Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
61/17.3T8VRL.G1
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
CONHECIMENTO ULTRA PETITIUM
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

1- Não constitui condenação ultra petitum a declaração do direito de propriedade feita na decisão de ação de reivindicação, em que é pedido o reconhecimento de tal direito, antes se englobando no pedido formulado, que tem tal declaração implícita.

2- Não cumprem os recorrentes o ónus de impugnação da decisão da matéria de facto imposto pela al. b), do nº1, do art. 640º, do CPC (especificada, indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida), quando se limitam a, meramente generalizando, impugnar factos em bloco, sem especificação concreta das provas, ponto por ponto, com, também, concreta e individualizada análise crítica das provas de cada facto. As referidas faltas de indicação especificada dos meios probatórios e de análise crítica das provas, têm como consequência a rejeição do recurso, nessa parte.

3- Não é de aplicar esta gravosa cominação quando razões de proporcionalidade o reclamem, o que se justifica no caso de a impugnação em bloco ser de restritos pontos de facto encadeados entre si, e agrupados por elos de ligação a traduzir continuidade e a demandar as mesmas concretas provas;

4- Imperando a livre apreciação da prova, que assiste ao julgador a quo, fundada na imediação, na oralidade e, ainda, na concentração da prova, que lhe tornam percetíveis reações, essenciais para a formação da convicção, as quais não são apreensíveis pelo julgador do tribunal ad quem, só em caso de erro pode este Tribunal alterar a decisão da matéria de facto, nos pontos impugnados. Não impondo a prova produzida julgamento diverso, pois que não ocorreu qualquer erro na apreciação dos factos impugnados, antes a matéria de facto foi livremente e bem decidida na 1ª instância, a decisão deve ser mantida;

5- O esquema da ação de reivindicação preenche-se através de duas finalidades, que correspondem aos dois pedidos que integram e caracterizam a ação (comum) de reivindicação (sujeita ao regime previsto nos artigos 1311º e segs, do C. Civil): um, o reconhecimento/declaração do direito de propriedade (pronuntiatio), outro, a restituição da coisa (condemnatio);

6- A ação de reivindicação tem como causa de pedir o ato ou facto jurídico concreto que gerou o direito de propriedade (ou outro direito real – cfr art. 1315º, do C. Civil) na esfera jurídica do peticionante e, ainda, os factos demonstrativos da violação desse direito. Ao reivindicante cabe o ónus de alegação e o, correlativo, ónus da prova de que é proprietário da coisa e de que esta se encontra em poder do réu;

7- Pese embora a probatio diabolica característica das ações de reivindicação, onerando-se os peticionantes com uma prova extremamente difícil de, em concreto, realizar, a tarefa dos mesmos é facilitada, pela consagração legal de presunções, designadamente: a presunção de titularidade do direito de propriedade derivada da posse, prevista no nº1, do art. 1268º, do C. Civil;

8- Entre os modos de aquisição do direito de propriedade conta-se a usucapião (art. 1316º, do C. Civil), cuja noção consta do artº 1287º, do C. Civil, o qual consagra que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação, tendo a mesma, prescrição positiva ou aquisitiva (aquisição originária) sempre, na sua génese, uma situação possessória.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães (1)

I. RELATÓRIO

Recorrentes: os Réus, BELMIRA (..) e marido MANUEL (…).

Recorridos: os Autores, DOMINGOS (…) e esposa, JÚLIA (…), MARIA (…) e o marido, ANTÓNIO (…), e BELMIRA (…) e marido, MANUEL (…).

DOMINGOS (..) e esposa, JÚLIA (…), MARIA (…) e marido, ANTÓNIO (…), e BELMIRA DA CONCEIÇÃO (…) e marido, MANUEL (…), propuseram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra MANUEL F. (…) e esposa, MARIA E. (…) pedindo a condenação destes a:

a) reconhecerem que os AA são proprietários em comum e partes iguais dos terrenos descritos no art.º 2º desta P.I.;
b) reconhecerem que a parcela de terreno, com 595,00 metros quadrados confinante a poente, em toda a sua largura, com o terreno que os RR supostamente adquiriram a Miguel (…), é parte integrante daqueles prédios dos AA descritos no art 2.º supra;
c) desocuparem aquela parcela de terreno descrita em B), que indevida e ilegalmente ocuparam e utilizam, logo que transite em julgado a decisão que ordenar a sua desocupação, e a entregarem-na aos AA;
d) pagarem uma sanção pecuniária compulsória de € 100,00 (cem euros), por cada dia, contados daquela data e até efetiva entrega da parcela de terreno supra referida – art. 829.º-A do Código Civil;
e) pagarem aos Autores a indemnização global de € 16.000,00 (dezasseis mil euros), sendo € 10.000,00 referentes a indemnização por danos patrimoniais e € 6.000,00 por danos morais, pela ocupação e utilização ilegal e abusiva dos terrenos daqueles.

Alegam, para tanto e em síntese, que são proprietários, em comum, do prédio rústico sito na freguesia de (…), concelho de Vila Real, inscrito na matriz predial sob os artigos (…), que adquiriram por usucapião, e que os réus se encontram a fruir ilicitamente de uma parcela com a área de 595 m2 que integra esse imóvel, o que lhes causa danos patrimoniais e não patrimoniais.
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Os réus ofereceram contestação, onde se defendem por impugnação, sustentam que a parcela supra referida integra o prédio rústico sito na mesma freguesia, inscrito na matriz predial sob o artigo …, cuja fruição lhes foi cedida pelos chamados, e deduzem, a título subsidiário, pedido reconvencional de condenação dos autores no pagamento do montante de € 5.000,00, a título de benfeitorias, que alegam terem efetuado naquela parcela.
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Os autores apresentaram réplica onde impugnam factos alegados pelos réus.
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Foi admitida a intervenção principal provocada do lado passivo de MIGUEL (…) e da esposa, MARIA F. (…), os quais, dado cumprimento ao preceituado no artigo 319.º, n.º 1, do C.P.C., não se apresentaram a intervir no processo.
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Realizou-se audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:

Termos em que, considerando o exposto, nos presentes autos de acção declarativa, sob a forma de processo comum, decide-se:

a) Declarar que os autores (…) são proprietários, em partes iguais, do prédio rústico sito na freguesia de (…), concelho de Vila Real, inscrito na matriz predial sob os artigos (…) condenando-se os réus (…) e os chamados (…) a reconhecê-lo e a absterem-se de qualquer acto de turbação de tal direito real;
b) Declarar que o direito de propriedade dos autores (…) relativo ao prédio rústico indicado em a), abrange a parcela com a área de 595 m2, identificada com cor vermelha a fls. 95v, condenando-se os réus (…) e os chamados (…) a reconhecê-lo e a absterem-se de qualquer acto de turbação de tal direito real;
c) Condenar os réus (…) a restituírem aos autores (…) a parcela com a área de 595 m2, identificada com cor vermelha a fls. 95v;
d) Absolver os réus (…) das pretensões indemnizatórias que contra si os autores (…) formularam a fls. 21, sob a alínea e);
e) Absolver os réus (…) do pedido de condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória formulado pelos autores (…) a fls. 21, sob a alínea d);
f) Condenar os autores (…) a pagarem aos réus (…) o montante global de € 1.050,00 (mil e cinquenta euros), a título de benfeitorias;
g) Absolver os autores (…) do pedido de condenação como litigantes de má fé formulado pelos réus(…);
h) Absolver os réus (…) do pedido de condenação como litigantes de má fé formulado pelos autores (…);
i) Condenar os autores (…) e os réus (…) no pagamento das custas da acção, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em partes iguais – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.
j) Condenar os autores (…) nas custas do incidente de litigância de má fé que desencadearam, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) U.C. – cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. e 7.º, n.º 4, do R.C.P.
k) Condenar os réus (…) nas custas do incidente de litigância de má fé que desencadearam, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) U.C. – cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. e 7.º, n.º 4, do R.C.P.
*
Em simultâneo com a notificação da sentença, diligencie-se pelo registo da acção (cfr. artigos 2.º, n.º 1, al. a), 3.º, n.º 1, al. a), 8.º-A, n.º 1, al. b), 8.º-B, n.º 3, al. a), 8.º-C, n.º 2, do Código do Registo Predial), e. após trânsito em julgado, proceda-se ao registo da sentença (artigos 2.º, n.º 1, al. a), 3.º, n.º 1, al. a) e b), 8.º-A, n.º 1, al. b), 8.º-B, n.º 3, al. a), 8.º-C, n.º 2, do Código do Registo Predial)”.
*
Os Réus apresentaram recurso de apelação pugnando por que se dê provimento ao recurso e se substitua a decisão recorrida por outra que declare improcedente a ação e consequentemente, absolva os Réus do pedido. Formularam as seguintes CONCLUSÕES:

- Vai o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos presentes autos de acção declarativa, sob a forma de processo comum em que decidiu:

a) Declarar que os autores / ora recorridos (…) são proprietários, em partes iguais, do prédio rústico sito na freguesia de (…), concelho de Vila Real, inscrito na matriz predial sob os artigos (…), condenando-se os réus / ora recorrentes (…), a reconhecê-lo e a absterem-se de qualquer acto de turbação de tal direito real;
b) Declarar que o direito de propriedade dos autores (…) relativo aos prédio rústico indicado em a), abrange a parcela com a área de 595m2, identificada com cor vermelha a fls. 95v, condenando-se os réus a reconhecê-lo e a absterem-se de qualquer acto de turbação de tal direito real;
c) Condenar os réus ( … ) a restituírem aos autores ( … ) a parcela com a área de 595m2, identificada com cor vermelha a fls. 95v.

