Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
117/19.8YRGMR
Relator: PAULO REIS
Descritores: DECISÃO ARBITRAL
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
FUNDAMENTOS
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
NULIDADE DA SENTENÇA
MANIFESTA INCOMPATIBILIDADE COM PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
Decisão: ACÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O âmbito da ação especial de anulação de decisão arbitral não comporta a reapreciação da prova produzida, nem a apreciação de eventual erro de julgamento ou na aplicação do direito, sendo tais questões objeto do recurso a interpor da decisão arbitral.
II- A divergência manifestada pela autora quanto à valoração efetuada pelo tribunal arbitral a propósito da prova produzida, argumentando que aquele tribunal não terá dado a devida relevância a alguns meios de prova, desconsiderando, em absoluto, a prova documental e testemunhal por si apresentada, reportando-se para o efeito a diversas circunstâncias que entende resultarem consubstanciadas nos depoimentos das testemunhas que indicou naquele processo, não permite consubstanciar o fundamento de anulação da decisão arbitral previsto no artigo 46.º, n.º 3, al. a), ii), da LAV designadamente por força da ofensa do princípio da igualdade das partes ou por via da violação do princípio do contraditório, mas a mera discordância por parte da autora relativamente à valoração feita pelo tribunal arbitral quanto aos meios de prova e à motivação enunciada sobre os mesmos.
III- O fundamento de anulação da decisão arbitral previsto no artigo 46.º, n.º 3, al. a), vi) da LAV que estabelece tal possibilidade nos casos em que a sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º, prevendo este último preceito, no que concerne ao n.º 3, que «[a] sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º», é equiparável à nulidade a que alude o artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
IV- Constando da sentença arbitral a indicação da matéria de facto e da matéria de direito em que se baseia a decisão final não se verifica a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão), nem causa para a pretendida anulação da decisão arbitral tendo por base a imputação do vício de falta de fundamentação.
V- A sentença arbitral que condenou ambas as requeridas, respetivamente comercializador e operador das redes de distribuição do setor eléctrico (ora autora), solidariamente, a restituir à requerente a quantia de €2.410,50 equivalente ao valor que entendeu ter sido indevidamente cobrado à requerente/utente entre setembro de 2017 e junho de 2018 em decorrência de eventuais avarias de contadores, que imputou também à 2.ª requerida, não conduz a um resultado manifestamente incompatível com princípios fundamentais da ordem pública internacional (ou interna) do Estado português, visto o quadro normativo concretamente aplicável e atento o regime da solidariedade inerente às obrigações dos comercializadores e dos operadores das redes do setor elétrico no que se reporta a diversos aspetos relacionados com o cumprimento e desenvolvimento de diligências necessárias à prestação dos serviços em causa.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

X Distribuição - Energia, S.A., pessoa coletiva ……, veio instaurar a presente ação de anulação de sentença arbitral, com processo especial, contra M. C., requerendo seja anulada a sentença arbitral proferida pelo Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Consumo (CIAB), a 8-04-2019, no âmbito do processo n.º 2549/2018, em que é requerente M. C., sendo requeridas: X Comercial - Comercialização de Energia, S.A., e X Distribuição - Energia, S.A., na qual foi decidido pelo Senhor Juiz Árbitro julgar procedente a ação, condenando ambas as requeridas, solidariamente, a restituir à requerente a quantia de €2.410,50, indevidamente cobrada entre setembro de 2017 e junho de 2018, absolvendo-as do pedido contra ambas formulado de indemnização por danos morais no montante de €15.000,00.
Alega, em síntese: foi constituída arbitragem para julgar um litígio de consumo, a pedido do consumidor, ora ré, por força de um contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado entre esta e a reclamada X Comercial - Comercialização de Energia, S.A., tendo posteriormente requerido que fosse chamada a ora autora, X Distribuição - Energia, S.A.; sustenta que a decisão do Tribunal Arbitral ofendeu princípios fundamentais do processo, concretamente o princípio da igualdade das partes, padecendo de falta de fundamentação e ofendendo os princípios da ordem pública do sistema jurídico, o que, segundo alega, constitui causa de anulação da sentença arbitral, nos termos do artigos 30.º, n.º 1, alínea b), 42.º, n.º 3 e 46.º, n.º 3, alíneas a) e b), todos da Lei 63/2011 de 14-12 (LAV).

A ré apresentou contestação. Defende, em suma: os efeitos pretendidos com a presente ação de anulação nunca se poderão estender às duas requeridas no processo de arbitragem - X Comercial - Comercialização de Energia, S.A., e X Distribuição - Energia, S.A. - porquanto, como aliás reconhece a aqui autora, são entidades juridicamente distintas; não cabe à aqui ré - reclamante no processo arbitral -, pronunciar-se quanto à decisão do tribunal arbitral, até porque a mesma lhe é favorável, impugnando tudo aquilo em que a petição inicial que ora se contesta contrarie a mesma; aceita a inutilidade superveniente da lide caso o tribunal considere demonstrado e provado que a autora nada recebeu e nada tem a restituir, tudo nos termos e com os fundamentos que melhor constam do articulado apresentado.

Findos os articulados, solicitou-se ao CIAB a remessa do processo de arbitragem para instrução da causa e foi proferido despacho a convidar a autora a suprir a ilegitimidade passiva resultante da ausência da lide da X Comercial - Comercialização de Energia, S.A., enquanto interveniente no processo arbitral cuja sentença vem impugnada na presente ação, mediante a dedução do competente incidente de intervenção de terceiros, atenta a situação de litisconsórcio necessário entre os réus na presente ação.

Deduzido o correspondente incidente de intervenção de terceiros, foi admitido o chamamento para intervenção principal, no lado passivo, de X Comercial - Comercialização de Energia, S.A., pessoa coletiva ……, requerida no processo arbitral, a qual foi citada nos presentes autos, não tendo apresentado contestação.
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O Tribunal é competente para conhecer da causa em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, encontrando-se a requerente devidamente representadas em juízo.
O processo é o próprio e não existem outras exceções, nulidades ou questões prévias que ora cumpra conhecer.
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Não existe prova a produzir, relevando para a apreciação da causa a factualidade que emerge dos próprios autos do processo arbitral.
Nos termos do artigo 46.º, n.º 2, al. e) da LAV, os presentes autos seguem nesta fase a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações, tendo sido colhidos os vistos legais.

