Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5746/20.4T8GMR.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DESPESAS COM NEXO DE CAUSALIDADE
DANOS PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
AJUDA DE TERCEIRA PESSOA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO INDEPENDENTE PARCIALMENTE PROCEDENTE. APELAÇÃO SUBORDINADA IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A limitação funcional ou dano biológico, em que se traduz uma incapacidade, é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial.
II - Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afetação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, suscetíveis de ganhos materiais.
III - Ao lesado que não exerça ainda atividade remunerada (estudante), ao que dela esteja privado (desempregado), ao que já não se encontra no período de vida ativa (reformado e pensionista) e aquele que, apesar da incapacidade, mantenha a mesma profissão e/ou logre uma reconversão que lhe assegure idêntico rendimento, assistirá o direito ao ressarcimento pelo dano biológico na vertente patrimonial, apesar de não haver perda da capacidade de ganho.
IV - Provando-se que o lesado necessita de cuidados de terceira pessoa em consequência das lesões sofridas com o acidente de que foi vítima, é devida indemnização pela assistência quer ela seja prestada por terceiros, como por familiares, sendo tal circunstância indiferente para o direito do autor de ser indemnizado pelos prejuízos emergentes da perda de autonomia.
V - Na fixação da indemnização pela assistência/ajuda de terceira pessoa para a realização das actividades diárias, importa atender aos elementos disponíveis e ao quadro normativo vigente, determinando o montante devido segundo os critérios que dele emergem, inclusive, e, sendo caso disso, lançando mão de juízos de equidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

C. M. intentou contra R. X Insurance plc – sucursal de Portugal, no Juízo Central Cível de Guimarães - Juiz 2 - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização, correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude do acidente, no montante total de 57.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal.
Para fundamentar as respetivas pretensões alegou, em síntese, a ocorrência de um acidente de viação, causado por culpa do condutor do veículo segurado na R., e que sofreu, por força desse acidente, danos patrimoniais e não patrimoniais, que concretiza.
A R., devidamente citada, contestou a acção, aceitando a ocorrência do acidente, mas impugnando a dinâmica do mesmo e a culpa, tal como configuradas pela A., e impugnando os danos alegados e o montante indemnizatório peticionado.
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Citada, a Ré deduziu contestação, concluindo pela parcial improcedência da ação (ref.ª 37557659 - fls. 39 a 46).
Aceitou a ocorrência do acidente, mas impugnou a dinâmica do mesmo e a culpa, tal como configuradas pela A. e impugnou os danos alegados e o montante indemnizatório peticionado.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador, em que se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo sido identificado o objeto do litígio, enunciados os temas da prova e admitidos os meios de prova (ref.ª 171699124 - fls. 55 e 56).
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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento (ref.ª 176060397 e 176203754 - fls. 102, 103 e 111).
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Posteriormente, a Mmª. Julgadora “a quo” proferiu sentença (ref.ª 176237097 - fls. 112 a 130), nos termos da qual, julgando a ação parcialmente procedente, decidiu:
- «condenar a R. X Insurance PLC – Sucursal em Portugal, S.A., a pagar à A. C. M. a quantia de 41.373,82 € (quarenta e um mil, trezentos e setenta e três euros e oitenta e dois cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa legal, civil, vigente em cada momento, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
- «absolver a R. do demais peticionado».
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Inconformada com a sentença, dela interpôs recurso a Ré (ref.ª 41248513 - fls. 132 a 139), tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. Andou mal o Tribunal a quo quando atribuiu à Autora indemnização pelo valor pago por um relatório médico e pela certidão emitida pela GNR, no valor de respectivamente, 150,00 Euros e 72.00 Euros.
2. Estas despesas não podem nem devem ter-se por danos directos do sinistro objecto dos presentes autos.
3. A despesa tida pela Autora com a realização da avaliação extrajudicial do dano corporal, não tendo sido motivada pela necessidade de assistência hospitalar ou clínica, entende-se que ela não é consequente do embate (tanto mais que a Autora já dispunha de uma avaliação dessa natureza que lhe permitia a instauração da ação, onde requereria, como o fez, a perícia médico- forense, cujos encargos entrarão em regra de custas).
4. Relativamente à despesa com a obtenção do Auto de Ocorrência da PSP, o seu custo seria apenas de admitir como reclamado em sede de custas de parte, mas não em sede indemnizatória, como considerado erradamente pelo Tribunal “a quo”.
5. Também Andou mal o Tribunal a quo quando atribuiu à Autora indemnização pelo dano biológico que ficou a padecer e ainda indemnização pela necessidade de auxílio de terceira pessoa, calculada até à idade correspondente à expectativa média de vida da Autora.
6. Erroneamente, o Tribunal “a quo” atendeu a pressupostos que não se verificam na sociedade portuguesa, quer quanto à idade da reforma quer quanto à vida activa da Autora.
7. Considerando a idade da Autora e o facto de já se encontrar na situação de reformada, dedicada exclusivamente às lides da casa e quintal, não existe fundamento para atribuição de indemnização a titulo patrimonial “dano biológico”, principalmente se atendermos que para a execução das tarefas a que se dedicava foi concedida indemnização a titulo de ajuda de terceira pessoa pelos esforços suplementares para a sua execução, calculada até à idade da esperança média de vida e ainda indemnização avultada pelos danos não patrimoniais sofridos.
8.A fundamentação vertida na sentença em crise com recurso à jurisprudência não tem aplicação ao caso concreto, pois o Tribunal nem sequer estava habilitado com elementos relativamente ao tempo em que a Autora já estava reformada, que actividade exerceu e quais os seus rendimentos.
9. Para colmatar os danos patrimoniais decorrentes das limitações de que a Autora ficou a padecer até se concebe justa a indemnização a título de ajuda de terceira pessoa, mas não se concebe a sua cumulação com a atribuição de indemnização por dano biológico sem que estejam, como não estão preenchidos os seus requisitos.
10. O Tribunal “a quo” não realizou, convenientemente, o exame critico das circunstâncias atendíveis para atribuição dos valores indemnizatórios a título de danos patrimoniais, mesmo recorrendo à equidade, nem quando condenou a Ré no pagamento do custo relativo ao relatório médico e à obtenção da certidão do Auto de Ocorrência.
11. deve o Tribunal “ad quem” reapreciar a decisão proferida e, em conformidade, julgar inequivocamente como exagerada a indemnização atribuída a título de danos patrimoniais, reduzindo a mesma a valor global não superior a 10.000,00 Euros.
9. Deve o Tribunal ad quem, revogar a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que absolva a Apelante/Ré no pagamento da indemnização a que foi condenada a título de danos patrimoniais, no valor que exceda os 10.000 Euros
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida com todas as legais consequências, assim se fazendo a esperada
JUSTIÇA!».
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Contra-alegou a autora e interpôs recurso de apelação subordinado (ref.ª 41542759 - fls. 140 a 146), rematando este com as seguintes conclusões (que igualmente se transcrevem):
«O) Existe um erro de calculo, que deve ser corrigido, dos danos patrimoniais na sentença.
P) A meretissima Juiza “a quo” das conclusões apresentadas, não contabilizou o valor dos factos provados - AA) 228,50+ Facto -BB) no valor de 17,70 euros, nem o facto CC) no valor de 74,34 euros, nem facto- DD) no valor de 21,12 euros, nem facto YY) no valor de 150,00 , nem o facto bbb) no valor de 72,00 euros.
Q) A meretissima Juiza “a quo” apenas parece referir nos seus cálculos, os danos patrimoniais relativos ás despesas dos hospitais.
R) Pelo que, devem também as outras despesas dadas como provadas documentalmente, ser consideradas e adicionadas ao valor já fixado, a titulo de indemnização por danos patrimoniais.
S) Alterando a sentença na parte dos danos patrimoniais, somando ao já atribuído e decidido os valores, não contabilizados supra.
T) Impugna-se a matéria de facto não provada, na medida em que considera-se que ocorre que, estes factos do ponto 9 a 13 dos factos não provados, deviam ter sido considerados como provados, pela prova presente nestes autos.
U) Conforme consta nos autos, existem os documentos nºs 11 a 16 juntos com a petição inicial, e que não foram impugnados pela ré, que são declarações dos 84 dias de sessões, em que a autora deslocou-se á fisioterapia no Hospital de Santa casa da Misericórdia de ....
V) Sendo essas declarações provas das deslocações da autora/recorrente a consultas de fisioterapia e sessões de fisioterapia frequentadas pela A., que constam nos autos, complementadas pelas declarações das testemunhas Sr. M., marido da autora, que testemunhou que ia leva-la no seu carro particular, e da filha AD. ter testemunhado que isso ocorria, e que tinha de ajudar a colocar a d. CD., a aqui autora/recorrente.
W) Não é aceitável que se considere como não provado, essas despesas inerentes a estas deslocações em veículo próprio.
X) Utilizando as regras da experiencia comum, e a distancia entre a residência da autora e o Hospital, e de considerar fazer 5 kms de viagem, durante 84 viagens .
Y) Sendo este um dano patrimonial decorrente do acidente de viação dos autos
Z) Pelo que, perante a prova/ documentos e os testemunhos, os factos constantes do nº 9 a 13 dos factos não provados, devem ser reconhecidos e declarados como provados, perante o supra alegado, e alterando a sentença proferida, acrescentando o valor deste dano patrimonial, de (5 x84=) 420,00 euros, aos já existentes.
AA) Considerar ainda, que existe ainda um facto não provado- o Facto 18 , que deveria ter sido considerado como provado, pela meretissima Juiz “a quo”.
BB) Conforme consta dado como provado na sentença, pelo relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito cível, existe atribuída a aqui Autora/recorrente uma ita ou Défice Funcional Temporário Total (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Total e correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto), que se terá situado entre 06-08-2019 e 13-09-2019, sendo assim fixável num período de 39 dias.
CC) A testemunha AD.- Filha, declarou nas declarações prestadas em audiência de julgamento, que durante este período posterior á alta hospitalar, que passava o dia com ela, a ajuda-la em tudo, já que ela nada podia fazer,nem se podia levantar da cama.
DD) Na própria sentença, foi estabelecido como factos provados, pela meretissima Juiz “a quo” os seguintes factos;
U) A A., durante esses 15 dias, não se podia locomover, estando incapaz para exercício normal da sua vida, necessitando de ajuda de terceira pessoa de forma diária, pois não conseguia vestir-se sozinha, nem fazer a sua higiene pessoal, como lavar-se, ou fazer as necessidades fisiológicas, sem a ajuda de terceiros,
V) Não conseguia fazer as lides da casa, como limpar, cozinhar.
W) Tinha de ficar deitada na cama, durante esses 15 dias, pois não conseguia locomover-se e não teve qualquer assistência externa prestada pela R.
X) A A. e o seu marido viram-se forçados a pedir ajuda a familiares, já que a A. não tinha capacidade económica para pagar a uma terceira pessoa externa.
Y) Tendo a sua filha LN., assumido essa função todos os dias, assumindo o marido da A. essa função na parte da noite.
Z) A filha LN. auxiliava a A. na sua higiene pessoal, na sua alimentação e na sua locomoção, para cozinhar, limpar e arrumar a casa.
EE) Pelo que desde 29 de agosto de 2019(alta) até pelo menos 13.09.2019, é reconhecido na sentença que a aqui autora esteve impossibilitada total e absolutamente de se mexer,
FF) Pelo que, conjugando estes documentos do relatório medico legal, com as declarações das testemunhas AD. e Sr. M. e com os factos considerados como provados na sentença, só se pode concluir, que pelo menos parcialmente o quesito 18 dos factos não provados, devia ser rectificado e considerado provado, uma vez que, reconhecendo-se a ITA da autora pelo menos nesse período, é de concluir que foi necessário a ajuda de terceira pessoa nesse período de 16 dias, tendo a mesma autora, um dano, que deve ser indemnizado.
GG) Pelo que, considerando pelo menos esses 16 dias, sendo necessário, um mínimo de 12 horas dia de ajuda de terceira pessoa realizada, a um valor razoável de 8 euros/hora, daria um prejuízo de 1440,00 euros por esse período.
HH) Devendo alterar-se o facto nº 18 dos factos não provados, considerando-o em parte provado, ficando com a seguinte redação:
“18- Para a ajuda de terceira pessoa entre o dia da alta hospitalar, 29 de Agosto de 2019, até ao dia 13.09.2019, tendo um prejuízo de (12H/dia x 8,00€ x16 dias =) 1440,00 euros.”
II) Alterando-se nessa medida os valores relativos aos danos patrimoniais, acrescentando ao valor já constante da sentença, o valor acrescido de 1440,00 euros a título de dano patrimonial de ajuda de terceira pessoa,
JJ) Mantendo-se no resto a sentença proferida.