- Consideram os Recorrentes que foram incorretamente julgados provados:

a) os factos constantes do ponto 7 do Capitulo III da sentença, sobre a epigrafe Fundamentação de facto – matéria de facto provado, que :

“ Há mais de quarenta anos que os autores e antepossuidores António (…) e Marta A. (…), de forma ininterrupta, fruem em comum e em partes iguais do prédio dos artigos (…) como único imóvel, aproveitando a mata ali existente, roçando o mato, cortando lenhas, cultivando as terras, extraindo e fazendo os seus frutos, actuando como sendo proprietários, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e ignorando lesar direitos alheios – cf. art.º 1º a 8º da Pi. “,
b) Os factos constantes do ponto 8 da fundamentação de facto – matéria de facto provado, (…) estendendo-se tal actuação à parcela com a área de 595m2, identificada com cor vermelha a fls.95 v.,
c) Os factos constantes do ponto 9 da fundamentação de facto – matéria de facto provado, na parte em que os Réus ocuparam a parcela identificada com cor vermelha a fls.95v. … e derrubado um muro situado na estrema sul da parcela …

– Salvo o devido respeito, não podemos concordar que dos meios de prova indicados pelo Tribunal “a quo “e vertidos no capitulo - motivação - que aqui se dão por reproduzidos para os legais e devidos efeitos, fossem suficientes para dar como provados os pontos 7, 8 e a parte indicada do 9.

Pelo contrário,

- Entendem os Recorrentes que os Recorridos, não lograram provar ou demostrar a existência, nem de factos possessórios nem a aquisição de qualquer direito sobre o imóvel em causa - parcela de terreno assinalada a cor vermelha de fls 95v, nem mesmo do prédio inscrito na matriz rústica sob os artigos (…).

- Face á prova produzida nos autos, existe erro notório na apreciação da mesma.

- A douta sentença peca por deficiente valoração da prova.
Na esteira do disposto no artigo 640º n. º1,al. a) do C.P.Civil, os Recorrentes;
a) já especificaram os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados ,
b) vão especificar os concretos meios de prova, constantes do processo e da gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, conforme o previsto na alínea .b) do referido artigo e do mesmo Código.

Da gravação da prova:

Dando cumprimento ao nº 2. al. a) do artigo 640 do CPC., indica-se com precisão as passagens da gravação em que se funda o recurso.

- Quanto ás testemunhas que no dia 05/11/2018 prestaram depoimento;
- Salvador (…) , cujo depoimento teve o seu inicio ás 12h: 07m :56s e terminou o seu depoimento ás 12h:24m:31 s, depôs durante 16m:35s.
Sendo que, conforme o legalmente imposto, já atrás se indicou o concreto ponto para a reapreciação da prova cujo teor está contido a partir do 3m:13 sgs, até ao minuto 9 e 58 sgs, tendo em consideração a duração do seu depoimento de 16m e 35sgs;
Verifica-se que quanto às características da posse nem uma pergunta, e consequentemente nem uma resposta.
Não fala com os Réus, à pergunta sobre os actos de posse dos Autores, não chega a responder, apenas refere que os Pais dos Autores faziam o corte do mato.
- José (…), cujo depoimento teve o seu inicio às 14h:25m:15sgs, e terminou às 14h:52m:18sgs, depôs durante 26m:57sgs.
Sendo que conforme o legalmente imposto, indicou-se o concreto ponto para a reapreciação da prova, cujo teor está contido a partir do 5m:55 sgs. até ao minuto 15m:34sgs.
Ás perguntas sugestionadas, mesmo assim, não responde cabalmente á pergunta da duração do corte do mato naquele terreno, igualmente nem uma pergunta e consequentemente nem uma resposta quanto ás características da posse, como se foi à vista de toda a gente, (pública ) se houve ou não conflito ( pacífica ),de boa-fé ou de má-fé, ignorando lesar direitos alheios ,etc.. .
- José (…), cujo depoimento teve o seu inicio às 14h:55m:02 sgs, e terminou ás 15h:08m:01 sgs. Depôs durante 12m:57 sgs. .
Sendo que conforme o legalmente imposto, indiciou-se retro o concreto ponto para a reapreciação da prova, cujo teor está contido a partir do 03m:00 sgs e até ao 08m:50 sgs, essencialmente .
Nem uma pergunta nem uma resposta, nem mesmo qualquer expressão espontânea acerca das características da posse, como as atrás enumeradas.
- Celestino (…), cujo depoimento teve o seu inicio às 15h:08m:59 sgs. e o seu terminus ás 15h:18m:23 sgs.,depôs durante 09h:29 sgs .
Sendo que, conforme o legalmente imposto, indicou-se já o concreto ponto para a reapreciação da prova, cujo teor está contido a partir do 02m:00 sgs até 05m:50 sgs, essencialmente.
Ausência total de qualquer declaração resposta quanto aos actos de posse e suas características em cima referidos.
- José (…), cujo depoimento teve o seu ínicio às 15h:19m:32 sgs., e terminus ás 15h:36m:30 sgs. depôs durante 16m:57 sgs. .
Sendo que conforme o legalmente imposto, indicou-se já o concreto ponto para a reapreciação da prova, cujo teor está contido a partir do 01m: até aos 11m:126 sgs, fundamentalmente .
Ausência total de qualquer pergunta e consequente resposta atinente aos actos de posse e suas características.
- José (…), cujo depoimento teve o seu início ás 15h:37m:53 sgs. e terminus ás 15h:55m:01 sgs, com a duração de 17m:07 sgs. .
Sendo que conforme o legalmente previsto, indicou-se já o concreto ponto para a reapreciação da prova, cujo teor está contido a partir do 02m:39 sgs. até aos 12m:59 sgs.
Repare-se que não existir qualquer pergunta ou resposta, mesmo de forma espontânea, nada acerca da posse reiterada e das suas características.
Extrai-se que dos depoimentos das testemunhas dos Autores/Recorridos são manifestamente parcos ou bastantes insuficientes para o Tribunal dar resposta positiva à questão contida no capitulo II, nos dois primeiros pontos e que se transcreve;

II – Questões a decidir:

Os Autores praticaram actos de posse conducentes á aquisição por usucapião do direito de propriedade relativo ao prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de Vila Real, inscrito na matriz predial sob os artigos (…) ?
. ( … ) adoptando os réus uma conduta turbadora desses direitos reais?
E consequentemente julgar provados os factos constantes da fundamentação - matéria de facto provada – os pontos 7, 8 e parte do 9.
Nem mesmo com “socorro” ás descrições matriciais, que apesar de reconhecer “não se mostrar abrangido pela força probatória material dos documentos autênticos para além de ser visto com cautelas, pois a narração da composição dos imóveis baseia-se nas declarações dos próprios interessados os quais podem alterar o conteúdo das descrições sem que exista uma sindicância da bondade das modificações requeridas”.
Fundamentou a decisão também com o auxilio apenas do documento matricial do rústico dos Réus , agarrando-se á área nele constante, quando os autores afirmaram na Pi. que os rústicos tem a área total de cerca de 12.000 metros quadrados cf. Artº 3. da Pi., ficando sem saber se com a área reclamada de 595 metros quadrados fica ultrapassada á área dos doze mil metros quadrados.
Desvalorizando o depoimento das testemunhas dos Recorridos no dia 07/11/2018, que contrariaram a versão dos Autores e constantes da gravação 1ª Helena (…), cujo depoimento está gravado, tem inicio pelas 10h-02m-03 ss. E terminou ás 10h:22m:45sgs, com a duração de 22m:42sgs.,sendo que para dar cumprimento ao legalmente previsto e com interesse para a reapreciação da prova o teor do depoimento a partir do 02m:50s e com o terminus aos 10m:13 sgs.
Afirma que “ o meu pai deitava pinheiros abaixo, serrava-os, rachava-os ficavam a secar e eram levados para casa, o terreno do meu pai partia até com o terreno do Senhor José … ( testemunha do Autor ) ia até aos currais ,não passava do combro para cima “ ( referindo-se aos limites do terreno dos Autores ).
Manuel (…), cujo depoimento está gravado, tem inicio pelas 10h:51m:39 sgs,e terminou ás 11h:09:37 sgs, com a duração de 17m:58 sgs,
Afirma que “ ia buscar pinheiros que secavam, roçava mato, o terreno começava … até ao Curral do Senhor Manuel “ ,com interesse indicasse a partir do 03m:28 sgs até ao minuto 15:21 sgs.
Manuel (…), cujo depoimento está gravado, tem inicio ás 10h:51m:39 sgs, e terminou ás 11h:09m:37 sgs. ,com a duração de 17m:58 sgs,com interesse indicasse a partir do minuto 03:15 sgs. até ao minuto 10:12 sgs.
Afirma que “ disse ao Pai do Chamado ( Miguel ) para impar os pinheiros por causa da vinha ( referindo-se á vinha do Senhor José (…) que é o pai do Depoente Manuel (…).
Domingos (..), cujo depoimento está registado, tendo o seu inicio ás 11h:10m:44 sgs, e terminus ás 11h:23m:32 sgs.,com a duração de 12m:48 sgs, com interesse indicasse a partir 01m:14 sgs até ao minuto 06:17sgs.
Afirma que “ cortou todos os pinheiros que o Senhor Miguel lhe vendeu, demorou dois dias e foi colocar os pinheiros junto ao cemitério de …”.
Paulo (…), cujo depoimento está registado, tendo o seu inicio ás 11h:24m:13 sgs, e o seu terminus pelas 11h:33m:49 sgs, com a duração de 9m:35 sgs, com interesse indicasse a partir do minuto 2:35 sgs até ao minuto 12:00 sgs.
Afirma que “fez a terraplanagem demorou dois a três dias ficava no terreno a máquina e que ninguém reclamou “.
Maria (…), cujo depoimento está registado, tendo o inico ás 11h:34m:26 sgs, e o seu terminus ás 12h:15 sgs.,com a duração de 12m:15 sgs, com interesse indicasse o inicio a partir do minuto 2:00 sgs até ao minuto 12:00.
Afirma que “nunca viu no terreno pessoas estranhas (referindo-se a pessoas que nada tinham a ver com o terreno), nunca houve zaragatas… “
Mário (…), cujo depoimento está registado, tendo o seu inicio ás 11h:48m:09 sgs, e o seu terminus ás 12h:05m:29 sgs, com a duração de 17m:20 sgs.com interesse indicasse o inicio do depoimento a partir do minuto 2:35 sgs até ao minuto 12:00sgs.
Afirma que “… cortou estrume, deitou pinheiro abaixo, o terreno chegava a um combro, nunca os debaixo passavam o combro (limite divisório entre as matas dos Autores e dos Chamados, nunca houve discussão por causa dos limites das matas, nunca ninguém foi lá cortar estrume (referindo-se a pessoas que não fossem donos).
Dos depoimentos das testemunhas dos Autores e dos Réus prestados em audiência de julgamento impõe-se uma decisão diversa da proferida.

