Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1852/17.0T8GMR.G3
Relator: MARIA CRISTINA CERDEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
DANO NÃO PATRIMONIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- No cálculo da indemnização por perdas salariais e por danos patrimoniais futuros a atribuir ao lesado, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, o Tribunal deve basear-se na retribuição líquida (e não ilíquida) auferida pelo sinistrado à data do acidente.
II- Do facto de o autor, após o acidente, não ter contratado uma terceira pessoa para o auxiliar nos atos da sua vida diária e não ter sofrido qualquer prejuízo patrimonial conexo com essa necessidade, por ser a sua esposa que lhe tem prestado esse auxílio, não pode resultar a impossibilidade de o autor ser ressarcido de tal dano patrimonial, tanto mais que se provou que ele irá necessitar do auxílio de terceira pessoa até ao resto da sua vida, durante duas horas por dia, para que se vestir e tomar banho, sendo a sua esposa que passou a gerir a empresa onde ele trabalhava e da qual era sócio-gerente.
III- O dano biológico, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
IV- A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado consubstanciado em limitações funcionais relevantes e algumas sequelas físicas, deverá compensá-lo – para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente – também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente refletida no nível de rendimento auferido.
V- No que diz respeito ao dano biológico referente à perda ou diminuição da capacidade para o trabalho e, mais genericamente, ao dano patrimonial futuro, a justa indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinguirá no final do período provável da sua vida, devendo, por isso, ser calculada com referência ao tempo provável de vida do lesado (normalmente através da referência à esperança média de vida), e não com base na idade da reforma, posto que só assim se logrará reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
VI- A regra ou princípio geral segundo a qual o benefício da antecipação deve descontar-se na indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou apagado perante a existência provável de um particular agravamento ou especial onerosidade dos danos patrimoniais futuros expectáveis que importa compensar com recurso a critérios de equidade.
VII- Atualmente, dada a inexistência, no sistema bancário, de produtos financeiros sem risco associado cujas taxas de juro proporcionem rendimento líquido e a instabilidade que nos anos mais recentes se tem verificado no sistema bancário, não há fundamento para considerar que a antecipação do pagamento da indemnização correspondente ao dano futuro, relativamente à produção deste, proporciona algum benefício ao lesado, nem, logicamente, para a dedução de qualquer parcela da indemnização a esse título.
VIII- A indemnização por danos não patrimoniais, não podendo embora anular o mal causado, destina-se a proporcionar uma compensação moral pelo prejuízo sofrido.
IX- Embora a lei não defina quais são os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, tem sido entendido unanimemente pela doutrina e jurisprudência que integram tal ideia as dores e padecimentos físicos e morais, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que sofreu um acidente e as lesões decorrentes, os danos resultantes de desvalorização, deformidades, além do sofrimento atual e sentido durante o tempo de incapacidade, a angústia acerca da incerteza e futuro da situação e a existência e grau de incapacidade sofridos, sendo de valorar, também, a circunstância da vítima ter sofrido períodos de doença significativos, com prolongados internamentos hospitalares, períodos de imobilização e intervenções cirúrgicas, dificuldades de locomoção e de condução, além das restrições pessoais e sociais daí decorrentes.
X- No caso de um homem de 44 anos de idade à data do acidente (atualmente com 52 anos de idade), que sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 54 pontos, que é engenheiro de polímeros e desempenhava as funções de Diretor Comercial de uma empresa que comercializa baterias industriais, que se encontra reformado por invalidez com efeitos desde 26/05/2017 (depois do acidente), que ficou com graves sequelas que o incapacitam de executar determinadas tarefas inerentes à sua atividade profissional e implicaram que ficasse com limitações na sua condição física necessária ao desempenho de tarefas do seu dia-a-dia, com um quantum doloris de grau 6 (numa escala de 1 a 7), dano estético de grau 4, repercussão nas atividades desportivas e de lazer de grau 4 e repercussão na atividade sexual de grau 5, que ficou com sequelas do foro psiquiátrico, apresentando um quadro depressivo, com sentimentos de angústia, tristeza, receios e ansiedade, bem como a diminuição e vergonha sentidas perante a transformação do seu corpo e a disfunção eréctil total de que padece, justifica-se que a indemnização por danos não patrimoniais, de acordo com uma jurisprudência atualista, seja fixada em € 60.000,00.
XI- Os danos não patrimoniais sofridos pelo cônjuge do lesado em acidente de viação, só merecem a tutela do direito, a coberto do art.º 496º, n.º 1, do Código Civil, à luz do firmado no AUJ do STJ n.º 6/2014 de 9/01/2014, proferido no processo n.º 6430/07.0TBBRG, publicado no Diário da República nº. 98, 1ª Série, de 22/05/2014, em casos de elevada gravidade dupla, ou seja, quanto às lesões da vítima sobrevivente e quanto ao sofrimento do respetivo cônjuge.
XII- Para compensar o dano não patrimonial da Autora, na qualidade de cônjuge do A. sinistrado, por estar privada de se relacionar sexualmente com o seu marido, em virtude deste ter ficado com disfunção eréctil total em consequência das lesões sofridas no acidente, considera-se adequada uma compensação no valor de € 40.000,00.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

C. J. e mulher N. J. intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra Seguradoras ... S.A. (actualmente designada X Seguros, S.A.), pedindo a condenação da Ré:

a) a pagar ao Autor, a título de indemnização, a quantia total líquida de € 699.437,80 acrescida dos juros até efectivo e integral pagamento, sendo € 67.200,00 como compensação por danos não patrimoniais, € 140.000,00 pelo dano biológico, € 70.000,00 pelo dano sexual, € 7.237,80 por perdas salariais durante o período de 18 meses em que esteve de baixa médica, € 200.000,00 por danos patrimoniais futuros e € 215.000,00 pela necessidade de ajuda de terceira pessoa [(4 horas diárias x € 5/hora = € 20 x 365 dias = € 7.300,00) x 35 anos], com redução equitativa pelo pagamento de uma só vez;
b) a suportar todo o tipo de tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso, encargos com intervenções cirúrgicas, internamentos, fisioterapia e psiquiatria, sem prejuízo do valor da perda de retribuição que o A. irá sofrer, quer no período de clausura hospitalar, quer no período de recuperação, sendo que, por estes danos não poderem ser determinados ou quantificados na data de propositura da acção, requerem que a sua liquidação seja remetida para execução de sentença (cfr. artºs 564º, nº. 2 e 569º do Código Civil e 556º, nº. 1, al. b) e nº. 2 e 358º do CPC).
c) a pagar à Autora, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia líquida de € 75.000,00 acrescida dos juros até efectivo e integral pagamento.

Para tanto alegam, em síntese, que no dia 16 de Novembro de 2013, por volta das 10h30m, ocorreu um acidente de viação na E.N. 14, na freguesia de ..., em Vila Nova de Famalicão, no qual foram intervenientes o motociclo de matrícula LQ, conduzido pelo Autor, e o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula PQ, conduzido por J. C., que tinha transferida para a Ré a responsabilidade pela sua circulação, por contrato de seguro válido e eficaz à data dos factos.
Após descreverem o acidente, que consistiu no embate entre os dois veículos, e o local onde o mesmo ocorreu, alegam que o condutor do veículo PQ foi o único responsável pela produção do acidente, ao invadir a hemi-faixa contrária para mudar de direcção à esquerda, sem previamente se certificar que ali não circulavam outros veículos, e cortou a linha de marcha do veículo conduzido pelo A. que seguia nessa faixa de rodagem contrária, não tendo sido possível evitar o embate, em consequência do qual o A. tombou violentamente no chão juntamento com o motociclo onde seguia.
Referem, ainda, que em consequência do acidente, resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais para o Autor (sinistrado), assim como danos não patrimoniais para a Autora, sua mulher, que descriminam na petição inicial e cujo ressarcimento peticionam naquele articulado.

A Ré contestou, excepcionando a ilegitimidade da A. N. J. para formular nos autos pretensão indemnizatória por alegados danos morais próprios decorrentes das lesões corporais sofridas pelo A. C. J., alegando, em súmula, que a mesma não é directamente visada pela prática do ilícito não tendo tal pretensão apoio legal.

Excepcionou, ainda, a prescrição do eventual direito de indemnização da A. N. J. por terem decorrido mais de três anos desde a data do acidente e da citação da Ré.
Na contestação, aceitou a ocorrência do acidente, a existência e validade do contrato de seguro e a sua responsabilidade pelas consequências do sinistro, admitindo, ainda, que o A., em consequência do mesmo, sofreu danos corporais, impugnando, no entanto, os demais factos alegados na petição inicial, nomeadamente, quanto à extensão dos danos, e os montantes indemnizatórios peticionados pelos Autores.
Conclui, pugnando pela procedência da excepção de prescrição invocada e sua absolvição do pedido, ou caso assim não se entenda, pela procedência da excepção de ilegitimidade da A. N. J. para demandar da Ré o pagamento de qualquer indemnização por danos morais decorrentes de lesões corporais sofridas pelo A. C. J. e sua absolvição da instância nessa parte, ou em alternativa, pela improcedência da acção e sua absolvição dos pedidos.

Os AA. vieram a fls. 169 e 170 responder à matéria das excepções deduzidas pela Ré, pugnando pela sua improcedência e mantendo o alegado na petição inicial.
Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, tendo sido julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade da A. N. J. e de prescrição arguidas pela Ré, foi identificado o objecto do litígio e enunciados os factos assentes face à posição assumida pelas partes nos articulados e aos documentos juntos aos autos, bem como os temas de prova sobre matéria controvertida, que não sofreram reclamações.

A Ré interpôs recurso do despacho que julgou improcedente a excepção de prescrição do direito de indemnização da A. N. J., o qual foi julgado improcedente por acórdão deste Tribunal da Relação proferido em 8/02/2018.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, tendo a Ré, na sessão de julgamento de 25/06/2018, alegado novos factos em articulado superveniente, requerendo que os mesmos fossem incluídos nos temas da prova ou considerados assentes, consoante a posição que o A. viesse a tomar em relação a eles, e que fosse determinado na sentença a proferir o abatimento à indemnização que vier a ser fixada ao Autor das verbas por este já recebidas a título de pensão de invalidez, bem assim como daquelas que vier a receber a esse título até ao trânsito em julgado da sentença, tendo em vista evitar a duplicação de indemnizações pelo mesmo dano.
O articulado superveniente apresentado pela Ré foi admitido liminarmente, tendo o A. C. J. declarado aceitar os factos supervenientes alegados pela Ré, reconhecendo que os montantes pagos a título de pensão de invalidez e ainda aqueles que vier a receber a este título, até ao trânsito em julgado da sentença, devem ser descontados na indemnização que for arbitrada a título de danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade permanente que lhe foi fixada.
Por despacho proferido na referida sessão de julgamento, o Tribunal “a quo” determinou que tais factos supervenientes alegados pela Ré passassem a constar da matéria de facto tida como assente.

Na sessão de julgamento realizada em 13/07/2018, a Ré requereu, nos termos do artº. 5º do CPC, que fossem levados em consideração pelo Tribunal, na decisão a proferir, os factos que enunciou e que, em seu entender, são complementares dos alegados na sua contestação, tendo resultado da discussão da causa.
Os AA. não deduziram oposição quanto à complementaridade dos factos acrescentados pela Ré, alegando que os mesmos deveriam ser integrados nos factos provados ou não provados em função daquilo que foi discutido na audiência de julgamento, tendo a Mº Juíza “a quo”, por despacho proferido naquela audiência de julgamento, determinado o aditamento de tais factos alegados pela Ré à matéria seleccionada como temas de prova.

Após, em 15/07/2018, foi proferida sentença nos seguintes termos:
Julgo procedente por provada a presente acção, pelo que condeno a ré a pagar ao autor a quantia global de 699.437,80 euros para ressarcimento dos danos sofridos com o sinistro dos autos e aqui reclamados.
Sobre esta quantia acresce juros a contar da data desta sentença e até efetivo pagamento (AUJ 4/2000).
Vai ainda a ré condenada a ressarcir o autor pelas despesas que esse vier a fazer em acompanhamento médico-medicamentoso às lesões sofridas por causa do sinistro.
Mais vai a ré condenada a pagar à autora a quantia de 50.000,00 euros para ressarcimento dos danos morais sofridos e reclamados nos autos a que acrescem juros a contar da data da presente sentença e até efetivo pagamento.

Inconformada com tal decisão, a Ré dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, no qual impugnou a decisão sobre a matéria de facto, bem como a determinação dos danos patrimoniais e não patrimoniais e a quantificação das indemnizações arbitradas pelo Tribunal “a quo” a ambos os Autores, invocando ainda a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artº. 615º, nº. 1, al. d) do CPC, por o Tribunal “a quo” não se ter pronunciado sobre a questão, por si suscitada no articulado superveniente apresentado na audiência de julgamento de 25/06/2018, da necessidade de se proceder, na sentença a proferir, ao abatimento na indemnização que viesse a ser fixada ao A. das verbas por este já recebidas a título de pensão por invalidez, assim como daquelas que viesse a receber a esse título até ao trânsito em julgado da sentença.
Termina pugnando pela procedência do recurso, com a revogação da sentença recorrida.

Os AA. contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão que recaiu sobre a matéria de facto e considerando adequadas as quantias arbitradas pelo Tribunal aos AA. como indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por eles sofridos.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 523 e remetido a este Tribunal da Relação.
Em 14/03/2019 foi proferido acórdão nesta instância superior, no qual se considerou insuficientemente fundamentada a decisão proferida em 1ª instância quanto a alguns pontos da matéria de facto e se concluiu pela total ausência de pronúncia, naquela sentença, quanto à questão suscitada no articulado superveniente apresentado pela Ré na audiência de julgamento de 25/06/2018, referente ao abatimento na indemnização que viesse a ser fixada ao A. C. J. das verbas por este já recebidas a título de pensão de invalidez, bem como daquelas que viesse a receber a esse título até ao trânsito em julgado da sentença, tendo-se determinado a remessa dos autos ao Tribunal de 1ª instância para fundamentar devidamente a decisão sobre a matéria de facto nos termos expostos, bem como para conhecer (na nova sentença que viesse a proferir) da questão que não tinha sido objecto de decisão, suprindo assim a nulidade da sentença invocada pela Ré.

Remetidos os autos ao Tribunal de 1ª instância, a Mª Juíza que realizou o julgamento e proferiu a sentença de 15/07/2018 optou por dar cumprimento ao que foi decidido por este Tribunal da Relação, mediante a prolação em 3/09/2019 do despacho constante de fls. 560 a 570 (refª. 164683614), no qual decidiu a questão do abatimento da pensão de invalidez na indemnização devida ao A. C. J., decisão essa no sentido de que tal abatimento não deveria ocorrer, e apresentou a fundamentação de facto adicional que considerou adequada por forma a suprir as deficiências apontadas no acórdão desta Relação.

Por requerimento apresentado em 17/09/2019 (refª. 33418081), veio a Ré Seguradora arguir a nulidade processual consistente na omissão de prolação pela Mª Juíza “a quo” de nova sentença, na prolação de um despacho que a lei não prevê e preterição de formalidades estabelecidas na lei, pedindo a anulação do despacho de 3/09/2019 e, bem assim, de toda a subsequente tramitação, “proferindo-se, de seguida, nova sentença, como ordenado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, e facultando-se às partes a possibilidade de à mesma reagirem pelas vias processuais admitidas”.
Em 30/09/2019 os AA. pronunciaram-se sobre a arguição de nulidade processual (refª. 33549162), pugnando pela inexistência de qualquer nulidade e requerendo a remessa dos autos a este Tribunal da Relação, a fim de ser proferido acórdão onde se apreciem as demais questões suscitadas pela Ré/recorrente.

Em 3/10/2019 foi proferido despacho pela Mª Juíza “a quo”, que indeferiu a nulidade processual invocada pela recorrente no seu requerimento de 17/09/2019 (refª. 165149190), nos seguintes termos [transcrição]:
“As nulidades da sentença são as elencadas no art. 615º, n.º 1 do CPC.
A decisão recorrida não apresenta qualquer uma dessas nulidades.
Por outro lado, não vislumbramos qualquer nulidade processual, tendo a M.ma Juiz que presidiu à audiência de julgamento proferido decisão em cumprimento do determinado no acórdão de 14 de Março de 2019.
Pelo exposto, e nos termos do art. 641º, n.º 1 do CPC, indefiro a nulidade invocada pela recorrente”.

Inconformada com tal despacho, a Ré Seguradora dele interpôs recurso de apelação, argumentando, em síntese, que a omissão de prolação nestes autos de uma nova sentença e a opção de resolver as questões suscitadas no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14/03/2019 através de simples despacho, constitui uma nulidade processual, a qual influi decisivamente na decisão da causa, nos termos do artº. 195º, n.º 1 do CPC, pugnando assim pela revogação do aludido despacho de 3/10/2019, com a consequente anulação do despacho proferido pela Mª Juíza “a quo” em 3/09/2019 (refª. 164683614) e de toda a tramitação subsequente, de forma a que seja proferida nova sentença, como ordenado por este Tribunal da Relação.

Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 722 e remetido a este Tribunal da Relação.

Em 5/03/2020 foi proferida, neste Tribunal, decisão singular que julgou procedente o recurso de apelação interposto pela Ré Seguradoras ... S.A. e, em consequência, revogou o despacho recorrido de 3/10/2019, anulou o despacho proferido pela Mª Juíza “a quo” em 3/09/2019 (refª. 164683614) e, bem assim, toda a tramitação subsequente, e determinou “a remessa dos autos ao Tribunal de 1ª instância para ser proferida nova sentença, da qual deverá constar o suprimento das deficiências da fundamentação de facto apontadas no acórdão deste Tribunal da Relação de 14/03/2019 e o conhecimento da questão suscitada no articulado superveniente apresentado pela Ré na audiência de julgamento de 25/06/2018, nos termos acima expostos”.

Em cumprimento do determinado por este Tribunal da Relação, em 8/07/2020 foi proferida nova sentença que decidiu nos seguintes termos:

Julgo procedente por provada a presente acção, pelo que condeno a ré a pagar ao autor a quantia global de 699.437,80 euros para ressarcimento dos danos sofridos com o sinistro dos autos e aqui reclamados.
Sobre esta quantia acresce juros a contar da data desta sentença e até efetivo pagamento (AUJ 4/2000).
Vai ainda a ré condenada a ressarcir o autor pelas despesas que esse vier a fazer em acompanhamento médico-medicamentoso às lesões sofridas por causa do sinistro.
Mais vai a ré condenada a pagar à autora a quantia de 50.000,00 euros para ressarcimento dos danos morais sofridos e reclamados nos autos a que acrescem juros a contar da data da presente sentença e até efetivo pagamento.