II. Delimitação do objeto da ação

O objeto da presente ação circunscreve-se à questão de saber se a decisão arbitral em apreciação enferma de vícios que conduzam à sua anulação; para o efeito, cumpre apreciar se estão verificados e são relevantes os seguintes vícios que vêm suscitados pela aqui autora: - “violação do princípio da igualdade das partes”; - “falta de fundamentação”; - “ofensa da ordem pública do sistema jurídico”.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão da presente ação são os que já constam do relatório enunciado em I. relevando ainda os seguintes factos que o tribunal arbitral, após produção de prova em audiência de julgamento (ata de julgamento arbitral de 4 de fevereiro de 2019 - constante de fls. 89 e 90 do processo de reclamação n.º 2549/2018 do CIAB), considerou como provados:
1.1.1. Em 05/07/2016, a Rte. e a 1.ª- Rda. celebram um contrato de fornecimento de energia elétrica para o local de consumo sito na Rua … -Barcelos (fls. 63 dos autos).
1.1.2. Desde 05-07-2016 até agosto/2017, inclusive, o valor médio mensal das faturas recebidas foi de €147,50, assim calculada: Ano de 2016: agosto…€103,31; setembro … €274,37; outubro… €167,96; novembro …€ 176,19; dezembro…€ 35,18; Ano de 2017: janeiro … €180,33; fevereiro …€ 184,04; março…€ 165,36; abril …€ 40,45; maio…€ 141,72; junho…€ 161,11; julho…€ 133,69; agosto…€ 141,25;
Total: €1.905,00/13 (meses) = €147,50€ (fls. 25, 80/81, 45, e extracto da conta corrente da l.ª Rda).
1.1.3. Desde setembro/2017 a junho/2018, inclusive, as faturas recebidas revelaram um enorme aumento, assim apurado: setembro/2017…€322,88; outubro /2017…€308,46; novembro/2017...€ 300,61; dezembro/2017…€234,09; janeiro/2018…€ 326,06; fevereiro/2018…€ 285,34 (cf. fls. 22); março/2018…€ 551,87; abril/2018…€ 329,85; maio/2018...€647,91 (cfr. fls. 45 e extracto); junho/2018...€ 578,52 (fls. 45).
1.1.4. Desde setembro de 2017 até junho de 2018 a Rte. não cessou de reclamar perante a 1.ª Rda. do aumento de faturação e de exigir a verificação do contador.
1.1.5. Em 20-9-2017 a 2.ª Rda., através da equipa técnica enviada à instalação de consumo declara que o contador está a funcionar correctamente (fls. 66 dos autos) e recolheu leituras.
1.1.6. Em 19-12-2017, a 2.ª Rda. envia novamente uma equipa técnica a casa da Rte., a qual declara que “os equipamentos (contador) com o funcionamento correcto”.
1.1.7. Em 24-01-2018, após nova reclamação da Rte., que continuava queixar-se de anomalias no contador, a Rda. enviou novamente técnicos a casa da Rte., os quais procederam à substituição do contador, declarando que "este, com tudo desligado, marcava consumos" (cfr. fls. 68).
1.1.8. Em 27-02-2018, a Rda. enviou uma equipa técnica à instalação de consumo da Rte., tendo efetuado leituras.
1.1.9. Após o que a Rte. informou a Rda. que o novo contador registava consumos com o contador desligado, pelo que,
1.1.10. Em 29-06-2018 a Rda. mais uma vez enviou uma equipa técnica ao local de consumo, o qual declarou que o "funcionamento do contador era aparentemente correcto".
1.1.11. A partir desta data, o valor das faturas tem diminuído sensivelmente.
1.1.12. O aquecimento em casa da Rte. é obtido a gasóleo e lenha.
1.1.13. Na fatura de setembro de 2018, no valor de €46,49 foi efetuado um abatimento aos consumos facturados entre 30-06-2018 a 04-08-2018, no valor de €253,48.
1.1.14. Na fatura de dezembro de 2018, no valor de €17,49 foi efetuado um abatimento aos consumos facturados entre 30/08 a 04/11/2018, no valor de €399,12.
1.1.15. A partir de 24/01/2018 até 29/05/2018, já com o novo contador, o consumo "disparou": de cerca de 45 Kwhs passou para 84,97 Kwhs em Fevereiro de 2018, 87,57 kwhs em março de 2018 e atingiu os 92,15 Kwhs em 29/05/2018 (fls. 59 dos autos).
1.1.16. A 1.ª Rda. procedeu à avaliação de conformidade metrológica do novo contador.
1.1.17. A 2.ª Rda. é proprietária dos contadores que medem e registam os consumos de energia eléctrica e procede às leituras reais dos mesmos trimestralmente, comunicando-as depois à l.ª Rda. (comercializador) para efeitos de faturação.
1.2. O tribunal arbitral pronunciou-se na respetiva sentença sobre a matéria de facto não provada, nos seguintes termos:
«Não se provou que a Rte. tenha alterado hábitos de consumo a partir de setembro de 2017, nem que tenha adquirido mais equipamentos elétricos».
1.3. Com relevo para a apreciação do objeto da presente ação relevam ainda as seguintes incidências processuais que se consideram devidamente documentadas nos autos, atento o que se pode constatar dos próprios autos do processo arbitral:
1.3.1. A aqui 1.ª ré, M. C., apresentou reclamação, em de 22-08-2018, no Centro de Informação e Arbitragem de Consumo (CIAB), a que foi atribuído o n.º 2549/2018, requerendo a condenação da X Comercial - Comercialização de Energia, S.A., na «restituição de todos os valores cobrados pela X indevidamente e uma indemnização por danos causados deixei de poder dar algumas coisas aos meus filhos por não ter dinheiro suficiente pois pagar 600 € de luz é muito pesado ao fim do mês», nos termos e com os fundamentos que enunciou nos requerimentos que foram juntos ao processo de reclamação, de fls. 24 a 27 e 28, no primeiro dos quais quantifica em € 15.000,00 o valor da indemnização reclamada.
1.3.2. A requerida X Comercial - Comercialização de Energia, S.A respondeu à reclamação, conforme consta do teor de fls. 20 e 21 do processo de arbitragem, após o que veio a reclamante solicitar o chamamento, enquanto requerida, da X Distribuição - Energia, S.A..
1.3.3. A requerida X Distribuição - Energia, S.A. foi notificada da reclamação apresentada, vindo apresentar a resposta que consta de fls. 32 a 33.
1.3.4. As partes foram notificadas pelo CIAB para comparecerem na data designada para a realização da audiência de julgamento, precedida de tentativa de conciliação, sendo ainda notificadas para, querendo, apresentarem contestação escrita até 48 horas da data designada para a referida audiência e para apresentação dos meios de prova, designadamente testemunhas, documentos e peritos.
1.3.5. Na sequência da notificação aludida em 1.3.4. veio a requerida X Comercial - Comercialização de Energia, S.A apresentar contestação, tal como consta do articulado junto a fls. 45-47 do processo de reclamação, juntando documentos.
1.3.6. Também a requerida X Distribuição - Energia, S.A apresentou contestação, a qual consta de fls. 53-55-v.º do processo de reclamação, juntando documentos e arrolando testemunhas.
1.3.7. A reclamante apresentou requerimentos, a fls. 79 e 85 dos autos de reclamação, que apelidou de oposição à contestação, sendo o primeiro com referência à contestação apresentada pela requerida X Comercial - Comercialização de Energia, S.A e o segundo relativamente à contestação apresentada pela requerida X Distribuição - Energia, S.A, e indicou testemunhas.
1.3.8. Notificadas do requerimento apresentado pela reclamante, aludido em 1.3.7. veio a 2.ª requerida, X Distribuição - Energia, S.A, tomar posição, requerendo o desentranhamento da resposta apresentada pela reclamante.
1.3.9. Foi realizada a audiência de julgamento, conforme ata reproduzida a fls. 89-90 dos autos de reclamação em apenso, da qual consta, além do mais, que estiveram presentes o Juiz Árbitro, a requerente e a requerida, X Distribuição - Energia, S.A, mais constando da respetiva ata que não esteve presente a requerida X Comercial - Comercialização de Energia, S.A., por alegar indisponibilidade de agenda.
1.3.10. Consta ainda da ata referenciada em 1.3.9., além do mais, que em sede de audiência de julgamento foram ouvidas as partes, após o que foram ouvidas as seguintes testemunhas: Testemunha da Rte - G. M., coordenador comercial; Testemunhas da 2.ª Rda. - F. S., eletricista contratado pela X Distribuição - Energia, S.A, P. J., gestor de reclamações na X Distribuição - Energia, S.A, e R. P., engenheiro eletrotécnico na X Distribuição - Energia, S.A - e que após a audição da testemunha P. J., pela 2.ª Rda foi requerida a junção aos autos do histórico de análise de consumos de maio a novembro de 2018.