Nestes termos e demais de Direito, deve o recurso principal apresentado pela Ré/recorrente X ser julgado totalmente improcedente, e o recurso Subordinado apresentado pela Autora CD., ser considerado procedente, alterando-se a decisão recorrida nos termos supra requeridos pela autora/recorrente CD.,
Assim se fazendo, como sempre,
JUSTIÇA!».
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Os recursos (o principal e o subordinado) foram admitidos como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª 178676386 - fls. 150).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação (1), consistem em saber:

I - Quanto ao recurso subordinado interposto pela Autora:
i) - Da retificação da sentença - erros materiais - nos termos do art. 613º do CPC;
ii) - Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
iii) - Da correcção dos valores referentes aos danos patrimoniais em resultado da procedência da impugnação da matéria de facto.
II - Quanto ao recurso independente apresentado pela Ré seguradora:
iv) - Da indevida atribuição da indemnização pelo valor pago por um relatório médico e pela certidão de acidente.
v) - Se a indemnização arbitrada a título de danos patrimoniais não deve exceder o valor de 10.000,00€.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
A) No dia 06 de Agosto de 2019, pelas 9.30h da manhã, numa estrada sem saída, denominada Travessa ... junto ao n.º .., no Lugar …, Vila Nova de Famalicão.
B) Num lugar onde a estrada configura uma recta, com cerca de 3,90 metros de largura e com pequenas bermas de ambos os lados, com piso de pedra - calçada, em razoável estado de conservação.
C) Ocorreu um atropelamento, quando o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula TI, de que é proprietária a sociedade Y, L.da, Pessoa Colectiva ………, com sede na Travessa ... n.º …, …, Vila Nova de Famalicão,
D) Estava a ser conduzido por J. P., na qualidade de trabalhador da empresa Y, L.da, seguindo as ordens e instruções da sua entidade patronal, e que o conduzia por conta e ordem da proprietária do veículo.
E) Quando o referido veículo, transitava em manobra de marcha atrás desde que saiu da sede da entidade patronal, no sentido da estrada nacional, e foi embater na A., que se encontrava parada na berma, junto ao muro da habitação com o n.º .., da referida Travessa.
F) Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas, o veículo automóvel segurado pela R., desenvolvia uma manobra de marcha atrás, animado a uma velocidade não concretamente apurada, embatendo com a parte lateral traseira/esquerda (lado condutor) do veículo, atento o sentido de marcha que estava a efectuar na altura (manobra marcha atrás), no lado direito do corpo da A., que se encontrava em pé, junto ao muro /berma dessa faixa de rodagem.
G) Em resultado do referido embate e atropelamento, a A. perdeu o equilíbrio e caiu no solo, e de seguida perdeu os sentidos, ficando imobilizada junto à berma e ao local do embate.
H) Tendo a roda traseira do lado esquerdo do veículo (atento o sentido de marcha em causa – manobra marcha atrás), passado por cima da parte lateral do corpo (perna e pé) da A.
I) Ao ser chamado a atenção, e por causa de gritos, o condutor iniciou manobra de marcha a frente, para deixar de pressionar com a roda traseira do veículo, a parte do corpo lateral da A.
J) Na data acima referida, era de manhã, o tempo encontrava-se bom e o piso seco.
K) Por força do acidente, teve a A. de receber tratamento hospitalar, tendo imediatamente após o acidente sido transportada de urgência pelos bombeiros para o Hospital de Guimarães, onde foi tratada de algumas lesões,
L) Tendo nesse mesmo dia sido transferida para o hospital de Vila Nova de Famalicão, onde foi tratada pelas restantes lesões e onde ficou internada,
M) Em consequência do acidente resultaram para a A., lesões que se consubstanciaram em:
- fractura proximal do úmero esquerdo (braço),
- fractura Metatarso pé direito, e F1 de D1,D2 e D3
- dos ramos iliosquipubicos
- aparente fractura do colo da omoplata direita
- hematomas na perna esquerda e nas costas do lado esquerdo,
- hematomas no ombro esquerdo,
- ferida na cabeça.
N) No dia 27 de agosto de 2019, a A., realizou no hospital, uma cirurgia ao dedo do pé direito, onde colocou 00s na fractura de 1 metatarso dto com fios a foco aberto.
O) Nesse mesmo dia, realizou uma operação ao úmero proximal esquerdo, que se encontrava partido em dois lados, e teve de colocar vareta t2 curta, com 2 parafusos, a foco aberto.
P) A A. teve ainda de engessar a perna direita.
Q) No dia 29 de agosto de 2019, a A. teve alta do Hospital de Vila Nova de Famalicão, e foi enviada para casa, para aí continuar o tratamento/recuperação.
R) Conforme ordens médicas, nesse período de 15 dias posteriores à alta hospitalar ocorrida em 29 de Agosto, a A. teve de ficar em repouso total em casa.
S) A recuperação em casa, passava por não poder efectuar carga sobre o pé, e perna, tendo de estar com o membro superior esquerdo em suspensão.
T) Assim como fazer pensos na perna e no pé, em regime externo/ambulatório.
U) A A., durante esses 15 dias, não se podia locomover, estando incapaz para exercício normal da sua vida, necessitando de ajuda de terceira pessoa de forma diária, pois não conseguia vestir-se sozinha, nem fazer a sua higiene pessoal, como lavar-se, ou fazer as necessidades fisiológicas, sem a ajuda de terceiros,
V) Não conseguia fazer as lides da casa, como limpar, cozinhar.
W) Tinha de ficar deitada na cama, durante esses 15 dias, pois não conseguia locomover-se e não teve qualquer assistência externa prestada pela R.
X) A A. e o seu marido viram-se forçados a pedir ajuda a familiares, já que a A. não tinha capacidade económica para pagar a uma terceira pessoa externa.
Y) Tendo a sua filha LN., assumido essa função todos os dias, assumindo o marido da A. essa função na parte da noite.
Z) A filha LN. auxiliava a A. na sua higiene pessoal, na sua alimentação e na sua locomoção, para cozinhar, limpar e arrumar a casa.
AA) Para se conseguir locomover dentro de casa, pelo menos entre a zona do quarto e a casa de banho, a Autora, adquiriu à sua custa, uma cadeira de rodas, na qual despendeu o valor de 200,00 euros.
BB) Teve de um suporte de braço, no valor de 17,70 euros.
CC) Teve de comprar uma arrastadeira, tendo gasto o valor de 74,34 euros.
DD) Teve gastos com medicamentos para as dores e pomadas, no valor de 21,12 euros.
EE) No dia 07.10.2019, teve uma consulta externa no Hospital de Vila Nova de Famalicão.
FF) Nesse dia, fez dois exames ao pé e ao ombro.
GG) E nesse dia, retirou o gesso da perna e os arames do dedo.
HH) E em 08.01.2020, foi dada à A. alta ortopédica.
II) Mas mesmo depois da alta de 08.01.2020 manteve a necessidade de auxílio de terceira pessoa, na pessoa da sua filha LN., para realizar várias actividades em casa, pois sentia muitas dores.
JJ) Em 15.10.2010 teve consulta externa, tendo o fisiatra recomendado que a A. realizasse fisioterapia urgente em consequência do acidente, pois apresentava:
- queixas dolorosas moderadas no ombro esquerdo e no pé direito;
- claudicação do membro inferior direito, rigidez no tornozelo/pé direito;
- rigidez marcada no ombro esquerdo, padrão capsular, com importante limitação funcional.
KK) A partir do dia 29 de Outubro de 2019 até 13 de Março de 2020, efectuou 84 sessões de fisioterapia na Santa Casa da Misericórdia de ....
LL) Depois do acidente, necessitou de ser acompanhada por consulta de psicologia, por stress pós-traumático, pelo sistema nacional de saúde.
MM) Teve a primeira consulta em 23 de Janeiro de 2020, apresentando a sintomatologia de:
- Pensamentos intrusivos sobre o acidente, sob a forma de pesadelos e memorias intrusivas diurnas,
- Evitamento de contextos associados ao evento traumático (evita sair de casa, medo andar na rua),
- Sintomalogia de activação fisiológica (ansiedade, resposta de sobressalto exagerada) face a estímulos que evoquem o acidente,
-Estado emocional negativo persistente (humor deprimido e ansiedade vegetativa e cognitiva) com oscilação entre humor deprimido e humor irritado,
- Interesse diminuído na participação de actividades diária, com isolamento social, - Intenso sofrimento psicológico associado também a limitação do braço esquerdo e ao impacto limitativo na execução de actividades de autocuidado e outras rotinas diárias.
NN) Continua a ser seguida, e a necessitar de consultas de psicologia.
OO) Na sequência deste sinistro, ainda ficou ferida no ombro/braço esquerdo, e, por via disso, teve de levar cerca de 40 pontos nesse braço, e 4 pontos na cabeça, ficando com duas cicatrizes no ombro e uma cicatriz na cabeça.
PP) Em consequência do acidente, ficou com hematomas e dores por todo o corpo, tendo tomado medicamentos para as dores e colocado creme nos hematomas.
QQ) As lesões resultantes do acidente tiveram como consequência, sequelas na A. que se consubstanciaram, entre outras em:
- Duas cicatrizes no braço esquerdo.
- Uma cicatriz na cabeça
- Ficou com ferros no interior do ombro,
- Claudica um pouco da perna direita,
- Não consegue levantar o braço esquerdo acima do ombro.
RR) A A. nasceu em -.04.1942, tendo 77 anos à data do acidente.
SS) Era uma mulher muito activa, gostava de sair de casa, cuidava dos afazeres da casa sozinha.
TT) Teve a A. dores, inquietação e forte susto, quer quando foi atropelada, e caiu para o chão, após o choque, quer quando sofreu a assistência médica e medicamentosa posterior.
UU) Sofreu e ainda sofre a A. dores na perna direita, e no dedo do pé direito, e no ombro esquerdo, com os esforços diários normais, como estar em pé durante muito tempo ou andar durante algum tempo, e com as mudanças de estação do ano.
VV) Depois do acidente, a Autora:
- Não consegue tomar banho sozinha,
- Não consegue estender roupa ou pegar em panelas,
- A comer, não consegue cortar alimentos com a faca,
- Não consegue aspirar ou limpar a casa,
- Não consegue pegar em sacos das compras,
- Precisa de ajuda para vestir algumas roupas, e calçar meias ou sapatos,
-Tem dores no pé e no ombro esquerdo, e dentro do pé sente como se lhe estivessem a picar constantemente,
-Não consegue sair de casa sozinha, pois tem ataques de pânico.
WW) Ao tempo do descrito sinistro, encontrava-se a A. reformada, mas capaz de fazer as lides domésticas autonomamente, e realizar todas as tarefas inerentes a sua vida normal, como vestir-se, comer, andar, sair de casa autonomamente, o que já não consegue fazer sem ajuda.
XX) Por não terem dinheiro para contratar alguém, recorreram a ajuda de familiares, nomeadamente a sua filha LN., que sacrificou a sua vida familiar.
YY) Teve que pagar consulta e relatório médico para determinar a Incapacidade, que não foram pagos pela seguradora, no que despendeu a quantia de 150,00 euros.
ZZ) No Hospital da Sra. Oliveira-Guimarães, EPE, apresentaram despesas de 235,61 euros, relativas à urgência ocorrida na sequência do sinistro, que ainda não foram pagas.
AAA) No Hospital de Vila Nova de Famalicão, designado por centro Hospitalar do Médio Ave, Epe, apresentaram uma conta de 2.603,05 euros, pelo internamento e tratamento nesse hospital, que ainda não estão pagas.
BBB) Teve que requerer a certidão de acidente emitida pela GNR – Posto de ..., para prova destes autos, na qual despendeu a quantia de 72,00 euros.
CCC) A responsabilidade civil à data do acidente, e emergente de acidente de viação do veículo automóvel de matricula TI encontrava-se transferida para a R., por contrato titulado pela apólice n.º …….84.
DDD) O Défice Funcional Temporário Total é fixável num período de 39 dias.
EEE) O Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 181 dias.
FFF) O Quantum Doloris é fixável no grau 5, numa escala de 7 graus.
GGG) O Défice Funcional Permanente da integridade física-psíquica é de 18 pontos.
HHH) O Dano estético permanente é fixável no grau 3 numa escala de 7 graus.
III) A A. precisa de ajuda parcial de terceira pessoa (ajuda não especializada) nas seguintes situações: actos da vida diária (dificuldades acrescidas nos actos de higiene (pentear-se), ao vestir-se / despir-se ao nível do tronco e membros superiores, calçar/descalçar meias e sapatos, necessitando de ajuda parcial de terceira pessoa; dificuldades acrescidas marcadas em certas atividades domésticas como estender roupa ou pegar em panelas pesadas, dificuldade ao cortar os alimentos (carne) com a faca, não consegue aspirar ou limpar satisfatoriamente a casa; dificuldades ao pegar nos sacos de compras.
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E deu como não provados os seguintes factos:

1- O veículo automóvel, aquando da manobra de marcha atrás, seguia animado de velocidade superior a 50km/h.
2- O veículo automóvel fez a manobra pela metade direita da faixa de rodagem, próximo do muro do lado direito (atento ao sentido de marcha) que delimita aquela faixa de rodagem.
3- Durante o período de internamento hospitalar, entre 06.08.2019 a 29.08.2019, todos os dias o marido da A. ia visitá-la e acompanhar a sua recuperação ao Hospital, dando apoio, deslocando-se na sua viatura, fazendo cerca de 30 km diários ida e volta, contabilizados entre o Hospital de Vila Nova de Famalicão e a casa de morada de família.
4- Tendo gastos com gasóleo, na ordem dos 5,00 euros por dia, durante 29 dias, num total de 145,00 euros.
5- Só com a ajuda dos bombeiros e da sua filha, é que a aqui A. conseguiu entrar em casa, pois vive num 1º andar e tinha de subir muitas escadas.
6- A A. teve a ajuda diária da filha durante 12 horas.
7- Começou a comer muito pouco, e a ter mais constantemente ataques de pânico e choro compulsivo, pois achava que o resto da sua vida seria passada entravada numa cama.
8- A A. fez as sessões de fisioterapia a expensas suas.
9- Tinha muita dificuldade para se deslocar para as sessões de fisioterapia, pois descer as escadas de casa era um suplício.
10-Só com a ajuda do marido e da sua filha e da neta, é que conseguia descer, para o veículo automóvel que a transportava.
11-E depois, tinha de usar a sua cadeira de rodas, para se deslocar do veículo até ao local da fisioterapia.
12-Todas essas deslocações para fisioterapia foram efectuadas em veículo próprio, conduzido pelo marido, percorrendo cerca de 5 kms de cada vez.
13-Tendo gastos com essas deslocações no valor de (84 x5,00 euros=) 420,00 euros. 14-Ainda hoje, a aqui A., tem hematomas pelo corpo que não desapareceram.
15--Na parte superior da perna direita tem ainda hoje uma marca de raspagem, hematoma que não saiu.
16-A A. era relativamente saudável para a sua idade, com normais capacidades físicas e psíquicas adequadas a sua idade de 77 anos.
17-Era uma mulher muito alegre, social, que ajudava o marido no quintal a plantar verduras e afins, para consumo da casa, gostava de todos os dias fazer caminhadas, e passear, e depois do acidente deixou de sentir alegria.
18-Para a ajuda de terceira pessoa entre o dia da alta hospitalar, 29 de Agosto de 2019, até ao retirar dos pontos, efectuada no dia 7 de Outubro de 2019, tendo um prejuízo de (12H/dia x 8,00€ x40 dias =) 3840,00 euros.
19-Posteriormente, e enquanto efectuou o tratamento da Fisioterapia, ocorrido entre Outubro de 2019 até 13 de Março de 2020, precisou da ajuda de terceira pessoa nas deslocações e nas actividades de higiene e habitação, tendo um prejuízo de (8h/dia x 4,00 x 180 dias=) 5760,00 euros.
20-Ainda hoje, quem faz a limpeza da casa, e cozinha, depois do acidente, é a filha LN., e quem ajuda a A. a vestir-se e a fazer a higiene pessoal, é o marido da A.
21-Na sequência do acidente a A. teve de comprar fraldas.
22-Na sequência do acidente a A. não roda/vira a mão esquerda para cima.
23-O segurado da Ré efectuava a manobra de marcha atrás a uma velocidade nunca superior a 20 kms/h.
24-A A. encontrava-se no meio da Travessa ....
25-A R. procedeu ao pagamento da quantia de 141,37€ (cento e quarenta e um euros e trinta e sete cêntimos), a título de despesas hospitalares, ao Hospital de Sra. de Oliveira, de Guimarães, na percentagem de 60%.
*
V. Fundamentação de direito.

1. Do recurso subordinado.
1.1. Da rectificação de erros materiais da sentença recorrida [conclusões O) a S) do recurso subordinado].
Defende a recorrente/autora que, no tocante aos danos patrimoniais, a sentença impugnada padece de um erro de cálculo, que carece de ser corrigido, porquanto não foi contabilizado «o valor dos factos provados - AA) 228,50+ Facto -BB) no valor de 17,70 euros, nem o facto CC) no valor de 74,34 euros, nem facto- DD) no valor de 21,12 euros, nem facto YY) no valor de 150,00 , nem o facto bbb) no valor de 72,00 euros», apenas parecendo a Mmª Juíza “a quo” referir-se, nos seus cálculos, aos danos patrimoniais relativos às despesas dos hospitais.
Prevendo sobre o princípio da extinção do poder jurisdicional e suas limitações, diz-nos o n.º 1 do art. 613º do CPC que, “[p]roferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”.
O enunciado princípio da intangibilidade da decisão, como resulta do n.º 2 do art. 613º do CPC, não é absoluto, uma vez ser lícito “ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença nos termos dos artigos” 614º a 616º do CPC.
O art. 614º do CPC permite a correção da sentença, por requerimento de qualquer das partes ou iniciativa do juiz, entre o mais, nos casos em que contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto.
Os erros materiais ou inexatidões contidos na sentença são os que se reportam à expressão material de vontade do juiz desde que o erro seja evidenciado pelo contexto da decisão (n.º 1 do art. 614º do CPC).
Estão em causa erros cognoscíveis, isto é, deficiências que se revelam no próprio contexto da sentença, à semelhança do que sucede com o regime previsto no art. 249º do Cód. Civil para os negócios jurídicos, cuja retificação não interfere com a substância, nem com a fundamentação da decisão. O que importa é que os erros ou lapsos sejam evidentes, ostensivos ou manifestos, ou seja, que resultem de forma clara da mera leitura da decisão ou dos termos que a precederam.
No caso em apreço, carece de razão a recorrente na crítica apontada à sentença recorrida.
Com efeito, logo no início da explicitação dos danos patrimoniais refere-se na sentença que, «no que diz respeito aos danos emergentes, resulta provado que, em consequência do acidente, a A. despendeu a quantia de € 535,16 €, com a aquisição de uma cadeira de rodas, suporte para o braço, arrastadeira, medicação, e para pagamento de um relatório médico e certidão emitida pela GNR».
Tais danos e o respetivo valor global correspondem à soma das parcelas resultantes das als. AA), BB), CC), DD), YY) e BBB) dos factos provados da decisão recorrida (2).
E esse valor mostra-se integrado no total indemnizatório de 41.373,82€ (3) arbitrado à autora.
Termos em que, sem mais considerações por desnecessárias, improcede este fundamento do recurso subordinado.
*
1.2. Da impugnação da decisão da matéria de facto [conclusões T) a HH) do recurso subordinado].
1.2.1. Em sede de recurso subordinado, a apelante C. M. impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no art. 640º do CPC, o qual dispõe que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».
Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que a recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, bem como a redação que deve ser dada quanto à factualidade que entende estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m).
Contudo, no que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância, omitiu por completo, quer no corpo das alegações como nas conclusões recursórias, a indicação dos elementos que permitem a identificação e localização dos depoimentos testemunhais que infirmem os (alegados) factos impugnados, pelo que, quanto a estes elementos (gravados), podemos concluir que não cumpriu devida e suficientemente os ónus de impugnação que lhe estavam cometidos estabelecidos no citado art. 640º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a) do CPC.
Impondo-se, por conseguinte, a rejeição da impugnação na parte em que se baseia na prova gravada, mantém-se válida a impugnação deduzida com base na prova documental produzida (ou noutros meios de prova não gravados).
*
1.2.2. Por referência às suas conclusões, extrai-se que a Autora/recorrente pretende a alteração da resposta negativa para positiva dos pontos 9 a 13 e 18 dos factos não provados da decisão recorrida;