Inconformada com tal decisão, a Ré dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

I - A Ré impugna, por considerar incorretamente julgados e por entender que a prova produzida na ação impunha decisão diversa, a decisão proferida quanto aos factos dados dos pontos 5, 16, 24, 25, 32, 34, 36, 37, 38, 39 e 48 da matéria considerada provada e ponto IV da matéria dada como não provada;
II - Dos registos clínicos do A., mais precisamente, da nota de admissão do A. no serviço de cuidados intensivos do Hospital ..., subscrito pelo Sr Dr J. E. (Doc. 1 anexo – fls. 323) e da nota de transferência do A. para o serviço de Cuidados Intermédios do mesmo Hospital, subscrito pelo Srª Drª J. A. (Doc. 2 anexo – fls. 327), documentos juntos a estes autos no dia 12/12/2017 (com a ref. Citius 6397880), decorre que o A. não esteve em coma 3 semanas, mas sim sedado até ao 12º dia de internamento e consciente desde então, pelo que se impunha e se requer que seja dado como provado, no que toca ao facto do ponto 5 da matéria assente, apenas, que “5. O Autor esteve sedado até ao 12º de internamento [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “12º dia de internamento” em face do que consta no registo clínico de fls. 327 e não impugnado], permanecendo na Unidade de Cuidados Continuados”.
III - Dos elementos clínicos constantes dos autos (referidos no corpo destas alegações e adiante melhor identificados), associados ao depoimento da testemunha Dr A. P. (nas passagens constantes do corpo das alegações e que, adiante, melhor se identificarão), resulta que a disfunção erétil do A. não é definitiva, já que passível de reversão por via de tratamentos (nomeadamente com choques) ou pela colocação de uma prótese peniana, sendo possível que readquira a capacidade de prática do ato sexual;
IV - Estabelecido, com base nesses elementos de prova – que adiante melhor se indicarão – que o A. pode voltar a praticar o ato sexual, impõe-se também a alteração da decisão proferida quanto a outros factos, na medida em que o seu prejuízo sexual não se pode ter como permanente e, tão pouco, de grau 5 e todas as demais consequências dessa disfunção têm de ser encaradas como temporárias e reportadas ao período que decorreu até este momento.
V - Portanto, em face dos acima referidos registos clínicos do Autor constantes dos, mais precisamente das entradas de 11/02/2014 (da autoria do Sr Dr M. M. – Doc. 3 anexo – fls. 319), de 10/11/2015 (da Autoria do Sr Dr A. P. – Doc. 4 anexo fls. 311), da entrada de 12/10/2016 (da autoria do Sr Dr A. P. [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “Sr. Dr. E. D.” em face do que consta no resumo de informação clínica de fls. 310 e não impugnado]Doc. 5 anexo – fls. 310), desse mesmo “resumo clínico” da especialidade de Urologia, junto a este processo no dia 12/12/2017 (com a ref. Citius 6397880 – Doc. 5 anexo – fls. 310) e entrada de 12/05/2015 (da autoria do Sr Dr A. P. – Doc. 6 anexo – fls. 312 verso), do “resumo clínico”, juntos a este processo no dia 12/12/2017 (com a ref. Citius 6397880 – Doc. 6 anexo – fls. 312 verso), bem como do depoimento da testemunha Sr Dr A. P., gravado no sistema H@bilus, nesse mesmo dia, entre as 15h17m39s e as 15h42m52s, nas passagens dos minutos 08m53s a 12m45s e 13m58s a 18m19s e dos esclarecimentos dos peritos que intervieram na perícia, gravados no sistema H@bilus no dia 13/07/2018, entre as 10h26m45s e as 10h57m09m, nas passagens dos minutos 22m56s a 23m58s, impunha-se e requer-se que
· seja dado como provado o facto do ponto IV da matéria considerada não provada, ou seja, provado que “É possível que o Autor obtenha capacidade para praticar o acto sexual mediante a aplicação de uma prótese peniana [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “tratamentos por choques ou aplicação de uma prótese peniana” em face do que consta no corpo das alegações], que recusou no decurso dos tratamentos” ou “IV. É possível que o Autor obtenha capacidade para praticar o acto sexual mediante a aplicação de uma prótese peniana, que recusou no decurso dos tratamentos”
· no que toca ao facto do ponto 32 dos factos provados, deve ser dado como provado apenas que “O quantum doloris de grau 6 na escala gradativa de 1/7” Ou, assim não se entendendo “O quantum doloris de grau 6 na escala gradativa de 1/7 e repercussão permanente na atividade sexual de grau ainda não concretamente apurado”
· no que toca ao facto do ponto 34 dos factos provados, deve ser dado como provado apenas que O Autor sofreu uma lesão do prepúcio com retração testicular direita, que motivou uma intervenção cirúrgica para retirada do testículo direito e colocação de prótese e que lhe acarretou, até ao momento, disfunção erétil total”.
· no que toca ao facto do ponto 36, deve ser dado como provado apenas que Foi aconselhado pelo seu médico urologista a fazer um tratamento inovador, em sessões de vácuo terapia, com o Enfermeiro A. C. a mesma não surtiu qualquer efeito, mantendo-se na presente data a disfunção erétil total sexual do Autor, o que lhe causa grande angústia e depressão e perda de vontade de viver, sente-se diminuído enquanto homem”.
· no que toca ao facto do ponto 37 dos factos assentes deve ser dado como provado, apenas, que “A não resposta desde o acidente até à presente data do seu órgão sexual aos seus estímulos, causa ao autor imensa tristeza e vergonha de si mesmo, vê-se diminuído na sua masculinidade”
· no que toca ao facto do ponto 48 dos factos provados, provado apenas que: “Depois do acidente e até este momento o autor deixou de interagir com a Autora e de colaborar nas lides domesticas, afastou-se da Autora, Vive para si mesmo, com vergonha do seu estado, deixou de procurar e Rejeita a Autora para manterem relações ou qualquer contacto sexual e não responde aos seus estímulos. Ou, assim não se entendendo que: “Depois do acidente o autor deixou de interagir com a Autora e de colaborar nas lides domesticas, afastou-se da Autora, Vive para si mesmo, com vergonha do seu estado e até este momento, deixou de procurar e Rejeita a Autora para manterem relações ou qualquer contacto sexual e não responde aos seus estímulos”.
VI - Tendo por base o teor do relatório pericial de fls. 371 e seguintes e para que a decisão quanto ao ponto 16 reflita totalmente a prova produzida e se compatibilize com os factos dados como provados nos pontos 31 e 45-C, se impunha que tivesse sido dado como provado no ponto 16 da matéria de facto dada como provada, que “O autor ficou com uma desvalorização funcional permanente de 54 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da sua atividade profissional mas implicando esforços suplementares”, facto que resultou demonstrado no decurso da ação, foi alegado pela Ré no artigo 195º da sua contestação e seria sempre complementar em relação ao que é alegado pelo A. no artigo 130º da PI, pelo que sempre teria de ser dado como provado, nos termos do artigo 5º n.º 2 alínea b) do CPC.