1.3.11. No que respeita à exceção de ilegitimidade passiva deduzida pela 1.ª Rda na respetiva contestação fez-se constar da decisão arbitral, proferida a 8-04-2019, o seguinte:
«A 1- Rda, na sua, aliás, douta contestação, deduziu a excepção de ilegitimidade passiva, alegando em resumo que a facturação que emite para os clientes é feita com base nos dados que lhe são fornecidos pelo ORD (operador de rede de distribuição) – 2ª Rda -, entidade distinta da 1ª Rda, sendo os contadores e respectivas leituras da responsabilidade daquela.
Porém, e na esteira do já decidido em anteriores e idênticos processos, entendemos que a 1ª Rda tem interesse directo em contradizer, visto que a eventual procedência de reclamação poderá causar-lhe um prejuízo, na medida em que terá de ressarcir a Rte por danos causados por facturação excessiva, provocados por anomalias no contador.
É que a relação contratual que a Rte tem é com a 1ª Rda, pelo que esta tem de considerar-se sujeito da relação controvertida. , tal como é configurada pelo Rte (relação jurídica de consumo, tal como definida vem no art.º 2º da L.D.C.) e titular do interesse relevante para o efeito da legitimidade.
Improcede por isso, nos termos do disposto no art.º 30.º , n.º 1, 2 e 3, do C. P. Civil, a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, deduzida pela lª Rda, declarando-se ser esta, parte legítima na acção».
1.3.12. No que respeita à exceção de ilegitimidade passiva deduzida pela 2.ª Rda na respetiva contestação fez-se constar da decisão arbitral, proferida a 8-04-2019, o seguinte:
«Por seu turno, na sua, aliás, douta contestação, deduziu também a 2ª Rda a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, alegando em síntese que os factos alegados pela Rte se prendem com questões de facturação, questões comerciais, que são do exclusivo conhecimento da 1ª Rda, que é o comercializador de energia eléctrica, pelo que só ela poderá responder por esses factos, visto que as actividades de comercialização e distribuição de energia elétrica estão juridicamente separadas, cabendo a primeira à "X Comercial SA" e a segunda à "X Distribuição, SA".
Dir-se-á desde logo, que o facto de ambas as Rdas serem entidades jurídicas distintas (embora pertencendo ambas ao universo X) não afasta por si só a eventual responsabilidade da 2ª Rda no caso vertente, porquanto a facturação emitida pela 1ª Rda, como comercializador, é elaborada com base nos dados (leituras) que a 2ª Rda, como operador da rede de distribuição (ORD) lhe fornece, sendo que os contadores (ou equipamentos de mediação de energia) são propriedade deste, e são por este e só por este substituídos, ou seja, a 2ª Rda, é a responsável pelo correcto funcionamento dos contadores e pelas matérias de natureza técnica com eles relacionados - Cfr Regulamento das Relações Comerciais do Sector Eléctrico e Guia de Medição,, Leitura e Disponibilização de Dados de Energia Eléctrica publicados pela ERSE ( Entidade Reguladora de Serviços Energéticos).
Entendemos assim, ser inequívoco que eventuais avarias dos contadores são da responsabilidade da 2ª Rda (entre várias outras actividades relacionadas com a condução e entrega de energia eléctrica) a menos que se demonstre terem sido causadas pelo consumidor ou por terceiros.
Assim sendo, a 2ª Rda não pode deixar de ser considerada parte legitima por ter interesse directo em contradizer, dado que da eventual procedência de acção (reclamação) poderá advir-lhe prejuízo, se for condenada solidariamente com a 1ª Rda.
Acresce que a "X -Distribuição, SA" também é sujeito da relação convertida (relação jurídica de consumo) tal como é configurada pela Rte e titular do interesse relevante para o efeito da legitimidade nos termos do disposto do no art.º 30.º n.os 1, 2 e 3 do C.P.C.
Improcede assim, a excepção dilatória e ilegitimidade passiva deduzida pela " X Distribuição de Energia SA", declarando-a parte legitima na acção».
1.3.13. No que respeita ao requerimento apresentado pela reclamante, aludido em 1.3.7. e ao pedido de desentranhamento de tal requerimento, formulado pela 2.ª requerida X Distribuição - Energia, S.A., fez-se constar da decisão arbitral, proferida a 8-04-2019, o seguinte:
«A fls 79 a 85 dos autos, veio a Rte apresentar dois requerimentos que intitula de "oposição à contestação" das Rdas em que, no essencial, alega factos já antes alegados no processo ou constantes de documentos a ele juntos.
Notificadas desses requerimentos, apenas a 2ª Rda respondeu, a fls 87/88 dos autos, requerendo o desentranhamento da oposição à contestação de fls 82/85, pugnando pela sua inadmissibilidade.
Alega a 2ª Rda em síntese que, como o processo civil se aplica subsidiariamente e não prevê qualquer articulado de resposta à contestação, tal articulado é inadmissível.
Sucede que o processo arbitral é um processo especial face ao processo civil (lei geral) sendo regulado pela Lei n.º 144/2015, de 08/09, e pela Lei n.º 63/2011, de 14/12 (Lei da Arbitragem Voluntária - LAV) e pelas regras que constarem do Regulamento de Arbitragem do respectivo Centro de Arbitragem, previsto nos art.º 6º e 62.º da LAV
"In casu", e como aqueles dois Diplomas - A LAV e a Lei n.º 144/2015, são omissos quanto à aplicação subsidiária do C.P.C no caso de oposição à contestação, dispõe o art.º 19.º, n.º 3, do Reg de Arbitragem do CIAB - Tribunal Arbitral que: - "em tudo o que não estiver previsto no presente Regulamento, aplica-se, com as devidas adaptações, a LAV, a Lei 144/2015 (n.º 1 do art.º 19.º do Regulamento), a Lei da Mediação e o Código do Processo Civil.
Verifica-se assim que o Regulamento do CIAB considera o processo civil como subsidiário em relação ao processo arbitral, mas, "com as devidas adaptações" ou seja, na linha do que dispõe o n.º 3 do art.º 30.º da L.A.V, uma vez que ao aderirem ao Centro e ao seu Regulamento, as partes não escolheram o conteúdo dos normas processuais, mas apenas quiseram atribuir competência à entidade de RAL ( resolução alternativa de litígios) para a elaboração dessas normas.
Aquela expressão "com as devidas adaptações" significa assim que as regras processuais a aplicar são aquelas que "fruto de avanços no estudo da arbitragem, aquela entidade considerar válidas, no momento em que o processo de arbitragem tem inicio (Cfr REV - Ver. Eletrónica de Direito - FEV/2016, n.º 1, p 19)
Isso porque a "flexibilidade processual é um instrumento fundamental da arbitragem" (de qualquer tipo de arbitragem), como resulta claramente do art.º 30.º, 3, da L.A.V., podendo o tribunal arbitral conduzir a arbitragem do modo que considerar apropriado.
Ora, no caso vertente, não se veem razões para mandar desentranhar os requerimentos em questão, até porque, por um lado, os mesmos, no essencial, reproduzem alegações da Rte já efectuadas ao longo do processo; por outro lado, o art.º 33.º , n.º 3, da LAV., é muito claro ao dispor que : "qualquer das partes, no decurso do processo arbitral, pode modificar ou completar a sua petição ou a sua contestação, a não ser que o juiz decida não admitir essa alteração por considerar a sua apresentação tardia e injustificada."
Ora, os requerimentos em causa, como deles resulta, destinam-se claramente a esclarecer e complementar a petição, sendo que, no processo arbitral, o apuramento da verdade material deve prevalecer sobre a obtenção da mera verdade formal.
Pelo exposto, indefiro o pedido de desentranhamento formulado pela 2- Rda a fls 87/88 dos autos».
1.3.14. Logo após a enunciação dos factos provados, fez-se constar da decisão arbitral, proferida a 8-04-2019, o seguinte:
«Foram decisivos para a prova destes factos o declarado pelas partes, os depoimentos das testemunhas apresentadas, os documentos juntos aos autos e o extrato da conta corrente da Rte, da "X Comercial, SA"».