Pelo que;

Os pontos 7º., 8º. e parte do 9. deveriam ter sido considerados não provados e constarem da matéria de facto não provada.
O presente recurso versa também sobre matéria de direito.
- Face aos pedidos formulados pelos Recorridos, nunca o Tribunal poderia decidir pela procedência do pedido contido na alínea b) do pedido.

Com efeito,
10º - Os AA. não pediram declaração de propriedade a seu favor, no que á parcela de terreno diz respeito.
Sem a formulação deste pedido que é obrigatório, condição “ sine qua non “ não pode o Tribunal dar procedência ao pedido formulado, condenando os RR. nos termos em que o fez “declarar que o direito de propriedade dos Autores …,relativo ao prédio rústico indicado em al. A) do pedido , abrange a parcela com a área de 595m2,identificada com cor vermelha a fls.95 v., condenado os RR…. a reconhecê-lo e a absterem-se de qualquer acto de turbação de tal direito real. “
11º - Conforme Acórdão do Tribunal da Relação o de Guimarães, proc.º 75/15.8T8TMG.G1,de 05/04/2018,” o pedido é o reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa e a restituição daquela “ .
Entenda-se coisa a parcela de terreno subjacente identificada ao longo da sentença com a área de 595m2, a fls.95v.
12º - Ao assim decidir decidiu para além do pedido,” ultra petitium “padecendo a sentença de nulidade prevista no artigo 615º., nº 1.al. e) do CPC.
13º. - O Tribunal declara os AA. proprietários, mas não indica / decide qual ou por que forma de aquisição do direito de propriedade.
Mas se foi por usucapião a mesma não pode ter ocorrido atento o depoimento das testemunhas, como retro se fez referência.
A usucapião traduz-se numa forma originária de aquisição do direito, ou seja, em que o titular recebe o seu direito independentemente do direito do anterior titular, pelo que para a mesma poder ser eficaz necessário se torna avaliar se existem actos de posse e se os mesmos foram exercidos em moldes conducentes á aquisição do direito, isto é com a intenção de corresponder ao direito real invocado, “ in casu”, o direito de propriedade, durante um certo lapso de tempo e com determinadas características.
Assim, para que a posse possa conduzir á usucapião, tem de revestir, como se disse determinadas características (as descritas no artigo 1258) º. Do Código Civil, em que se inclui a exigência de ser uma posse pacífica e que tem de ser complementada com a prática reiterada dos actos de posse, de acordo com o estatuído no artigo 1263º.al. a) do Código Civil.
Para além de que, como referem P. Lima e A. Varela,in CÓDIGO Civil Anotado,Vol.III,2ª. Edição Revista e Actualidade ( Reimpressão ) Coimbra Editora,1987,a pág.s 25 e 26, sem prática reiterada e pública dos actos de posse não existe, nem se constitui, valendo esta alínea como um complemento ou uma confirmação do conceito de posse expresso no artigo 1251.º ( do Código Civil ).
Faltando, desde logo, o requisito de a posse ser pacífica, não pode esta conduzir à usucapião.” Não é boa para usucapião”, nos termos do disposto no artigo 1297 Código Civil.
14º - No caso em apreço, não ficou provado qualquer das características da posse como actos reiterados até á atualidade, a sua duração no tempo, se foi á vista de toda a gente, publica, pacifica, isto é, sem conflitos, de boa fé etc.etc.
15º - Incorrendo erro de julgamento sobre os factos, os quais deverão ser alterados por este Tribunal Superior (artº. 640.º, n.º 1 e 662.º, nº1 do CPC. atento ao facto de a prova produzida impõe-se decisão diversa, o que se requer.
*
Os Autores ofereceram contra-alegações onde pugnam por que o recurso seja rejeitado por incumprimento dos ónus estatuídos nas alíneas a) a c), do n. º1 e do n.º2, do art. 640.º do CPC, pois que nada referiram, especificadamente, para cada facto (ponto por ponto) e, de qualquer forma, por que se mantenha incólume a Sentença, que não merece qualquer censura ou reparo.
*
Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
*
II. FUNDAMENTOS

II. 1 - OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:

- Da nulidade da sentença por ter decidido para além do pedido, ultra petitium, padecendo a sentença da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, al. e ), do CPC;
- Do incumprimento pelos apelantes dos ónus impostos para a impugnação da matéria de facto (da falta de concreta e especificada análise de cada ponto de facto considerado incorretamente julgado - pontos esses impugnados em bloco e sem análise crítica da prova);
3ª - Do alegado erro na apreciação da prova e, consequentemente, se é de alterar a decisão da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos mencionados pelos recorrentes nas conclusões da apelação;
4ª- Da modificabilidade da fundamentação jurídica.
*
II.2 - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

São os seguintes os factos considerados provados, com interesse para a decisão da causa (transcrição):

1. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (…), concelho de Vila Real, sob o artigo (…), o prédio com a seguinte descrição (cfr. art. 2.º da p.i.):
- possui a área total de 6.600 m2;
- é composto por cultura, pinhal e instalações agrícolas;
- confronta do norte com Manuel (…) do sul com José (…), do nascente com Belmira (…) e do poente com Manuel (…).
2. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (…), concelho de Vila Real, sob o artigo (…) o prédio com a seguinte descrição (cfr. art. 2.º da p.i.):
- possui a área total de 3.300 m2;
- é composto por cultura e pinhal;
- confronta do norte com Manuel (…), do sul com José (…), do nascente com Domingos (…) e poente com António (…).
3. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (…), concelho de Vila Real, sob o artigo (…) o prédio com a seguinte descrição (cfr. art. 2.º da p.i.):
- possui a área total de 2.000 m2;
- é composto por pinhal;
- confronta do norte e nascente com Belmira da (…), do sul com Salvador (…) e do poente com José (…).
4. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., concelho de Vila Real, sob o artigo 7529.º o prédio com a seguinte descrição (cfr. art. 11.º da cont.):
- possui a área total de 1.180 m2;
- é composto por pinhal;
- confronta do norte com José (…), do sul com José (…), do nascente com José (..) e do poente com Domingos (…).
5. Os autores (…) constam na matriz predial rústica como titulares do rendimento relativos aos prédios dos artigos (…) respetivamente – cfr. art. 5.º da cont.
6. O chamado consta na matriz predial rústica como titular do rendimento relativo ao prédio do artigo (…) – cfr. art. 11.º da cont.
7. Há mais de 40 anos que os autores e antepossuidores (…) de forma ininterrupta, fruem em comum e em partes iguais do prédio dos artigos (…), como um único imóvel, aproveitando a mata aí existente, roçando o mato, cortando lenhas, cultivando as terras, extraindo e fazendo os seus frutos, atuando como sendo proprietários, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e ignorando lesar direitos alheios – cfr. art.º 1.º a 8.º da p.i.
8. (…) estendendo-se tal atuação à parcela com a área de 595 m2, identificada com cor vermelha a fls. 95v – cfr. art.º 1.º a 8.º da p.i.
9. Os réus ocuparam a parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v, aí fazendo patamares e plantando oliveiras, após terem realizado uma surriba e derrubado um muro situado na estrema sul dessa parcela, para além de aí terem implantado um caminho de acesso (numa faixa de terreno com a área de 98 m2, identificada com cor amarela a fls. 95v) a um curral situado noutro imóvel a poente – cfr. art. 11.º a 17.º da p.i. e 28.º da cont.
10. Na parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v, os réus despenderam os seguintes montantes (cfr. art. 28.º da cont.):
- € 550,00, com a preparação do solo (saibramento e criação de patamares);
- € 500,00, com a plantação das oliveiras (abertura e fecho de cova, estrume, planta, calcário, estaca, e rega de aconchego).
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- Factos não provados

Não se provou que:

1. Os réus são pessoas de trato difícil e agressivo, com quem é impossível dialogar, tendo ameaçado os autores que seriam “corridos” se voltassem a pisar na parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v, o que causa receio aos autores – cfr. art. 17.º a 20.º da p.i.
2. Os autores encontram-se impedidos de aceder aos prédios dos artigos (…) – cfr. art. 22.º da p.i.
3. Os autores ficaram agastados e vivem angustiados por não poderem deslocar-se aos prédios dos artigos (…), tendo ficado com receio de aí passarem e serem agredidos pelos réus – cfr. art. 27.º a 30.º da p.i.
4. Os réus fruem das parcelas identificadas com cores vermelha e roxa a fls. 95v e 96v, respetivamente, por mera tolerância dos chamados – cfr. art. 12.º da cont.
5. (…) fruíram da parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v, aí retirando lenha e estrume – cfr. art. 15.º e 16.º da cont.
6. Após a partilha da herança de (…) , os chamados passaram a fruir da parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v, aí retirando lenha e estrume – cfr. art. 15.º da cont.
7. Em 2014 os chamados venderam os pinheiros existentes na parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v – cfr. art. 16.º da cont.
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II.3 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1ª - Da nulidade da sentença, por conhecimento ultra petitium

Invocando os apelantes a nulidade da sentença, tal questão é a que primeiro cumpre apreciar, pois que, contendendo com a validade da própria decisão, só se concluirmos pela sua validade se passa à apreciação das demais questões suscitadas, o que de outro modo fica prejudicado.