Os pontos fácticos impugnados sob os n.ºs 9 a 13 dos factos não provados têm a seguinte redação:
«9- Tinha muita dificuldade para se deslocar para as sessões de fisioterapia, pois descer as escadas de casa era um suplício».
«13-Tendo gastos com essas deslocações no valor de (84 x5,00 euros=) 420,00 euros».
Pois bem, contrariamente ao propugnado pela recorrente, as declarações da Santa Casa da Misericórdia de ... constantes de fls. 21 v.º a 24, certificadoras das consultas de fisioterapia e sessões de fisioterapia frequentadas pela autora, sendo aptas à demonstração da facticidade objeto da al. KK) dos factos provados, de modo algum são idóneas a habilitar o Tribunal a formar uma convicção positiva no tocante à matéria fáctica impugnada, nomeadamente o valor despendido pela autora nas deslocações com vista à realização de tais consultas e tratamentos (em número de 84 sessões - al. kk).
Acresce ser irrelevante a menção ao depoimento da testemunha AD. (presumindo que pretenda reportar-se à testemunha M. F., filha da autora) na medida em que, como se disse, a recorrente não observou, no tocante à prova gravada, o ónus estabelecido no art. 640º, n.º 2, al. a), do CPC.
São de igual modo inócuas as considerações explicitadas a propósito da distância que medeia entre a residência da autora e os Hospital de ..., visto alicerçarem-se em pressupostos que não se têm por verificados nos autos.
Improcede, por isso, este fundamento impugnatório.
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Ponto 18 dos factos não provados.

O aludido ponto fáctico impugnado apresenta a seguinte redação:
«18-Para a ajuda de terceira pessoa entre o dia da alta hospitalar, 29 de Agosto de 2019, até ao retirar dos pontos, efectuada no dia 7 de Outubro de 2019, tendo um prejuízo de (12H/dia x 8,00€ x40 dias =) 3840,00 euros».
Pelas razões já anteriormente explicitadas no tocante à imprestabilidade da prova gravada, também aqui as considerações feitas ao depoimento das testemunhas AD. e J. M. não relevam.
Por outro lado, e não obstante a facticidade objeto dos pontos U), V, W), X), Y), e Z) dos factos provados, bem como o invocado teor do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil, inexiste qualquer prova dos autos que ateste que, no período decorrente entre o dia da alta hospitalar (29/08/2019) e a retirada dos pontos, (7/10/2019), por força da ajuda de terceira pessoa a autora teve perdas no valor de 3.840,00 euros (= 12H/dia x 8,00€ x 40 dias). Tendo essa assistência/ajuda sido prestada pela filha e pelo marido, a autora não fez prova de que pagou alguma quantia pela assistência que lhe foi prestada.
Ao ónus alegatório sucede-se o ónus probatório e a recorrente não logrou dar cumprimento a este último.
Consequentemente, é de concluir pela improcedência da impugnação deduzida relativamente ao ponto fáctico em análise.
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Em suma, não se evidenciando dos autos qualquer elemento idóneo que possa abalar a livre convicção do tribunal recorrido quanto aos fundamentos da decisão sobre a matéria de facto, resta concluir pela total improcedência da pretensão da recorrente, mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.
*
1.3. Da correcção dos valores referentes aos danos patrimoniais em resultado da procedência da impugnação da matéria de facto [conclusão II) do recurso subordinado].
A eventual alteração da solução jurídica alcançada na sentença impugnada no tocante ao recurso subordinado dependia, na sua totalidade, do prévio sucesso da reclamada retificação dos erros materiais e da alteração da decisão de facto, o que não sucedeu, pelo que fica necessariamente prejudicado o conhecimento da pretensão de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, n.º 2 do C.P.C. “ex vi” do art. 663º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma.
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2. Do recurso independente.
2.1. Da indevida atribuição da indemnização pelo valor pago por um relatório médico e pela certidão do acidente, no valor de, respectivamente, 150,00 € e 72.00 € [conclusões 1) a 4) do recurso independente].
Na sentença recorrida, no que concerne aos danos emergentes, foi atribuída à autora uma indemnização correspondente ao montante que esta despendeu com o pagamento de um relatório médico e certidão emitida pela GNR.
Do assim decidido discorda a recorrente, porquanto afirma que tais despesas não podem nem devem ter-se por danos directos do sinistro objecto dos presentes autos: por um lado, a despesa tida pela Autora com a realização da avaliação extrajudicial do dano corporal, não tendo sido motivada pela necessidade de assistência hospitalar ou clínica, entende-se que não é consequente do embate (tanto mais que a Autora já dispunha de uma avaliação dessa natureza que lhe permitia a instauração da ação, onde requereria, como o fez, a perícia médico-forense, cujos encargos entrarão em regra de custas); por outro lado, relativamente à despesa com a obtenção do Auto de Ocorrência da GNR, o seu custo seria apenas de admitir como reclamado em sede de custas de parte, mas não em sede indemnizatória, como considerado pelo Tribunal “a quo”.
Como é sabido, só são indemnizáveis os danos que tiverem sido causados pelo acidente.
Não basta, pois, que a vítima sofra dano, é preciso que esta lesão passe a existir a partir do acto do agressor para que haja o dever de reparação. É imprescindível o estabelecimento duma relação causal entre o acto omissivo ou comissivo do agente e o dano de tal forma que o acto do agente seja considerado como causa jurídica do dano (4).
Não há que ressarcir todos os danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só os que se possam considerar-se pelo mesmo produzidos. O requisito do nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha, consequentemente, a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar (5).
Dispõe o art. 563º do Código Civil (doravante, abreviadamente, designado por CC): “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
É entendimento quase unânime na doutrina que o citado normativo acolhe a teoria da causalidade adequada.
Esta pode assumir duas formulações: i) a formulação positiva, mais restrita, cuja verificação pressupõe que se responda afirmativamente a duas questões: a ação efetivamente produziu o evento dano e é normal, segundo as regras da experiência comum, que aquele tipo de ação, naquelas circunstâncias, produza aquele tipo de resultado. O que está em causa é um juízo de prognose póstuma ou posterior, mediante o qual se averigua da possibilidade do dano, tendo em conta as circunstâncias concretas conhecidas do agente e cognoscíveis por um homem médio; ii) a formulação negativa, mais abrangente do que a positiva, que considera existir nexo de causalidade “desde que a ação/inação imputável ao agente se tenha posto como sua condição sine qua non (…) a menos que a lesão se haja concretizado por circunstâncias manifestamente excecionais”. No fundo, haveria aqui uma inversão do ónus da prova, cabendo ao lesante demonstrar a completa inadequação do facto para a produção do resultado (6).
É preciso demonstrar que foi o facto ilícito que provocou o dano e que, em abstracto, ele era adequado a esse resultado.
Como fundamentou o Ac. do STJ. de 11/05/2000 (7), “para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes do mais, que no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se tem verificado”, sendo ainda necessário que, “em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo”.
O facto deixa, pois, de ser causa adequada do dano sempre que, “segundo a natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequado para esse dano” (8).
Tendo presente estas asserções, havemos de convir que a certidão de acidente emitida pela GNR só foi pedida para instruir a presente acção. Portanto, o nexo de causalidade estabelece-se com a acção e só mais remotamente com o acidente.
No que se refere ao relatório médico temos de distinguir consoante ele se apresente integrado no quadro de tratamento das lesões, e, portanto, o que se paga não é propriamente o relatório mas a consulta médica – e aí há nexo de causalidade entre o acidente e a despesa –, ou tenha sido apenas solicitado para instruir a acção – e neste caso, vale o que dissemos para a certidão.
No caso dos autos, vem provado que a autora pagou consulta e relatório médico para determinar a Incapacidade, no que despendeu a quantia de 150,00 euros; teve também de requerer a certidão de acidente emitida pela GNR – Posto de ..., para prova destes autos, na qual despendeu a quantia de 72,00 euros.
Admite-se que o relatório médico e a certidão do acidente terão permitido à demandante delinear a pretensão que deduziu nestes autos, de forma devidamente sustentada naqueles meios de prova.
Trata-se, porém, de um custo suportado em função da ação indemnizatória instaurada. É, pois, despesa contraída para obtenção de prova destinada a preparar e instruir a presente ação. Portanto, o nexo de causalidade estabelece-se com a instauração da ação e só remotamente com o sinistro (9).
Acresce que, de acordo com o disposto no art. 529º, n.º 4 e no art. 553º, n.º 2, al. b) do CPC, tais despesas poderão caber no conceito de “custas de parte”, que “compreendem o que cada parte haja despendido com o processo”.
Afastado, assim, o nexo de causalidade, nesta parte, entre o facto (acidente) e o pretendido “dano” (custo do relatório médico e da certidão do acidente), excluída resulta a indemnização pelos montantes atribuídos de 150,00 € e 72.00 €, parte em que a sentença tem, por isso, de ser revogada.
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2.2. Da redução da indemnização arbitrada a título de danos patrimoniais.
2.2.1. Na presente ação está em causa a responsabilidade civil da ré seguradora, emergente do acidente de viação.
A sentença recorrida considerou verificados os pressupostos de que depende o dever de indemnizar a cargo da demandada, estabelecidos no art. 483º, n.º 1, do CC, por ter entendido que quem deu causa exclusiva ao sinistro, devido à sua condução negligente e culposa, foi o condutor do veículo automóvel seguro (de matrícula TI).
A verificação, no caso «sub judice», de tais pressupostos da responsabilidade civil aquiliana ou extracontratual não se mostra questionada na apelação.
Na sentença recorrida, a Mm.ª Juíza “a quo” arbitrou à autora, a título de dano biológico, na vertente de dano patrimonial futuro, a indemnização no montante de 5.000,00€, aduzindo para o efeito que essa indemnização é devida, não obstante aquela não ter ficado impossibilitada de continuar a trabalhar e de fazer as tarefas que antes já executava, «mas, por virtude das lesões de que ficou a padecer a obrigarem a esforços suplementares/acrescidos, no exercício das suas actividades habituais (lides domésticas e cuidados de higiene)», visando a indemnização, «precisamente, compensar esse “acréscimo de esforço”, traduzido numa maior penosidade da prestação do trabalho».
Mais arbitrou à Autora, também enquanto dano futuro, a indemnização no valor de € 8.000,00 por conta da «despesa adicional inerente à necessidade de contratação de uma terceira pessoa», considerando para o efeito «o previsível número de horas de ajuda de terceira pessoa e o respectivo valor, a esperança média de vida da A. e a ponderação» de factores imprevisíveis, tais como a «incerteza sobre as alterações do estado de saúde em cada momento e o tempo de vida, as alterações das taxas de remuneração do capital e da inflação, a evolução dos índices económicos» (10).