2. Apreciação sobre o objeto da ação

No caso em apreciação, importa averiguar se a decisão arbitral em causa, proferida a 8-04-2019 pelo Centro de Informação. Mediação e Arbitragem de Consumo (CIAB), no âmbito do processo n.º 2549/2018, em que é requerente M. C., sendo requeridas: X Comercial - Comercialização de Energia, S.A., e X Distribuição - Energia, S.A., enferma de vícios que conduzam à sua anulação.
O pedido de anulação de sentença arbitral configura uma forma de impugnação perante um tribunal estadual de decisão proferida em processo de arbitragem. Com efeito, tal como decorre dos artigos 39.º, n.º 4, 46.º e 48.º, todos da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14-12, o regime legal aplicável prevê dois meios de impugnação da decisão arbitral, para além da oposição à execução de sentença arbitral: o recurso, que para o nosso caso não releva, e a ação de anulação.
Enquanto o recurso da decisão arbitral pressupõe que as partes tenham expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável (artigo 39.º, n.º4, e 59.º, n.º 1, al. e) da LAV), a ação de anulação é irrenunciável (artigo 46.º, n.º 5 da LAV), ainda que circunscrita aos fundamentos expressamente previstos no n.º 3 do artigo 46.º da LAV(1).

Neste domínio, prevê o n.º 3 do artigo 46.º da LAV, que a sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se:

a) A parte que faz o pedido demonstrar que:

i) Uma das partes da convenção de arbitragem estava afetada por uma incapacidade; ou que essa convenção não é válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram ou, na falta de qualquer indicação a este respeito, nos termos da presente lei; ou
ii) Houve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º com influência decisiva na resolução do litígio; ou
iii) A sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta; ou
iv) A composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio; ou
v) O tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar; ou
vi) A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º; ou
vii) A sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com ao artigo 43.º ; ou

b) O tribunal verificar que:

i) O objeto do litígio não é suscetível de ser decidido por arbitragem nos termos do direito português;
ii) O conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português.

Por outro lado, quanto aos poderes conferidos ao tribunal estadual no âmbito do pedido de anulação de decisão arbitral, prevê o n.º 9 do citado artigo 46.º da LAV que «[o] tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem por este decididas».
Resulta, então, do enquadramento legal antes enunciado que o âmbito da presente ação especial de anulação de decisão arbitral não comporta a reapreciação da prova produzida, nem a apreciação de eventual erro de julgamento ou na aplicação do direito, sendo tais questões objeto do recurso a interpor da decisão arbitral, quando admissível, nos termos previstos nos artigos 39.º, n.º 4 e 59.º, n.º 1, al. e) da LAV (2).
Deste modo, na ação de anulação de sentença arbitral, apenas cabe ao tribunal competente para o efeito apreciar fundamentos formais de validade da mesma, não comportando a reapreciação da prova produzida, nem a apreciação de eventual erro de julgamento ou na aplicação do direito. Tal como salienta o Ac. TRC de 21-04-2015 (3), «[a] propositura da acção de anulação no tribunal estadual não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objecto do litígio. A acção de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objecto da acção é, simplesmente, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma. Caso se verifique um fundamento de anulação, o tribunal estadual deve limitar-se a anular ou a cassar a decisão arbitral, não podendo substituí-la por outra. Essa anulação pode ser meramente parcial se o fundamento da anulação se verificar só relativamente a uma parte ou um objecto da decisão que seja dissociável ou destacável do conjunto. A convenção de arbitragem não caduca com o proferimento, tanto da decisão arbitral como da decisão anulatória, continuando em vigor, no caso de anulação, em relação à controvérsia que foi objecto da decisão anulada, embora pareça - em face da regra de que o poder jurisdicional dos árbitros se extingue com a notificação de depósito da decisão - que se tem de constituir um novo tribunal arbitral (artº 25 da LAV)».
Também a propósito da delimitação dos poderes conferidos à Relação em sede de pedido de anulação de decisão arbitral, refere o Ac. TRL de 20-12-2017 (4): «está vedado a esta Relação emitir juízos sobre a justeza do veredito do tribunal arbitral, seja quanto à decisão de facto seja quanto à aplicação do direito. Sendo certo que cabe ao tribunal arbitral formular livremente a sua convicção, sopesando as provas apresentadas pelas partes, dando a cada uma o relevo que entender que lhe cabe, que pode ser total ou nenhum, assim como às razões e argumentos formulados pelas partes. A fiscalização do acórdão arbitral pelo tribunal estadual nessa perspetiva só seria possível se as partes tivessem salvaguardado a recorribilidade da decisão arbitral quanto ao fundo da causa (n.º 4 do art.º 39.º da LAV)».
Alega a autora que o conteúdo da sentença viola o princípio da igualdade das partes, sustentando para o efeito, em suma, que a sentença arbitral fez tábua rasa da prova produzida pela autora, conferindo uma credibilidade desmesurada às declarações de parte da ré e da testemunha por si apresentada; defende que da análise da sentença decorre que a única prova que a autora poderia ter produzido para evitar a condenação seria a demonstração de que a ré alterou os seus hábitos de consumo e/ou que adquiriu mais eletrodomésticos.
O citado artigo 46.º, n.º 3, al. a), ii) da LAV prevê, como um dos fundamentos do pedido de anulação da decisão arbitral, a circunstância de ter ocorrido no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º com influência decisiva na resolução do litígio.