VII - No decurso da audiência de julgamento depuseram a Autora N. J. e as testemunhas A. J., J. F. e P. P., os quais declararam, como detalhe, as funções que o A. C. J. exercia habitualmente e ainda que, depois do acidente, continuou a realizá-las, pelo menos parcialmente, como decorre das passagens dos seus depoimentos transcritas no corpo destas alegações e que, abaixo, melhor se identificarão.
VIII - Atendendo a estes depoimentos, percebe-se, claramente, que as funções do A. na empresa antes do acidente não consistiam, apenas, nas que foram dadas como provadas nos pontos 38 e 39 da matéria de facto dada como assente, consistindo também, pelo menos: na gestão global da empresa, nomeadamente ao nível económico e fiscal; na organização do trabalho na empresa; no trabalho informático, responder a emails, apresentar propostas; na orientação técnica e acompanhamento e supervisão dos trabalhos realizados pelos operários; no contacto com fornecedores de mercadorias; na contratação de pessoal; na elaboração e apresentação de orçamentos a clientes; na realização de encomendas a fornecedores; na direcção dos trabalhos a nível comercial.
IX - No relatório pericial os peritos em momento algum referem que o A. está impedido de realizar os atos descritos nos pontos 38 e 39 da matéria de facto dada como provada, afirmando antes que o A. os consegue realizar com esforços acrescidos, tendo também respondido a um conjunto de quesitos (nomeadamente o 16, 18 e 19 formulados pelo A. e 6º formulado pela Ré) que revelam que o A. não só não está impedido de exercer a sua atividade profissional habitual como pode realizar um conjunto de atos conexos com a mesma.
X - Assim, em face do relatório pericial de fls. 371 e seguintes, do depoimento da Autora N. J., gravadas no sistema h@bilus no dia 25/06/2018, entre as 15h45m54s e as 16h16m13s, nas passagens dos minutos 12m33 a 12m39, 13m37 a 13m51, 17m16 a 17m34, 18m25 a 18m34 e gravadas no sistema H@bilus no dia 25/06/2018, entre as 16h19m38s e as 16h48m51s, nas passagens dos minutos 14m26 a 14m47, 15m25s a 16m49s, 20m45 a 21m04, 25m06 a 25m40, do depoimento da testemunha A. J., gravadas no sistema H@bilus no dia 25/06/2018, entre as 16h19m38s e as 16h48m51s, nas passagens dos minutos 4m16 a 4m25, 12m40 a 12m42, 14m35 a 14m48 e gravadas no sistema H@bilus no dia 09/07/2018, entre as 11h10m52s e as 11h40m17s, nas passagens dos minutos 2m13 a 5m33, 8m21 a 10m06, 11m16 a 11m23, 14m16s a 14m51, 15m20, 16m06 a 16m28, 17m16 a 18m40, 21m08 a 21m31, 28m58 a 29m15, do depoimento da testemunha J. F., gravado no sistema H@bilus no dia 09/07/2018, entre as 11h40m54s e as 12h00m59s, nas passagens dos minutos 3m09s a 4m09, 5m29 a 5m56, 12m42 a 16m07, 6m25 a 6m52, 9m56 a 9m54, 10m58, 16m19 a 17m19, 18m30 a 18m39 e do depoimento da testemunha P. P., gravado no sistema H@bilus no dia 09/07/2018, entre as 12h25m35s e as 12h35m24, nas passagens dos minutos 1m24 a 2m25, 3m13 a 4m20 e gravadas no sistema H@bius no dia 09/07/2018, entre as 13h57m2s a 14h16m17s, nas passagens dos minutos 00m30 a 00m58, 2m41 a 5m58, 15m08 a 15m19 7m51 a 8m30, 6m19 a 7m20, 7m58 a 10m28, 16m27 a 16m44, 17m40 a 17m42, impõe-se e requer-se que seja alterada a decisão proferida quanto a esses pontos da matéria de facto nos seguintes termos:
· quanto ao facto do ponto 38 da matéria assente, provado apenas que: As funções de Diretor Comercial na empresa Y consistiam, entre outras, em visitar clientes por todo o país, promover a venda de Baterias Industriais, vendidas por aquela empresa, a realização de centenas de quilómetros diários e prestar assistência na manutenção das baterias industriais quando necessário aos clientes da sua entidade empregadora, que implica manobras de carga e descarga com o empilhador, e levantamento de módulos de baterias que podiam chegar a pesar 40 kg atividades que hoje em dia são exercidas pelo A. à custa de esforço suplementar”;
· quanto ao facto do ponto 39 dos factos provados, provado apenas que As lesões que lhe foram perpetradas pelo acidente implicam esforços suplementares ao fazer manutenção em baterias industriais, dificuldade em subir e descer para o empilhador, e em levantar módulos de baterias para promover pela manutenção das mesmas”.
XI - Tendo em conta os recibos de vencimento que o A. auferia, juntos a estes autos no dia 11/12/2017, pelo A., através do requerimento com a ref. citius 27604832 e efetuados os devidos cálculos (melhor explanados no corpo destas alegações), percebemos que o A. auferia um vencimento mensal base líquido de 2.764,13€ x 14, o que corresponde a uma retribuição anual de 38697,82€, acrescido de 1033,34€ a título de subsídio de alimentação (o qual é pago apenas 11 vezes por ano) e 2.164,69€ a título de abono por falhas (pago 11 vezes por ano) = 2164,69, num Total anual líquido de 41.895,85€.
XII - Assim, atendendo aos acima mencionados recibos de vencimento do A., juntos a estes autos no dia 11/12/2017, através de requerimento apresentado pelo ilustre mandatário do demandante com a ref. citius 27604832 impunha-se e requerer-se que seja dado como provado que:
Ponto 24. “À data do acidente o Autor desempenhava as funções de Diretor Comercial da empresa Y – Acessórios Auto, Lda, pessoa colectiva n.º ......... auferia rendimento do trabalho mensal de líquido €2.764,13€, acrescido de 93,94€ a título de subsídio de alimentação e 196,79€ a título de abono por falhas, sendo que no ano de 2013 recebeu a quantia ilíquida anual de 61.683,79 euros e líquida de 41.895,85€”.
XIII - No relatório pericial de fls. 371, os Srs peritos identificaram claramente as necessidades terapêuticas futuras do A., mencionado que seriam, apenas, acompanhamento na área de psiquiatria e dor crónica, posição que reforçaram no decurso dos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento, os quais se encontram gravados no sistema H@bilus no dia 13/07/2018, entre as 10h26m45s e as 10h57m09m, nas passagens dos minutos 3m45 a 5m25;
XIV - Logo, em face do teor do relatório pericial de fls. 371 e seguintes, e dos esclarecimentos dos peritos gravados no sistema H@bilus no dia 13/07/2018, entre as 10h26m45s e as 10h57m09m, nas passagens dos minutos 3m45s a 5m25s impunha-se e requer-se que seja retirado desse ponto o adverbio “nomeadamente” e que se dê como provado, apenas, que:
Ponto 25. “O Autor necessita de acompanhamento médico permanente ao nível psiquiátrico consulta da dor crónica”.
XV - No cálculo da indemnização por danos patrimoniais decorrentes de perdas salariais, deve atender-se ao salário líquido e não ilíquido do sinistrado;
XVI - O período de Incapacidade temporária a considerar é, apenas, o compreendido entre 16/11/2013 e 30/09/2014, ou seja, uma ITA de 323 dias, já que, apesar de se ter provado que o A., em consequência do acidente, esteve em situação de ITA entre 16 de Novembro de 2013 a 10/12/2014 e de 23/01/2015 a 18/03/2015 (num total de 445 dias) e ITP de 50% entre 11/12/2014 e 23/01/2015 (44 dias), também se provou que, a partir de Outubro de 2014, o A. retomou a sua atividade profissional auferindo a mesma remuneração (ponto 31 dos factos provados);
XVII - Considerando o seu rendimento mensal líquido de 2.764,13€, a perda salarial anual seria de 38.697,82€ (2.764,13€ x 14 meses = 38697,82€), o que corresponde a uma retribuição diária de 106,02€ (38.697,82€ / 365 dias), pelo que nesses 323 dias de incapacidade o A. deixou de obter rendimentos no valor de 34.244,46€ (106,02€ x 323 dias).
XVIII - Uma vez que a Ré já pagou ao A. a quantia de 41.700,00€ a título de adiantamento por perdas salariais, o A. já se encontra totalmente indemnizado, pelo que deve ser revogada a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar ao A. a verba de 7.237,80€, absolvendo-se, agora, nessa parte, do pedido;
XIX - Ainda que, porventura, se entendesse que deve ser considerada no cálculo das perdas salariais a totalidade dos rendimentos auferidos pelo A. (incluindo, portanto, o subsídio de alimentação e abono por falhas), que corresponde a um rendimento anual líquido de 41.895,85€, as perdas salariais do A. atingiriam 37.073,94€, valor ainda inferior ao que lhe foi pago pela Ré, pelo que se imporia sempre a sua absolvição, do pedido, no que toca aos 7.237,80€ atribuídos por perdas salariais;
XX - Perante os factos provados (nomeadamente dos pontos 45A e 49) é certo e seguro que o A., pelo menos até à data da sentença, não sofreu qualquer prejuízo patrimonial conexo com a necessidade de terceira pessoa, já que nada pagou até esse momento, pelo que a Ré deve ser absolvida do pedido no que toca ao alegado custo da contratação de uma terceira pessoa até à data da sentença;
XXI - Os factos provados evidenciam que o A., em face da sua situação familiar – relativamente à qual não se provou qualquer facto que permita supor que será alterada no futuro – não terá efectiva necessidade no futuro de contratar uma terceira pessoa, já que poderá contar com a sua esposa para o ajudar nas duas horas diárias e que disso carece;
XXII - Logo, não sendo previsível este possível dano futuro, o mesmo não é indemnizável, pelo que se impõe a revogação da douta sentença na parte em que condenou a Ré no pagamento do valor de 113.150,00€ a este título, absolvendo-se a demandada, nessa parte, do pedido.
XXIII - De resto, nunca poderia ser, simultaneamente, atribuída à A. N. J. (como foi) uma compensação por se ver forçada a prestar essa ajuda e, do mesmo passo, uma indemnização ao A. C. J. indemnização para obter essa ajuda de terceiros, sob pena de duplicação do mesmo dano.
XXIV - Mesmo que se considera previsível (ou possível) o dano decorrente da futura necessidade de contratação de uma terceira pessoa, é absolutamente incerto se e quando se verificará e por quanto tempo perdurará.
XXV - Como tal, mesmo que se entenda que o dano patrimonial futuro do A., conexo com a necessidade de auxílio de terceiros, é previsível e passível de indemnização, a Ré só deve ser condenada a pagar ao A. a quantia a liquidar ulteriormente e que corresponda às despesas que este venha efetivamente a suportar com a contratação de uma terceira pessoa, até ao limite da sua vida previsível, que se deve situar nos 77 anos de idade.
XXVI - Tal condenação deve, no entanto, ser desde já balizada, tendo como limite, em primeiro lugar, o valor atribuído a esse título na decisão sob censura e sempre o valor do pedido, este deduzido das demais verbas indemnizatórias que sejam atribuídas ao demandante na decisão final que ponha termo à ação.
XXVII - Ainda que assim não se entendesse, no cálculo desta indemnização não se pode considerar a idade que o A. tinha à data da citação da Ré, já que se provou que até à data da sentença o A. nada pagou a esse título, mas sim a que tinha na data da sentença (50 anos);
XXVIII - A indemnização deverá sempre ser corrigida (reduzida) de forma a que o lesado não obtenha um enriquecimento indevido decorrente da antecipação da indemnização pelo dano patrimonial futuro, devendo tal redução situar-se, pelo menos, em 1/3 do valor obtido matematicamente.
XXIX - Considerando o custo da contratação de uma terceira pessoa, uma taxa de crescimento do valor necessário à contratação de uma terceira pessoa (que se julga adequado cifrar-se em 1%), uma taxa de juro na ordem dos 3% e a esperança de vida do A. até aos 77 anos de idade, o valor que se encontra para esta indemnização ascende a 65.700,00€, valor para o qual se requer que seja reduzida a indemnização
XXX - Ou, caso se entenda não ser este o mais adequado – o que não se concede – sempre se imporia a redução do valor atribuído a esse título, o que, subsidiariamente, se requer.
XXXI - Relembrando que a Ré impugnou a decisão proferida quanto ao facto do ponto 25 (de forma a ser eliminado o advérbio “nomeadamente”, que é passível de uma interpretação incorreta da realidade resultante da prova dos autos), só as concretas despesas conexas com os tratamentos que se provou serem necessários (acompanhamento psiquiátrico e consulta de dor crónica e medicação psiquiátrica e analgésica) se podem ter como previsíveis e prováveis e só essas são indemnizáveis, enquanto dano futuro previsível;
XXXII - Portanto, impõe-se que seja revogada a douta sentença na parte em que condenou a Ré a ressarcir o A. [d]”as despesas que esse vier a fazer em acompanhamento médico-medicamentoso às lesões sofridas por causa do sinistro” e, em sua substituição, deve a Ré ser condenada, a pagar ao A. a quantia que se vier a liquidar ulteriormente e relativa às despesas que o A. vier a fazer em acompanhamento médico permanente ao nível psiquiátrico e consulta da dor crónica e medicação de foro psiquiátrico e de analgésicos.
XXXIII - Além disso, tendo em conta o limite de capital da apólice de seguro – que corresponde ao limite legal – deve ser limitada essa condenação ao valor do capital seguro ainda disponível, ou seja, aos indicados 5.000.000,00€, abatidos das verbas que vierem a ser fixadas nesta ação e das quantias já pagas pela Ré, que ascendem a 84.951,07€ (cfr. facto assente do ponto i).
XXXIV - Não obstante não se tenha provado que o A. tenha ficado incapaz para o desempenho da sua profissão habitual, não temos dúvidas em reconhecer que as sequelas do A. constituem um défice funcional permanente com repercussão a nível profissional.
XXXV - Por isso, aceita-se, tal como se ponderou na douta sentença, que estamos perante um dano patrimonial futuro, uma perda de capacidade de ganho que, como tal, deve ser indemnizada.
XXXVI - Importa ponderar que, na situação em análise, apesar da gravidade das sequelas, o A. não viu reduzido o seu rendimento laboral, o que impõe a intervenção de critérios de equidade, de forma a que se obtenha um valor mais justo, que compense efetivamente o A. das oportunidades perdidas, da redução da sua produtividade e mesmo dos seus rendimentos, mas sem esquecer que o demandante continua a desempenhar a sua profissão e a auferir rendimentos.
XXXVII - No caso concreto, entende a Ré que a equidade impõe não só que o valor indemnizatório atribuído seja reduzido, como também que se proceda ao abatimento a essa indemnização das quantias que o A. já recebeu e receberá até ao trânsito em julgado da decisão a título de pensão de invalidez.
XXXVIII - Para a fixação desta indemnização pode recorrer-se a critérios coadjuvantes, como as tabelas financeiras, os critérios das portarias 378/08 e 679/09 e decisões em casos análogos.
XXXIX - No caso concreto e recorrente a tabelas financeiras – e ficcionando, portanto, uma redução de rendimentos na ordem dos 54% anuais, a qual, repete-se, não ocorre, nem ocorrerá – o capital que se obteria para este dano seria o de cerca de 322.000€ a 400.000,00€ (Cfr. Anexo III, da portaria 679/09, onde consta uma tabela financeira para cálculo do dano patrimonial futuro e critérios da portaria 11/2000, de 13/01, relativa ao cálculo do capital de remição de pensões anuais por incapacidade permanente).
XL - Já recorrendo aos critérios das portarias 377/08 e 679/09, a indemnização pelo défice funcional permanente do A. ascenderia a valor entre os 67.038,30€ e os 73.964,34€ (cfr. anexo IV dessas portarias).
XLI - Os valores obtidos por via desses elementos coadjuvantes não podem deixar de ser temperados por critérios de equidade e, sobretudo, não pode deixar de se atender às concretas circunstâncias do caso.
XLII - Considerado que não se provou que o A. esteja incapaz para a profissão habitual, que não se provou que o A. tenha sofrido uma redução da sua remuneração (o que reduz a relevância da sua retribuição para efeitos de cálculo da indemnização) e que se provou que continuou a exercer a mesma atividade, auferindo a mesma remuneração, não se afigura justo que o A. seja indemnizado no pressuposto de que passou a receber menos 54% da sua retribuição e que isso mesmo ocorrerá até aos seus 80 anos de idade, quando tal facto não se provou.
XLIII - Ademais, tudo impõe que a prestação a atribuir ao A. não corresponda à mera multiplicação da previsível perda pelo número de anos de vida que lhe restam, devendo antes operar-se uma redução, atendendo ao facto de ver antecipada e paga agora a indemnização de um dano que só se concretizaria ao longo de mais de duas décadas.
XLIV - Em face de tudo o exposto entende a Ré que a indemnização pelo défice funcional permanente que afeta o A. deve ser fixada, em equidade e antes de qualquer abatimento (questão que adiante abordaremos), no valor de 200.000,00€
XLV - Ou, caso se entenda não ser este o valor adequado – o que, não se conceberia – sempre se imporia a redução da verba na qual esse dano foi fixado na douta sentença, o que, subsidiariamente, se requer.
XLVI - O A., em 26/05/2017, requereu a atribuição de uma pensão por invalidez ao CNP, a qual lhe foi deferida, tendo passado a receber uma pensão no valor líquido de 1.962,13€ e bruto de 2.705,13€ mensais, com início em 26/05/2017.
XLVII - Sendo certo que não se provou que a situação de invalidez determinante da atribuição ao A. da pensão tenha resultado do acidente, é também verdade que as regras respeitantes a essa pensão impedem a sua cumulação com rendimentos de trabalho (cfr. artigo 59º do DL 187/2007, de 10 de Maio).
XLVIII - É que, na verdade, a referida pensão é uma prestação que substitui os rendimentos de trabalho do pensionista e, consequentemente, não pode o A., por um lado, receber a pensão que supre essa perda e, por outro, uma indemnização com o mesmo fim, já que essas duas prestações – a pensão e a indemnização – concorrem no sentido de eliminar o dano, pelo que são sobreponíveis e não cumuláveis, independentemente da causa da invalidez.
XLIX - Pelo que, pelo menos tendo por referência as pensões que o A. já recebeu e irá receber até à data do trânsito em julgado da decisão que puser termo a este processo, se impõe que se proceda ao respetivo abatimento na indemnização pelo défice permanente da integridade física.
L - Por outro lado, o autor aceitou expressamente o abatimento dessas verbas, o que declarou na ata da audiência de julgamento de 25/05/2018.
LI - Ao aceitar o abatimento na indemnização a fixar nestes autos a título de dano patrimonial futuro os montantes que lhe foram pagos a título de pensão de invalidez e ainda aqueles que vier a receber a este título, até ao trânsito em julgado da sentença, o autor, na realidade, reduziu o seu pedido, o que fez relativamente a um direito disponível, aceitando que este fosse indemnizado com o desconto das dita verbas.
LII - E essa expressa aceitação do demandante não poderia, em circunstância alguma, ser desconsiderada pelo Tribunal.
LIII - Esse abatimento em nada contraria a lei, sendo antes a solução que mais se adequa às regras respeitantes à proibição de cumulação de pensões com rendimentos de trabalho e aquela que evita a duplicação de indemnizações.
LIV - Numa outra vertente, não há dúvidas de que o dano sofrido pelo Autor em consequência da incapacidade permanente de que ficou portador se manifesta como um dano patrimonial futuro.
LV - Apesar de não existir, no caso, uma efetiva redução de rendimentos, temos por provado que as limitações decorrentes das sequelas repercutem-se negativamente na capacidade de ganho do sinistrado, impedindo-o de, em plenitude, executar as suas tarefas profissionais.
LVI - Essa limitação conduz, por sua vez, a uma redução da produtividade, implicando, também, uma maior dificuldade na progressão da carreira, bem como no desenvolvimento de outras profissões.
LVII - Daí que, mesmo que tais repercussões não impliquem uma redução salarial na medida do grau de incapacidade permanente (e é esse o caso dos autos) acarretam, necessariamente um dano patrimonial futuro, o qual deve, em equidade, ser indemnizado.
LVIII - De resto, apesar de a Srª Juiz afirmar agora (ou seja, depois do douto despacho de 09/09/2019) que a indemnização foi fixada tendo em conta os “danos biológicos”, não há a mais pequena dúvida de que a incapacidade permanente do demandante constitui um dano patrimonial e que a indemnização que lhe foi arbitrada na douta sentença corresponde à compensação de um dano patrimonial futuro, o que foi, em vários pontos da sentença, salientado pelo próprio julgador.
LIX - O dano em causa que foi indemnizado na douta sentença com a verba de 870.912€ (posteriormente reduzida por força da limitação do pedido) e aquele que vem sendo reparado por via da pensão de invalidez, são, afinal, o mesmo, correspondendo à redução da capacidade de ganho, com repercussões patrimoniais.
LX - Pelo que não tem justificação defender-se que, só pelo facto de a compensação ter sido, segundo se sustenta na decisão, fixada com base na equidade, não deve ser operado o abatimento pretendido.
LXI - Impondo-se antes esse abatimento, nos termos que, adiante, se exporão.
LXII - Mesmo que, por absurdo, se entendesse que só parte da indemnização arbitrada ao autor pelo seu défice funcional permanente corresponde a indemnização de um dano patrimonial futuro e outra parte à compensação do dano biológico, ainda assim se imporia o abatimento das verbas que o autor vem recebendo a título de pensão de invalidez paga pelo CNP.
LXIII - O teor da douta sentença revela que o dano biológico do autor, na parte em que não gera um dano patrimonial futuro, foi compensado enquanto dano não patrimonial (ou seja, com a verba de 60.000,00€ atribuída a esse título).
LXIV - No entanto, ainda que assim não fosse, o certo é que o julgador não distinguiu, ou identificou, qual a parcela corresponde ao dano decorrente do défice funcional permanente do autor que se destinou a compensar outro dano que não o dano patrimonial futuro.
LXV - Ora, como acima se assinalou, dúvidas não há de que o défice funcional permanente do autor assume a natureza de dano patrimonial futuro.
LXVI - Sabendo-se que o autor não pode ser indemnizado duplamente pelo dano patrimonial futuro (no caso com o recebimento simultâneo da indemnização a fixar nestes autos e a pensão de invalidez) e caso parte da indemnização devida pelo défice funcional permanente englobe outros danos que não esse dano patrimonial futuro, impõe-se que o Tribunal da Relação efetue essa distinção, fixando, claramente, qual a parcela destinada à compensação da perda de capacidade de ganho (dano patrimonial futuro) e a que respeita a outros danos.
LXVII - Essa parcela não deve ser inferior a 2/3 da indemnização fixada a propósito do défice funcional permanente, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do DL 187/07.
LXVIII - Transpondo o acima exposto para o caso concreto, temos que, não se distinguindo, na douta sentença recorrida, qual a parcela dos € 870.912€ atribuídos pelo défice funcional permanente do autor, a parte destinada a compensar o dano biológico e o dano patrimonial futuro propriamente dito, dever-se-ia considerar que este último corresponde a dois terços desse valor, ou seja, 580.608€.
LXIX - Ou, caso venha a ser reduzida a verba arbitrada a esse título e a menos que o Tribunal da relação opere uma repartição distinta, deverá considerar-se que 2/3 do montante que vier a ser arbitrado pelo défice funcional permanente corresponde à indemnização pelo dano patrimonial futuro e 1/3 a outro dano.
LXX - Sendo certo que atendendo até à regra do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, até ao limite do montante da indemnização direta e exclusivamente conexa com o dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade permanente, deveria e terá de se operar o abatimento das quantias que o autor recebeu a título de pensão de invalidez paga pela Segurança Social (CNP).
LXXI - Os autos não dispõem, de momento, dos elementos suficientes para fixar definitivamente a indemnização devida ao A. pela perda de capacidade de ganho, tanto mais que se desconhece quando transitará a decisão final deste pleito, o que inviabiliza qualquer cálculo.
LXXII - Portanto, entende a Ré e expressamente requer que seja revogada a douta sentença na parte em que atribuiu ao A. uma indemnização pela sua perda de capacidade de ganho/défice funcional permanente e, em sua substituição, que seja proferida decisão que:
· fixe a indemnização pelo défice permanente da integridade física do A. em 200.000,00€, ou outra quantia que se julgue adequada, mas sempre inferior àquela em que foi valorizado esse dano na douta sentença, diferenciando-se, se for o caso, qual a parte dela que corresponde a dano patrimonial futuro e a que respeita à compensação de outros danos.
· determine que a esse valor, ou ao valor exclusivamente conexo com o dano patrimonial futuro decorrente do défice permanente de que sofre o autor, devem ser abatidas as pensões, no seu valor bruto ou, assim não se entendendo, líquido, de invalidez que o CNP tenha pago e venha a pagar ao demandante a título de pensão por invalidez, até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo a estes processo.
· relegue o concreto apuramento da indemnização devida para liquidação ulterior, dentro desses parâmetros e nesses termos, de forma a se poder obter a informação dos valores pagos pelo CNP e proceder ao seu abatimento na verba fixada a título de indemnização por este dano.
· estabeleça, em qualquer circunstância, como limite da liquidação o valor atribuído na sentença a este título e sempre limitada à parte do valor do pedido que ficar ainda disponível depois de proferido a decisão final que ponha termo à ação.
LXXIII - Ainda que assim não se entendesse, sempre se imporia que se procedesse, desde já, ao abatimento na indemnização devida ao A. pelo défice permanente da sua integridade física das quantias que este já recebeu a título de pensão de invalidez, a calcular por operação aritmética.
LXXIV - Tendo por base a pensão líquida de 1.962,13€, é possível calcular no valor de 92 023,91€ o valor total das pensões de invalidez líquidas pagas ao A. até esta data e, considerando a pensão bruta de 2.705,13€, tais pensões ascendem a 126 870,61€.
LXXV - Assim, deve ser revogada a douta sentença na parte em que atribuiu ao A. uma indemnização pela sua perda de capacidade de ganho/défice funcional permanente e deve, desde já, ser abatida à indemnização a atribuir ao A. pela perda de capacidade de ganho a quantia bruta de 126 870,61€ que recebeu, até esta data, a título de pensão de invalidez, o que se requer, relegando-se para momento ulterior a determinação das demais quantias pagas a esse título até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo a esta ação e que devem ser abatidas à indemnização, com a consequentemente condenação da Ré, no que toca à indemnização pela incapacidade permanente, num valor ilíquido, correspondente à indemnização pela incapacidade permanente que vier a ser fixada, abatido já daquela verba de 126 870,61€ e da que vier a ser apurada posteriormente como tendo sido paga ao autor a título de pensão de invalidez, até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à presente ação.
LXXVI - Ou, caso se entenda que deve ser abatida a pensão líquida, deve ser revogada a douta sentença na parte em que atribuiu ao A. uma indemnização pela sua perda de capacidade de ganho/défice funcional permanente e deve ser abatida àquela indemnização a quantia 92 023,91€ que recebeu, até esta data, a título de pensão de invalidez, relegando-se para momento ulterior a determinação das demais quantias pagas a esse título até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo a esta ação e que devem ser abatidas à indemnização, com a consequentemente condenação da Ré, no que toca à indemnização pela incapacidade permanente, num valor ilíquido, correspondente à indemnização pela incapacidade permanente que vier a ser fixada, abatido já daquela verba de 92 023,91€ e da que vier a ser apurada posteriormente como tendo sido paga ao autor a título de pensão de invalidez, até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à presente ação, o que, subsidiariamente, se requer.
LXXVII - Por outro lado, mesmo que se entendesse que não deve ser efetuado o cálculo acima mencionado, sempre se imporia, pelo menos, que fosse revogada a douta sentença na parte em que atribuiu ao A. uma indemnização pela sua perda de capacidade de ganho/défice funcional permanente, bem como o douto despacho de 03/09/2019, com a ref. citius 164683614, e que fosse abatida naquela indemnização a verba que sabemos já ter sido paga ao A. até 23/05/2018, a título de pensão de invalidez ou seja, 29 468,78€ relegando-se para momento ulterior a determinação das demais quantias pagas a esse título até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo a esta acção e que devem ser abatidas à indemnização, com a consequentemente condenação da Ré, no que toca à indemnização pela incapacidade permanente, num valor ilíquido, correspondente à indemnização pela incapacidade permanente que vier a ser fixada, abatido já daquela verba de 29.468,78€ e da que vier a ser apurada posteriormente como tendo sido paga ao autor a título de pensão de invalidez, até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à presente ação, o que subsidiariamente, se requer.
LXXVIII - Ainda que se venha a entender não ser de abater a tal indemnização a quantia que o A. já recebeu e venha a receber a título de pensão de invalidez, sempre se imporia, em equidade, a redução da verba arbitrada para o indicado valor de 200.000,00€ ou outro que, sem conceder, se considerasse mais ajustado.
LXXIX - Isso resulta da consideração de várias circunstâncias do caso, já acima apontadas, com especial ênfase para o facto de ter sido atribuída ao A. uma indemnização baseada na ficção de uma perda salarial de 54%, de se ter atendido no cálculo da indemnização aos rendimentos (incorretamente apurados) do A., quando tal elemento não assume, no caso, decisiva importância, de se ter estendido o cálculo até aos 80 anos, idade superior ao limite da vida ativa e mesmo da vida provável e de não se ter procedido a uma redução equitativa, atendendo à antecipação de uma indemnização por dano que só se consumaria ao longo de mais de duas décadas.
LXXX - Pelo que, nesse caso, deve ser revogada a decisão nessa parte, reduzindo-se a indemnização devida pelo défice permanente da integridade física, o que, subsidiariamente se requer.
LXXXI - A ser alterada a decisão proferida quanto aos pontos IV da matéria dada como não provada e 32, 34, 36, 37 e 48 dos factos considerados demonstrados, ou, pelo menos, caso se considere provado que o A. ainda poderá obter a capacidade de prática do ato sexual através desses tratamentos ou próteses, não se pode considerar, desde já, na quantificação da compensação por danos morais, essa aludida afetação sexual, pelo menos enquanto dano futuro.
LXXXII - Por outro lado, atendendo às consequências do acidente, seria sempre exagerada a quantia arbitrada para compensação desses danos;
LXXXIII - Em face dos factos demonstrados e considerando também a afetação temporária da função sexual até à presente data, entende a recorrente que, em equidade, deve ser reduzida para a verba de 30.000,00€ a compensação devida ao A. pelos seus danos não patrimoniais, o que se requer.
LXXXIV- Para a hipótese de se entender que o facto de apenas existir a mera possibilidade de tratamento e recuperação (como, de facto, é o caso) não afasta a existência potencial de um dano, é, pelo menos certo que este não pode desde já, ser quantificado, já que só com a realização desses tratamentos se saberá se se mantém e a sua extensão.
LXXXV - Logo, se assim se entender, deve ser revogada a sentença na parte em que atribuiu ao A. a compensação de 60.000,00€ pelos seus danos não patrimoniais, e relegada a sua quantificação para liquidação ulterior, a efetuar depois de concluídos os tratamentos adequados à disfunção erétil de que o A. padece.
LXXXVI - Estabelecendo-se, ainda, como limite de tal condenação ilíquida o valor da compensação arbitrada na douta sentença pelos danos não patrimoniais e, sempre, a parte do valor do pedido que ficar ainda disponível depois de proferida a decisão final que ponha termo à ação.
LXXXVII- Ainda que assim não se entendesse e mesmo que não fosse alterada a decisão proferida quanto ao facto do ponto IV da matéria dada como não provada e 32, 34, 36, 37 e 48 dos factos considerados demonstrados, entende a recorrente, também pelas razões que já acima se expuseram, que seria sempre excessiva a quantia de 60.000,00€ arbitrada para compensação dos danos não patrimoniais.
LXXXVIII - Atendendo, globalmente, aos factos provados, considera a Ré que, mesmo nesse caso, se imporia, em equidade, a redução da compensação pelos danos morais para a verba de 45.000,00€, o que se requer.
LXXXIX - Tendo a Ré procedido ao pagamento ao A. da quantia de 5.000,00€ a título de adiantamento por conta da indemnização, essa quantia deve ser abatida à indemnização a fixar nestes autos o que se requer;
XC - O direito de indemnização da A. N. J. por danos não patrimoniais próprios não existe, nem mesmo à luz da interpretação atualista da norma do artigo 496º que foi feita no douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 6/2014, de 09 de Janeiro.
XCI - Resulta dos factos provados que o A. C. J., com a exceção da necessidade de duas horas diárias de ajuda para se vestir e tomar banho, é autónomo, não está “preso” a uma cama ou cadeira de rodas, fazendo uma vida quase normal, inclusive com uma atividade profissional, consegue caminhar e pode realizar com a A. N. J. atividades de lazer, saindo de casa, mantém a sua capacidade cognitiva e de relacionamento social, não tendo a A. ficado privada da companhia deste e não está impedido de realizar as tarefas domésticas – facto não provado -, tendo-se apenas provado que deixou de as realizar.
XCII - Apesar de se ter provado que a A. dá algum auxílio ao seu marido (sendo necessárias, por causa do acidente, duas horas diárias), não nos podemos esquecer que foi arbitrada ao A. C. J. uma indemnização correspondente ao custo da contratação de terceira pessoa.
XCIII - A ser confirmada a decisão na parte em que a Ré foi condenada a pagar ao A. uma indemnização pela necessidade de terceira pessoa, a A. já não estará sobrecarregada com o encargo de prestar esse mesmo auxílio e nunca poderia ser atribuída à A. N. J. uma compensação por se ver forçada a prestar essa ajuda e, do mesmo passo, ser atribuída ao A. C. J. indemnização para obter essa ajuda de terceiros, sob pena de duplicação do mesmo dano.
XCIV - Por fim, importa salientar que a Ré impugnou a decisão proferida quanto aos factos dos pontos IV da matéria considerada não provada e 32, 34, 36 e 37 da matéria dada como provada, uma vez que não se provou que o A. C. J. esteja definitivamente afetado por uma disfunção eréctil.
XCV - Portanto, na perspetiva da recorrente, os factos provados não permitem concluir que a A. esteja definitivamente privada de manter com o seu marido uma interação sexual satisfatória, desde que os tratamentos sejam eficazes.
XCVI - E, assim sendo, considera a Ré que não integra a situação em análise a gravidade suficiente para merecer a tutela do direito, impondo-se a revogação da sentença na parte em que atribuiu à A. N. J. a compensação de 50.000,00€, absolvendo-se a Ré, nessa parte, do pedido.
XCVII - Ainda que, porventura, se viesse a considerar provado que o A. C. J. está definitivamente afetado pela disfunção sexual – o que não se concede – seria apenas este o aspeto mais relevante do dano desse sinistrado com reflexo no bem estar da A. N. J..
XCVIII - Sem recusar a relevância desse aspeto na vida do ser humano, não se pode fazê-lo suplantar, em termos de importância, outras vertentes da relação pessoal, nomeadamente a companhia, o afeto reciproco e o apoio, que assumem, porventura, um papel ainda maior na manutenção dos laços conjugais.
XCIX - Em face de tudo o exposto e mesmo que se considere que é devida à A. N. J. alguma compensação, é manifestamente excessiva aquela que foi fixada na sentença a qual, a ser considerada devida, deve ser reduzida para a verba de 15.000,00€, o que se requer.
C - A douta sentença sob censura violou as normas dos artigos 496º e 566º do Código Civil e fez menos boa interpretação da norma do artigo 59º do DL 187/2007;
Termina entendendo que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença sob censura e decidindo-se nos moldes acima indicados.