Sustentam os apelantes que a sentença padece de nulidade nos termos da al. e), do nº1, do artº 615º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, nunca podendo o tribunal decidir pela procedência do pedido contido na alínea b) do pedido, pois Os AA. não pediram a declaração de propriedade a seu favor, no que á parcela de terreno diz respeito e sem a formulação deste pedido que é obrigatório, condição “sine qua non” não pode o Tribunal dar procedência ao pedido formulado, condenando os RR. nos termos em que o fez - “declarar que o direito de propriedade dos Autores …,relativo ao prédio rústico indicado em al. A) do pedido , abrange a parcela com a área de 595m2,identificada com cor vermelha a fls.95 v., condenado os RR…. a reconhecê-lo e a absterem-se de qualquer acto de turbação de tal direito real”.

Cumpre apreciar se se verifica a invocada nulidade.

O nº1, do art.º 615º, que consagra as causas de nulidade da sentença, estabelece, na al. e), que é nula a sentença quando condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

É, assim “nula a sentença que, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância (…), não observe os limites impostos pelo art. 609-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido” (2).

As nulidades de decisão são vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito.

As nulidades da sentença são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito (3).

Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.

Há nulidade da sentença quando a sua parte dispositiva está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo juiz e não com as premissas que ele poderia ter adotado, no entender de uma das partes, mas não adotou.

Os referidos vícios respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)” (4).

Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (5).

Tais vícios não se confundem com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.

Efetivamente as causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.

Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso (6).

Analisemos o referido vício, que respeita aos limites da sentença.

O pedido é, conforme resulta do nº3, do art. 581º, o efeito jurídico que se pretende obter com a demanda.

Ora, pedem os Autores, desde logo, a condenação dos Réus a:

a) reconhecerem que os AA são proprietários em comum e partes iguais dos terrenos descritos no art.º 2º desta P.I.;
b) reconhecerem que a parcela de terreno com 595,00 metros quadrados confinante a poente, em toda a sua largura, com o terreno que os RR supostamente adquiriram a (…) é parte integrante daqueles prédios dos AA descritos no art 2.º supra;
c) desocuparem aquela parcela de terreno descrita em B), que indevida e ilegalmente ocuparam e utilizam e a entregarem-na aos AA.

O Tribunal decidiu:

a) Declarar que os autores (…) são proprietários, em partes iguais, do prédio rústico sito na freguesia de (…), concelho de Vila Real, inscrito na matriz predial sob os artigos (…) condenando-se os réus (…) e os chamados (…) a reconhecê-lo e a absterem-se de qualquer acto de turbação de tal direito real;
b) Declarar que o direito de propriedade dos autores (…) relativo ao prédio rústico indicado em a), abrange a parcela com a área de 595 m2, identificada com cor vermelha a fls. 95v, condenando-se os réus (…) e os chamados (…) a reconhecê-lo e a absterem-se de qualquer acto de turbação de tal direito real;
c) Condenar os réus (…) a restituírem aos autores (…) a parcela com a área de 595 m2, identificada com cor vermelha a fls. 95v;

Ora, não padece a sentença da apontada nulidade, não tendo havido pronúncia ultra petitum já que o pedido referido nas conclusões da apelação - de “declaração de propriedade a seu favor, no que á parcela de terreno diz respeitoestá formulado nas referidas alíneas do pedido, pois que o reconhecimento do direito de propriedade dos autores relativo ao prédio rústico indicado em a), abrange a parcela com a área de 595 m2 e a condenação dos Réus a reconhecê-lo tem implícita a declaração.

Vejamos.

A ação de reivindicação constitui uma ação declarativa de condenação sujeita a um regime especial previsto nos artigos 1311º e seguintes do Código Civil, diploma de onde serão todos os preceitos a citar sem a indicação de origem. É uma ação petitória, a que, adjetivamente, não corresponde qualquer forma de processo especial, caindo, assim, na forma comum.

Consagra o nº1, do referido artigo, que O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.

São, assim, dois os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condemnatio), por outro. Só através destas duas finalidades, previstas no n º 1, se preenche o esquema da acção de reivindicação (quanto à primeira finalidade, tem-se entendido que, se o reivindicante se limita a pedir a restituição da coisa, não formulando expressamente o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade, deve este pedido considerar-se implícito naquele (…). Nada impede, no entanto, que, ao abrigo das regras válidas no domínio do direito processual civil (….), o autor da reivindicação junte aos dois pedidos referidos no artigo 1311º um pedido de indemnização (vg., dos danos causados na coisa pelo demandado ou do valor do uso que este dela fez): vide Antunes Varela, na Rev. de Leg. e Jur., anos 115º, pág. 272, nota 2, e 116º, pág. 16, nota 2 (7).

Deste modo, a ação de reivindicação, que tem como finalidade afirmar o direito de propriedade e fazer cessar as situações ou atos que o violem, tem um objetivo inicial - a declaração de existência do direito e, subsequentemente, visa realizar o direito declarado, com a condenação na restituição da coisa.

Na sua estrutura identificam-se dois elementos: o pedido de reconhecimento do direito e o pedido de restituição da coisa objeto desse direito. Processualmente, entendemos que não terá, necessariamente, de existir uma cumulação de pedidos, antes a demonstração da titularidade será havida como integrante da causa de pedir na ação, fundamentando o pedido de condenação na restituição. (8)

A ação de reivindicação tem como causa de pedir o ato ou facto jurídico concreto que gerou o direito de propriedade (ou outro direito real – cf. art. 1315º) na esfera jurídica do peticionante e, ainda, os factos demonstrativos da violação desse direito. O reivindicante tem de alegar e provar que é proprietário da coisa, e que esta se encontra em poder do réu, a si cabendo, pois, o ónus de alegação e o da prova.

Por sua vez, ao réu, detentor da coisa e caso pretenda evitar a restituição, cabe, em sua defesa, o ónus de alegar e provar o facto jurídico em que assenta a sua detenção legítima (cfr. art. 342º, do Código Civil, que estabelece as regras do ónus da prova, sendo que àquele que invoca um direito cabe fazer a prova do direito alegado e àquele contra quem a invocação é feita cabe a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito). Assim, apesar de o Autor da reivindicação demonstrar o seu direito, pode não lograr obter a restituição da coisa se o Réu invocar na contestação (em defesa por exceção ou mediante reconvenção) e demonstrar que dispõe de título que legitime a sua detenção, conforme dispõe o nº2, do art. 1311º.

Podendo, nos termos do nº1, do referido artigo, o proprietário exigir de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence, Só tem legitimidade activa para recorrer à reivindicação quem seja titular de um direito real que atribua a posse da coisa, mas não tenha a posse. Por sua vez, tem legitimidade passiva para a acção de reivindicação quem seja possuidor ou detentor da coisa, mas não seja titular do correspondente direito real. (9)

Assim, pedindo, até, os Autores o reconhecimento do direito de propriedade, tal pedido tem implícita a declaração do mesmo, em nada se condenando, ao declará-lo, ultra petitum, antes se englobando a decisão no pedido formulado.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo violação de qualquer normativo invocado pelos apelantes, não padecendo do apontado vício, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
*
2ª - Dos ónus impostos para a impugnação decisão da matéria de facto

Quanto a esta questão, como vimos decidindo em casos similares (apresentando-se transcrita nas contra alegações posição por nós assumida), a fim de fixar definitivamente a matéria de facto e de analisar da modificabilidade da fundamentação jurídica, antes de mais, cumpre decidir se os apelantes impugnantes observaram os ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, e que vêm enunciados nos arts 639º e 640º, os quais constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação e decidi-la.

O nº1, do art. 639º, consagrando o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal.

E o art. 640º, consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no nº1, que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (negrito nosso).

O n.º 2, do referido artigo, acrescenta que:

a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (negrito nosso).

Como resulta do referido preceito, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; (negrito nosso)
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente; (10).

Com a reforma introduzida ao Código de Processo Civil pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador consagrou o registo da audiência de discussão e julgamento, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto. O tribunal de segunda instância passou a fazer um novo julgamento da matéria impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta do estatuído no art. 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento supervenientes impuserem decisão diversa.

Comparando o anterior regime com o atual (cfr. o art. 712º, do anterior CPC, com o art. 662º do atual), verificamos que a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era excecional, passou a ser função normal do Tribunal da Relação, elevado a verdadeiro Tribunal de substituição, verificados os referidos requisitos legais. Conferiu-se, assim, às partes um duplo grau de jurisdição, por forma a poderem reagir contra eventuais e hipotéticos erros de julgamento, com vista a alcançar uma maior certeza e segurança jurídicas e a, desse modo, obter decisões mais justas, alcançando-se, assim, uma maior equidade e paz social, sempre buscadas pelo Estado, verdadeiro interessado na realização da justiça.

O duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil” (11).

Tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo nessa tarefa considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).

Contudo, o legislador, ao impor ao recorrente o cumprimento das referidas regras, visou afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente. (12)

Não se consagra a possibilidade de repetição do julgamento e de reapreciação de todos os pontos de facto, mas, apenas e só, a reapreciação pelo tribunal superior e, consequente, formação da sua própria convicção (à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) quanto a concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido. A possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância das citadas regras. O Tribunal da Relação, sendo de 2ª instância, continua a ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (13), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.