Atento o vício invocado pela autora, poderão relevar para a questão em apreciação os requisitos estabelecidos nas alíneas b), e c), do n.º1 do artigo 30.º da LAV, dos quais consta o seguinte:

«Artigo 30.º
Princípios e regras do processo arbitral
1 - O processo arbitral deve sempre respeitar os seguintes princípios fundamentais:
a) (…);
b) As partes são tratadas com igualdade e deve ser-lhes dada uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final;
c) Em todas as fases do processo é garantida a observância do princípio do contraditório, salvas as excepções previstas na presente lei».

Tal como salienta António Sampaio Caramelo (5), a propósito dos termos em que se enunciaram os princípios fundamentais do processo arbitral, no artigo 30.º, n.º 1, da LAV, correspondentes, de um modo geral, aos ensinamentos da doutrina portuguesa e à jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta matéria, «nos quais se identificam, como postulados da garantia do “processo equitativo”, a exigência do conhecimento efectivo (pelo demandado) do processo instaurado, o direito de defesa reconhecido a cada parte (i.e., de expor as suas razões de facto ou de direito perante o tribunal, antes que este tome a sua decisão), a necessidade de assegurar a igualdade de armas e a de observar o princípio do contraditório ao longo do processo (de modo que cada uma das partes possa exercer uma influência efectiva no desenvolvimento do processo, nos planos da alegação, da prova e do direito aplicável)».
Perante este enquadramento, resulta evidente que as questões suscitadas pela autora a este propósito não são suscetíveis de lograr enquadramento à luz dos fundamentos específicos da anulação da decisão arbitral em referência. Com efeito, a autora pretende por este meio contestar a valoração efetuada pelo tribunal arbitral a propósito da prova produzida, argumentando que aquele tribunal não terá dado a devida relevância a alguns meios de prova, desconsiderando, em absoluto, a prova documental e testemunhal por si apresentada, reportando-se para o efeito a diversas circunstâncias que entende resultarem consubstanciadas nos depoimentos das testemunhas que indicou naquele processo - F. S. (eletricista), P. J. (gestor de reclamações) e R.P. (engenheiro eletrotécnico) -, em conjunto com as comunicações trocadas com o Provedor de Justiça na sequência de uma queixa apresentada pela reclamante com o mesmo objeto, e que alega terem sido todas elas ignoradas, ao mesmo tempo que pretende evidenciar uma excessiva credibilidade conferida às declarações de parte da reclamante, ora ré, e da testemunha por esta apresentada - o seu companheiro, G. M. -, com relevo para a decisão proferida. Tais questões trazem implícita a apreciação do mérito da causa, reconduzindo-se à ponderação dos meios de prova e à análise dos fundamentos alegados pelas partes na ação arbitral. Ora, como se viu, o objeto da presente ação especial de anulação de decisão arbitral não comporta a reapreciação da prova produzida, nem a apreciação de eventual erro de julgamento ou na aplicação do direito, sendo tais questões objeto do recurso a interpor da decisão arbitral, quando admissível.
Mais se verifica que, no processo em referência, as partes tiveram efetivamente oportunidade de expor as suas razões nos respetivos articulados e requerimentos, de contraditarem o alegado pela contraparte, de produzirem ou apresentarem a respetiva prova e de contraditarem a prova da contraparte, não decorrendo da matéria de facto enunciada que a alguma das partes tenha sido dada qualquer preferência ou vantagem no uso dos meios processuais (cfr. as circunstâncias processuais vertidas em 1.3.1. a 1.3.14.), ou, por outra perspectiva, que tenha sido denegado algum direito processual, nem tal decorre das circunstâncias alegadas pela autora na presente ação.
Por conseguinte, não se vislumbra qualquer fundamento para considerar que tenha ocorrido, no processo arbitral em referência, violação de qualquer dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º, da LAV com influência decisiva na resolução do litígio [artigo 46.º, n.º 3, al. a), ii), da LAV] designadamente por força da exigência de um processo equitativo, ou por via da violação do princípio do contraditório.
Deste modo, improcede, nesta parte, a presente ação.
Alega a autora que a sentença arbitral padece de falta de fundamentação.

Para o efeito alega, sem síntese:

- da leitura da mesma não se retira em que se baseou o tribunal para dar como não provado que a ré não alterou os hábitos de consumo nem adquiriu novos electrodomésticos, não se alcança em que meio probatório se alicerçou a convicção do tribunal para dar como provado o facto n.º 12; não é possível avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respetivo conteúdo; importava que o tribunal fizesse uma análise crítica dos meios de prova, no sentido de esclarecer e convencer por que razão decidiu da forma que o fez;
- a sentença não indica o fundamento jurídico da condenação, verificando-se ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão pela qual se decidiu desta maneira.

O fundamento de anulação da decisão arbitral invocado pela autora encontra-se enunciado no artigo 46.º, n.º 3, al. a), vi) da LAV que estabelece tal possibilidade nos casos em que a sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º, prevendo este último preceito, no que concerne ao n.º 3, que «[a] sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º».