Os AA. contra-alegaram, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

O recurso foi admitido por despacho de 26/11/2020 (refª 170765546).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2 (aplicável “ex vi” do artº. 663º, n.º 2 in fine), 635º, nº. 4, 637º, nº. 2 e 639º, nºs 1 e 2 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante designado NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pela Ré, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

I) – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
II) – Determinação dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos A. C. J. e reapreciação dos valores indemnizatórios que lhe foram atribuídos por esses danos;
III) – Do direito de indemnização da A. N. J. por danos não patrimoniais próprios e a sua quantificação.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:

a.
No dia 16 de Novembro de 2013, pelas 10:30m, na EN 14, na freguesia de ..., em Vila Nova de Famalicão, o Autor C. J. circulava, no sentido Braga – Vila Nova de Famalicão, ao volante do motociclo de matricula LQ, ocupando a hemi-faixa direita destinada ao seu sentido de trânsito,
b.
No mesmo circunstancialismo de tempo e lugar, mas em sentido oposto, sentido Vila Nova de Famalicão – Braga, circulava J. C. ao volante do veiculo ligeiro de passageiros de matricula PQ,
c.
A EN 14, configura uma recta, tem duas faixas de rodagem uma para cada um dos sentidos de trânsito e, cada uma, com largura de 3,5 metros, separadas entre si por uma linha longitudinal continua e ao quilometro 34,30 configura um entroncamento à esquerda com a Rua ..., atento o sentido seguido pelo PQ, acompanhada de traçado descontinuo junto ao enrocamento [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “entroncamento”, em face do teor do artº. 19 da p.i. e doc. 4 junto com aquele articulado, não impugnados pela Ré].
d.
O Condutor do veiculo de matricula PQ, pretendia virar à esquerda, atento o seu sentido de marcha, Vila Nova de Famalicão – Braga, para a Rua ..., direcionou a marcha do seu veiculo para a esquerda e ocupou a faixa de rodagem contrária, onde seguia o Autor.
e.
O PQ cortou a faixa de circulação ao Autor.
f.
A parte frontal do motociclo embateu na parte frontal esquerda do PQ.
g.
Por força do embate o Autor tombou violentamente no chão, juntamente com o veiculo em que seguia.
h.
A situação clinica do autor foi em 18 de Março de 2015, pela rede de prestadores de serviços médicos convencionados pela ré, considerada consolidada.
i.
A Ré assumiu a responsabilidade pelas consequências do sinistro, o que comunicou ao seu segurado e ao A C. J. por cartas dirigidas a cada um deles no dia 26/12/2013 e por conta da indemnização pagou ao autor o total de Total: 84.951,07€ sendo:
- a título de perdas salarias a quantia de 41.700 euros (4.500,00€+2.000,00€+2.800,00€+2.800,00€+ 2.800,00€+2.800,00€+3.000,00€+2.800,00€+2.800,00+2.800,00€+2.800,00€+2.800,00€+2.800,00+1.400,00€ +1.400,00€+1.400,00€)
- a título de indemnização pelas despesas conexas com a necessidade temporária de terceira pessoa, a quantia de 7.125,00€ (1.500,00€+750,00€+750,00€+750,00€+750,00€+750,00€+750,00€+ 375,00€+375,00 €+375,00€)
- a título de adiantamento por conta da indemnização – 5.000,00€
- em despesas de farmácia, conexas com as lesões sofridas pelo A. C. J., a quantia de 355,72€
- no reembolso de despesas médicas, a quantia de 7.852,37€
- No pagamento de despesas hospitalares, tratamentos, consultas ou exames realizados ao A. por causa das lesões sofridas no acidente, a quantia de 22.917,98€.
j.
O autor nasceu em -.11.1968 e tem como habilitações académicas a licenciatura em engenharia de Polimeros.
k.
A Ré Seguradoras ..., S.A., pessoa colectiva ………, através do contrato de seguro, titulado pela apólice nº …… válida e eficaz à data do acidente, assumiu a responsabilidade civil perante terceiros pela circulação do veículo matrícula PQ.

(Do articulado superveniente):
l.
No dia 26-05-2017, o autor requereu ao CNP a atribuição de uma pensão por invalidez permanente;
m.
O autor foi reformado por invalidez, tendo-lhe o CNP atribuído uma pensão de invalidez permanente com início em 26-05-2017, no valor líquido de 1962,13 € / mensais e bruto de 2705,13 €/mensais;
n.
A referida pensão vem sendo paga ao autor desde 26-05-2017, sendo liquidada 14 vezes por ano;
o.
Essa pensão é vitalícia e anualmente actualizada e será paga enquanto o autor reunir as condições que determinaram a sua atribuição;
p.
Entre 26-05-2017 e 23-05-2018 o autor recebeu do CNP, a título de pensão de invalidez a quantia liquida de 29 468,78 €.

Da instrução da causa provaram-se os seguintes factos (por referencia à numeração constante do despacho dos temas de prova):
2.
Como consequência necessária e direta do referido embate o Autor teve de ser transportado de imediato para o Hospital ..., pelos serviços de urgência, onde deu entrada no serviço de urgência inconsciente.
3.
Como consequência direta e necessária do acidente de viação supra descrito, o Autor sofreu múltiplas e graves lesões, nomeadamente:
- pneumotórax esquerdo;
- fratura dos arcos costais à esquerda:
- fratura cominutiva do colo do húmero direito e cabeça;
- fratura instável da bacia;
- fratura da articulação tibiotársica esquerda;
- hematoma pélvico com extensão à parede abdominal anterior região inguinal e raiz da coxa direita;
- traumatismo do membro inferior direito, e
- lesão do prepúcio.
4.
Ficou internado no Hospital ...,
5.
Esteve em coma durante 3 semanas, permanecendo na Unidade de Cuidados Continuados.
6.
A 22 de Novembro de 2013 foi submetido a cirurgia, pela fratura da bacia, onde lhe foi colocada CClamp à entrada e posteriormente com parafuso na sacro–ilíaca direita.
7.
No dia 26 de Novembro de 2013 foi sujeito a encavilhamento com Versanil úmero.
8.
A 6 de Dezembro de 2013 foi submetido a osteossíntese da sínfise pública.
9.
A 8 de Janeiro de 2014 por infeção da ferida foi submetido a lavagem e desbridamento cirúrgico.
10.
Foi seguido nas especialidades de ortopedia, urologia,
11.
Onde lhe foram diagnosticadas as seguintes lesões:
- Pneumotórax esquerdo;
- fratura dos arcos costais posteriores à esquerda;
- fratura cominutiva do colo do úmero direito e extensão à cabeça;
- fratura instável da bacia (colocação de C-Clamp, hematoma pélvico a envolver o buraco obturador direito e região inguinal e raiz da coxa direita envolvendo também os músculos da parede abdominal anterior direita;
- fratura da articulação tibiotársica esquerda;
- lesão do prepúcio;
- retração testicular direita e
- disfunção erétil completa.
12.
Teve alta Hospitalar no dia 12 de Fevereiro de 2014.
13.
Foi encaminhado para a consulta de Dor Crónica e Anestesiologia do Hospital ... e para a medicina física e reabilitação daquele hospital, onde fez fisioterapia.

14.
Foi encaminhado para a consulta de Psiquiatria do Hospital ..., pelo seu humor depressivo, onde lhe foi diagnosticada uma sintomatologia depressiva severa, clinicamente significativa e com comprometimento da funcionalidade.
15.
Desde o acidente passou a sofrer de sequelas do foro psiquiátrico:
- irritabilidade exacerbada com terceiros e familiares, tornando-se irritável e intempestivo; insónias, dormindo por curtos períodos e com sono agitado, com crises de sonambulismo;
- cefaleias;
- estado de ansiedade; e esquecimento fácil
- humor deprimido;
- instabilidade emocional;
- medo;
- revivescências traumáticas do acidente;
16.
O autor ficou com uma desvalorização funcional permanente de 54 pontos.
17.
As lesões provocaram ao Autor dores físicas intensas e atrozes, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos, que o vão acompanhar durante toda a vida, e que se exacerbam com as mudanças de tempo.
18.
O autor sente grande cansaço, incómodo e fenómenos dolorosos ao nível dos membros inferiores e do membro superior esquerdo, apresentando no membro superior direito limitação de mobilidade do ombro (abdução até aos 90º com diminuição acentuada das rotações, em especial a externa) e 3 cicatrizes inferiores a cinco cm; no membro superior esquerdo uma cicatriz; no membro inferior direito cicatriz no calcanhar e alterações tróficas da pele no tornozelo; no membro inferior esquerdo cicatrizes, dor à palpação no tornozelo, limitação da mobilidade do tornozelo (dorsiflexão e flexão plantar inversão e eversão) alterações tróficas da pele do tornozelo.
19.
Estas sequelas incapacitam-no para qualquer atividade desportiva como jogging, caminhadas, basquetebol, das quais era praticante.
20.
O Autor não aguenta carregar pesos.
21.
Não consegue andar a pé mais de 45 minutos nem estar sentado mais de 25 minutos seguidos.
22.
À data do acidente, o Autor era uma pessoa, em pleno vigor, fisicamente bem constituído e saudável, escorreito, sem mazelas, ativo, que trabalhava, fazia caminhadas e jogava basquetebol e que cuidava do seu aspeto físico.
24.
À data do acidente o Autor desempenhava as funções de Diretor Comercial da empresa Y – Acessórios Auto, Lda, pessoa colectiva n.º ......... auferia rendimento do trabalho mensal de líquido € 3204,10, sendo que no ano de 2013 recebeu a quantia ilíquida anual de 61.683,79 euros.
25.
O Autor necessita de acompanhamento médico permanente nomeadamente ao nível psiquiátrico consulta da dor crónica.
26 (e 45).
A nível medicamentoso necessitará de futuro de medicação de foro psiquiátrico e de analgésicos.
27 (e 45).
Toma, diariamente, ansiolíticos, anti-inflamatórios, relaxantes musculares, antidepressivos, indutores de sono.
28.
Esteve - o período de incapacidade geral total e parcial (ITGT/P) de 781 dias;
29.
O autor esteve em situação de ITA entre 16 de novembro de 2013 a 10 de dezembro de 2014 e 23 de janeiro de 2015 a 18 de março de 2015.
30.
O autor esteve em situação de ITP de 50% entre 10 de dezembro de 2014 a 23 de janeiro de 2015.
31.
Autor a partir de outubro de 2014 retomou a sua atividade profissional auferindo a mesma remuneração.


32.
- O quantum doloris de grau 6 na escala gradativa de 1/7, e repercussão permanente na atividade sexual grau 5/7.
33.
- O dano estético de grau 4, na escala crescente de 1/7 e a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 4/7.
34.
O Autor sofreu uma lesão do prepúcio com retração testicular direita, que motivou uma intervenção cirúrgica para retirada do testículo direito e colocação de prótese e que lhe acarretou disfunção erétil total.
35.
Foi-lhe prescrita pela especialidade de urologia do Hospital ... reabilitação da parte sexual com bomba de vácuo + caverject + testosterona + sildefanil [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “sildenafil”, em face do teor do documento junto a fls. 160vº a 164 e do relatório médico de fls. 338] (viagra), sem sinais positivos.
36.
Foi aconselhado pelo seu médico urologista a fazer um tratamento inovador, em sessões de vácuo terapia, com o Enfermeiro A. C. a mesma não surtiu qualquer efeito, mantendo-se a disfunção erétil total sexual do Autor, o que lhe causa grande angústia e depressão e perda de vontade de viver, sente-se diminuído enquanto homem.
37.
A não resposta desde o acidente do seu órgão sexual aos seus estímulos, causa ao autor imensa tristeza e vergonha de si mesmo, vê-se diminuído na sua masculinidade.
38.
As funções de Diretor Comercial na empresa Y consistem em visitar clientes por todo o país, promover a venda de Baterias Industriais, vendidas por aquela empresa, a realização de centenas de quilómetros diários e prestar assistência na manutenção das baterias industrias quando necessário aos clientes da sua entidade empregadora, que implica manobras de carga e descarga com o empilhador, e levantamento de módulos de baterias que podiam chegar a pesar 40 kg atividades que hoje em dia não consegue desempenhar.

39.
As lesões que lhe foram perpetradas pelo acidente impedem-no de fazer manutenção em baterias industriais, não consegue subir e descer para o empilhador, e não consegue levantar módulos de baterias para promover pela manutenção das mesmas.
41.
As sequelas do autor são compatíveis com outras atividades profissionais dentro da sua área técnico profissional.
42.
O autor depois de 20 a 30 minutos a conduzir começa a perder sensibilidade nos membros inferiores e superior esquerdo.
43.
O Autor irá necessitar do auxilio de terceira pessoa para o resto da sua vida durante 2 horas por dia para que o auxiliem a vestir-se, no banho,
44.
A Autora, denunciou o contrato de trabalho que mantinha com o Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, para auxiliar o autor nas suas tarefas básicas.

Factos aditados em audiência de julgamento:
45-A
O Autor não contratou qualquer pessoa para o auxiliar nos actos da sua vida diária, até à presente data.
45-C
Na sequência da conclusão dos tratamentos médicos decorrentes do acidente, o Autor voltou a exercer a sua profissão ainda que com as limitações provenientes das sequelas, tendo desempenhado e auferido os mesmos rendimentos provenientes do sinistro, o que ainda se verificava em 30.09.2007, dado o último recibo de vencimento constante dos autos.
***
Da Autora Mulher:
46.
A Autora é casada com o Autor desde - de Dezembro 1992.

47.
Tomavam as refeições em conjunto preparados por ambos, o Autor auxiliava a Autora nas lidas domésticas da casa, nomeadamente nas limpezas da mesma, dormiam juntos, partilhando o leito, a responsabilidade de educação dos seus dois filhos, acompanhavam-se mutuamente no dia-a-dia com manifestações de carinho, solidariedade, amizade e boa e sã convivência.
48.
Depois do acidente o autor deixou de interagir com a Autora e de colaborar nas lides domésticas, afastou-se da Autora, Vive para si mesmo, com vergonha do seu estado. deixou de procurar e Rejeita a Autora para manterem relações ou qualquer contacto sexual e não responde aos seus estímulos.
49.
A Autora tem de auxiliar o Autor a realizar a sua higiene pessoal, a subir e descer escadas, a ampará-lo quando este vai a casa de banho.

Por outro lado, na sentença recorrida, quanto a factos não provados, é referido o seguinte [transcrição]:

Nada mais se provou de pertinente à decisão, designadamente que:
i. O Autor circulava no seu motociclo com capacete, casaco protetor, luvas protetoras, calças protetoras e botas adequadas à condução de um motociclo.
ii.Está incapaz para o exercício da sua profissão habitual.
iii. O autor antes do acidente sofria de insónias dormindo 5/6 horas iv. É possível que o Autor obtenha capacidade para praticar o acto sexual mediante a aplicação de uma prótese peniana, que recusou no decurso dos tratamentos.
*
Apreciando e decidindo.

I) – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Vem a Ré, ora recorrente, impugnar a decisão proferida quanto aos pontos 5, 16, 24, 25, 32, 34, 36, 37, 38, 39 e 48 dos factos provados e ponto iv dos factos não provados, por entender que o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, tendo desconsiderado ou não interpretado convenientemente alguns elementos de prova constantes do processo, sendo que a prova produzida nos autos impunha decisão diversa da proferida quanto àqueles factos, pretendendo que:
a) - no ponto 5 dos factos provados seja dado como provado apenas que:
5. O Autor esteve sedado até ao 12º dia de internamento, permanecendo na Unidade de Cuidados Continuados;
b) - no ponto 16 dos factos provados seja dado como provado que:
16. O autor ficou com uma desvalorização funcional permanente de 54 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares;
c) - no ponto 24 dos factos provados seja dado como provado que:
24. À data do acidente o Autor desempenhava as funções de Diretor Comercial da empresa Y – Acessórios Auto, Lda., pessoa colectiva n.º ........., auferia rendimento do trabalho mensal líquido de € 2.764,13, acrescido de € 93,94 a título de subsídio de alimentação e € 196,79 a título de abono por falhas, sendo que no ano de 2013 recebeu a quantia ilíquida anual de € 61.683,79 e líquida de € 41.895,85;
d) - no ponto 25 dos factos provados seja dado como provado apenas que:
25. O Autor necessita de acompanhamento médico permanente ao nível psiquiátrico e consulta da dor crónica;
e) - no ponto 32 dos factos provados seja dado como provado apenas que:
32. O quantum doloris de grau 6 na escala gradativa de 1/7;
Ou, caso assim não se entenda:
“O quantum doloris de grau 6 na escala gradativa de 1/7 e repercussão permanente na actividade sexual de grau ainda não concretamente apurado”;
f) - no ponto 34 dos factos provados seja dado como provado apenas que:
34. O Autor sofreu uma lesão do prepúcio com retração testicular direita, que motivou uma intervenção cirúrgica para retirada do testículo direito e colocação de prótese e que lhe acarretou, até ao momento, disfunção erétil total;
g) - no ponto 36 dos factos provados seja dado como provado apenas que:
36. Foi aconselhado pelo seu médico urologista a fazer um tratamento inovador, em sessões de vácuo terapia, com o Enfermeiro A. C., a mesma não surtiu qualquer efeito, mantendo-se na presente data a disfunção erétil total sexual do Autor, o que lhe causa grande angústia e depressão e perda de vontade de viver, sente-se diminuído enquanto homem;
h) - no ponto 37 dos factos provados seja dado como provado apenas que:
37. A não resposta desde o acidente até à presente data do seu órgão sexual aos seus estímulos, causa ao autor imensa tristeza e vergonha de si mesmo, vê-se diminuído na sua masculinidade;
i) - no ponto 38 dos factos provados seja dado como provado apenas que:
38. As funções de Diretor Comercial na empresa Y consistiam, entre outras, em visitar clientes por todo o país, promover a venda de Baterias Industriais, vendidas por aquela empresa, a realização de centenas de quilómetros diários e prestar assistência na manutenção das baterias industriais quando necessário aos clientes da sua entidade empregadora, que implica manobras de carga e descarga com o empilhador, e levantamento de módulos de baterias que podiam chegar a pesar 40 kg, actividades que hoje em dia são exercidas pelo A. à custa de esforço suplementar;
j) - no ponto 39 dos factos provados seja dado como provado apenas que:
39. As lesões que lhe foram perpetradas pelo acidente implicam esforços suplementares ao fazer manutenção em baterias industriais, dificuldade em subir e descer para o empilhador, e em levantar módulos de baterias para promover pela manutenção das mesmas;
k) - no ponto 48 dos factos provados seja dado como provado apenas que:
48. Depois do acidente e até este momento o autor deixou de interagir com a Autora e de colaborar nas lides domésticas, afastou-se da Autora, vive para si mesmo, com vergonha do seu estado, deixou de procurar e rejeita a Autora para manterem relações ou qualquer contacto sexual e não responde aos seus estímulos;

Ou, caso assim não se entenda:
“Depois do acidente o autor deixou de interagir com a Autora e de colaborar nas lides domésticas, afastou-se da Autora, vive para si mesmo, com vergonha do seu estado, e até este momento, deixou de procurar e rejeita a Autora para manterem relações ou qualquer contacto sexual e não responde aos seus estímulos”;
l) – o ponto iv dos factos não provados seja considerado provado com a seguinte redacção:
iv. É possível que o Autor obtenha capacidade para praticar o acto sexual mediante o tratamento por choques ou aplicação de uma prótese peniana, que recusou no decurso dos tratamentos;

Ou, pelo menos:
iv. É possível que o Autor obtenha capacidade para praticar o acto sexual mediante a aplicação de uma prótese peniana, que recusou no decurso dos tratamentos.

Para fundamentar a sua pretensão a recorrente invoca e faz uma análise dos seguintes elementos de prova constantes dos autos:
a) ponto 5 dos factos provados - registos clínicos do A., mais precisamente, a nota de admissão do A. no serviço de Cuidados Intensivos do Hospital ... de fls. 323 e a nota de transferência do A. para o serviço de Cuidados Intermédios do mesmo Hospital de fls. 327;
b) pontos 32, 34, 36, 37 e 48 dos factos provados e ponto iv dos factos não provados – registos clínicos do acompanhamento médico que o A. obteve ao nível da especialidade de urologia no Hospital ..., mais precisamente, os “resumos clínicos” da especialidade de urologia constantes de fls. 319 (entrada de 11/02/2014), fls. 311 (entrada de 10/11/2015), fls. 310 (entrada de 12/10/2016) e fls. 312vº (entrada de 12/05/2015); depoimento da testemunha Dr. A. P., médico urologista que acompanhou o A. no Hospital Escala … e esclarecimentos dos peritos que intervieram na perícia médico-legal realizada ao Autor prestados em audiência de julgamento;
c) ponto 16 - relatório de perícia médico-legal constante de fls. 371 e seguintes, facto este que resultou demonstrado no decurso da acção, sendo complementar do que foi alegado pela Ré no artº. 195º da contestação e também em relação ao alegado pelo A., em sentido contrário, no artº. 130º da petição inicial e dado como não provado no ponto ii);
d) pontos 38 e 39 dos factos provados – relatório pericial constante de fls. 371 e seguintes, declarações de parte da Autora N. J. e depoimentos das testemunhas A. J., J. F. e P. P.;
e) - ponto 24 dos factos provados - recibos de vencimento do A. referentes aos anos de 2012 e 2013 juntos a fls. 271vº a 284vº;
f) - ponto 25 dos factos provados - relatório pericial constante de fls. 371 e seguintes e esclarecimentos dos peritos que intervieram na perícia médico-legal realizada ao Autor prestados em audiência de julgamento.

Ora, na “motivação de facto” que integra a sentença recorrida, escreveu-se o seguinte [transcrição]:
«O Tribunal na decisão sobre a matéria de facto valorou a prova testemunhal produzida em sede de audiência final conjugada com a documental nos autos analisada no seu todo e com recursos às regras de experiência comum.
Assim e em concreto:
Ponto 2 - relatório clínico
Pontos 3 e 4 – doc. a fls. 139 e ss
Ponto 5 –
O documento de fls. 323, do qual consta que o autor à entrada na unidade entubada, sedado (…) foi sedado entubado e ventilado (…) mantida a sedação com boius na data da sua admissão na UCI do Hospital ..., 16.12.2013 [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “16.11.2013” em face da data que consta na nota de admissão na UCI do Hospital ... de fls. 323], Padrão 12 da escala de Glasgow.
O documento de fls. 333 nota de transferência da UCI para UC refere por seu turno que em 2.12.2013 que o autor foi extubado ao D 12 de internamento, tendo tido alta da UCI em 3.12 sendo o parâmetro da escala de Glasgow então o de 15.
A escala de Glasgow, conhecida também como a escala de coma de Glasgow (ECG) é uma escala de ordem neurológica capaz de medir e avaliar o nível de consciência de uma pessoa que tenha sofrido um traumatismo craniano.
Esta escala é um método bastante confiável para detectar o nível de consciência de uma pessoa após acidentes, não tendo sido posta em causa pelas partes. A interpretação da sua pontuação no total: de 3 a 15 corresponde:
• 3 = Coma profundo; (85% de probabilidade de morte; estado vegetativo)
• 4 = Coma profundo;
• 7 = Coma intermediário;
• 11 = Coma superficial;
• 15 = Normalidade.
Estando o autor entubado, (isto é não respirava por si, sedado e sendo o seu estado na escala de Glasgow de 12, o tribunal só pode concluir que estava em coma. (no caso o coma terá naturalmente sido induzido como resulta do próprio teor do documento médico (foi sedado) e como tal o seu coma foi superficial.
É o que, no entendimento deste tribunal, que presidiu ao julgamento, em primeira instância, determina a resposta afirmativa a este ponto da matéria de facto. doc. 323
Pontos 6, 7, 10 – doc. 140
Ponto 8 – fls. 141
Ponto 9 – fls. 143
Ponto 10 – doc. 140
ponto 11 – fls. 139 e ss e 148 v, fls. 335 e 337 (dois últimos pontos)
ponto 12 – fls. 149 e 150
pontos 13, 14: informação clínica junta aos autos mormente das consultas de psiquiatria Drª C. B. e da consulta de anestesiologia Dr F. A.
ponto 15, 17, 18, 20, 21 -
Resultam cumulativamente dos mesmos meios probatórios a saber: As respostas dos peritos médicos aos quesitos apresentados pelo autor e relatórios de psiquiatria Os relatórios clínicos referidos nas demais respostas à matéria de facto e que também aqui se dão por integralmente reproduzidos por brevidade, a que acrescem os relatórios de ortopedia consistentes no seu relato com as lesões e limitações em causa, de neurologia, em que é referida a má resposta da perna direita (5.06.2017) e bem assim o relatório pericial, se encontram fundamentados, expressos claros e isentos de dúvida a nosso ver no que respeita à globalidade das lesões e sequelas também aqui perguntadas.
Concomitantemente, tanto a co autora N. J., como a sua filha M. J. e testemunhas A. J. e P. P. foram impressivas quanto à materialidade perguntada, porquanto a esclareceram de modo claro, isento coerente e com conhecimento direto dos factos mercê da sua especial relação com o autor.
Estes depoimentos, pela sua credibilidade, isenção e razão de ciência, determinaram este tribunal a convencer-se da realidade aqui perguntada, a qual surge como perfeitamente plausível e adequada em função das regras da experiência comum, aplicáveis a situações como a do autor, vitima de grave acidente de viação, e como tal, a responder afirmativamente à mesma.
pontos 16:
A convicção do tribunal surge motivada na perícia de fls. 371 e nos esclarecimentos dos peritos em julgamento.
Concretizando melhor, o relatório da perícia médico-legal realizada ao autor concluiu que o DFPIFP é de 54 pontos, como melhor resulta das suas premissas a resultar da “ponderação baseada na TNI (quadro constante do relatório) e considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas serem causa de limitações funcionais”.
No próprio relatório se refere expressamente quais os danos, sequelas e repercussões destes no autor ponderados, para cuja enunciação se remete.
Este relatório efetuado por peritos especializados sobre matérias especializados, não oferece a menor dúvida a este tribunal sobre a sua correspondência com a realidade observada e correta ponderação, donde que foi aceite sem reservas o que do mesmo consta e que foi nesta sede corroborado pelos exmos snrs peritos em audiência.
Donde que se considere provada a matéria enunciada.
Ponto 19: perícia – fls. 371, esclarecimentos dos peritos em audiência final
Ponto 22:
Este ponto da matéria de facto, apoia-se no relatório pericial que refere que o autor praticava desporto com os filhos, nas declarações da co-autora mulher, que se referiu ao autor como marido saudável, com vida social conjunta e ativa, com partilha das lides domésticas e acompanhamento dos filhos do casal, o que foi reiterado pela filha, M. J..
O convencimento destes factos surge ainda como resultado da ponderação, por um lado da forma como o mesmo realizava a sua vida profissional, de modo ativo, com visitas a clientes em todo o país e participação nas atividades da empresa que exigiam esforços físicos, atestado pelas testemunhas A. J. e P. P., não sendo conhecidas no processo ao autor quaisquer mazelas ou doenças anteriores ao sinistro.
Donde que também aqui o conjunto das prova referidas, valoradas de acordo com as regras da experiência comum, em tais casos, permitem que tais factos se tenham por provados
ponto 24 – docs fls. 45, 47, 228 e ss, 241 e 271
Concretamente:
Este tribunal motivou a resposta nos documentos de fls. 45, 47, 228, 241 e 271 dos autos.
Os recibos do autor a fls. 45 e 46 atestam o recebimento, por este, do valor mensal de 3.2014,10 euros líquidos [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “3.204,10 euros líquidos”, em face do teor do recibo de vencimento do A. constante de fls. 46] em 31.10.2013 e o IRS, junto a fls. 47, apresentado pelo autor no ano de 2013 bem assim como os recibos de vencimentos juntos a fls. 271 e 272 respeitantes a ao ano de 2012, estão em linha com este montante de vencimentos, tendo o autor declarado receber o valor anual de 61.683,79 euros
Tais documentos não impugnados, por se referirem ao salário do autor e à sua declaração junto das finanças, são idóneos e atestam a prova dos factos respondidos neste ponto da sentença, constando da respectiva motivação por excesso os documentos de fls. 228 e 241 que se excluem agora, já que são posteriores à data aqui questionada. Os recibos do autor a fls. 45 e 46 atestam o recebimento, por este, do valor mensal de 3.2014,10 euros líquidos [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “3.204,10 euros líquidos”, em face do teor do recibo de vencimento do A. constante de fls. 46] em 31.10.2013 e o IRS junto a fls. 47, apresentado pelo autor no ano de 2013 bem assim como os recibos de vencimentos juntos a fls. 271 e 272
O ponto 25:
Este ponto surge motivado no teor do relatório pericial de fls. 373 e nos esclarecimentos dos peritos produzidos em julgamento.
No relatório de fls. 373 cujo teor é claro e isento de dúvidas ficou a constar que ao autor sobrevirá para futuro: “dependências permanentes de ajudas: ajudas médico-medicamentosas (correspondem à necessidade permanente de recurso a medicação regular – ex. analgésicos, antiespasmódicos, ou antipiléticos sem a qual a vitima não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária, neste caso medicação de for psiquiátrico e analgésico - tratamentos médicos regulares correspondem à necessidade de recurso regular a tratamentos médicos para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas ex. fisioterapia. neste caso consultas regulares de psiquiatria e consulta da dor crónica”.
Este relato foi confirmado pelos Exmos Snrs peritos em audiência, não tendo sido contraditado por qualquer meio probatório idóneo ou convincente.
Tanto pela especialidade da matéria em causa, e qualidade dos peritos nele intervenientes, como pela sua não contrariedade no processo e em julgamento, suficiente tal prova para fundar a convicção deste tribunal de primeira instância quanto ao facto perguntado.
Os Pontos 26, 27, 28, 29, 30:
perícia – fls. 371, esclarecimentos dos peritos em audiência final, depoimento da mulher do Autor e da filha que confirmaram tais factos e documentos de fls. 152, fls. 139, a 149 e 308 a 322, 323 e 325
pontos 31 - recibos de remuneração juntos aos autos
O ponto 32:
Este ponto da matéria de facto surge motivado no relatório pericial junto aos autos e que é expresso e claro no sentido de que o quantum doloris corresponde à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, isto é, a data do evento e a cura ou a consolidação das lesões; fixável no grau 6 numa escala de 7 graus de gravidade crescente tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados.
A repercussão permanente das lesões sofridas pelo autor na atividade sexual é fixável no grau 5/7. Que este dano corresponde à limitação total ou parcial do nível de desempenho/gratificação de natureza sexual decorrente das sequelas físicas e ou psíquicas não se incluindo aqui os aspetos relacionados com a procriação. É fixável no grau 5 com base na ausência de erecção.
Trata-se de factos não contraditados por qualquer outro meio de prova, e que atenta a sua natureza e a especial preparação dos peritos técnicos que subscreveram o relatório são suficientes para a demonstração dos factos nelas referidos.
Pelo que o Tribunal considerou-se esclarecido para o que concorreram ainda os esclarecimentos que os snrs peritos prestaram em tribunal, concordantes com este relatório.
Ponto 33: perícia – fls. 371, esclarecimentos dos peritos em audiência final
O ponto 34:
Este facto está motivado no relatório pericial de fls. 373, relatórios clínicos de urologia juntos aos autos, ao que acresceu a prova testemunhal, produzida tanto pelo Dr A. P. urologista que seguiu o autor em consulta, como pelo enfermeiro A. C. que realizou com o autor diversos procedimentos, sem resultado, para tratamento da lesão. O relatório pericial é expresso ao referir que o autor apresenta ausência do testículo direito, substituído por prótese. Trata-se de um facto aferido por observação direta efetuada por peritos técnicos especializados no âmbito de uma perícia médico legal ordenada judicialmente, pelo que nenhuma dúvida se nos coloca quanto à sua veracidade. Tal facto é ainda atestado, no relatório clinico da consulta de urologia de 12.10.2016 “doente submetido a orquiectomia direita após traumatismo pélvico”.
Trata-se a nosso ver de documentos suficientes e bastantes para atestarem este facto, que não foi contraditado por qualquer outro meio probatório, pelo que este tribunal de primeira instância convenceu-se com base nos mesmos da factualidade em causa.
A disfunção erétil total do autor surge documentada em todos os relatórios de urologia, bem assim como todos os tratamentos a que se submeteu, sem qualquer êxito.
A relação desta disfunção com a substituição do testículo direito por prótese é referida pelo Drº A. P. urologista que seguiu o autor em consulta e adicionou àquela causa a sequente baixa de libido e níveis baixos de testosterona.
O tratamento sugerido ao autor e que este recusou de colocação de prótese, não foi em si suficiente para o tribunal desconsiderar a disfunção erétil total porquanto, trata-se de um tratamento de “fim de linha” na expressão do próprio médico, irreversível e não existe garantia de que tal tratamento tenha sucesso.
A recusa deste tratamento, pelo autor, surge assim a nosso ver justificada, já que pela sua irreversibilidade e pela ausência de garantia, é uma proposta terapêutica arriscada, não valendo a sua recusa na ponderação global da situação fáctica em análise para diminuir a temporalidade ou a abrangência do dano.
O ponto 35:
Trata-se de factualidade amplamente referenciada nos relatórios clínicos de urologia do Hospital ..., juntos aos autos e sobre a qual depôs exaustivamente o Dr A. P. em audiência de julgamento, o que não por se tratar de relatórios clínicos mas também pela isenção e conhecimento especializado do Dr A. P., não mereceram quaisquer dúvidas.
O ponto 36:
– fls. 335, relatório pericial conjugado com relatórios clínicos e com a prova testemunhal, mais concretamente, a motivação do tribunal quanto aos factos aqui transcritos como assentes, resulta do teor do relatório pericial junto ao processo e supra referido; no que toca à disfunção eréctil total do autor, esta também amplamente documentada nas informações clínicas de 12.10.2016 e de 10.11.2015, 15.10.2015 e de 14.5.2015; sendo que, a situação clinica do autor, neste segmento, foi ainda descrita pela testemunha A. P., médico urologista que acompanhou o mesmo em consulta, e pela testemunha, A. C., enfermeiro cuja intervenção, foi pelo mesmo esclarecida em audiência de julgamento, quer quanto ao tratamento que realizou com o autor, quer quanto à inexistência de quaisquer resultados e bem assim a situação clinido autor.
Este depoimento, pela sua clareza, pela natureza da testemunha, já que se trata de profissional de saúde que veio depor sobre ato da sua competência, em nenhum momento colocada em causa, quer pela objectividade e imparcialidade demonstradas na totalidade do depoimento, que se encontra em linha com a prova produzida quanto ao dano em causa, nomeadamente, com a que consta do relatório pericial e documentos médicos assinalados foi em si mesmo amplamente convincente.
Ficou ainda este tribunal de primeira instância, convencido do estado de espírito depressivo do autor, com base nos relatórios médicos da consulta de psicologia, psiquiátrica e de neurologia (16.07.2015), do autor que referem repetidamente que este sofre de irritabilidade e de humor, tem dificuldade de evocação, de memória, de concentração, síndrome depressivo reativo a situação de doença, isola-se e exalta-se facilmente, dificuldades no sono, nível cognitivo pre-mórbido, sintomatologia depressiva grave, situação esta que foi também afirmada em audiência pela co-autora N. J. e testemunha M. J., respetivamente, mulher e filha do autor.
As razões expostas para a motivação ao facto 34º, no que respeita à colocação de prótese peniana ao autor, foram ponderadas do mesmo modo para a resposta a esta factualidade pelo que e por brevidade se têm por reproduzidas
A globalidade e credibilidade técnica e testemunhal desta prova não mereceu qualquer duvida ao juízo efetuado pelo tribunal.
O ponto 37:
relatório pericial e relatórios clínicos de urologia e psiquiatria juntos, mais concretamente, a resposta a este ponto da matéria de facto assenta nas provas documentais e testemunhais referidas já ao ponto 36, tais como, a referência clínica no relatório de psiquiatria de 02.05.2015 a “sindrome depressivo reativo a situação de doença” e de 11.01.2017 onde se refere que o autor apresenta dificuldade de ajustamento à dor e à disfunção erétil, conjugadas tais provas com a regra da experiência comum, tais como a importância reconhecida na auto estima humana da capacidade de manter sexualidade ativa, para indivíduos, adultos e casados, o que também é referido pela sua mulher a autora N. J. expressando que o autor diz ”que tem vergonha de olhar para o seu corpo por não se sentir homem”
O ponto 38:
Esta matéria resultou provada a partir da valoração da prova testemunhal produzida, como consta da motivação da sentença, e bem assim do teor das declarações da N. J., mulher do autor.
No que às declarações da N. J. respeita, anotou este tribunal de primeira instância que a mesma tinha conhecimento profundo dos factos a que depôs, quer pela sua especial relação de parentesco com o autor, quer pela sua contribuição efetiva que depois do acidente passou a dar a este, acompanhando-o em todos os atos da vida e também apoiando a empresa do autor, na área da gestão .
Também a testemunha A. J. depôs de modo claro, sabedor, isento e concordante com a resposta dada pelo tribunal ao referido ponto da matéria de facto.
Tais depoimentos, pela sua clareza e credibilidade permitiram não confundir a área da gestão com área comercial e de direção comercial, o que se fez, de modo implícito na resposta dada e conformemente o alegado e perguntado.
O ponto 39:
A convicção do tribunal nesta sede resulta desde logo do facto de o autor necessitar permanentemente de canadianas, e bem assim da ajuda de uma terceira pessoa para os atos quotidianos da vida, tal como consta do relatório de perícia médico legal efetuado nos autos e não colocado em causa.
Do mesmo relatório pericial consta ainda que o autor está incapaz de exercer atividades que impliquem esforços físicos. (resposta ao qto 6º da ré).
A dependência de terceira pessoa para atos quotidianos, atesta bem a perda de autonomia funcional do autor, enquanto o uso de canadianas pela sua própria natureza impede a movimentação autónoma dos membros superiores, consequentemente, só por si impediriam a realização das tarefas referidas neste ponto da matéria de facto e obviamente subir e descer do empilhador.
Tais factos são ainda atestados amplamente em audiência pela co-autora N. J., pela filha M. J., e pela testemunha A. J. que mereceram credibilidade atento o conhecimento que todos tinham dos factos e a imparcialidade e objetividade das respostas.
O ponto 41:
A motivação positiva a esta factualidade assenta primordialmente na resposta da perícia colegial aos quesitos 6º e 7º da ré, tendo esclarecido que o autor está incapaz para exercer atividades que impliquem esforços físicos; é de admitir que possa desempenhar outras atividades dentro da sua área profissional.
No mesmo sentido depôs a testemunha P. P. empregado do autor que refere ir o mesmo à empresa depois do acidente, mas ter deixado de realizar a manutenção das baterias, e bem assim a filha do autor referiu que o pai vai à empresa uma ou duas horas por dia.
O ponto 42:
– docs fls. 257 e 362, e bem assim a mulher do autor N. J. referiu que o autor perdeu a habilitação legal para conduzir moto, (o que também consta do relatório pericial), que o autor tem averbado à sua carta de condução que não pode afastar-se mais de 90km da sua residência e que não pode exceder os 80km/h, que tem falta de mobilidade no ombro esquerdo [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “ombro direito”, em face do teor do relatório de perícia médico-legal efectuada ao A. que se encontra junto a fls. 370 a 374].
Efetivamente do relatório pericial consta que o autor apresenta fenómenos dolorosos no ombro direito, ancas e tornozelo esquerdo, que a palpação do tornozelo esquerdo é referida como dolorosa, que apresenta limitação da mobilidade do tornozelo esquerdo (dorsi flexão e flexão plantar, inversão e eversão).
O depoimento da mulher do autor não foi posto em causa, oferece este total credibilidade, pelo que e conjugado o mesmo com o relatório pericial bem assim como a comprovada extensão e gravidade das lesões sofridas, serviram para convencer este tribunal de primeira instancia do facto dado como assente neste ponto.
O ponto 43: perícia – fls. 371, esclarecimentos dos peritos em audiência final
ponto 44 – o documento de fls. 51
O ponto 45:
– respondido conjuntamente com os pontos 26 e 27 da matéria de facto, baseando-se o tribunal nos mesmos meios probatórios que serviram àqueles pontos, mormente perícia – fls. 371, esclarecimentos dos peritos em audiência final, sustentados pelos depoimentos das testemunhas referidos supra, mormente a mulher do A., que confirmou esta factualidade.
O ponto 45 A:
Este facto tem o seu oposto no contexto do julgamento no facto provado 44, já que foi a própria co-autora a assumir ter rescindido o seu contrato de trabalho, para assumir integralmente o apoio ao autor, o que confirmou ainda em audiência e foi reiterado pela filha de ambos, de modo isento e objetivo; relação esta (entre factos) e provas estes que foram determinantes na resposta dada.
O ponto 45C -
A prova deste facto resulta não só da documentada e reconhecida capacidade que restou ao autor após o sinistro para executar algumas tarefas das que desempenhava antes do acidente (aquelas que não exigissem esforços físicos) e bem assim da ponderação dos recibos de vencimento que foram juntos aos autos referentes aos anos de 2016 e 2017 (até setembro), cujo montante auferido pelo autor em média ascende a cerca de 3.600 euros.
O ponto 46 - O documento de fls. 52
Os pontos 47, 48 e 49 -
Resultam cumulativamente, quer do teor dos relatórios clínicos e relatório pericial, já referidos neste despacho quanto ao estado clínico do autor e necessidade de ajudas permanentes e que por brevidade se não repetem; e por outro lado no relato pormenorizado que a co-autora N. J. fez destes factos em audiência, respondendo a todos eles de modo claro, transparente e objetivo, sem hesitação e com imparcialidade que não foi posta em causa. Este depoimento mereceu toda a credibilidade por isso mesmo, tendo sido confirmado pelo depoimento da testemunha M. J., filha de ambos que do mesmo modo se mostrou isenta e objetiva no seu depoimento.
A valoração positiva destas provas produzidas em audiência com as provas documentais constantes dos autos resulta da ponderação de todas elas em face das regras de experiência comum aplicáveis a casos como o dos autos de sinistrados com lesões profundas e graves e da razoabilidade e previsibilidade dos comportamentos atestados, que sobrevêm às pessoas afetadas por tais infortúnios.
Não ofereceu, pois dúvida a afirmação dos factos perguntados.
Globalmente ponderaram-se no julgamento, servindo à motivação e convicção no seu conjunto ainda os documentos
fls. 22 e ss – fotocópias do processo crime, fls. 132 declaração amigável, fls. 24 e 135 participação do acidente, fls. 26 v - recibo da certidão
fls. 33 e 151 – atribuição da incapacidade pelos serviços médicos da ré
fls. 37 - relatório médico Dr J. P.
fls. 44 fotocópia do BI, fls. 52 certidão do assento de casamento e fls. 205 – certidão do assento de nascimento
fls. 44 declaração de rendimentos do autos – da Y referente ao ano de 2013, fls. 45 fls. 271 a 302 recibos
fls. 49 recibos de serviços de enfermagem – terapia de vácuo
fls. 50 verso – atestado multiuso datado de 2-9-2015
fls. 51 – denúncia do ctt de trabalho da autor mulher
fls. 99 a 131 documentos comprovativos dos pagamentos parciais por conta da indemnização,
fls. 137/v e 138 - cartas remetidas pela ré ao segurado e autor
fls. 139 a 149 e 308 a 322 informação clinica do Hospital ..., fls. 150 – relatório de alta
fls. 152 certidão comercial da Y/Bateri.... II, fls. 241 a 256 – declaração da SS, fls. 242 extrato de remunerações
fls. 257 dgv e fls. 362 averbamentos
fls. 303 – informação do ME do quadro de pessoal
fls. 323 – ucip, fls. 325 e 333 relatórios operatórios, fls. 327 transferência, fls. 329 nota de alta de enfermagem, fls. 331 – nota de internamento, fls. 332, 336, 337, 338, 338v, 339, 339v, 341v, 343 - relatórios clínicos, fls. 340 relatório, fls. 342 relatório do EMG
fls. 403 informação da SS quanto à data da reforma, valor ilíquido e liquido, fls. 413 e 414
No que respeita aos factos não provados mormente ao facto constante do ponto iv, assim se entendeu porquanto para lá de nos registos clínicos estar contida a perda de sensibilidade que o autor veio a sofrer, nenhuma prova cabal se fez de que a colocação de prótese será procedimento adequado a eliminar a disfunção erétil do autor.
Também aos demais factos não provados se não produziu qualquer tipo de prova testemunhal ou outra.»