Em suma, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes, esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) vem reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente (…) por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (14).

É entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme que, nas conclusões das alegações, que têm como finalidade delimitar o objeto do recurso (cf. nº4, do art. 635º, do CPC) e fixar as questões a conhecer pelo tribunal ad quem, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso, como a lei adjetiva comina no nº1, do art. 640º.

Não obstante o NCPC proceder, como vimos, ao alargamento e reforço dos poderes da Relação no domínio da reapreciação da matéria de facto, deve ser rejeitado o recurso, no atinente a tal ponto, quando o recorrente não cumpra os ónus impostos pelos nº1 e 2, a), do art. 640º (15). E impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra:

a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a);
c) falta de especificação (que pode constar apenas na motivação), dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) falta de indicação exata, (que pode constar apenas na motivação), das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, (que pode constar apenas na motivação), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” (16).

Os critérios têm sido aplicados pelo Supremo Tribunal de Justiça, conforme resulta dos acórdãos proferidos em 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; em 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; em 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, em 12/5/2016: Processo 324/10.9TTALM.L1:S1; em 31/5/2016: Processo 1184/10,5TTMTS.P1:S1, todos in dgsi.net.

Este Tribunal Superior tem vindo a distinguir, quanto aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, entre:

- ónus primário ou fundamental, que se reportam ao mérito da pretensão;
- ónus secundários, que respeitam a requisitos formais.

Quanto aos requisitos primários, onde inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados e falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, requisitos estes sobre que versa o n.º 1 do art. 640º, do CPC, a jurisprudência tem considerado que aquele critério é de aplicar de forma rigorosa, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de algum desses ónus por parte do recorrente se impõe rejeitar o recurso – cfr. Acs. do STJ de 27/10/2016, Processo 110/08.6TTGM.P2.S1 e Processo 3176/11.8TBBCL.G1.S1, in dgsi.net.

Assim, e como se decidiu no Ac. do STJ proferido em 3/5/2016, Processo 17482/13: Sumários, Maio/2016, p 2 “O apelante pretendendo que o Tribunal da Relação reaprecie o julgamento da matéria de facto, para dar cabal cumprimento ao preceituado na al. c) do nº1, do art. 640º, do NCPC (2013), deve ser claro e inequívoco, afirmando que os pontos da matéria de facto impugnados deveriam ter as respostas que segundo a sua apreciação deveriam ter tido, indicando-as, de harmonia com as provas que indicou. II. Tal ónus não se satisfaz expressando o recorrente meras apreciações discordantes do julgamento e juízos de valor críticos, referidos aos depoimentos das testemunhas indicadas. III. A mera indicação de que certos pontos da matéria de facto, que são indicados, não deveriam ter tido as respostas que tiveram, sem se dizer quais as respostas que numa correta apreciação deviam merecer, não cumpre aquele ónus”.

A delimitação tem de ser concreta e específica e o recorrente têm de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em que fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos e em bloco por referência a “factos provados” ou “factos não provados”.

Analisado as conclusões das alegações dos Apelantes, entendemos que os Recorrentes não indicam, especificadamente, os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; não indicam especificadamente o que conduziria à alteração de cada concreto ponto impugnado, generalizando a indicação que fazem a todos os factos que impugnam, nem efetuam análise critica das provas, faltando, assim, o cumprimento da al. b), donº1, do art. 640º quanto a todos os pontos impugnados.

Na verdade, e após o que referem no corpo das alegações, formulam os Réus as conclusões supra referidas, que como se referiu, delimitam o objeto do seu recurso. E, efetivamente, verifica-se que os recorrentes não indicam especificadamente os meios probatórios que determinariam decisão diversa da tomada em Primeira Instância para cada um dos factos, que impugnam em bloco, meramente generalizando provas e sem análise crítica das mesmas, em si e no confronto com a decisão.

Ora, como vimos, o referido não basta para que se possa considerar cumprido aquele ónus, o que obsta ao conhecimento do objeto de recurso, pois que nesta Segunda Instância não se realiza novo julgamento sendo, tão só, de reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados para apurar da existência de erro de julgamento. A falta de indicação por parte dos apelantes dos elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada ponto, nos termos por eles propugnados, tem, como consequência, a imediata rejeição do recurso, na parte respeitante aos pontos da matéria de facto relativamente aos quais se verifica a omissão.

Acresce, ainda, que os Recorrentes não fizeram, também, qualquer apreciação crítica dos meios de prova produzidos, quanto a cada concreto facto, a justificar o erro de julgamento que invocam, em termos genéricos, tendo de o fazer, pois que só assim cumpririam a exigência de obrigatória especificação imposta pelo nº1, do art. 640º.

E, como se decidiu no Ac. da Relação de Lisboa de 13/3/2014, Processo 569/12.dgsi.net “I. Ao impugnar a decisão de facto, à luz do NCPC, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, expressar o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica, de que não poderá demitir-se, dos meios de prova produzidos/invocados – exigência nova de reforço do ónus de alegação e conclusão, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente – sob pena de rejeição da impugnação, por insuficiência ou obscuridade, na parte não fundamentada em exame crítico das provas. II. Tais exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, em decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão de facto se transforme em simples manifestação de inconsequente inconformismo (17).

No mesmo sentido se orienta toda a jurisprudência – v., designadamente Ac. da Relação de Guimarães de 3/3/2016, Processo 283/08 e de 4/2/2016:Processo 283/08.8TBCHV.A.G1, ambos in dgsi.net – onde se refere que “Tal como se impõe, por mor do preceituado no nº4, do art. 607º, do CPC, que o tribunal de 1ª instância faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas) também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundamentar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.

Não cumpre o ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto a que se refere a al. b), do nº1, do art. 640º, do NCPC, o recorrente que se limita a transcrever uma parte … do depoimento, aí partindo para a formulação da sua pretensão de modificação de diversos pontos da matéria de facto que indicou em bloco”.

Deste modo, impugnada a matéria de facto pelos Apelantes, verifica-se que não foram cumpridos todos os ónus impostos pelo nº1 e al. a), do 2, do artº 640º, estando em falta o cumprimento do aludido na al. b), do nº1.

E vigorando no processo civil o princípio da autorresponsabilidade das partes, cabia aos recorrentes especificar, nas alegações e nas conclusões de recurso os pontos que pretendia ver abordados (18), especificadamente, indicando as razões do erro do Tribunal relativamente a cada um deles.

No seguimento do que acima se deixou dito, perante a omissão pelos recorrentes do integral cumprimento dos ónus estatuídos no art. 640º - pois que, apesar de darem cumprimento ao ónus previsto na al. a) (cfr. conclusão 2ª) e ao ónus previsto na al. c) (cfr. conclusão 8ª), nada referiram, especificadamente, para cada concreto facto quanto “aos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, como o impõe a al. b), do nº1, do artigo 640º -, seria de rejeitar o recurso da matéria de facto interposto pelos Réus Apelantes.

São, porém, apenas três os pontos de fato impugnados em bloco, que constam das conlusões da apelação – 7, 8 e parte do 9, dos factos provados, reportando-se, eles, essencialmente a um mesmo contexto, a mesma situação fáctica de posse e sua violação. Os pontos 7, 8 e 9 dos factos provados têm a seguinte redação:

7. Há mais de 40 anos que os autores e antepossuidores António … e Maria A., de forma ininterrupta, fruem em comum e em partes iguais do prédio dos artigos 7496.º, 7497.º e 7499.º, como um único imóvel, aproveitando a mata aí existente, roçando o mato, cortando lenhas, cultivando as terras, extraindo e fazendo os seus frutos, atuando como sendo proprietários, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e ignorando lesar direitos alheios
8. (…) estendendo-se tal atuação à parcela com a área de 595 m2, identificada com cor vermelha a fls. 95v.
9. Os réus ocuparam a parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v, aí fazendo patamares e plantando oliveiras, após terem realizado uma surriba e derrubado um muro situado na estrema sul dessa parcela, para além de aí terem implantado um caminho de acesso (numa faixa de terreno com a área de 98 m2, identificada com cor amarela a fls. 95v) a um curral situado noutro imóvel a poente.

Ora, abarcando a impugnação feita em bloco restritos pontos de facto encadeados entre si por elos de ligação suscetíveis de traduzir continuidade e de justificar as mesmas concretas provas, por se reportar a uma mesma situação observável, razões de proporcionalidade aconselham a não aplicar esta gravosa cominação, que se poderia mostrar desproporcional ou excessiva, por impor demasiada exigência de rigor, com a inerente autorresponsabilização da parte.

Justifica-se, assim, apreciar a impugnação da matéria de facto que, no fundo, se reporta a concretos atos que veem sendo exercidos sobre os prédios, e, designadamente, sobre a parcela de terreno em causa nos autos, que, embora factos distintos, estão interligados e se reportam a uma mesma situação de posse e de violação do direito alegado.

Destarte, e pese embora a não cabal observância do disposto na al. b), do nº1, do art. 640º, observados que se mostram os restantes ónus consagrados no referido artigo (no nº1 e no nº 2, a)), por razões de proporcionalidade e de moderação não se rejeita o recurso, indeferindo-se, assim, o solicitado pelos Apelados, na resposta às alegações.
*
3ª - Do erro na apreciação da prova

Considerando-se estar este tribunal habilitado ao conhecimento do objeto de recurso, cabe observar que se não vai realizar novo julgamento nesta 2ª Instância, mas tão só reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados, como a lei impõe.

O art. 662º, nº1, ao estabelecer que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, que vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto.

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve, pois, conter-se dentro dos seguintes parâmetros:

a)- o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b)- sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c)- nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).

Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade.

Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.

A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (19) (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem.

Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (20). A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4).

O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis (21)

E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada).

Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.

Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados (22), devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.

Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.

Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação dos depoimentos.

Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.

E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova.

Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie, como é o caso, em elementos de características subjetivas – como a prova testemunhal -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância.

Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação.
*
Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, vejamos se assiste razão aos Apelantes, nesta parte do recurso que tem por objeto a impugnação da matéria de facto nos termos por eles pretendidos.

Concluem os apelantes que a sentença proferida nos autos julgou incorretamente os seguintes itens: factos dados como provados nºs 7, 8 e parte do 9, que devem ser considerados não provados, sendo que o objeto do recurso abarca apenas tais factos pois que, como vimos, o mesmo está delimitado pelas conclusões da apelação.

Consideram os Recorrentes, nas suas conclusões da apelação, que foram incorretamente julgados provados:

- os factos constantes dos pontos 7 e 8 da matéria de facto provada, agrupados: “Há mais de quarenta anos que os autores e antepossuidores (…) ,de forma ininterrupta, fruem em comum e em partes iguais do prédio dos artigos (…) como único imóvel, aproveitando a mata ali existente, roçando o mato, cortando lenhas, cultivando as terras, extraindo e fazendo os seus frutos, actuando como sendo proprietários, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e ignorando lesar direitos alheios”, “estendendo-se tal actuação à parcela com a área de 595m2, identificada com cor vermelha a fls.95 v.”,
- os factos constantes do ponto 9 da matéria de facto provada, na parte: “os Réus ocuparam a parcela identificada com cor vermelha a fls.95v. … e derrubado um muro situado na estrema sul da parcela”.

Afirmam “não podemos concordar que dos meios de prova indicados pelo Tribunal “a quo” fossem suficientes para dar como provados os pontos 7, 8 e a parte indicada do 9”(negrito e sublinhado nosso).

Após análise da posição das partes assumida nos articulados e de toda a prova produzida e visto o despacho que fundamentou a decisão da matéria de facto, ficou-nos a convicção, como supra referido, de que, in casu, não existe qualquer erro de julgamento.

Vejamos.

Motivou o tribunal a quo a decisão da matéria de facto referindo ter assentado a sua convicção nos seguintes meios de prova:

No que respeita aos factos provados n.ºs 7 a 10 e aos factos não provados n.ºs 1 a 7, tiveram-se em apreço os depoimentos das testemunhas (…) (residente em ..., com … anos de idade, possuindo um imóvel próximo do local do litígio), (…) (residente em ..., com … anos de idade, possuindo um imóvel próximo do local do litígio), (…) (residente em ..., com … anos de idade, possuindo um imóvel próximo do local do litígio), (…) (residente em ..., com … anos de idade), (…) (residente em ..., com … anos de idade), (…) (residente em ..., com … anos de idade, tendo possuído um imóvel próximo do local do litígio), (…) (residente em ..., com … anos de idade), (…) (residente em ..., com … anos de idade, sendo irmã do chamado e filha de José …), (…) (residente em ..., com … anos de idade, casado com a testemunha …), (…) (natural de ..., com … anos de idade, filho da testemunha (…) ), (…) (madeireiro, cortou madeira por conta do chamado), (…) (manobrador de máquinas, tendo efectuado os trabalhos de surriba por conta dos réus), (…) (residente em ..., com … anos de idade, sendo irmã da ré) e (…) (natural de ..., com … anos de idade, sendo irmão de José …), conjugados com a inspecção judicial ao local do litígio, o relatório pericial de fls. 92v-98v, as certidões matriciais relativas aos artigos 7499.º (fls. 26), 7496.º (fls. 27), 7497.º (fls. 28) e 7529.º (fls. 51), o levantamento topográfico de fls. 29, o croqui de fls. 48 e a fotografia de fls. 51v.

Assim, as testemunhas (…) salientaram que a parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v, integrava um prédio composto por mata que se desenvolvia no sentido descendente, que fora fruído pelos pais dos autores (…), aí cortando pinheiros e roçando o mato, passando a ser estes a assegurar tal fruição, com o decesso daqueles.

Por sua vez, a testemunha (…) manifestou que roçou o mato por duas vezes na parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v, por conta dos pais dos autores (…) enquanto as testemunhas (…) transmitiram que na infância conduziram cabras que pastavam nessa parcela, a qual lhes foi explicado pertencer aos progenitores dos autores (…).

Em contraponto, as testemunhas (…) asseveraram que as parcelas identificadas com cores vermelha e roxa a fls. 95v e fls. 96v, respectivamente, foram fruídas por (…) e pela esposa (…) (situando-se a jusante de uma vala adjacente à primeira dessas parcelas o prédio fruído pelos pais dos autores (…)), aí cortando pinheiros e roçando o mato, sucedendo-lhes o chamado (mediante partilha da herança aberta por óbito de (…)), tendo este vendido a totalidade dos pinheiros existentes nesses tratos de terreno, antes de vender esses imóveis aos réus, após o que estes últimos realizaram a surriba do terreno e plantaram oliveiras.

Por seu turno, a testemunha (…) salientou que os réus fizeram incidir a surriba do terreno e a plantação de oliveiras nas parcelas que o chamado atestou pertencer-lhe quando fez o negócio com os réus, enquanto a testemunha (…) referiu que falou com (…) para proceder à limpeza da mata existente na parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v, por a testemunha (…) lhe ter dito que seria tal interlocutor o proprietário do imóvel.

No que respeita à testemunha (…), este interveniente apresentou um depoimento confuso e vago, condicionado pelas suas consideráveis dificuldades de audição, não sendo muito compreensível a sua posição quanto à fruição da parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v.

Por sua vez, a testemunha (…) reportou que o chamado lhe indicou que poderia cortar os pinheiros na parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v, enquanto a testemunha (…) referiu que realizou a surriba nas parcelas identificadas com cores vermelha e roxa a fls. 95v e fls. 96v, respectivamente, tendo sido os réus quem contratou os seus serviços.

Verifica-se, assim, que inexiste controvérsia quanto a terem sido os réus quem promoveu nas parcelas identificadas com cores vermelha e roxa a fls. 95v e fls. 96v (cuja adição corresponde à parcela identificada com cor laranja a fls. 96) a realização de uma surriba e a plantação de oliveiras, sendo que o relatório pericial permite apreender não apenas as áreas de tais parcelas, mas também a mensuração das oliveiras plantadas, a efectivação dessa surriba de forma homogénea pelas duas parcelas, a realização de patamares e a existência de uma faixa de terreno susceptível de constituir um caminho para um curral situado a poente noutro imóvel, conforme também pude percepcionar na inspecção judicial.

Todavia, o laudo pericial evidencia que a parcela identificada com cor roxa a fls. 96v, que os autores não colocaram em crise, apresenta uma área de 1.172 m2, ou seja, uma área próxima daquela que consta na descrição matricial do prédio do artigo 7529.º (1.180 m2).

Em paralelo, se atendermos à parcela identificada com cor laranja a fls. 96, bem como ao croqui de fls. 48, verificamos que os réus propugnam que o prédio que teria sido fruído pelos pais dos autores (…), se situa a norte, indo tal versão de encontro à narrativa trazida pelas testemunhas (…). Ora, perspectivando a descrição matricial, verificamos que aí consta que o prédio do artigo … confronta do Norte com a testemunha (…) e do poente com o autor (…), o que é compaginável com a localização relativa da parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v, face à parcela identificada com cor roxa a fls. 96v.

Deste modo, apesar do conteúdo das descrições matriciais não se mostrar abrangido pela força probatória material dos documentos autênticos, para além de dever ser visto com cautelas, pois a narração da composição dos imóveis baseia-se nas declarações dos próprios interessados, os quais podem alterar o conteúdo das descrições sem que exista uma sindicância da bondade das modificações requeridas, não podemos deixar de concluir que a descrição matricial do prédio do artigo … (inscrito na matriz em 1988) indicia a infirmação da versão dos réus.

Quanto aos artigos (…) apesar de estes constituírem três imóveis distintos perante a Administração Tributária, não se afigura que tal constitua óbice a que se reconheça que são fruídos como um único imóvel, não apenas porque o que releva é a noção civilística de prédio que nos é dada pela primeira parte do n.º 2 do artigo 204.º do Código Civil (“entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica”), mas também porque de acordo com o preceituado no artigo 12.º, n.º 5, do C.I.M.I., “as inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade”, pelo que não apresenta relevo que se encontrem associados a três titulares de rendimento distintos.

Adicionalmente tive oportunidade de verificar na inspecção judicial que a jusante do patamar implantado a uma cota mais baixa nas parcelas identificadas com cores vermelha e roxa a fls. 95v e fls. 96v é descortinável uma pequena vala, mas não se me afigura que deva ser atribuído a esse elemento físico especial relevo, pois essa vala pode ter resultado da realização da surriba na parcela situada a uma cota superior, uma vez que tal intervenção implica, pela sua natureza, uma movimentação considerável de terras e acarreta necessariamente uma alteração da orografia do terreno (23).

De igual modo, a subsistência de um pinheiro de consideráveis dimensões na confinância com o patamar implantado a uma cota mais baixa nas parcelas identificadas com cores vermelha e roxa a fls. 95v e fls. 96v, não se me afigura muito significativa, pois verifica-se que esse último patamar se encontra sensivelmente alinhado, situando-se o dito pinheiro já para além de tal alinhamento.

Há também que salientar que existem diversas pedras acumuladas na divisória sul da parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v (consoante pude verificar na inspecção judicial e é perceptível na fotografia 5.4 de fls. 98), as quais são semelhantes às utilizadas em muitos muros de pedra sobre pedra erigidos nesta região, para além do terreno mais a sul (da testemunha …) se situar a uma cota mais elevada (como é patente na fotografia 5.4 de fls. 98) e no passado ter tido vinha (conforme convergiram as testemunhas(…) ), pelo que seria muito útil a existência de um muro de suporte de terras, para evitar a erosão do solo, contendo-o, o que confere credibilidade à propalada existência de um muro destruído com a surriba (como veementemente salientou a testemunha (…) , aí centrando o seu depoimento).