No caso em apreciação não estamos perante sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º do LAV, nem consta que as partes tenham dispensado tal exigência, sendo então o vício que a autora aponta à decisão arbitral equiparável à nulidade a que alude o artigo 615.º, al. b), do Código de Processo Civil (CPC) (6).
Neste domínio, dispõe o artigo 615.º, n.º 1 do CPC, que «[é] nula a sentença quando; (…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
A nulidade prevista na alínea b), do n.º 1 do citado artigo 615.º do CPC está diretamente relacionada com a violação do preceituado no artigo 154.º do CPC, que impõe ao juiz o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo (n.º 1), sendo que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2).
Também o artigo 607.º, n.º 3 do CPC, relativo à sentença, impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que julga provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Por último, conforme dispõe o n.º 4 do citado artigo 607.º do CPC «[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
Neste âmbito, deve entender-se que só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de facto ou de direito, gera a nulidade prevista na al. b), do n.º 1 do citado artigo 615.º do CPC, não se verificando perante uma fundamentação meramente deficiente, incompleta, não convincente (7). Acresce que eventuais vícios da decisão sobre a matéria de facto não configuram, sem mais, a invocada causa de nulidade, considerando que «a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640 e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cf. os n.ºs 2 e 3 do art. 662)» (8).
Analisando a decisão arbitral em referência, observa-se que da mesma constam efetivamente discriminados os factos relevantes que o tribunal considerou provados, bem como ainda uma referência aos não provados. Mais se verifica que a sentença apresenta os fundamentos em que se baseou a decisão sobre a matéria de facto, sendo aí mencionados, ainda que de forma sucinta, os meios de prova que foram decisivos para a prova dos factos em causa, para além da referência a alguns documentos que surge evidenciada em determinados pontos da matéria de facto.
Por último, tal como também decorre expressamente da sentença em referência, o Juiz Árbitro indicou, interpretou e aplicou as normas e os princípios jurídicos correspondentes, concluindo pela decisão final.
Como tal, constando da sentença a indicação da matéria de facto e da matéria de direito em que se baseia, cumpre concluir e que não enferma a decisão recorrida da invocada falta de fundamentação de facto ou de direito.
Também quanto a este concreto fundamento de anulação a autora parece pretender que esta Relação proceda à reapreciação da prova produzida, invocando de forma evidente a insuficiência da motivação da decisão da matéria de facto. Deste modo, não está em causa uma nulidade da decisão mas antes a mera discordância por parte da autora relativamente à valoração feita pelo tribunal arbitral quanto aos meios de prova e à motivação enunciada sobre os mesmos.
Como tal, a situação invocada pela autora, reportada à indevida valoração de determinados meios de prova e ao fundamento jurídico da condenação, não constitui causa de nulidade da sentença, antes contendendo com a valoração da prova ou com a apreciação do mérito constante da decisão de direito proferida.
Também aqui, é evidente que as questões suscitadas pela autora não são suscetíveis de lograr enquadramento à luz dos fundamentos específicos da anulação da decisão arbitral.
Pelo exposto, resta concluir que a sentença arbitral está suficientemente fundamentada, improcedendo, assim, a pretendida anulação da decisão tendo por base a imputação do vício formal previsto no artigo 46.º, n.º 3, al. a), vi) da LAV com referência ao n.º 3 do artigo 42.º do mesmo diploma.
Por último, sustenta a autora que o conteúdo da sentença arbitral - mormente, o dispositivo - ofende os princípios da ordem pública do sistema jurídico.
Neste domínio, a autora parece reportar-se a outro dos fundamentos de anulação da sentença arbitral, tal como enunciado no ponto ii) da alínea b) do n.º 3 do art.º 46.º da LAV: «[o] conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português».
Trata-se de uma causa de anulação da decisão arbitral que foi consagrada na atual LAV posto que a anterior LAV (Lei n.º 31/86, de 29-08), designadamente no seu artigo 27.º, não a contemplava. Tal como refere António Sampaio Caramelo (9), a propósito do concreto fundamento agora em apreciação, «[n]o contexto do art. 46.º, n.º 3, em que se elencaram os fundamentos cuja verificação pode determinar a anulação da sentença arbitral, o legislador, com o intuito de dificultar a anulação baseada em ofensa à ordem pública (e assim reforçar a definitividade da sentença), erigiu em bitola de aferição da validade da sentença impugnada com este fundamento, o reduto normativo mais restrito da “ordem pública internacional”. Por muito criticável que seja a opção do legislador, compreende-se a sua intenção».
Com efeito, tal como salienta o Ac. do STJ de 26-09-2017 (10), « [m]esmo que não seja possível determinar, a priori, o conteúdo da cláusula geral da ordem pública internacional, é latamente consensual a ideia de que o mesmo é enformado pelos princípios estruturantes da ordem jurídica, como são, desde logo, os que, pela sua relevância, integram a Constituição em sentido material, pois são as normas e princípios constitucionais, sobretudo os que tutelam direitos fundamentais, que não só enformam como também conformam a ordem pública internacional do Estado, o mesmo sucedendo com os princípios fundamentais do Direito da União Europeia e ainda com os princípios fundamentais nos quais se incluem os da boa-fé, dos bons costumes, da proibição do abuso de direito, da proporcionalidade, da proibição de medidas discriminatórias ou espoliadoras, da proibição de indemnizações punitivas em matéria cível e os princípios e regras basilares do direito da concorrência, tanto de fonte comunitária, quanto de fonte nacional.
Considerando, porém, que os aludidos princípios possuem um conteúdo normativo amplo ou indeterminado, a invocação da sua violação, como fundamento da anulação de sentença arbitral, terá de ser sujeito a acentuadas restrições e daí que a contrariedade à ordem pública internacional do Estado português, a que alude o art. 46.º, n.º 1, 46º, nº 3, b), ii), da LAV, pressuponha que essa decisão conduza a um resultado intolerável e inassimilável pela nossa comunidade, por constituir um patente, certo e efectivo atropelo grosseiro do sentimento ético-jurídico dominante e de interesses de primeira grandeza ou princípios estruturantes da nossa ordem jurídica».
Preliminarmente, cumpre salientar que a autora parece reportar-se à ordem pública interna e não à ordem pública internacional, porquanto parece pretender convocar novamente questão que esteve subjacente à exceção de ilegitimidade passiva que anteriormente suscitou em sede de contestação. Para o efeito invocou que os factos alegados pela requerente do processo arbitral se prendem com questões de faturação, questões comerciais, que são do exclusivo conhecimento da requerida X Comercial - Comercialização de Energia, S.A, que é o comercializador de energia eléctrica, pelo que só ela poderia responder por esses factos visto que as atividades de comercialização e distribuição de energia elétrica estão juridicamente separadas, cabendo a primeira à «X Comercial SA» e a segunda à «X Distribuição, SA». Na verdade, também agora vem invocar, em síntese, que exerce a atividade de operador de rede de distribuição de energia elétrica, cabendo à «X Comercial SA» atuar no mercado livre enquanto comercializador, aludindo para o efeito à separação jurídica existente entre as atividades de distribuição e de comercialização de energia eléctrica, tal como decorre expressamente do disposto nos artigos 36.º e 43.º do DL n.º 29/2006, de 15-02, com a redação conferida pelo DL 215-A/2012, de 08-10, que consagra as bases gerais da organização e funcionamento do sistema elétrico. Refere que à luz do atual quadro normativo do Sistema Eléctrico Nacional não pode o distribuidor de eletricidade vendê-la, pois tal atividade apenas é permitida, e de modo exclusivo, aos produtores e aos comercializadores, sendo o sujeito passivo da obrigação de pagar a tarifa de uso da rede de distribuição o comercializador e não o utente, sem prejuízo da possibilidade da sua repercussão económica na tarifa de venda da energia elétrica. Conclui que, enquanto operadora da rede de distribuição de energia elétrica, não pode a autora restituir aquilo que nunca recebeu, tal como se determinou no dispositivo da sentença impugnada, ao condenar ambas as requeridas, solidariamente, a restituir à requerente a quantia de €2.410,50 indevidamente cobrada entre setembro de 2017 e junho de 2018, pois o pagamento das faturas foi efetuado ao comercializador X Comercial - Comercialização de Energia, S.A.