Do assim decidido discorda a recorrente/seguradora, aduzindo, em resumo, os seguintes argumentos:
i) - Considerando a idade da Autora e o facto de já se encontrar na situação de reformada, dedicada exclusivamente às lides da casa e quintal, não existe fundamento para atribuição de indemnização a título patrimonial “dano biológico”, porquanto para a execução das tarefas a que se dedicava foi concedida indemnização a título de ajuda de terceira pessoa pelos esforços suplementares para a sua execução, calculada até à idade da esperança média de vida e ainda indemnização avultada pelos danos não patrimoniais sofridos.
ii) - A fundamentação vertida na sentença em crise com recurso à jurisprudência não tem aplicação ao caso concreto, pois o Tribunal nem sequer estava habilitado com elementos relativamente ao tempo em que a Autora já estava reformada, que actividade exerceu e quais os seus rendimentos.
iii) - Para colmatar os danos patrimoniais decorrentes das limitações de que a Autora ficou a padecer até se concebe justa a indemnização a título de ajuda de terceira pessoa, mas não se concebe a sua cumulação com a atribuição de indemnização por dano biológico sem que estejam preenchidos os seus requisitos.
iv) - É exagerada a indemnização atribuída a título de danos patrimoniais, devendo a mesma ser reduzida a valor global não superior a 10.000,00 Euros.
Considerando, pois, que a recorrente questiona, essencialmente, a indevida cumulação da indemnização a título de ajuda de terceira pessoa com a indemnização por dano biológico, bem como o respetivo cálculo indemnizatório (global), vejamos, separadamente, o âmbito de cada um dos diferenciados danos em apreço.
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2.2.2. Dano biológico

Como é sabido, o princípio geral no que se refere à reparação do dano é o estabelecido no art. 562º do CC, nos termos do qual «[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».
A reconstituição in natura é substituída pela indemnização em dinheiro “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor” (art. 566.º, n.º 1, do CC).
Como resulta do critério legal, acolhido pelo art. 566º, n.ºs 2 e 3 do CC, a indemnização em dinheiro, a atribuir sempre que seja impossível a reconstituição natural, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos; se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. O Tribunal decide, pois, segundo a equidade.

No tocante ao cálculo da indemnização prescreve o art. 564.º do mesmo diploma legal:

«1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».
Extrai-se deste preceito legal que os danos futuros, para serem passíveis de indemnização, têm que ser previsíveis.
Um dos casos mais frequentes em que o tribunal tem de atender aos danos futuros é aquele em que o lesado, em consequência do facto lesivo, perde ou vê diminuída a sua capacidade laboral (11).
Como vem sendo entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça (12), a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário”, do qual podem derivar, além das incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tais suscetíveis de avaliação pecuniária. Trata-se, assim, neste âmbito de ressarcir danos que ainda não se concretizaram, mas que, de acordo com o curso normal das coisas, de acordo com o que é previsível em face das circunstâncias, sempre virão a concretizar-se no futuro.
Tal dano consiste numa “incapacidade funcional ou fisiológica que se centra, em primeira linha, na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das atividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade” (13).
É questão controversa a natureza do dano biológico [patrimonial, não patrimonial, mista ou tertium genus] (14).
A afetação da integridade físico-psíquica, designada como dano biológico, pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial (15).
Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afetação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras atividades profissionais ou económicas, suscetíveis de ganhos materiais.
Na sua dimensão patrimonial o dano biológico tem sido perspetivado na vertente de lucros cessantes, enquanto perda de capacidade de ganho ou, como hoje se designa, défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, na medida em que respeita a incapacidade funcional (16).
Afirma-se, repetidamente, que esta incapacidade funcional, mesmo que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e que dela não resulte perda ou diminuição de vencimento, importa necessariamente dano patrimonial (futuro), que deve ser indemnizado, já que a força do trabalho do homem, porque lhe propicia fonte de rendimentos, é um bem patrimonial, sendo certo que essa incapacidade obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão.
Aliás, atualmente não oferece controvérsia que o facto de o lesado não exercer, à data do facto lesivo, qualquer profissão remunerada não afasta a existência de dano patrimonial pela incapacidade funcional de que o mesmo ficou a padecer em consequência dessa lesão, compreendendo-se neste as utilidades futuras e as simples expectativas de aquisição de bens, sendo que a força de trabalho de uma pessoa é um bem, sem dúvida, capaz de propiciar rendimentos (17).
Como se salienta no Ac. do STJ de 25/11/2009 (relator Raúl Borges), in www.dgsi.pt., “neste leque, cingindo-nos agora à incapacitação para o trabalho, encontrar-se-ão os indivíduos lesados que se encontram fora do mercado do trabalho, da vida activa laboral, e considerando a duração cronológica de vida, seja a montante – caso das crianças e dos jovens, ainda estudantes, ou não, mas que ainda não ingressaram no mundo laboral –, seja, a juzante, com os reformados/aposentados, que dele já saíram, sem esquecer os que estando fora destes parâmetros temporais, situando-se pela sua idade no período de vida activa, estão porém fora daquele mercado, porque desempregados (…)”.
Como afirma Maria da Graça Trigo (18), «é possível formular a seguinte conclusão: se, ao longo da segunda metade do século XX, bem como dos primeiros anos do século XXI, a jurisprudência nacional foi aperfeiçoando os critérios a ponderar na fixação equitativa da indemnização por danos patrimoniais futuros (traduzidos em perda de rendimentos) causados pela incapacidade laboral específica, isto é, causada pela afectação da capacidade do lesado para o exercício da sua actividade profissional à data da ocorrência da lesão física, os procedimentos utilizados não tinham em conta – ao menos de forma sistemática – a circunstância de que a afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral genérica das vítimas é, também ela, susceptível de determinar perdas de rendimentos e, portanto, danos patrimoniais futuros. Esta omissão mostrava-se especialmente evidente nas seguintes situações:
a) Situação de lesado menor de idade que, em razão da idade, não exerce qualquer profissão no momento do evento danoso;
b) Situação de lesado que, não sendo afectado na sua capacidade laboral específica, é, porém, afectado na sua capacidade laboral genérica;
c) Situação de lesado que, em razão de circunstâncias várias de idade, saúde, dedicação à família, etc., não exerce profissão à data de ocorrência da lesão, sendo, contudo, afectado na sua capacidade laboral genérica.

Na peculiar evolução que a utilização do conceito de dano biológico tem tido na jurisprudência nacional, pode, com segurança, afirmar-se que, com tal utilização, se pretendeu precisamente dar resposta a este tipo de situações».
Em idêntico sentido, propugnando que este dano tem expressão patrimonial, Rita Mota Soares (19) considera que, nessa óptica, «também àqueles que não exerçam ainda atividade remunerada (v.g. estudantes), àqueles que dela estejam privados (vg., desempregados), àqueles que já não se encontram no período de vida ativa (vg. Reformados e pensionistas) e àqueles que, apesar da incapacidade, mantenham a mesma profissão e/ou logrem uma reconversão que lhes assegure idêntico rendimento, assistirá o direito ao ressarcimento pelo dano biológico na vertente patrimonial, apesar de não haver perda da capacidade de ganho».
O conceito de dano biológico é hoje predominantemente utilizado na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça para designar a afectação da integridade física-psíquica de uma pessoa, o mesmo é dizer que o significado com que mais frequentemente é usado é o correspondente «à de consequências patrimoniais da incapacidade geral ou genérica do lesado, aferida em função das Tabelas da incapacidade geral ou genérica em Direito Civil» (20).
Com efeito, nos termos explicitados pelo Ac. do STJ de 7/06/2011 (relator Manuel Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt., «a incapacidade funcional, afectando o corpo humano ou um seu órgão (no sentido médico-legal deste termo), representa uma alteração da pessoa, que afecta a sua integridade física, impedindo-a de exercer determinada actividade corporal ou sujeitando-a a exercitá-la de modo deficiente ou doloroso.
Realmente, a incapacidade funcional de que o lesado tenha ficado a padecer pode traduzir-se numa incapacidade para a generalidade das profissões, numa incapacidade genérica para utilizar o corpo enquanto prestador de trabalho e produtor de rendimento ou numa possibilidade de o utilizar em termos correspondentemente deficientes ou penosos.
Por isso, a incapacidade funcional, na medida em que a precede e consome, tem, em princípio, uma maior abrangência do que a perda da capacidade de ganho, podendo não coincidir com esta, tudo dependendo do tipo ou espécie de trabalho efectivamente exercido profissionalmente.
É que, em alguns casos, uma elevada incapacidade funcional pode não ter repercussão na retribuição (o que não é raro em profissões de incidência intelectual), ao passo que, noutras situações, uma pequena incapacidade funcional geral pode ocasionar uma enorme incapacidade profissional».
Daí que se conclua que à atribuição do dano biológico na sua vertente patrimonial é suficiente, em princípio, que exista uma incapacidade ou diminuição da capacidade funcional do lesado; esta, sendo determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado, afetá-lo-á para o resto da vida, criando-lhe diversos constrangimentos no exercício da sua atividade profissional corrente e na consideração de oportunidades profissionais futuras; assim, mesmo quando o lesado não fica impedido de trabalhar (ou mesmo quando já não se encontra inserido no mercado de trabalho, como é o caso da ora autora que estava reformada) e, por isso, não se regista uma perda automática de rendimentos, existe uma perda que se reflete economicamente e que deve ser indemnizada como dano biológico patrimonial/dano patrimonial futuro.
Em suma, o dano biológico abrange um leque alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, compreendendo igualmente a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando uma repercussão negativa no salário ou na atividade profissional do lesado, impliquem ainda assim esforços suplementares no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual (21).
Além de que não pode deixar de se atribuir relevância económica ao trabalho das “lides domésticas”, seja em si mesmo considerado, seja pelos custos da sua realização por terceiro (22).