Por outro lado, as testemunhas (..) revelaram serenidade e equidistância nos respectivos relatos, em contraponto com o considerável envolvimento e comprometimento para com a posição dos réus que patentearam as testemunhas (…) Para além disso, cumpre ter presente que as testemunhas(…) , referiram que os réus adquiriram aos chamados as parcelas identificadas com cores vermelha e roxa a fls. 95v e fls. 96v, o que justificaria a fruição pelos réus desses tratos de terreno (realizando intervenções significativas como fazer surribas e plantando oliveiras), mas estes veicularam uma posição distinta na contestação, pois limitaram-se a invocar que gozavam daquelas faixas de terreno por mera tolerância dos chamados, o que não pode deixar de levantar algumas reservas quanto à valência probatória dos depoimentos das testemunhas (…) pois a sua narrativa assenta num pressuposto que os próprios réus colocam em crise.

De igual modo, cabe salientar que as testemunhas (…) circunscreveram o seu relato a um momento recente, não revelando conhecimento da fruição dos imóveis no passado.

Não se pode ainda ignorar que a testemunha (…) revelou grandes dificuldades quanto foi instado a situar a sua actuação no tempo ou a concretizar o número e as características das árvores cortadas, o que inviabiliza o escrutínio da sua narrativa, quando é certo que nenhum outro interveniente logrou concretizar o número de árvores que existiam na parcela identificada na cor vermelha a fls. 95, ou quando é que estas teriam sido cortadas.

Finalmente, constata-se que o relatório pericial permitiu a mensuração dos custos com a realização de uma surriba na parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v e a plantação de quarenta oliveiras nesse trato de terreno, sem que tais conclusões tenham sido infirmadas pelo restante acervo probatório carreado para os autos.

Nesta decorrência, sopesando todos estes meios de prova, que não são postos em crise pelos restantes elementos probatórios trazidos ao processo, e tendo presente o critério plasmado no artigo 414.º do C.P.C., concluiu-se pela verificação da materialidade descrita nos factos provados n.ºs 7 a 10 e pela não ocorrência da factualidade vertida nos factos não provados n.ºs 4 a 7”.

Ora, o certo é que a referida matéria de facto impugnada na apelação se encontra, como bem decidiu o Tribunal a quo, provada. Na verdade, cada elemento de prova de livre apreciação, designadamente depoimentos de testemunhas, não podem ser considerados de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada, e com base nas regras de experiência comum, não pode este Tribunal, com segurança, divergir do juízo probatório efetuado pelo Tribunal a quo.

Os factos dados como provados nos pontos 7, 8 e referida parte do 9, bem foram considerados provados, não indicando os Apelantes, sequer, qualquer fundamento de divergência em relação à parte impugnada do 9º (ocupação da parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v e derrube do muro situado na estrema sul da mesma).

Na verdade, fundam os apelantes a impugnação de tais factos na prova gravada dizendo: - que foram considerados os depoimentos das testemunhas dos Autores(…) , “manifestamente parcos ou bastantes insuficientes para o Tribunal dar resposta positiva à questão contida no capitulo II, nos dois primeiros pontos e que se transcreve;

II – Questões a decidir:

Os Autores praticaram actos de posse conducentes á aquisição por usucapião do direito de propriedade relativo ao prédio rústico sito na freguesia de (…) concelho de Vila Real, inscrito na matriz predial sob os artigos (…)?
. ( … ) adoptando os réus uma conduta turbadora desses direitos reais?
e consequentemente julgar provados os factos constantes da fundamentação - matéria de facto provada – os pontos 7, 8 e parte do 9”. (…)”,
- e que foram desvalorizados os depoimentos das testemunhas suas testemunhas (…) devendo os pontos 7º., 8º. e parte do 9. ter sido considerados não provados e constarem da matéria de facto não provada.

Bem decidiu o Tribunal a quo. Na verdade, para além da prova pericial e da documental junta aos autos, foi, desde logo, de grande relevância para a formação da convicção do Tribunal a quo a inspeção judicial efetuada ao local (cfr. fls 113). Acresce que, ouvida toda a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento constata-se o acerto da decisão.

Relevantes foram os depoimentos quer das testemunhas dos Autores quer das dos próprios Réus, como bem decidiu o Tribunal a quo, sendo que os depoimentos daquelas se mostraram credíveis, convincentes e seguros, desde logo, por esclarecidos, pois que profundo contacto, e de há longa data, têm com o local onde se situam os prédios, sendo isentos, pois que nenhum interesse têm na solução do litígio favorável aos Autores e nenhum relacionamento familiar têm com estes. Com efeito, (…) os três primeiros donos de imóveis situados próximos do local do litígio, há várias décadas, e o último que, também, já o foi, (…) , que roçou mato nos prédios aqui em causa quando ainda era solteiro e os pais do Autor Domingos e irmãs, Autoras, ainda vivos e que lá voltou outra vez, já depois de casado, e cuja filha tem uma horta próxima do local em questão e (…) e (…), estes que, em crianças e jovens, andaram a apascentar gado pelas matas da região e que mostraram conhecer bem as matas e os terrenos de cultivo aqui em causa, as quais bem sabiam que os imóveis dos Autores iam até à parede do Sr. (…), cujos vestígios foram, ainda, observados na inspeção ao local (cf. ata da audiência de julgamento, fls 113, verso) referindo esta última, de modo esclarecido, credível e isento que os prédios dos Autores são de mata, em cima, e de culturas, lá para baixo. Foram referindo todas estas testemunhas - moradores, de longa data, na região, vizinhos e conhecedores dos atos que, à vista de toda a gente, foram sendo praticados nos prédios referidos na petição inicial, pelos Autores e referidos pais, desde há mais de 40 anos, sem interrupção, que se prolongaram até ao presente - o que era praticado nos prédios e a atuação do Réu, violadora do direito de propriedade dos Autores.

Na verdade, todas as testemunhas dos Autores sabiam que nos prédios aqui referidos estavam plantados pinheiros, que era cortada lenha e roçado mato. E todas estas testemunhas revelaram conhecer bem o local, desde crianças, tendo já, todos eles, idades superiores a 60 anos e bem sabendo os atos de posse que, nos prédios em causa, vêm a ser praticados, ininterruptamente, até ao presente, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, há já várias décadas, desde o tempo em que os pais do Autor Domingos e irmãs, Autoras, seus donos, eram vivos e até ao presente. Refira-se, até, a indignação da primeira testemunha inquirida, (…) , que, já com 85 anos de idade e tio da própria Ré, bem descreveu a atuação do seu “sobrinho” Réu, referindo que ele rebentou tudo, partiu tudo, meteu a máquina por onde quis e entrou no que era dos outros, dos Autores e inclusive no que lhe pertence a ele próprio.

Das testemunhas dos Apelados verifica-se que (…) é irmã do chamado, filha de (…), e (…) marido dessa mesma testemunha, (…) é primo da Ré, (…) é irmã da Ré e (…) é tio do chamado, irmão de (…), sendo que as restantes, (…) (madeireiro que cortou madeira no prédio, que lhe foi vendida pelo chamado, (…) tendo sido este a marcar as árvores a cortar) e (…) (manobrador de máquinas, que efetuou os trabalhos de terraplanagem, referidos nos autos, a solicitação dos RR, tendo sido o Réu que lhe disse o que queria que fizesse), nada sabiam e atos de posse que viessem a ser praticados nos terrenos em causa.

Do depoimento conjugado de todas as testemunhas dos Autores e conjugado, ainda, com a inspeção judicial ao local efetuada em audiência de julgamento (como podemos ver da ata da audiência de julgamento), da qual se extraem elementos que auxiliam na formação da convicção, pois que fornece dados objetivos que melhor permitem ponderar a prova de características subjetivas, resultou que Há mais de 40 anos que os autores e antepossuidores (…) de forma ininterrupta, fruem em comum e em partes iguais do prédio dos artigos (…) , como um único imóvel, aproveitando a mata aí existente, roçando o mato, cortando lenhas, cultivando as terras, extraindo e fazendo os seus frutos, atuando como sendo proprietários, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e ignorando lesar direitos alheios, estendendo-se tal atuação à parcela com a área de 595 m2, identificada com cor vermelha a fls. 95v., que os Réus veem ocupando. E mais resultou provado por tais meios de prova, que os Réus ocuparam a parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v, derrubado um muro situado na estrema sul da parcela.

O Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada quando considerou a factualidade como provada, nada revelando as testemunhas familiares da parte passiva saber, com rigor, de tais factos, sequer falarem a verdade quanto a eles, e as outras duas testemunhas supra referidas, que trabalharam no local, nada sabiam, tendo-se limitado a fazer o que lhes foi solicitado pela parte passiva (uma - o manobrador da máquina - pelo Réu, outra – o madeireiro - pelo chamado).

Assim, tendo-se procedido a nova análise dos articulados e da prova, e ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra.

Na verdade, e não obstante as críticas que são dirigidas pelos Recorrentes, que meramente invocam, sem qualquer fundamento real, não ser a prova produzida em seu entender suficiente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.

Ao invés, a convicção do julgador tem, a nosso ver, apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade provada e não provada, tal como decidido pelo tribunal recorrido, que de modo elevado e cuidadoso conduziu a audiência de julgamento.

Não resultando os pretensos erros de julgamento, tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.
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3ª- Da modificabilidade da fundamentação jurídica.

Considerou o Tribunal a quo que relativamente à “usucapião (artigo 1287.º do Código Civil), a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação, desde que se trate de uma posse pública e pacífica (artigo 1296.º do Código Civil).