Decorre do disposto no artº. 662º, n.º 1 do NCPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjectiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no entender do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objecto da impugnação (cfr. acórdão do STJ de 1/10/2015, relatora Cons. Maria dos Prazeres Beleza, proc. n.º 6626/09.0TVLS, disponível em www.dgsi.pt).
Neste sentido, o artº. 640º do NCPC estabelece os ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, sendo a cominação para a inobservância do que aí se impõe a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
Por força deste dispositivo legal, deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do nº. 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do Tribunal “ad quem”, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer oficiosamente e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do nº. 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor de forma clara a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do nº. 1).
Decorre do que atrás se deixou dito que, no caso em apreço, a recorrente cumpriu os ónus que aquele dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do nº. 1, quer o da alínea a) do nº. 2, tendo inclusive procedido à transcrição de alguns trechos das declarações de parte da A. N. J., dos depoimentos das testemunhas Dr. A. P., Dr. A. J., J. F. e P. P. e dos esclarecimentos prestados pelos peritos que intervieram na perícia médico-legal realizada ao Autor, por ela mencionadas para fundamentar a sua pretensão, e estando gravados, no caso concreto, os depoimentos prestados em audiência de julgamento, bem como constando do processo toda a prova pericial e documental tida em atenção pelo Tribunal “a quo” na formação da sua convicção, nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto relativamente aos factos provados e não provados colocados em crise no presente recurso.
Em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, incumbe à Relação, “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto” (cfr. acórdão da RG de 15/10/2020, proc. nº. 3007/19.0T8GMR, disponível em www.dgsi.pt).
Importa, porém, não esquecer que se mantêm em vigor os princípios gerais da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova (este último consagrado no artº. 607º, nº. 5 do NCPC), sendo certo que o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Assim, a alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando seja possível concluir, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, ou seja, quando a Relação tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento relativamente a concretos pontos de facto impugnados (cfr. acórdãos da RG de 30/11/2017, proc. nº. 1426/15.0T8BGC-A, de 30/01/2020, proc. nº. 500/18.6T8MDL e de 15/10/2020 acima referido, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Tendo por base estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, apreciar e decidir sobre a impugnação da matéria de facto apresentada pela ora recorrente.
Com efeito, após ouvida a gravação da prova produzida em audiência de julgamento –com destaque para as declarações de parte da Autora N. J., os depoimentos das testemunhas Dr. A. J. (economista, técnico oficial de contas e director financeiro da empresa Y, actualmente designada Bateri.... II, pertencente ao A.), J. F. (comerciante de baterias e concorrente da empresa do A., sendo também seu cliente na aquisição de baterias industriais) e P. P. (trabalhador da empresa Bateri.... II, anteriormente designada Y, desde 2011), arroladas pelos AA., e Dr. A. P. (médico urologista que seguiu o A. C. J. em consulta, no Hospital ...), arrolada pela Ré/recorrente, todos eles mencionados nas alegações de recurso, relativamente aos factos provados e não provados acima referidos e colocados em crise pela recorrente - e sopesando-a com a restante prova existente no processo, designadamente com os depoimentos das demais testemunhas inquiridas, o relatório da perícia médico-legal realizada ao A. pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado constante de fls. 370 a 374, os esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pelos Srs. Peritos que examinaram o A. e os seguintes documentos:
- registos clínicos e relatórios médicos do Hospital ... juntos a fls. 309 a 343vº;
- recibos de vencimento do A. de fls. 45 a 46 e 271vº a 302vº;
- declaração de rendimentos do A. referente ao ano de 2013 junta a fls. 44vº;
- declarações de IRS dos AA. juntas pelo Serviço de Finanças de Braga a fls. 217 a 239;
- informação de serviço do IEFP referente à A. N. J. datada de 18/07/2016 (fls. 51 e verso);
- documentos comprovativos dos pagamentos feitos pela Ré ao A. juntos a fls. 99 a 131vº;
- ofício da Segurança Social datado de 17/11/2017 e extractos de remunerações do A. de Janeiro de 2013 a Novembro de 2017 (fls. 241 a 256);
- ofício do IMT datado de 23/11/2017 (fls. 257);
- emails da Segurança Social de 23/05/2018 e 19/06/2018 (fls. 403 e 413);
referidos na “motivação de facto” e nas alegações de recurso, e ainda com as regras da experiência comum, concluímos ser de atender parcialmente à pretensão da Ré/recorrente, no sentido de ser alterada a redacção dos pontos 5, 16, 24 e 38 dos factos provados (embora, quanto aos pontos 16, 24 e 38, em moldes ligeiramente diferentes dos referidos pela recorrente, conforme adiante se explanará), não assistindo razão à recorrente, salvo o devido respeito, quanto à restante matéria de facto que pretende ver alterada – ou seja, redacção dos pontos 25, 32, 34, 36, 37, 39 e 48 dos factos provados e ponto iv dos factos não provados seja dado como provado – relativamente à qual constatamos que o Tribunal “a quo” fez, no essencial, uma correcta apreciação e análise crítica de todos os elementos de prova constantes do processo, tal como consta clara e detalhadamente explanado na “motivação de facto” da sentença recorrida que acima transcrevemos, havendo, apenas, que introduzir uma alteração na redacção do ponto 32 dos factos provados, por forma a que a mesma seja rigorosamente mais consentânea com a prova pericial produzida nos autos.
Vejamos, então, os factos cuja decisão a Ré pretende impugnar.

Quanto ao ponto 5 dos factos provados que tem a seguinte redacção:

5. Esteve em coma durante 3 semanas, permanecendo na Unidade de Cuidados Continuados.
Alega a recorrente que este facto é de cariz médico e só pode ser atestado mediante os registos clínicos que constam do processo, não tendo o julgador interpretado convenientemente tal documentação clínica, porquanto a nota de admissão do A. na Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) do Hospital ..., que se encontra junta a fls. 323, menciona que o A. apresentava um grau de consciência de 12, numa escala de 1/15, ou seja, não estava inconsciente, nem em coma, e foi sedado na data de admissão (16/11/2013), resultando da nota de transferência do A. para o serviço de Cuidados Intermédios do mesmo Hospital (fls. 327) que no dia 12 de internamento foi suspensa a sedação e o A. foi extubado, sendo que à data da sua transferência para os Cuidados Intermédios o A. encontrava-se consciente e colaborante e com um grau de consciência de 15 na escala de Glasgow, não se podendo confundir o estado de sedação com um estado comatoso.
Ora, na nota de admissão do A. no serviço de Cuidados Intensivos do Hospital ... (em 16/11/2013) junta a fls. 323 e subscrita pelo Sr. Dr. J. E. (e também no “resumo da informação clínica” de fls. 317vº), consta que o A. apresentava um grau de consciência de 12 na escala de Glasgow, “foi sedado, entubado e ventilado (…) mantida a sedação com boius de MDZ”.
Consta ainda da nota de transferência do A. para o serviço de Cuidados Intermédios do mesmo Hospital, junta a fls. 327 e subscrita pela Srª. Drª. J. A., que no dia 12 (D12) de internamento (27/11/2013) foi suspensa a sedação, tendo o A. sido extubado no dia seguinte (28/11/2013). Neste registo clínico refere-se, ainda, que à data da transferência do A. para os Cuidados Intermédios – 2/12/2013 – este encontrava-se consciente, orientado e colaborante, tendo tido alta da Unidade de Cuidados Intermédios em 3/12/2013, sendo o parâmetro da escala de Glasgow então o de 15 (cfr. também nota de transferência de fls. 331 e “resumo da informação clínica” de fls. 319).
A escala de Glasgow, conhecida também como a escala de coma de Glasgow (ECG), é uma escala de ordem neurológica inicialmente utilizada para avaliar o nível de consciência de uma pessoa que tenha sofrido um traumatismo craniano, sendo actualmente aplicada a diferentes situações.

Esta escala é um método confiável e objectivo para registar o nível de consciência de uma pessoa, para avaliação inicial e contínua após um traumatismo craniano, não tendo sido posta em causa pelas partes. A interpretação da sua pontuação total - de 3 a 15 – é a seguinte (https://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_de_coma_de_Glasgow):

• 3 = Coma profundo, 85% de probabilidade de morte e em estado vegetativo;
• 4 = Coma profundo;
• 7 = Coma intermediário;
• 11 = Coma superficial;
• 15 = Normalidade.