A respeito do valor económico deste tipo de trabalho, autonomamente considerado, o Ac. do STJ de 03/12/2015 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), disponível em www.dgsi.pt., pronunciou-se nos seguintes termos:
«Ora, como é sabido, os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente produzido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado deixou de poder produzir, atenta a sua expectativa média de vida.
Portanto, mesmo nos casos em que o lesado não exerça uma atividade profissional remunerada [pois a A., com quase 73 anos de idade à data do acidente, não exercia uma atividade profissional remunerada, mas ainda assim ocupava-se das lides domésticas do seu agregado familiar], em sede de dano biológico, deverá atender-se à atividade que ele desempenhava ou podia desempenhar com tarefas de índole económica propiciadoras de rendimento, no quadro do seu modo de vida, e que fique afetada em virtude das sequelas derivadas das lesões sofridas».
Assim, e ao contrário do defendido pela recorrente, o facto de não se ter provado que a demandante teve uma efetiva perda de rendimentos (pois estava já reformada e cuidava das lides domésticas), não constituiu qualquer excludente da atribuição do dano biológico, na vertente patrimonial.
Em jeito de conclusão, e socorrendo-nos novamente do supra citado estudo de Maria da Graça Trigo (23), «[c]om ou sem a denominação de dano biológico, o que importa, em nome do princípio da reparação integral dos danos, é assegurar que diversamente do que sucedia no passado, se indemnizem as vítimas não apenas pela perda de capacidade laboral específica para a profissão exercida à data do evento lesivo, mas também pela perda de capacidade laboral geral que as afectará ao longo do resto da vida».

O caso dos autos, no qual foi dado como provado que, na sequência das sequelas resultantes do acidente de viação, à A. foi atribuído um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 18 ponto, ao tempo do acidente encontrava-se reformada, mas capaz de fazer as lides domésticas autonomamente, cuidando dos afazeres da casa sozinha, sendo que em consequência do acidente apresenta dificuldades acrescidas marcadas em certas atividades domésticas como estender roupa ou pegar em panelas pesadas, não consegue aspirar ou limpar satisfatoriamente a casa e dificuldades ao pegar nos sacos de compras, enquadra-se na hipótese supra indicada na alínea c): situação de lesada que, em razão da idade, não exerce profissão à data de ocorrência da lesão (pois era reformada), ficando, porém, afectada na sua capacidade laboral genérica.
Acresce que, a relevância a atribuir à afectação da capacidade geral diz respeito não apenas ao período de vida activa do lesado (ou seja, até ao período que medeia entre a data da lesão e a data da sua previsível reforma), mas também para além dela. Deve assim ter-se em conta a esperança média de vida do lesado, uma vez que as suas necessidades básicas não cessam no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão.
E na afectação da capacidade geral de ganho deve ser tido em conta a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
De facto, o apontado défice funcional não deixa de constituir uma limitação às atividades domésticas que a autora vinha exercendo, com tendência a agravar-se, segundo as regras da experiência, no decurso dos anos da sua previsível expetativa de vida e, nessa medida, de traduzir uma diminuição da sua capacidade económica geral, com o correspondente custo económico.
Como se decidiu no Ac. do STJ de 25/05/2017 (relatora Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt., «o aumento da penosidade e esforço para realizar as tarefas diárias pode ser atendido no âmbito dos danos patrimoniais (e não apenas dos danos não patrimoniais), na medida em que se prove ter como consequência provável a redução da capacidade de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas».
Em suma, consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual, nem se traduza em perda de rendimentos (seja de trabalho ou, no caso, da aposentação).
Daí ser manifesto o seu relevo enquanto dano biológico (como dano futuro previsível), sendo, por isso, passível de indemnização (art. 564.º, n.º 2, do CC).
Assente a ressarcibilidade deste dano, importa, de seguida, atentar na questão do cálculo da sua indemnização.
Essa perda da capacidade geral de ganho – quando, como no caso, não se traduz na perda de rendimentos da profissão (pois a autora, à data do acidente, já se encontrava reformada) –, não sendo possível quantificá-la, em termos de exatidão, através da aplicação da fórmula estabelecida no art. 562 do CC, impõe ao Tribunal que julgue equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, de acordo com o disposto no art. 566º, n.º 3, do CC.
O cálculo do quantum indemnizatório, fixado para reparação pela perda da capacidade geral, tem pois, necessariamente, por base, critérios de equidade que assenta numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, que, de todo, colida com critérios jurisprudenciais atualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade (24).
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o cálculo dessa indemnização, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores (25): (i) a idade do lesado e a sua esperança média de vida; (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente (isto é, a percentagem do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica); (iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas compatíveis com as suas qualificações e aquele défice; (iv) conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias de atividades profissionais ou económicas do lesado, compatíveis com as suas habilitações e/ou formação; e (v) jurisprudência anterior (por referência a decisões temporalmente próximas e nas quais estejam em causa situações fácticas essencialmente similares).
Desenvolvendo este último ponto dir-se-á que a utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade. A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso concreto (26). Nas palavras do ac. do STJ de 31/01/2012 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt., “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição”.
O que significa que, aquando da fixação da indemnização, o julgador deverá ter em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações similares, o que é exigido por uma interpretação e aplicação uniformes do direito aos casos análogos (art. 8º, n.º 3, do CC), a qual é, aliás, uma imposição do princípio da igualdade (art 13º, n.º 1, da CRP) (27).

Considerando, pois, que na situação em apreço nos autos:

i) - a autora nasceu em -.04.1942, tendo 77 anos à data do acidente, o que lhe confere uma esperança de vida não muito longa (28);
ii) Em consequência das lesões sofridas, a autora ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade física-psíquica de 18 pontos;
iii) A consolidação médico-legal definitiva das lesões sofridas pela autora foi fixada no dia 12 de março de 2020;
iv) Ao tempo do sinistro encontrava-se reformada (desconhecendo-se o valor da pensão), mas capaz de fazer as lides domésticas autonomamente, cuidando dos afazeres da casa sozinha;
v) Depois do acidente, a autora não consegue estender roupa ou pegar em panelas, não consegue aspirar ou limpar a casa, nem consegue pegar em sacos das compras.
vi) Não teve qualquer responsabilidade na eclosão do acidente, tendo sido embatida pelo veículo de matrícula TI quando se encontrava parada na berma junto a um portão de uma propriedade privada e quando aquele saía de outro portão de outra propriedade privada em manobra de marcha atrás.
A indemnização deste dano biológico não deve ser calculada em função do valor da pensão de aposentação da autora dissentindo, nesta parte, do propugnado pela recorrente , nem é adequado efetuar uma equiparação do sobredito défice funcional de 18 pontos a uma perda de capacidade de ganho de rendimentos de igual percentagem, nem o recurso às tabelas financeiras.
Isto porque tal equivaleria a qualificar e a indemnizar o défice atribuído como se de uma incapacidade parcial permanente (IPP) se tratasse e a verdade é que o défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa atividade, envolvendo apenas limitações funcionais (29).
Por outro lado, tendo em atenção como se disse serem aplicáveis critérios de equidade (art. 8º, n.º 3, do CC) e a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, vejamos os padrões indemnizatórios seguidos recentemente pelos nossos Tribunais Superiores em situações fácticas com alguma similitude com a dos autos:
- Ac. do STJ de 03/12/2015 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), disponível em www.dgsi.pt.: A autora, com quase 73 anos de idade à data do acidente, não exercia uma atividade profissional remunerada, ocupando-se das lides domésticas do seu agregado familiar e tendo ficado afetada nesta atividade com uma incapacidade de 10% resultante das sequelas sofridas, foi considerada ajustada uma indemnização de base no valor de € 15.000,00;
- Ac. do STJ de 6/02/2020 (relatora Rosa Tching), https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:2251.12.6TBVNG.P1.S1/: Lesado com défice funcional de 19 pontos, implicando um acréscimo de esforço físico no desenvolvimento da sua atividade, de consultas médicas, tendo, praticamente, 63 anos de idade, sendo previsível que se mantivesse profissionalmente ativo até atingir os 70 anos de idade, foi mantido o montante de € 40.000.00 arbitrado no acórdão recorrido.
- Ac. da RP de 17.9.2013 (relator Pinto dos Santos), disponível in www.dgsi.pt., onde se decidiu que tendo a “autora/lesada, com 73 anos de idade à data do sinistro, ficado a padecer de uma IPG de 4 pontos e não exercendo a mesma então qualquer actividade remunerada, considera-se justa e adequada, para compensação do dano biológico, a quantia de 2.500,00€”;
- Ac. da RP de 7/04/2016 (relator Rodrigues Pires), disponível in www.dgsi.pt., em que a uma lesada, com 78 anos de idade à data do acidente, reformada da actividade de médica e que ficou portadora de um défice funcional permanente de 4 pontos, considerou-se justa e adequada, para compensação do dano daí decorrente, a quantia de 8.000,00€, reduzindo a indemnização fixada pela 1ª instância (€15,000,00);
Tudo ponderado, tendo em conta o acima descrito desempenho económico da A. no seu agregado familiar, o respectivo défice funcional, a repercussão dos danos na sua vida pessoal, os quais são determinantes de consequências negativas ao nível da actividade geral da lesada que a impedem e/ou limitam substancialmente de desenvolver as lides domésticas que anteriormente efetuava e uma expectativa de vida média até aos 83 anos, tendo por base critérios equitativos, em conformidade com o disposto no citado n.º 3 do art. 566º do CC, não se tem por desadequado o montante de 5.000,00 € fixado pela 1ª instância pelas consequências patrimoniais da afectação da capacidade geral ou funcional da lesada (o denominado “dano biológico”), em virtude do acidente a que aludem os autos. Com efeito, situando-se o juízo prudencial e casuístico feito na sentença recorrida dentro da margem de discricionariedade que legitima o recurso à equidade e não colidindo com os padrões jurisprudenciais adotados pelos nossos Tribunais Superiores em casos análogos ou similares, não há razões para dele dissentir.
Improcede, por conseguinte, este fundamento da apelação.
*
2.2.3. Da indemnização a título de assistência/ajuda de terceira pessoa.