Quando se trate de bens imóveis, o período de tempo exigido para a usucapião varia consoante haja justo título de aquisição e registo deste, ou tenha existido registo da mera posse, ou a posse seja de boa fé – cfr. artigos 1294.º a 1296.º do Código Civil.

Como primeiro pressuposto de aquisição do direito por via da usucapião, exige-se que o beneficiário seja possuidor.

A posse constitui o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, ou seja, corresponde ao exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real – cfr. artigo 1251.º do Código Civil.

Independentemente de se indagar se o legislador português perfilhou a teoria subjectivista ou objectivista da posse, não existem dúvidas, atento o disposto no artigo 1253.º do Código Civil, que se mostra exigível, não só que o detentor obtenha o poder de facto sobre a coisa, mas também que haja da sua parte a intenção de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa, ou seja, que se verifiquem os denominados “corpus” e “animus” da posse.

Posto isto, ficou evidenciado que há mais de 40 anos que os autores e antepossuidores (…) de forma ininterrupta, fruem em comum e em partes iguais do prédio dos artigos (…) como um único imóvel, aproveitando a mata aí existente, roçando o mato, cortando lenhas, cultivando as terras, extraindo e fazendo os seus frutos, o que evidencia a prática dos actos materiais que integram o “corpus” possessório, o que, por força do disposto no artigo 1252.º, n.º 2, do Código Civil, faz presumir o seu “animus possidendi” enquanto proprietários1213, sem que tenha sido ilidida tal presunção (cfr. artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil), pelo que se mostra evidenciada a posse dos autores (cfr. artigo 1252.º, n.º 2, do Código Civil), sendo que esta se revela ainda pública e pacífica, perante a materialidade vertida no facto provado n.º 7 (cfr. artigos 1261.º, n.º 1 e 1262.º, do Código Civil).

Quanto ao prazo exigível para a aquisição do direito de propriedade este situa-se nos 15 (quinze) anos (cfr. artigo 1296.º do Código Civil), pois a posse, apesar de não titulada (cfr. artigos 1259.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil), é de boa fé, face à factualidade supra indicada (cfr. artigo 1260.º, n.º 1 e 2, do Código Civil), o que não constitui obstáculo, pois ficou provado o exercício da posse, de forma contínua, por um período superior a quarenta anos.

Nesta conformidade, verifica-se que se mostram preenchidos todos os pressupostos para ser reconhecida a aquisição por banda dos autores do direito de propriedade relativo ao prédio rústico sito na freguesia de (..), concelho de Vila Real, correspondente aos artigos (…) da matriz predial rústica daquela freguesia, por via da usucapião, presumindo-se em partes iguais o respectivo direito de propriedade (cfr. artigo 1403.º, n.º 2, do Código Civil)”.

E decidiu o Tribunal a quo que a referida atuação dos autores se estende à parcela sob litígio (cfr. factos provados n.ºs 7 e 8), pelo que, por identidade de razão se deve concluir pela dominialidade dos autores quanto a tal trato de terreno, por estarem verificados os pressupostos da aquisição do direito real, por via da usucapião, isto é, que os autores adquiriram, por via originária, o direito de propriedade relativo ao prédio rústico sito na freguesia de (…) , concelho de Vila Real, correspondente aos artigos (…) da matriz predial rústica, o qual abrange a parcela identificada com cor vermelha a fls. 95v.

À procedência da ação de reivindicação é necessária a prova da titularidade do direito real. Para esse efeito, não basta, porém, a demonstração de uma aquisição derivada do direito, uma vez que nada garante que o autor adquiriu a coisa ao seu legítimo proprietário. Para proceder a acção de reivindicação, é assim necessária a demonstração de uma aquisição originária do direito, como a usucapião, por parte do autor ou de anterior titular do direito, a quem aquele tenha adquirido (24).

Assim, para fazer valer o seu direito sobre a coisa, o autor tem duas possibilidades:

- ou alega e demonstra a aquisição originária, por si ou por algum dos seus antepossuidores, do direito de propriedade sobre a coisa;
- ou invoca aquisição derivada e terá de provar as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, sendo que na aquisição derivada, o adquirente, apenas e tão somente, adquire o direito de que o transmitente seja titular.

Pedem os Autores o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os imóveis invocando um dos modos previstos na lei (cfr. art. 1316º), a usucapião.

A noção de usucapião, prescrição positiva ou aquisitiva consta do art. 1287º, que estatui que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação.

Assim, a usucapião é a aquisição do direito de propriedade ou de outro direito real de gozo por efeito da posse nos termos desse direito, mantida por certo lapso de tempo. O objeto da aquisição por via da usucapião é, pois, constituído pelos direitos reais de gozo… (25)

A aquisição de um direito real por usucapião exige a ocorrência, simultânea, de vários requisitos:

- posse prescricional ou posse boa para usucapião (é aquela que é pacífica, pública e efetiva. A exigência no sentido de que se tenha possuído publica e pacificamente resulta do art. 1297º, a contrario. A posse efetiva é a que tem correspondência na situação de facto, enquanto efetivo exercício de poderes de facto sobre uma coisa nos termos de um direito real de gozo, o que resulta da ratio da usucapião);
decurso de certo lapso de tempo (a posse deve manter-se com os carateres referidos de modo contínuo, durante todo o período de tempo necessário para a usucapião, sendo que o prazo de tempo exigido varia consoante a coisa, a existência ou não de título e de registo, a posse ser de boa ou má fé – cf. artºs 1294º a 1299º);
ato de vontade de adquirir o direito (manifestação de vontade de adquirir o direito).

A usucapião constitui uma forma voluntária de aquisição de certos direitos reais que necessita de uma posse com certas características e mantida pelos prazos legais. São requisitos da aquisição do direito de propriedade por usucapião: a posse e que ela revista as características de:

- Pública, por exercida à vista de toda a gente;
- Contínua, por exercida de forma ininterrupta;
- Pacífica, por exercida sem oposição de ninguém.

Para além da materialidade da posse, tem de resultar também o animus e que a posse se tenha mantido durante um lapso de tempo suficiente para permitir a aquisição do direito de propriedade.

A usucapião tem, sempre, na sua génese uma situação possessória, que pode derivar de constituição ex novo ou de posse anterior.

Pese embora a probatio diabolica característica das ações de reivindicação, em que tem de se fazer a demonstração da aquisição originária do direito, onerando-se os peticionantes com uma prova extremamente difícil de realizar em concreto, a tarefa dos mesmos é facilitada, tornando-se menos diabólica, pela existência de presunções, concretamente, no que ao caso interessa:

- a presunção de titularidade do direito de propriedade derivada da posse, prevista no nº1, do art. 1268º, sendo a usucapião, forma de aquisição originária.

A posse surge como o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real – artº 1251º, do C. Civil.

A usucapião produz uma aquisição originária que opera com efeitos retroativos, reportados ao início da posse (artº 1288º, do C. Civil).

Dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do direito respeita, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não tendo os apelantes logrado impugnar, com sucesso, a matéria de facto, que assim se mantém inalterada, é, nos termos expostos, de manter a decisão de mérito.

Deste modo, é de manter a fundamentação de direito e o decidido.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo violação de qualquer normativo invocado pelos apelantes, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
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Custas pelos apelantes, pois que ficaram vencidos – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
Guimarães, 21 de março de 2019
(Assinado digitalmente pelos Senhores Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha (relatora), José Flores e Sandra Melo)


1. Relatora: Eugénia Cunha 1º Adjunto: José Flores 2ª Adjunta: Sandra Melo
2. Ibidem, pág 737
3. Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13: dgsi.Net.
4. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735
5. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
6. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
7. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição, pag. 113, Coimbra Editora
8. Ana Prata (Coord.) e outos, Código Civil Anotado, vol II, 2017, Almedina, pag 108.
9. Luís Manuel Teles de Meneses Leitão, Direitos Reais, 6ª Edição, 2017, Almedina, pag 228.
10. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, pags 155-156
11. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1. S1, in base de dados da DGSI.
12. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, 2017, pag. 153
13. Ibidem, pág. 153.
14. Ibidem, pags 155 e seg e 159
15. Ac. da Relação do Porto de 18/12/2013, Processo 7571/11.4TBMAI.P1.dgsi.Net
16. Abrantes Geraldes, idem, pags 155-156
17. Abílio Neto, Código de Processo Civil anotado, 4ª Ed. 2017, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda pag 999
18. Acórdão do STJ de 11/2/2016, Processo 5001/07: Sumários, Fevereiro/2016, p 28 citado por Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição, 2017, pág 996.
19. Acórdãos RC de 3 de Outubro de 2000 e 3 de Junho de 2003, CJ, anos XXV, 4º, pág. 28 e XXVIII 3º, pág 26
20. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
21. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, pag.635.
22. Acórdão da Relação do Porto de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 e Apelação Processo nº 5453/06.3
23. A surriba constitui uma operação mediante a qual se procede à mobilização do solo, de forma a permitir o desenvolvimento das raízes das videiras e o armazenamento de água e nutrientes, pressupondo a utilização de maquinismos que revolvem o solo até uma dada profundidade (que não deve ser inferior a 0,8m), a desagregação da rocha-mãe, bem como a remoção das pedras de maiores dimensões e de raízes de plantas, e o ulterior nivelamento do terreno, criando os patamares ligados entre si por estradas – cfr. Nuno Magalhães, “Tratado de Viticultura – A Videira, a Vinha e o «terroir»”, 2008, 1.ª Ed., Chaves Ferreira, pág. 266-268.
24. Luís Manuel Teles de Meneses Leitão, Idem, pag 228
25. Ana Prata (Coord.) e outos, Código Civil Anotado, vol II, 2017, Almedina, pags 68,69