2018, cuja validade não foi afetada em consequência da renúncia do mandato. Custas pela Recorrente. Guimarães, 18 de Março de 2021 Assinado digitalmente por: Rel. – Des. Conceição Sampaio 1º Adj. - Des. Elisabete Coelho de Moura Alves 2º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes 1. In Código de Processo Civil Anotado”, Tomo I, 2016, pag. 111. 2. O que é uma nulidade processual? in Blog do IPPC, 18-04-2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+processual. 3. Neste sentido, Prof. Alberto dos Reis, in Comentário do Código de Processo Civil, vol. 2.º, pag. 507. 4. Disponível em www.dgsi.pt. 5. In Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª Edição, anotação ao artigo 47º, pag. 84. 6. Acessível em www.dgsi.pt. 7. Ambos disponíveis em www.dgsi.pt. |