Entendeu a Mª Juíza “a quo” que “Estando o autor entubado, (isto é não respirava por si, sedado e sendo o seu estado na escala de Glasgow de 12), o tribunal só pode concluir que estava em coma (no caso o coma terá naturalmente sido induzido como resulta do próprio teor do documento médico (foi sedado) e como tal o seu coma foi superficial”.
Contudo, de acordo com o artigo “Coma Induzido – O que é e para que serve”, escrito pelo Dr. PP. (especialista em Medicina Interna e Nefrologia) e publicado em https://www.mdsaude.com/neurologia/coma-induzido, o coma é definido como o “estado de redução da consciência com perda parcial ou completa da responsividade aos estímulos externos. Falando de modo mais simples, o coma é uma redução do nível de consciência, tornando o paciente incapaz de interagir adequadamente com o meio externo”. Para avaliar a profundidade do coma, os médicos utilizam a chamada “escala de coma de Glasgow” que “avalia o grau de consciência do indivíduo através de testes físicos simples que servem para observar como o paciente reage a certos estímulos, como dor ou sons. A classificação varia de 3 a 15 pontos. A pontuação mínima (3 pontos) é dada quando o paciente não responde a nenhum estímulo (coma profundo), e a máxima (15 pontos), em pessoas normais que não estão com seu estado de consciência afetado.
Este especialista explica que “o coma normalmente acontece em casos de agressão ao sistema nervoso central, nomeadamente do tronco cerebral, área que controla o estado de consciência” - exemplificando algumas situações que podem levar ao coma, como traumatismo craniano, infecção do sistema nervoso central (como no caso de meningite), tumor do cérebro, AVC, distúrbios metabólicos (tais como hipoglicemia, hiperglicemia, hipotireoidismo grave, insuficiência renal avançada) e coma alcoólico – e esclarece que “o chamado coma induzido é nada mais do que uma sedação farmacológica controlada, isto é, um estado de inconsciência provocado pela equipa médica através de drogas sedativas (…), sendo a causa mais comum para o uso da sedação a necessidade de ventilação mecânica. Além da ventilação mecânica, existem dezenas de outras indicações para sedar um paciente. Por exemplo, pacientes que apresentam intensa dor também podem ser sedados, isto é comum em politraumatizados e grandes queimados. Nesses casos, a sedação é feita junto com analgesia”, não sendo utilizado pela comunidade médica o termo de “coma induzido”, mas sim de sedação, correspondendo o coma apenas aos casos de redução do nível de consciência não provocados intencionalmente pela equipa médica.
Voltando ao caso dos autos, constatamos que na documentação clínica acima referida não é feita menção ao facto do A. ter estado em coma, mas sim à circunstância de, à data da entrada na UCI do Hospital ... (16/11/2013), o A. se encontrar sedado, entubado e ventilado, apresentando o grau 12 da escala de Glasgow (ou seja, muito próximo da consciência normal), mantendo-se sedado até ao 12º dia de internamento (27/11/2013), tendo nesta data sido suspensa a sedação e no dia seguinte (28/11/2013) o A. foi extubado. Aliás, refere-se, ainda, na nota de admissão do A. na UCI do Hospital ... (fls. 323), na nota de transferência para os Cuidados Intermédios (fls. 327 e 331) e no “resumo clínico” de fls. 319, que se tratava de um doente “politraumatizado sem TCE” (traumatismo crâneo-encefálico), o que evidencia que o A. não sofreu traumatismo craniano que afectasse o seu nível de consciência a ponto de entrar em estado de coma.
Por outro lado, consta da nota de transferência do A. da UCI para o serviço de Cuidados Intermédios do mesmo Hospital acima referida que, à data da transferência do A. para os Cuidados Intermédios (em 2/12/2013), este encontrava-se consciente, orientado e colaborante, tendo tido alta da Unidade de Cuidados Intermédios em 3/12/2013, sendo o parâmetro da escala de Glasgow de 15, ou seja, totalmente consciente.
Em face do acima exposto, entendemos que assiste razão à recorrente, pois não poderia o Tribunal “a quo” concluir dos registos clínicos supra mencionados, nem do facto do A. se encontrar no padrão 12 da escala de Glasgow, que o mesmo esteve em estado de coma, mas antes sedado (não se confundindo, em termos médicos, o estado de sedação com o estado de coma), pelo que deve o ponto 5 dos factos provados ser alterado, passando a ter a seguinte redacção:

5. O Autor esteve sedado até ao 12º dia de internamento, permanecendo na Unidade de Cuidados Continuados.

Quanto aos pontos 16, 38 e 39 dos factos provados que passamos a transcrever:

16. O autor ficou com uma desvalorização funcional permanente de 54 pontos;
38. As funções de Diretor Comercial na empresa Y consistem em visitar clientes por todo o país, promover a venda de baterias industriais, vendidas por aquela empresa, a realização de centenas de quilómetros diários e prestar assistência na manutenção das baterias industriais quando necessário aos clientes da sua entidade empregadora, que implica manobras de carga e descarga com o empilhador, e levantamento de módulos de baterias que podiam chegar a pesar 40 kg atividades que hoje em dia não consegue desempenhar;
39. As lesões que lhe foram perpetradas pelo acidente impedem-no de fazer manutenção em baterias industriais, não consegue subir e descer para o empilhador, e não consegue levantar módulos de baterias para promover pela manutenção das mesmas.
Estes factos envolvem, por um lado, questões conexas com a descrição das funções que o A. exercia na empresa Y de que era sócio-gerente e, por outro, questões de índole médico-legal, estas relativas à repercussão das sequelas no exercício da sua actividade profissional.

Relativamente ao ponto 16 dos factos provados, a recorrente alega que, tendo por base o teor do relatório pericial de fls. 371 e seguintes, no qual os peritos médicos concluíram que o A. ficou afectado com uma IPG de 54 pontos e que as sequelas que a determinaram “são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares”, e para que a decisão quanto a este ponto de facto reflicta totalmente a prova produzida e se compatibilize com os factos dados como provados nos pontos 31 e 45-C, impunha-se que tivesse sido dado como provado no aludido ponto 16 que:
16. O autor ficou com uma desvalorização funcional permanente de 54 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da sua atividade profissional, mas implicando esforços suplementares;
tendo este facto resultado da discussão da causa e é complementar em relação à factualidade alegada pela Ré no artº. 195º da contestação, como também em relação ao facto alegado pelo A., em sentido contrário, no artº. 130º da petição inicial e que foi dado como não provado no ponto ii dos factos não provados.
Ora, em primeiro lugar, importa ter em consideração que foi considerado não provado que o A. esteja incapaz para o exercício da sua profissão habitual (cfr. ponto ii dos factos não provados), matéria esta que não foi impugnada.

Por outro lado, foi dado como provado nos pontos 31 e 45-C, que não foram impugnados, o seguinte:
31. O Autor, a partir de Outubro de 2014, retomou a sua actividade profissional auferindo a mesma remuneração;
45-C. Na sequência da conclusão dos tratamentos médicos decorrentes do acidente, o Autor voltou a exercer a sua profissão, ainda que com as limitações provenientes das sequelas, tendo desempenhado e auferido os mesmos rendimentos provenientes do sinistro, o que ainda se verificava em 30/09/2017, data do último recibo de vencimento constante dos autos.
De facto, no relatório pericial de fls. 370 a 374 dos autos, os peritos médicos concluíram que as sequelas de que o A. ficou portador, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, “são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares”.

No entanto, há ainda que ter em atenção as respostas dadas pelos peritos médicos aos quesitos 13 e 15 a 19 apresentados pelos AA. e aos quesitos 6 e 14 a 16 apresentados pela Ré, incluídas no relatório pericial de fls. 370 a 374, que se reportam à incapacidade do A. para o desempenho da sua actividade profissional habitual e às limitações com que ficou em consequência das lesões e sequelas decorrentes do acidente, que passamos a transcrever:

Quesitos dos AA.:
13. E que o impedem de carregar pesos? Resposta: Sim.
14. De andar a pé por mais de 30 minutos? Resposta: É de admitir que sim.
15. De estar sentado por mais de 25 minutos? Resposta: É de admitir que sim.
16. Em resultado das sequelas que apoquentam o examinando, este consegue subir e descer de um empilhador? Resposta: Sim, mas com dificuldade.
17. E está capaz para conduzir centenas de quilómetros? Resposta: Refere que não.
18. As lesões do Autor impõem-lhe algumas restrições no seu título de condução? Resposta: Sim.
18. Consegue pegar em pesos? Resposta: Já respondido [no quesito 13].
19. Está capaz para o exercício de uma profissão onde tenha de desempenhar as funções descritas em 16, 17 e 18? Resposta: Sim, com as limitações inerentes à incapacidade permanente atribuída.

Quesitos da Ré:
6. O A. encontra-se totalmente incapaz para o desempenho da sua actividade habitual? Por favor justifique, indicando as tarefas da actividade profissional habitual do A. que este não pode executar e aqueles que pode executar. Resposta: Não. O autor encontra-se incapaz de exercer actividades que impliquem esforços físicos.
14. Como consequência directa e necessária do acidente, o A. ficou portador de sequelas que, do ponto de vista estritamente médico, o impeçam de conduzir veículos automóveis num raio ou a uma distância superior à de 80 quilómetros da sua residência? Resposta: Sim, conforme restrições da carta de condução.
15. Em caso de resposta afirmativa às questões anteriores, qual o motivo dessa impossibilidade ou impedimento, do ponto de vista médico? Resposta: As sequelas motoras que apresenta.
16. Ainda em caso de resposta afirmativa à pergunta anterior, mediante a realização de pausas na condução o A. poderá, apesar das lesões e sequelas decorrentes do acidente, conduzir veículos automóveis em distâncias de algumas centenas de quilómetros? Resposta: O examinando está sujeito às regras impostas pela sua carta de condução.

Por outro lado, não obstante a factualidade dada como provada nos pontos 31 e 45-C invocados pela recorrente, a verdade é que se provou que o A. foi reformado por invalidez com efeitos desde 26/05/2017 (alíneas l), m) e o) dos factos provados), resultando dos documentos juntos a fls. 403, 413 e 414 que o deferimento do seu pedido de reforma por invalidez terá ocorrido já depois de ter sido submetido à perícia médico-legal, que se realizou em 23/02/2018. Assim, salvo o devido respeito, entendemos que não assiste razão à recorrente quando alega que o A. continua a exercer a sua actividade profissional habitual, pois para além do mesmo se encontrar reformado por invalidez, resulta dos depoimentos das testemunhas Dr. A. J., P. P. e M. J. (filha dos AA.), bem como das declarações de parte da A. N. J., que é esta que actualmente está a gerir a empresa (tendo o Dr. A. J., depois do acidente, sido nomeado gerente da empresa onde o A. trabalhava e da qual era sócio-gerente, tendo em vista a sua substituição parcial nas funções que aquele exercia, nomeadamente as de gestão, organizativas e contabilísticas) e que o A. se desloca à empresa apenas por curtos períodos, para falar com clientes e com o fornecedor das baterias industriais, ou para dar orientações e arranjar soluções técnicas para os problemas que vão surgindo, uma vez que é ele que tem a experiência e os conhecimentos técnicos relacionados com as baterias industriais.
Resulta, ainda, dos depoimentos das testemunhas acima referidas e das declarações da A. N. J. que a situação actual do A. é diferente de quando ele retomou a actividade profissional a partir de Outubro de 2014 (cfr. facto provado nº. 31), tendo todos eles mencionado as limitações com que o A. ficou, que o afectam no seu quotidiano e no que toca às tarefas que ele costumava desempenhar no exercício da sua actividade profissional, estando tais depoimentos e o ofício do IMT datado de 23/11/2017 e junto a fls. 257 (no qual se descrevem as limitações que se encontram averbadas na carta de condução do A. desde 6/11/2015) em conformidade com as respostas aos quesitos acima referidas.

Assim, tendo por base o relatório da perícia médico-legal de fls. 370 a 374, onde se incluem as respostas aos quesitos supra transcritas, conjugado com as declarações de parte da A. N. J. e os depoimentos das testemunhas acima enunciadas, entendemos que a redacção do ponto 16 dos factos provados deve ser alterada, por forma a reflectir totalmente a prova produzida nos autos, passando a ser a seguinte:
16. O Autor ficou com um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 54 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicando esforços suplementares, encontrando-se aquele incapaz de exercer actividades que impliquem esforços físicos e impedido de conduzir veículos automóveis num raio superior a 80 Km da sua residência e a uma velocidade superior a 90 Km/hora, só podendo conduzir veículos com caixa de velocidades automática, conforme limitações averbadas na sua carta de condução.
Este facto resultou da discussão da causa e comporta até matéria alegada pelos AA. nos artºs 64º, 122º, 123º, e em sentido contrário, no artº. 130º da petição inicial e pela Ré no artº. 195º, e em sentido contrário, nos artºs 182º e 186º da contestação, bem como matéria que integra o relatório pericial constante dos autos, sobre a qual ambas as partes puderam exercer o contraditório, e sendo complementar daquela factualidade, pode ser considerado pelo julgador, nos termos do artº. 5º, nº. 2, al. b) do NCPC, razão pela qual se entende que a redacção do aludido ponto 16 dos factos provados deve ser alterada nos termos acima enunciados.
No que concerne aos pontos 38 e 39 dos factos provados, entende a Ré/recorrente que se provou que as tarefas mencionadas no ponto 38 eram apenas parte daquelas que o A. desempenhava no âmbito da sua profissão habitual, o que impunha decisão diversa da proferida quanto a esse ponto, para além de que naqueles dois pontos da matéria de facto o Tribunal “a quo” não teve em consideração o teor do relatório pericial, que aponta no sentido de que o A. não está incapaz de executar as tarefas que neles estão descritas, mas antes limitado na sua execução, na medida das sequelas e da incapacidade que lhe foi atribuída, estribando-se em determinados excertos das declarações de parte da A. N. J. e dos depoimentos das testemunhas Dr. A. J., J. F. e P. P. que transcreve.
Constitui facto assente que o A., à data do acidente, desempenhava as funções de Director Comercial da empresa Y – Acessórios Auto, Lda.
No decurso da audiência de julgamento depuseram a A. N. J. e as testemunhas Dr. A. J., J. F. e P. P., os quais descreveram, com detalhe, as funções que o A. C. J. exercia habitualmente na empresa Y (actualmente designada Bateri.... II) e as alterações sofridas na sequência do acidente.
Ora, resulta das declarações de parte da A. N. J., corroboradas pelos depoimentos das testemunhas acima referidas, que o A. C. J., antes do acidente, desempenhava não só funções de gestão e direcção da empresa, tendo a seu cargo também toda a parte comercial ligada ao negócio das baterias industriais o que implicava que corresse todo o país para angariar novos clientes, mas também executava trabalho manual relacionado com a montagem e desmontagem de baterias industriais, deslocação aos clientes para reparação e manutenção dessas mesmas baterias (dado ser engenheiro de polímeros e ser ele o único que tinha conhecimentos técnicos para resolver problemas e propor soluções inovadoras) e, quando era necessário, manobrava um empilhador para movimentar as baterias dentro do armazém, tendo as testemunhas J. F. e P. P. se referido ao A. como “um faz tudo” dentro da empresa dele.
Com efeito, todos estes depoimentos revelam que as funções do A. C. J. na empresa Y, antes do acidente, não consistiam, apenas, nas mencionadas nos pontos 38 e 39 dos factos provados, consistindo também, pelo menos: na gestão global da empresa, nomeadamente ao nível económico e fiscal; na organização do trabalho na empresa; no trabalho administrativo de facturação, contactos, resposta a emails e apresentação de propostas; na orientação técnica e acompanhamento e supervisão dos trabalhos realizados pelos funcionários; no contacto com o fornecedor das baterias industriais; na contratação de pessoal; na elaboração e apresentação de orçamentos a clientes; na realização de encomendas a fornecedores e na direcção de toda a parte comercial da empresa.
Por outro lado, embora no relatório de perícia médico-legal se refira que as sequelas de que o A. é portador são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, não podemos ignorar as respostas que os peritos médicos deram aos quesitos 13 e 15 a 18 dos AA. e aos quesitos 6 e 14 a 16 da Ré supra transcritas, que revelam que o A. está incapaz de realizar determinadas tarefas relacionadas com a sua actividade profissional, nomeadamente as que impliquem esforços físicos (como montagem e desmontagem de baterias industriais, reparação e manutenção dessas baterias, manobras de carga e descarga de baterias com o empilhador e levantamento de módulos de baterias) e a condução de veículos automóveis em centenas de quilómetros (como fazia anteriormente ao acidente, para visitar clientes por todo o país, promover a venda de baterias industriais e prestar assistência às baterias) tendo em atenção a sua sujeição às restrições impostas na sua carta de condução.
Acresce referir que a A. N. J. e as testemunhas acima mencionadas descreveram também as repercussões que o acidente teve na capacidade laboral do A., resultando dos respectivos depoimentos que quando o A. regressou à empresa, após o acidente, ele tentou “agarrar a empresa” conforme pôde, contactando o fornecedor e os clientes, mas nunca mais retomou o trabalho técnico de montagem e desmontagem de baterias industriais, bem como de reparação e manutenção dessas baterias (que passou a ser feito unicamente pelo funcionário S., tendo sido contratado um outro trabalhador de nome H. para a parte técnica) e deixou de visitar os clientes, procurando agarrar os negócios à distância, tendo ainda contratado para as vendas um comercial (C. J.), em resultado das lesões e sequelas motoras que apresenta e das limitações a nível de condução de veículos automóveis averbadas na sua carta de condução, motivadas por essas lesões e sequelas decorrentes do acidente.
Resulta dos mencionados depoimentos que a situação do A. sofreu alterações, desde que voltou à empresa, depois do acidente, para retomar a sua actividade profissional: o A. foi reformado por invalidez com efeitos desde 26/05/2017 e as suas deslocações à empresa são por pouco tempo e somente para prestar assessoria e consultadoria técnica, contactar com o fornecedor de baterias industriais e com os clientes que pretendem sempre falar com ele, por forma a manter-se ligado à empresa que criou.
Ainda relacionado com esta matéria, a A. N. J. referiu que o seu marido, depois do acidente, deixou de conduzir longos percursos não só por ter dificuldades em manter-se sentado por muito tempo, mas também por força das limitações que se encontram averbadas à sua carta de condução (às quais já fizemos referência), sendo a tarefa de conduzir muito complicada para ele por causa das lesões neurológicas com que ficou (esclareceu que o marido só consegue conduzir veículos com mudanças automáticas), tendo por isso deixado de visitar clientes e de fazer a manutenção das baterias industriais, o que, aliás, foi corroborado pelas testemunhas Dr. A. J., P. P. e M. J., ao afirmarem que o A., depois do acidente, deixou de conseguir assegurar toda a parte comercial da empresa, só visitando de quando em vez os clientes, atenta a sua dificuldade em viajar de carro, sendo nesse caso sempre acompanhado pela A. N. J., deixou também de conseguir manobrar o empilhador e de fazer a manutenção das baterias.
Contrariamente ao que alega a recorrente, o facto do A. ter deixado de realizar algumas tarefas que implicam esforços físicos - nomeadamente a reparação e manutenção de baterias industriais, manobras de carga e descarga com empilhador e levantamento de módulos de baterias – e a condução de veículos automóveis em centenas de quilómetros, nomeadamente para visitar clientes e promover a venda de baterias industriais, tem a ver com a incapacidade física de as realizar, como resulta das respostas dadas pelos peritos aos quesitos atrás referidos e dos depoimentos da A. e das testemunhas acima mencionadas, e com as limitações na condução de veículos automóveis averbadas na sua carta de condução, como resulta do ofício do IMT de fls. 257.
Argumenta a recorrente que “em momento algum se refere no relatório pericial que o A. não consegue visitar clientes por todo o país, promover a venda de baterias industriais, realizar centenas de quilómetros diários, prestar assistência na manutenção das baterias industriais quando necessário aos clientes da sua entidade empregadora, efectuar manobras de carga e descarga com o empilhador, e levantamento de módulos de baterias que podiam chegar a pesar 40 kg”. Contudo, estas tarefas estão implicitamente co-relacionadas com as limitações do A. mencionadas nas respostas dadas pelos peritos aos quesitos acima referidos.
Alega, também, a recorrente que os únicos actos que os peritos consideram que poderão não ser possíveis em face das sequelas de que o A. ficou portador são: carregar pesos (cfr. resposta ao quesito 13º dos AA.), andar a pé mais de 15 minutos (cfr. resposta ao quesito 14º dos AA.), estar sentado por mais de 25 minutos (cfr. resposta ao quesito 15º dos AA.). Porém, salvo o devido respeito, da análise que fazemos das respostas aos quesitos dadas pelos peritos, constatamos que não são apenas estes os actos que o A. está impedido de realizar, pois os peritos referem ainda nas respostas aos quesitos 6º, 14º, 15º e 16º da Ré e aos quesitos 17º e 18º dos AA. que o A. C. J. encontra-se incapaz de exercer actividades que impliquem esforços físicos (o que significa, de acordo com as regras do senso comum, que o A. não pode realizar apenas aqueles actos enunciados pela recorrente, mas também os actos que atrás descrevemos) e de conduzir centenas de quilómetros, para além de estar sujeito às restrições impostas pela sua carta de condução, constituindo todas elas actividades que o A. exercia, antes do acidente, no âmbito da sua actividade profissional, como aliás foi confirmado pelos depoimentos da A. N. J. e das testemunhas atrás mencionadas.
Argumenta, ainda, a recorrente que não poderia ser dado como provado que o A. não pode subir e descer e utilizar um empilhador, quando os peritos médicos concluíram que o A. consegue subir e descer de um empilhador, mas com dificuldade (cfr. resposta ao quesito 16º dos AA.) e que não está impedido de o conduzir, acrescentando que o “A., ainda que com limitações impostas pelo IMT, está habilitado a conduzir veículos automóveis, pelo que também poderá conduzir um empilhador”.
Ora, não obstante a resposta dada pelos peritos médicos ao aludido quesito 16º dos AA., não se vislumbra do relatório pericial que estes tenham concluído no sentido de que o A. não está impedido de conduzir um empilhador, tanto mais que resultou do depoimento da testemunha P. P., conjugado com as regras da experiência comum, que a condução de um empilhador para proceder à carga e descarga e movimentação de baterias industriais, que podem pesar dezenas de quilos, dentro das instalações da empresa, exigirá algum esforço físico de braços e pernas que o A. está incapaz de fazer.
Ademais, entendemos que não se poderá comparar a condução de um empilhador com a de veículos automóveis, como pretende fazer a Ré/recorrente, até porque, de acordo com as limitações averbadas na sua carta de condução, o A. apenas pode conduzir veículos com caixa de velocidades automática, tendo ainda a testemunha P. P. referido que para trabalhar com um empilhador é preciso ter uma sensibilidade nas mãos e nos pés que ele próprio desconhecia e que teve de aprender. Ora, o A. sofreu lesões neurológicas e ortopédicas que deixaram sequelas que não lhe permitem fazer esforços físicos, para além de que, segundo as regras da experiência comum, manobrar um empilhador não é a mesma coisa que conduzir um veículo automóvel com caixa de velocidades automática.
Por outro lado, ainda em relação à questão de ter sido dado como provado que o A. não consegue subir e descer de um empilhador, quando os peritos médicos concluíram que o A. consegue fazê-lo, mas com dificuldade, entendemos que bem andou o Tribunal “a quo” ao concluir que a dependência de terceira pessoa para auxiliar o A. na realização de certos actos quotidianos, atesta bem a perda da sua autonomia funcional, enquanto o uso permanente de ajudas técnicas como as canadianas (tal como é referido no relatório pericial), pela sua própria natureza, impede a movimentação autónoma dos membros superiores e inferiores, o que só por si impediriam a realização das tarefas referidas no ponto 39 dos factos provados e, obviamente, subir e descer do empilhador.
No que concerne à credibilidade das declarações de parte prestadas pela A. N. J. e dos depoimentos das testemunhas acima referidas, não obstante a A. ser parte interessada no desfecho da presente acção, a verdade é que as suas declarações foram prestadas de forma espontânea, segura, circunstanciada e consistente, tendo demonstrado um conhecimento profundo dos factos a que depôs, quer pela sua especial relação de parentesco com o A. C. J., quer pela sua ajuda efectiva que depois do acidente passou a dar a este, acompanhando-o em todos os actos da vida e também por ter passado a gerir a empresa do A. (após ter denunciado o contrato de trabalho que mantinha com o Instituto de Emprego e Formação Profissional, para auxiliar o A. nas suas tarefas básicas), sendo corroboradas pelos depoimentos das testemunhas Dr. A. J., J. F. e P. P. que descreveram, com isenção, objectividade e sinceridade, as funções que o A. exercia no âmbito da sua actividade profissional, antes do acidente, e as repercussões que as lesões e sequelas sofridas pelo A. em consequência do acidente tiveram na sua vida profissional.