Contudo, tal como decorre da fundamentação enunciada na decisão impugnada a propósito da apreciação da exceção de ilegitimidade suscitada pela ora autora «X Distribuição, SA», a sentença arbitral não deixou de ponderar - e bem -, que «o facto de ambas as Rdas serem entidades jurídicas distintas (embora pertencendo ambas ao universo X) não afasta por si só a eventual responsabilidade da 2.ª Rda no caso vertente, porquanto a facturação emitida pela 1.ª Rda, como comercializador, é elaborada com base nos dados (leituras) que a 2.ª Rda, como operador da rede de distribuição (ORD) lhe fornece, sendo que os contadores (ou equipamentos de mediação de energia) são propriedade deste, e são por este e só por este substituídos, ou seja, a 2.ª Rda, é a responsável pelo correcto funcionamento dos contadores e pelas matérias de natureza técnica com eles relacionados - Cfr Regulamento das Relações Comerciais do Sector Eléctrico e Guia de Medição, Leitura e Disponibilização de Dados de Energia Eléctrica publicados pela ERSE (Entidade Reguladora de Serviços Energéticos).
Entendemos assim, ser inequívoco que eventuais avarias dos contadores são da responsabilidade da 2.ª Rda (entre várias outras actividades relacionadas com a condução e entrega de energia eléctrica) a menos que se demonstre terem sido causadas pelo consumidor ou por terceiros.
Assim sendo, a 2.ª Rda não pode deixar de ser considerada parte legítima por ter interesse directo em contradizer, dado que da eventual procedência de acção (reclamação) poderá advir-lhe prejuízo, se for condenada solidariamente com a 1.ª Rda».
Na verdade, o artigo 1.º, n.º 2, al. b), e n.º 4, da Lei n.º 23/96, de 26-07 (Lei dos Serviços Públicos), considera prestador dos serviços abrangidos pela referida lei toda a entidade pública ou privada que preste ao utente qualquer dos serviços referidos no n.º 2 - entre os quais figura o serviço de fornecimento de energia elétrica -, independentemente da sua natureza jurídica, do título a que o faça ou da existência ou não de contrato de concessão. Tal é o caso dos operadores de rede de fornecimento elétrico, nos quais se inclui a ora autora, por força do artigo 10.º, n.º1, do Regulamento de Qualidade e Serviço do Sector Eléctrico (Regulamento n.º 455/2013) - aplicável à data dos factos em apreciação nos presentes autos -, o qual estatui que «os operadores de rede são responsáveis pela qualidade do serviço técnico perante os clientes ligados às redes, independentemente do comercializador com que o cliente contratou o fornecimento», prevendo, designadamente, a partilha de responsabilidades e o direito de regresso entre os comercializadores e os operadores das redes pelos diversos aspetos da qualidade de serviço junto dos clientes com quem os primeiros celebrem um contrato de fornecimento, nos termos dos artigos 9.º, 58.º, e 60.º, e o direito de compensação dos clientes por incumprimento pelos operadores das redes, pelos comercializadores de último recurso ou pelos comercializadores de padrões individuais de qualidade de serviço em diversas matérias (artigo 52.º do aludido regulamento). Do que resulta que a separação jurídica entre a atividade de distribuição e comercialização não tem consequências relevantes no âmbito da relação de consumo estabelecida com o utente do serviço de fornecimento de energia elétrica, posto que o legislador não estabelece qualquer ónus ou limitação específica para o consumidor em decorrência da separação entre tais atividades.
Assim, ainda que resulte efetivamente do disposto nos artigos 25.º, n.º1, 36.º e 43.º do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15-02 - que consagra as bases gerais da organização e funcionamento do sistema eléctrico nacional (SEN), bem como as bases gerais aplicáveis ao exercício das actividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade e à organização dos mercados de electricidade -, a separação jurídica entre a atividade de distribuição, desenvolvida pela ora autora, e a de comercialização de energia eléctrica, desenvolvida pela ora interveniente «X Comercial SA», certo é que do referido diploma resulta, também de forma clara, que o consumidor não fica onerado, em termos contratuais, com tal separação. Isso mesmo decorre, desde logo, do preâmbulo do referido Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15-02, ao salientar que «[o]s consumidores, destinatários dos serviços de electricidade, podem, nas condições do mercado, escolher livremente o seu comercializador, não sendo a mudança onerada do ponto de vista contratual. Para o efeito, os consumidores são os titulares do direito de acesso às redes». Assim se compreende que as matérias relativas a ligações às redes, avarias e leitura dos equipamentos de medição possam ser tratadas diretamente com o operador da rede a cujas redes a instalação do cliente se encontra ligada, tal como também resulta do disposto no artigo 102.º, n.º 3 do Regulamento de Relações Comerciais do Setor Elétrico (Regulamento n.º 561/2014), ao prever que as matérias relativas a ligações às redes, avarias e leitura dos equipamentos de medição podem ser tratadas diretamente com o operador da rede a cujas redes a instalação do cliente se encontra ligada, o que se justifica já que o prestador de serviços abrangido pelo disposto na aludida Lei n.º 23/96, de 26-07 é todo aquele - independentemente do título a que o faça - que presta os serviços abrangidos por esta mesma Lei.
Perante o enquadramento legal e regulamentar antes traçado resulta indiscutível que ambas as requeridas no processo arbitral são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da obrigação de fornecimento de eletricidade à requerente, assim como pelas eventuais compensações dos clientes por incumprimento das obrigações decorrentes da prestação dos serviços em causa, não obstante a separação jurídica entre a atividade desenvolvida por cada um delas, cabendo-lhes ainda efetivamente o ónus da prova de todos os factos relativos ao cumprimento das suas obrigações e ao desenvolvimento de diligências decorrentes da prestação dos serviços a que se refere a referida lei, nos termos que decorrem do disposto no artigo 11.º da Lei n.º 23/96, de 26-07.
Por conseguinte, não se vislumbra fundamento para entender que a decisão impugnada violou qualquer princípio da ordem pública internacional (ou interna), não se constatando que a interpretação nela vertida seja atentatória dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, designadamente do princípio da legalidade ou de qualquer outro princípio ou disposição da lei fundamental por ter condenado ambas as requeridas no processo arbitral, solidariamente, a restituir à requerente a quantia de €2.410,50 equivalente ao valor que entendeu ter sido indevidamente cobrado entre setembro de 2017 e junho de 2018, tanto mais que a apreciação de uma alegada violação de ordem pública internacional não pode envolver um reexame do mérito da sentença e do processo (11).
Acresce que os critérios que levaram à determinação de tal valor foram suficientemente explicitados na decisão impugnada ao enunciar na respetiva fundamentação, designadamente, que o mesmo corresponde «à soma das diferenças entre as facturas pagas no período supra descrito, e aquela média mensal na esteira de decisões proferidas neste Tribunal, que também consideram o "histórico" de consumos como elemento relevante para corrigir anomalias de consumos devidos a eventuais avarias de contadores».
É certo que, tal como defende a autora e resulta designadamente do disposto no artigo 44.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15-02, de acordo com o quadro jurídico em vigor, o sujeito passivo da obrigação de pagar a tarifa de uso da rede de distribuição não é o utente mas o comercializador, sem prejuízo da possibilidade da sua repercussão económica na tarifa de venda da energia eléctrica, e que as referidas faturas incluem inúmeras parcelas para além dos consumos de energia registados - v.g. taxas de exploração, imposto especial de consumo de eletricidade, IVA, contribuição audiovisual e juros de mora. Porém, o que se verifica é que a decisão impugnada não condenou a restituir todas as quantias pagas pelo consumidor e faturadas pela ora interveniente «X Comercial SA», no período em referência mas apenas o valor que entendeu consubstanciar o excesso de consumos verificado em tal período, como elemento relevante para corrigir anomalias de consumos devidos a eventuais avarias de contadores, que imputou, como se viu, também à ora autora «X Distribuição, SA», no âmbito do quadro normativo concretamente aplicável e atento o regime da solidariedade inerente às obrigações dos comercializadores e dos operadores das redes no que se reporta a diversos aspetos relacionados com o cumprimento e desenvolvimento de diligências necessárias à prestação dos serviços em causa.
Podemos, pois, concluir que o conteúdo da sentença arbitral, que constitui o objeto da presente ação, não conduz a um resultado manifestamente incompatível com princípios fundamentais da ordem pública internacional (ou interna) do Estado português.
Deste modo, também não se mostra verificado o fundamento de anulação previsto no artigo 46.º, n.º 3, al. b), ponto ii), da LAV.
Em consequência, não se mostrando verificados os fundamentos de anulação suscitados pela autora, improcede a presente ação.