A atribuição de uma prestação indemnizatória por necessidade de auxílio de terceira pessoa justifica-se pelo facto do lesado, em consequência das limitações derivadas do acidente, não poder, por si só, prover à satisfação das suas necessidades básicas diárias, visando compensar os encargos com a contratação de uma pessoa para executar tais tarefas e superar por esta via a situação de dependência em que o lesado se encontra.
Estas necessidades básicas diárias são entendidas, normalmente, como os actos elementares relativos a cuidados de higiene pessoal, alimentação e locomoção, mas não se esgotam nestes. Podem incluir muitos outros, com maior ou menor relação com estes, desde que se refiram àquele complexo de tarefas que é essencial para que a vida pessoal do lesado mantenha a normalidade compatível com o seu estatuto social, no fundo com a sua dimensão de pessoa e com a dignidade que lhe é devida (30).
Contudo, a questão atinente à indemnização pelo prejuízo decorrente da necessidade de auxílio de terceira pessoa não tem merecido tratamento uniforme no Supremo Tribunal de Justiça.
Uma posição aponta no sentido de o lesado não ter direito à indemnização quando se demonstre que o auxílio é prestado gratuitamente por familiar da vítima.
Foi a mesma expressa, por exemplo, no Ac. do STJ de 19/06/2014 (relator Sérgio Poças), in www.dgsi.pt., no qual se decidiu não haver “lugar a indemnização por danos patrimoniais a favor da autora por assistência que lhe foi prestada por familiares de forma gratuita”.
Outra posição, maioritária, defende que, independentemente de o auxílio ser prestado de modo gratuito por familiar, o lesado tem direito a ser ressarcido pelo dano consubstanciado na necessidade de auxílio diário de terceiro. Disso é exemplo o Ac. do STJ de 09/09/2014 (relator Fernandes do Vale), www.dgsi.pt., com o seguinte sumário: “O facto de serem familiares do lesado quem, conjunturalmente, presta a este a assistência tornada imprescindível apenas em consequência do acidente não justifica que aquele não deva ser indemnizado do correspondente dano, certo como é que, além do mais, aquela, pode cessar a qualquer momento, quer por causas naturais (morte ou impossibilidade de quem a presta), quer por esmorecimento ou apagamento do inerente afecto e solidariedade familiar, repugnando, por outro lado, ao sentimento dominante da colectividade que, em tal situação, o lesado fique privado dos meios materiais que lhe permitam retribuir, minimamente, os serviços de que beneficia’’.
Esta posição foi recentemente reiterada no Ac. do STJ de 14/07/2020 (relator Fernando Samões), https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:2273.16.8T8PDL.L1.S1, no qual se decidiu que, «provando-se que o lesado necessita de cuidados de terceira pessoa em consequência das lesões sofridas com o acidente de que foi vítima, é devida indemnização pela assistência quer ela seja prestada por terceiros, quer por familiares, sendo indiferente o modo como tal assistência foi ou está a ser prestada para ser indemnizado pelos prejuízos emergentes da perda de autonomia».
No caso em apreço a recorrente/seguradora não coloca em crise o reconhecido dano, mas tão só a autonomização da quantia indemnizatória fixada pelo auxílio de terceira pessoa em relação ao dano biológico, dizendo não se conceber a sua cumulação.

Neste particular, dos factos provados resulta que:

Q) No dia 29 de agosto de 2019, a A. teve alta do Hospital de Vila Nova de Famalicão, e foi enviada para casa, para aí continuar o tratamento/recuperação
R) Conforme ordens médicas, nesse período de 15 dias posteriores à alta hospitalar ocorrida em 29 de Agosto, a A. teve de ficar em repouso total em casa.
S) A recuperação em casa, passava por não poder efectuar carga sobre o pé, e perna, tendo de estar com o membro superior esquerdo em suspensão.
T) Assim como fazer pensos na perna e no pé, em regime externo/ambulatório.
U) A A., durante esses 15 dias, não se podia locomover, estando incapaz para exercício normal da sua vida, necessitando de ajuda de terceira pessoa de forma diária, pois não conseguia vestir-se sozinha, nem fazer a sua higiene pessoal, como lavar-se, ou fazer as necessidades fisiológicas, sem a ajuda de terceiros,
V) Não conseguia fazer as lides da casa, como limpar, cozinhar.
W) Tinha de ficar deitada na cama, durante esses 15 dias, pois não conseguia locomover-se e não teve qualquer assistência externa prestada pela R.
X) A A. e o seu marido viram-se forçados a pedir ajuda a familiares, já que a A. não tinha capacidade económica para pagar a uma terceira pessoa externa.
Y) Tendo a sua filha LN., assumido essa função todos os dias, assumindo o marido da A. essa função na parte da noite.
Z) A filha LN. auxiliava a A. na sua higiene pessoal, na sua alimentação e na sua locomoção, para cozinhar, limpar e arrumar a casa.
RR) A A. nasceu em -.04.1942, tendo 77 anos à data do acidente.
SS) Era uma mulher muito activa, gostava de sair de casa, cuidava dos afazeres da casa sozinha.
TT) Teve a A. dores, inquietação e forte susto, quer quando foi atropelada, e caiu para o chão, após o choque, quer quando sofreu a assistência médica e medicamentosa posterior.
VV) Depois do acidente, a Autora:
- Não consegue tomar banho sozinha,
- Não consegue estender roupa ou pegar em panelas,
- A comer, não consegue cortar alimentos com a faca,
- Não consegue aspirar ou limpar a casa,
- Não consegue pegar em sacos das compras,
- Precisa de ajuda para vestir algumas roupas, e calçar meias ou sapatos,
-Tem dores no pé e no ombro esquerdo, e dentro do pé sente como se lhe estivessem a picar constantemente,
-Não consegue sair de casa sozinha, pois tem ataques de pânico.
WW) Ao tempo do descrito sinistro, encontrava-se a A. reformada, mas capaz de fazer as lides domésticas autonomamente, e realizar todas as tarefas inerentes a sua vida normal, como vestir-se, comer, andar, sair de casa autonomamente, o que já não consegue fazer sem ajuda.
XX) Por não terem dinheiro para contratar alguém, recorreram a ajuda de familiares, nomeadamente a sua filha LN., que sacrificou a sua vida familiar.
III) A A. precisa de ajuda parcial de terceira pessoa (ajuda não especializada) nas seguintes situações: actos da vida diária (dificuldades acrescidas nos actos de higiene (pentear-se), ao vestir-se/despir-se ao nível do tronco e membros superiores, calçar/descalçar meias e sapatos, necessitando de ajuda parcial de terceira pessoa; dificuldades acrescidas marcadas em certas atividades domésticas como estender roupa ou pegar em panelas pesadas, dificuldade ao cortar os alimentos (carne) com a faca, não consegue aspirar ou limpar satisfatoriamente a casa; dificuldades ao pegar nos sacos de compras.
O referido dano é passível de ter uma tradução monetária, pois estamos nesta parte perante um dano futuro previsível (31), que decorre das limitações físico-psíquicas sofridas pela lesada e derivadas do dano biológico, inerentes como são ao exercício das tarefas pessoais em que a mesma lesada ficou diminuída.
Atendendo à situação de dependência em que a A. se encontra no contexto psico-somático resultante das sequelas sofridas, poder-se-ia porventura integrar esse custo no próprio dano biológico (32).
Todavia, uma vez que o referido dano foi autonomizado – e considerando que o mesmo visa satisfazer necessidades que de todo não são sobrepostas à reparação do défice funcional ou da perda da capacidade geral de ganho –, entendemos que essa autonomização deverá ser mantida.
Efetivando o cálculo da quantia indemnizatória fixada pelo auxílio de terceira pessoa importa, desde logo, ter presente que a autora necessitará de serviços de assistência diariamente, pelo que deve ser considerada a totalidade dos dias do ano – 365 ou 366 dias, consoante se trate de ano comum ou de ano bissexto.
Não tendo sido apurada a duração diária desse auxílio, partir-se-á do pressuposto que essa necessidade terá a duração de, pelo menos, quatro horas por dia.
Importa, ainda, considerar que, por força do previsível agravamento das limitações da autora, quer em consequência da sua situação clínica, quer os inerentes à idade, os cuidados de que necessitará tenderão a ser cada vez maiores e, se contratados, mais dispendiosos.
Também é de ponderar o previsível aumento dos salários, principalmente do salário mínimo, que será o correspondente ao das pessoas adequadas a prestar o auxílio de que a autora necessita, bem como das prestações sociais.
Será considerado o valor de 487,52 € como sendo o equivalente a 1,1 IAS (Indexante de Apoios Sociais) que, em 2022, tem o valor de 443,20 € (33) (34).
Considerando que o valor desta prestação diz respeito a 8 horas diárias, tidas como período normal de trabalho, e dado que se estima que a autora careça do auxílio de terceira pessoa durante quatro horas, o valor mensal que lhe corresponde é de 243,76 (= 487,52 x 4 : 8).
O montante anual será de 2.925,12 € (= 243,76 x 12).
Considerando que a autora tinha 77 anos à data do acidente e que, segundo o Instituto Nacional de Estatística, a esperança média de vida à nascença em Portugal nas mulheres é de cerca de 83,7 anos, aquela quantia deveria ser multiplicada por 6 anos, o que perfaz 17.550,72 €.
Assim, porque se trata de dano futuro e considerando que a autora não fez prova de que pagou alguma quantia pela assistência que lhe está a ser prestada, a indemnização arbitrada é devida desde a data da sentença da 1ª instância, ou seja, 31/12/2021.
Nessa data, faltavam 3 (três) anos e cerca de 3 (três) meses para alcançar 6/04/2025, altura em que a autora fará 83 anos.
Multiplicando 2.925,12 € por 3 (três) acrescido do proporcional (3 meses), obtém-se o resultado de 9.506,64 €.
Perante tais elementos, e mesmo que se pondere uma redução do capital em função da antecipação da sua disponibilidade, entre os 10% e os 20%, consideramos justa e equitativa a indemnização de 8.000,00 € pelo dano futuro de necessidade de auxílio de terceira pessoa.
Pelo exposto, improcede também nesta parte este fundamento do recurso independente.
*
3. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Assim, as custas do recurso independente, mercê da sua parcial procedência, são da responsabilidade de ambas as partes na proporção do respetivo decaimento (idêntico critério valerá para as custas da ação na 1ª instância) e as custas do recurso subordinado, por ter sido totalmente improcedente, ficam a cargo da autora.
*
Síntese conclusiva:

I - A limitação funcional ou dano biológico, em que se traduz uma incapacidade, é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial.
II - Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afetação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, suscetíveis de ganhos materiais.
III - Ao lesado que não exerça ainda atividade remunerada (estudante), ao que dela esteja privado (desempregado), ao que já não se encontra no período de vida ativa (reformado e pensionista) e aquele que, apesar da incapacidade, mantenha a mesma profissão e/ou logre uma reconversão que lhe assegure idêntico rendimento, assistirá o direito ao ressarcimento pelo dano biológico na vertente patrimonial, apesar de não haver perda da capacidade de ganho.
IV - Provando-se que o lesado necessita de cuidados de terceira pessoa em consequência das lesões sofridas com o acidente de que foi vítima, é devida indemnização pela assistência quer ela seja prestada por terceiros, como por familiares, sendo tal circunstância indiferente para o direito do autor de ser indemnizado pelos prejuízos emergentes da perda de autonomia.
V - Na fixação da indemnização pela assistência/ajuda de terceira pessoa para a realização das actividades diárias, importa atender aos elementos disponíveis e ao quadro normativo vigente, determinando o montante devido segundo os critérios que dele emergem, inclusive, e, sendo caso disso, lançando mão de juízos de equidade.
*
VI. Decisão

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
- Julgar parcialmente procedente o recurso independente interposto pela Ré Seguradora e, em consequência, revogando a sentença recorrida, decidem condenar a R. X Insurance PLC – Sucursal em Portugal, S.A., a pagar à A. C. M. a quantia de 41.151,82 € (quarenta e um mil, cento e cinquenta e um euros e oitenta e dois cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa legal, civil, vigente em cada momento, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
- Julgar improcedente o recurso subordinado interposto pela Autora.
No mais, mantém-se integralmente a sentença recorrida.
*
Custas do recurso independente a cargo de ambas as partes na proporção do respetivo decaimento e as custas do recurso subordinado são da responsabilidade da autora/recorrente.
Custas da ação na 1ª instância da responsabilidade de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.
*
Guimarães, 26 de maio de 2022

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Mostrando-se assegurada a cognoscibilidade quer do recurso independente, como do recurso subordinado, por uma questão de precedência lógica começar-se-á pela apreciação deste último, visto que, a proceder, poderá repercutir-se naqueloutro.
2. 535,16 € = 220,00 (e não, como propugnado pela recorrente, 228,50) + 17,70 + 74,34 + 21,12 + 150,00 + 72,00.
3. Assim decomposto: 41.373,82€ = 535,16 + 5.000,00 + 2.838,66 + 8.000,00 + 25.000,00.
4. Cfr. Ac. do STJ de 22/05/2013 (relator Gabriel Catarino), in www.dgsi.pt.
5. Cfr. Mário Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª edição, Almedina, p. 507.
6. Cfr. Elsa Vaz de Sequeira, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações/Das Obrigações em Geral, Universidade Católica, p. 280, José Alberto Gonzalez, Direito da Responsabilidade Civil, pp. 212/219; Acórdãos do STJ de 15/04/93, in CJSTJ, Ano I, T. 2, p. 59 e de 20.06.2006, in CJSTJ, Ano XIV, T. II, 2006, p. 119.
7. Cfr., B.M.J., n.º 497 – Junho de 2000 – p. 354.
8. Cfr., Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., Almedina, 2018, p. 891, nota 1.
9. Cfr., no mesmo sentido, Acs. desta Relação de 11/07/2012 (relator Fernando Fernandes Freitas) e de 28/10/2021 (relatora Margarida Almeida Fernandes) e Ac. da RC de 15/11/2016 (relator Vítor Amaral), todos disponíveis in www.dgsi.pi.
10. Mais foi arbitrada, a título de danos não patrimoniais, uma compensação no valor de € 25.000,00, mas esta componente indemnizatória não se mostra questionada na apelação.
11. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. 1, 4ª ed., Coimbra Editora, p. 580.
12. Cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 2/06/2016 (relator Manuel Tomé Soares Gomes) e de 21/03/2013 (relator Salazar Casanova), disponíveis in www.dgsi.pt.
13. Cfr. Ac. do STJ de 6/07/2004 (relator Ferreira de Almeida) e Ac. da RL de 22/11/2016 (relator Luís Filipe Pires de Sousa), in www.dgsi.pt.
14. Entre nós, existem três correntes essenciais no que concerne à categorização do dano biológico: i) uma parte da jurisprudência (maioritária) configura-o como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro; ii) outra corrente admite que tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial tal como compensado a título de dano moral, segundo uma análise casuística, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade, entendendo-se ainda que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial [cfr. Ac. do STJ de 27/10/2009 (relator Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt.]; iii) uma terceira posição propugna que o dano biológico é um dano base ou dano-evento, que é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial [cfr. Acs. do STJ de 20/05/2010 (relator Lopes do Rego) e de 10/10/2012 (relator Lopes do Rego), ambos in www.dgsi.pt.]. Para mais desenvolvimentos, ver o Ac. da RL de 22.11.2016 (relator Luís Filipe Pires de Sousa), in www.dgsi.pt.; na doutrina, Maria da Graça Trigo, Obrigação de Indemnização e dano biológico, in Responsabilidade Civil, Temas Especiais, Universidade Católica Editora, pp. 69/86; Rita Mota Soares, “Poderes/Deveres da Relação na Reapreciação da Matéria de Facto. O Dano Biológico Quando da Afetação Funcional não Resulte Perda da Capacidade de Ganho – O Princípio da Igualdade”, Revista Julgar, n.º 33, 2017, pp. 111-135 e Maria da Graça Trigo, “O conceito de dano biológico como concretização jurisprudencial do princípio da reparação integral dos danos – Breve contributo», Revista Julgar, n.º 46, pp. 257/270.
15. Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 04/06/2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), de 7/04/2016 (relatora Maria da Graça Trigo), de 29/10/2020 (relator Nuno Pinto Oliveira), de 6/05/2021 (relatora Margarida Blasco) todos disponíveis in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 23/04/2020 (relatora Catarina Serra), proc. n.º 1456/16.5T8VCT.G1.S1, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:1456.16.5T8VCT.G1.S1/
16. Com exceção da corrente que defende que a ofensa à integridade física e psíquica da vítima, quando dela não resulte perda da capacidade de ganho, apenas tem expressão nos danos não patrimoniais [por exemplo, Ac. da RP de 11/10/2016 (relator Rui Moreira Guimarães) e Ac. desta Relação de 12/09/2019 (relatora Conceição Sampaio), in www.dgsi.pt.], para as demais correntes este dano, na vertente patrimonial, deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse: há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso consistindo o prejuízo a indemnizar (cfr. Rita Mota Soares, estudo e obra citados, p. 122).
17. Cfr. Acs. do STJ de 12/01/2017 (relatora Maria dos Prazeres) e de 10/11/2016 (relator Lopes do Rego), ambos in www.dgsi.pt.
18. Cfr. O conceito de dano biológico (…), p. 262.
19. Cfr. “Poderes/Deveres da Relação na Reapreciação da Matéria de Facto. O Dano Biológico Quando da Afetação Funcional não Resulte Perda da Capacidade de Ganho (…), p. 123/124.
20. Cfr. Maria da Graça Trigo, O conceito de dano biológico (…), p. 269, acrescentando a citada autora que esse «significado coexiste com outros, designadamente com o de dano biológico como consequência não patrimonial de uma lesão psicofísica».
21. Cfr. Acs. do STJ de 2/06/2016 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), de 12/01/2017 (relatora Maria dos Prazeres Beleza) e de 31/05/2012 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), disponíveis in www.dgsi.pt.
22. Cfr. Ac. do STJ de 29/10/2020 (relatora Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt.
23. Cfr., O conceito de dano biológico (…), p. 269.
24. Cfr. Ac. do STJ de 23/05/2019 (relator Oliveira Abreu), in www.dgsi.pt.
25. Cfr., Maria da Graça Trigo, O conceito de dano biológico (…), p. 267 e Ac. do STJ de 24/02/2022 (relatora Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt.
26. Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 04/06/2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza) e de 31/01/2012 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt.
27. A observância desta regra, apelidada por Miguel Teixeira de Sousa de “jurisprudência constante”, “incrementa a confiança no sistema jurídico, na medida em que o sentido das decisões dos tribunais se torna previsível e expetável” e “através da previsibilidade que fornece às decisões dos tribunais, (...) é um importante facto de confiança” (cfr. Introdução ao Direito, Almedina, 2021, p. 138).
28. Embora não se desconheça que o factor esperança média de vida do lesado se deva aferir pela esperança média de vida que, à data do acidente, têm os nascidos no ano do nascimento do lesado, e não pela esperança média de vida (geralmente superior) dos nascidos no ano em que teve lugar o acidente [cfr. Maria da Graça Trigo, O conceito de dano biológico (…), p. 267], os elementos estatísticos pesquisados não vão além do ano de 1960, o que não nos permite indagar o enunciado critério proposto. Assim, não deixando de reconhecer a referida limitação, por referência ao segundo critério enunciado temos que, em 2019, em Portugal a esperança média de vida à nascença para as pessoas do sexo feminino, nascidos no ano em que teve lugar o acidente (2019), era de 83,7 anos (site Pordata).
29. Cfr., em sentido similar, estando em causa esforços suplementares, Ac. do STJ de 06/12/2017 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 6/02/2020 (relatora Rosa Tching), https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:2251.12.6TBVNG.P1.S1/
30. Cfr. Ac. do STJ de 14/01/2020 (relatora Fátima Gomes), https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:5173.15.5T8BRG.G1.S2/
31. Cfr. Ac. do STJ de 14/01/2020 (relatora Fátima Gomes), https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:5173.15.5T8BRG.G1.S2/
32. Ac. do STJ de 2/06/2016 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt.
33. No ano de 2019 o IAS fixava-se em € 435,76 (Portaria n.º 24/2019, de 17 de janeiro); no ano de 2020 subiu para € 438,81 (Portaria n.º 27/2020, de 31 de janeiro), valor que se manteve em 2021, tendo sido fixado para o ano de 2022 em € 443,20 (Portaria n.º 294/2021, de 13 de dezembro).
34. Seguindo o critério perfilhado no Ac. do STJ de 14/07/2020 (relator Fernando Samões), https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:2273.16.8T8PDL.L1.S1, cuja fundamentação vimos seguindo de perto.