Síntese conclusiva:

I - O âmbito da ação especial de anulação de decisão arbitral não comporta a reapreciação da prova produzida, nem a apreciação de eventual erro de julgamento ou na aplicação do direito, sendo tais questões objeto do recurso a interpor da decisão arbitral.
II - A divergência manifestada pela autora quanto à valoração efetuada pelo tribunal arbitral a propósito da prova produzida, argumentando que aquele tribunal não terá dado a devida relevância a alguns meios de prova, desconsiderando, em absoluto, a prova documental e testemunhal por si apresentada, reportando-se para o efeito a diversas circunstâncias que entende resultarem consubstanciadas nos depoimentos das testemunhas que indicou naquele processo, não permite consubstanciar o fundamento de anulação da decisão arbitral previsto no artigo 46.º, n.º 3, al. a), ii), da LAV designadamente por força da ofensa do princípio da igualdade das partes ou por via da violação do princípio do contraditório, mas a mera discordância por parte da autora relativamente à valoração feita pelo tribunal arbitral quanto aos meios de prova e à motivação enunciada sobre os mesmos.
III - O fundamento de anulação da decisão arbitral previsto no artigo 46.º, n.º 3, al. a), vi) da LAV que estabelece tal possibilidade nos casos em que a sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º, prevendo este último preceito, no que concerne ao n.º 3, que «[a] sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º», é equiparável à nulidade a que alude o artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
IV - Constando da sentença arbitral a indicação da matéria de facto e da matéria de direito em que se baseia a decisão final não se verifica a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão), nem causa para a pretendida anulação da decisão arbitral tendo por base a imputação do vício de falta de fundamentação.
V - A sentença arbitral que condenou ambas as requeridas, respetivamente comercializador e operador das redes de distribuição do setor eléctrico (ora autora), solidariamente, a restituir à requerente a quantia de €2.410,50 equivalente ao valor que entendeu ter sido indevidamente cobrado à requerente/utente entre setembro de 2017 e junho de 2018 em decorrência de eventuais avarias de contadores, que imputou também à 2.ª requerida, não conduz a um resultado manifestamente incompatível com princípios fundamentais da ordem pública internacional (ou interna) do Estado português, visto o quadro normativo concretamente aplicável e atento o regime da solidariedade inerente às obrigações dos comercializadores e dos operadores das redes do setor elétrico no que se reporta a diversos aspetos relacionados com o cumprimento e desenvolvimento de diligências necessárias à prestação dos serviços em causa.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a presente ação de anulação de sentença arbitral que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
As custas da presente ação são a cargo da autora - X Distribuição - Energia, S.A., - que nela decaiu, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Valor da ação: € 15.000,00 (tal como indicado na petição inicial).
Guimarães, 28 de maio de 2020
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)



1. Tratando-se de um elenco fechado ou taxativo de fundamentos de anulação, o pedido de anulação da decisão arbitral terá de ter necessariamente por base um dos fundamentos aí expressamente previstos - neste sentido, cfr., por todos, o Ac. TRC de 17-11-2015 (relatora: Maria João Areias), proferido no p. 87/15.1YRCBR, disponível em www.dgsi.pt.
2. Cfr., o Ac. TRG de 10-04-2014 (relatora: Eva Almeida), proferido no p. 107/13.4YRGMR, disponível em www.dgsi.pt.
3. Relator: Henrique Antunes; p. 3486/12.7TBLRA.C1, disponível em www.dgsi.pt.
4. Relator: Jorge Leal; p. 921/17.1YRLSB-2, disponível em www.dgsi.pt.
5. Cfr. António Sampaio Caramelo, A Impugnação da Sentença Arbitral, 2.ª ed. rev. e actualizada, Coimbra, Almedina, 2018, p. 52.
6. Cfr. o Ac. TRG de 15-11-2018 (relator: Pedro Damião e Cunha), proferido no p. 156/18.6YRGMR, disponível em www.dgsi.pt.
7. Neste sentido, cfr. entre outros, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 140; Antunes Varela, M. Bezerra e S. e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 687; Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 736.
8. Cfr. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 734.
9. Cfr. António Sampaio Caramelo, Ob. Cit., p. 52.
10. Relator: Alexandre Reis; p. 1008/14.4YRLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
11. Neste sentido, cfr., por todos, o Ac. do STJ de 26-09-2017 antes citado, do qual consta, a propósito, o seguinte: «O controlo que o juiz tem de fazer para aquilatar da ofensa da ordem pública internacional do Estado não se confunde com revisão: o juiz não julga novamente o litígio decidido pelo tribunal arbitral para verificar se chegaria ao mesmo resultado a que este chegou, apenas deve verificar se a sentença, pelo resultado a que conduz, ofende algum princípio considerado como essencial pela ordem jurídica do foro; ainda assim, quando o controlo se destina a verificar se o resultado da decisão é manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado, poderá não bastar a análise do dispositivo da sentença por este ser, em geral, neutro, se desligado da vistoria ao raciocínio até ele percorrido pelo tribunal».