Assim, da conjugação de todos os elementos de prova acima enunciados, concatenados ainda com as regras da experiência comum, entendemos que deve manter-se inalterada a redacção do ponto 39 dos factos provados e proceder-se à alteração da redacção do ponto 38 dos factos provados nos seguintes termos:

38. As funções de Director Comercial que o A. desempenhava na empresa Y consistiam, entre outras, em visitar clientes por todo o país, promover a venda de baterias industriais comercializadas por aquela empresa, a realização de centenas de quilómetros diários e prestar assistência na manutenção das baterias industriais, quando necessário, aos clientes da sua entidade empregadora, que implica manobras de carga e descarga com o empilhador e levantamento de módulos de baterias que podiam chegar a pesar 40 kg, actividades que hoje em dia não consegue desempenhar.

Quanto ao ponto 24 dos factos provados que tem a seguinte redacção:
24. À data do acidente, o Autor desempenhava as funções de Diretor Comercial da empresa Y – Acessórios Auto, Lda., pessoa colectiva n.º ........., auferia rendimento do trabalho mensal de líquido € 3.204,10, sendo que no ano de 2013 recebeu a quantia ilíquida anual de 61.683,79 euros.
Refere a recorrente que, dos recibos de vencimento do A. referentes aos anos de 2012 e 2013 que se encontram juntos aos autos, se retira que aquele auferia mensalmente o vencimento base bruto de € 4.935,96, acrescido de subsídio de alimentação no valor de € 93,94 (€ 4,27 x 22 dias úteis), abono para falhas no valor de € 196,79 e ainda o subsídio de férias e de Natal em duodécimos (€ 205,67 x 2 = € 411,34 mensais). E somente com o somatório de todas estas prestações (incluindo o subsídio de Natal e de férias pago em duodécimos), depois de efectuados os descontos de 11% de contribuição para a Segurança Social, 33% de retenção de IRS e € 86 de sobretaxa de IRS, é que o A. recebia o aludido o rendimento mensal líquido de € 3.204,10 que o Tribunal “a quo” deu como provado.
Conclui, pois, a recorrente que o valor de € 3.204,10 não corresponde ao rendimento líquido normalmente auferido pelo A. 14 vezes por ano, já que nele estão incluídas as parcelas referentes aos duodécimos do subsídio de férias e de Natal, pelo que ao dar como provado que o A. auferia um rendimento líquido mensal de € 3.204,10, o Tribunal interpretou incorrectamente os elementos de prova constantes dos autos, que apontam para um rendimento mensal líquido inferior.

De acordo com os cálculos efectuados pela recorrente e explanados no corpo das alegações, a mesma considera que o A. auferia um vencimento mensal base líquido de € 2.764,13 x 14 meses, o que corresponde a uma retribuição anual líquida de € 38.697,82, acrescido de € 1.033,34 a título de subsídio de alimentação (pago apenas 11 vezes por ano) e € 2.164,69 a título de abono para falhas (pago 11 vezes por ano), sendo possível obter o rendimento total anual líquido do A. que ascendia a € 41.895,85, o que, em seu entender, impõe que no ponto 24 se dê como provado que:

24. À data do acidente o Autor desempenhava as funções de Diretor Comercial da empresa Y – Acessórios Auto, Lda., pessoa colectiva n.º ........., auferia rendimento do trabalho mensal líquido de € 2.764,13, acrescido de € 93,94 a título de subsídio de alimentação e € 196,79 a título de abono por falhas, sendo que no ano de 2013 recebeu a quantia ilíquida anual de € 61.683,79 e líquida de € 41.895,85.
Com efeito, estava em causa apurar, no âmbito deste ponto da matéria de facto, qual era o rendimento mensal e anual auferido pelo A. à data do acidente.
Como pudemos constatar, o A. juntou com a petição inicial os recibos de vencimento dos meses de Agosto a Outubro de 2013 (fls. 45 e 46), a declaração de rendimentos do ano de 2013 emitida pela sua entidade empregadora (fls. 44vº) e a declaração de IRS referente ao ano de 2013 (fls. 46vº a 48vº), tendo posteriormente vindo juntar a fls. 271vº a 302vº os recibos de vencimento referentes aos anos de 2012, 2013, 2015 (Fevereiro a Dezembro), 2016 e 2017 (Janeiro a Setembro).

Resulta do recibo de vencimento de Outubro de 2013 (fls. 46 e 283vº) que o A. auferiu naquele mês os seguintes proventos ilíquidos:
- vencimento base: € 4.935,96
- subsídio de alimentação: € 98,21 (€ 4,27 x 23 dias úteis)
- abono para falhas: € 196,79
Total ilíquido: € 5.226,69

Analisando todos os recibos de vencimento de Janeiro a Dezembro de 2013, juntos a fls. 278vº a 283vº, verificamos que o A. recebia metade do subsídio de férias e de Natal em duodécimos – ou seja, auferia, a esse título, o valor ilíquido de € 205,67 x 2 = € 411,34 mensais – e a outra metade de cada um desses subsídios, no valor ilíquido de € 2.467,98, recebia nos meses de Julho e Dezembro, resultando, ainda, daqueles documentos que sobre tais quantias o A. efectuava os seguintes descontos: contribuição para a Segurança Social (11%), retenção de IRS (33%) e sobretaxa de IRS (€ 86 ou € 43 aplicável apenas à outra metade dos subsídios de férias e de Natal que recebia por inteiro em Julho e Dezembro).
Decorre, ainda, dos recibos de vencimento juntos aos autos que o subsídio de alimentação e o abono para falhas eram pagos ao A. durante os 12 meses do ano, e não 11 vezes por ano como alega a recorrente.
A situação remuneratória do A. supra descrita manteve-se nos anos de 2015, 2016 e 2017 (pelo menos até Setembro de 2017), tendo havido apenas alteração no montante dos descontos para o IRS e um aumento do abono para falhas a partir de 1/01/2016, conforme resulta dos recibos de vencimento juntos a fls. 285 a 302 vº dos autos.
Assim, podemos concluir que, à data do acidente o A. auferia o rendimento do trabalho mensal líquido de € 3.204,10 que o Tribunal “a quo” deu como provado no ponto 24 dos factos provados, o qual resulta da soma de todas aquelas prestações (incluindo metade do subsídio de férias e de Natal pago em duodécimos), depois de abatidos os descontos supra referidos.
Aquele valor de € 3.204,10 não corresponde ao rendimento líquido normalmente auferido pelo A. 14 meses por ano, como erradamente consta da sentença recorrida, já que nele estão incluídas as parcelas referentes aos duodécimos de metade do subsídio de férias e de Natal.

Ora, tendo por base o recibo de vencimento do A. do mês de Outubro de 2013, é possível calcular o seu rendimento mensal, à data do acidente, da seguinte forma:
Estando o vencimento base bruto do A. no valor de € 4.935,96, sujeito aos descontos de € 542,95 (11% para a Segurança Social) e € 1.628,87 (33% de IRS), o salário base líquido era de € 2.764,14 (€ 4.935,96 - € 542,95 - € 1.628,87 = € 2.764,14).

A este montante acresciam as seguintes parcelas:
€ 411,34 (€ 205,67 x 2) correspondente aos duodécimos de metade do subsídio de férias e de Natal pagos 12 meses ao ano, sobre os quais incidiam os mesmos descontos de 11% para a Segurança Social (€ 45,25) e 33% para o IRS (€ 135,74), num total de € 180,99, ficando tais duodécimos com um valor líquido de € 230,35 (€ 411,34 - € 180,99);
o subsídio de alimentação de € 98,21 e o abono para falhas de € 196,79 pagos 12 meses ao ano, não estando estes sujeitos a qualquer desconto.

Somando as parcelas acima referidas obtemos o rendimento mensal líquido do A. à data do acidente, ou seja: € 2.764,14 + € 230,35 + € 98,21 + € 196,79 = € 3.289,49.
Subtraindo a este último valor (€ 3.289,49) o da sobretaxa de IRS (€ 86) que era descontada na altura, chegamos à quantia mensal líquida de € 3.203,49, sendo este um valor aproximado do mencionado no recibo de vencimento de Outubro de 2013 (€ 3.204,10), não correspondendo exactamente àquele valor devido apenas à separação das parcelas e aos arredondamentos efectuados.
Aqui chegados, é possível obter o rendimento médio anual líquido do A. (referimo-nos a rendimento médio anual uma vez que se constata dos recibos de vencimento juntos aos autos que o valor auferido mensalmente pelo A. nem sempre era o mesmo), com base no último recibo de vencimento que ele auferiu antes do acidente (Outubro de 2013), calculado da seguinte forma:
- Vencimento base líquido: € 2.764,14 x 14 meses = € 38.697,96
- subsídio de alimentação (pago 12 meses ao ano) = € 1.178,52 (€ 98,21 x 12 meses)
- abono para falhas (pago 12 meses ao ano) = € 2.361,48 (€ 196,79 x 12 meses)
Total médio anual líquido: € 42.237,96

Resulta, ainda, da declaração de rendimentos do ano de 2013 junta pelo A. a fls. 44vº, emitida pela sua entidade empregadora, que aquele auferiu no ano de 2013 o montante ilíquido de € 61.683,79 dado como provado no ponto 24.
No cálculo do rendimento médio anual líquido do A. não considerámos o desconto mensal da sobretaxa de IRS (no caso do A., era de € 86 sobre o vencimento que incluía metade dos duodécimos do subsídio de férias e de Natal e de € 43 sobre a outra metade daqueles subsídios que era paga nos meses de Julho e Dezembro), uma vez que esta foi aplicada temporariamente entre 2013 e 2017, por força do programa de resgate financeiro imposto pela Troika aquando da ajuda externa ao nosso país.

Deste modo, entendemos que a redacção do ponto 24 dos factos provados deverá ser alterada, não exactamente nos termos pretendidos pela recorrente, mas por forma a ser rigorosamente mais consentânea com a prova produzida nos autos, nos termos seguintes:
24. À data do acidente, o Autor desempenhava as funções de Director Comercial da empresa Y – Acessórios Auto, Lda., pessoa colectiva n.º ........., auferia o rendimento do trabalho mensal líquido de € 3.204,10, sendo que no ano de 2013 auferiu a quantia ilíquida de € 61.683,79 e auferia a quantia média anual líquida de € 42.237,96.

Quanto aos pontos 25, 32, 34, 36, 37 e 48 dos factos provados que passamos a transcrever:
25. O Autor necessita de acompanhamento médico permanente nomeadamente ao nível psiquiátrico e consulta da dor crónica.
32. O quantum doloris de grau 6 na escala gradativa de 1/7, e repercussão permanente na atividade sexual grau 5/7.
34. O Autor sofreu uma lesão do prepúcio com retração testicular direita, que motivou uma intervenção cirúrgica para retirada do testículo direito e colocação de prótese e que lhe acarretou disfunção erétil total.
36. Foi aconselhado pelo seu médico urologista a fazer um tratamento inovador, em sessões de vácuo terapia, com o Enfermeiro A. C., a mesma não surtiu qualquer efeito, mantendo-se a disfunção erétil total sexual do Autor, o que lhe causa grande angústia e depressão e perda de vontade de viver, sente-se diminuído enquanto homem.
37. A não resposta desde o acidente do seu órgão sexual aos seus estímulos, causa ao autor imensa tristeza e vergonha de si mesmo, vê-se diminuído na sua masculinidade.
48. Depois do acidente o autor deixou de interagir com a Autora e de colaborar nas lides domésticas, afastou-se da Autora, vive para si mesmo, com vergonha do seu estado, deixou de procurar e rejeita a Autora para manterem relações ou qualquer contacto sexual e não responde aos seus estímulos.

Pretende a recorrente que no ponto 25 dos factos provados seja retirado o advérbio nomeadamente, passando a constar apenas como provado que:
25. O Autor necessita de acompanhamento médico permanente ao nível psiquiátrico e consulta da dor crónica.
Para fundamentar esta sua pretensão, a recorrente alega que no relatório pericial de fls. 371 e seguintes os peritos pronunciaram-se sobre as necessidades terapêuticas futuras do A., tendo identificado as concretas áreas nas quais ele necessitará, no futuro, de acompanhamento médico, referindo apenas a especialidade de psiquiatria e a consulta de dor crónica, não constando dos autos qualquer elemento de prova que permita afirmar que o A. precisará no futuro de acompanhamento médico ou tratamentos para além dessas duas especialidades.
Acrescenta, ainda, que nos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento, os peritos confirmaram que os únicos tratamentos futuros que são, nesta data, previsíveis reportam-se apenas às especialidades de psiquiatria e consulta de dor crónica, estribando-se num pequeno trecho desses esclarecimentos que transcrevem.

De facto, na pág. 7 do relatório pericial (fls. 373vº) os peritos pronunciaram sobre as necessidades terapêuticas futuras do A. tal como consta do excerto que a recorrente transcreveu nas suas alegações que se segue:
«Dependências permanentes de ajudas:
· Ajudas medicamentosas (correspondem à necessidade permanente de recurso a medicação regular – ex: analgésicos, antiespasmódicos ou antiepilépticos, sem a qual a vítima não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária). Neste caso medicação do foro psiquiátrico e analgésicos;
· Tratamentos médicos regulares (correspondem à necessidade de recurso regular a tratamentos médicos para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas – ex: fisioterapia). Neste caso consultas regulares de psiquiatria e consulta de dor crónica.»

No entanto, não podemos desconsiderar que nas pág. 2 e 3 do mesmo relatório (fls. 377 e vº), os peritos fazem referência à documentação clínica que lhes foi facultada, mencionando que nos registos clínicos do Hospital ... consta que o A. foi vítima de acidente com motociclo, “tendo sofrido múltiplos traumatismos (pneumotórax esquerdo, fratura de arcos costais à esquerda, fratura cominutiva do colo do úmero direito e cabeça, fratura instável da bacia, fratura da articulação tibiotársica esquerda, hematoma pélvico, lesão do prepúcio)”. Salientam também os relatórios das especialidades de urologia e ortopedia onde constam descritas as sequelas que o A. apresenta, bem como o relatório de neurologia no qual é feita menção às lesões neurológicas apresentadas pelo A., e escrevem que este “mantém-se em vigilância na ortopedia, urologia, medicina física e de reabilitação, psiquiatria e consulta da dor”.
Ademais, os peritos referiram, nos esclarecimentos que prestaram em audiência de julgamento, que o A. sofreu politraumatismos e fracturas graves da bacia, tendo admitido que a parte neurológica tenha sido afectada, o que, aliás, foi corroborado pelo Dr. A. P. (urologista que seguiu o A. em consulta no Hospital ...) que se referiu ao A. como um doente multifactorial, destacando as sequelas com que também ficou a nível urológico, vascular e neurológico.
Perante este quadro relacionado com o A. descrito na documentação clínica do Hospital ... e no relatório pericial junto aos autos, confirmado pelos peritos médicos em audiência de julgamento e pelo depoimento do urologista que seguiu o A. naquele Hospital, e tendo em atenção o Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica (tradicionalmente designado por Incapacidade Permanente Geral – IPG) atribuído ao A., é expectável, de acordo com as regras da experiência e do senso comum que, com o passar do tempo, as limitações ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas pelo A. a nível urológico, ortopédico, neurológico e psiquiátrico na sequência do acidente, com toda a probabilidade mais se acentuem, o que implicará que venha a necessitar de acompanhamento médico e tratamentos das referidas especialidades.
Aliás, os próprios peritos admitiram, nos seus esclarecimentos prestados em audiência, que não podem ser peremptórios, não podem de maneira nenhuma dizer que no futuro o A. não precisará de acompanhamento médico e de tratamentos noutras especialidades para além da psiquiatria e consulta da dor crónica, tendo acabado por admitir que o A., no futuro, poderá vir a ter necessidade desse acompanhamento. Esclareceram, ainda, que a opinião que emitiram no relatório pericial foi baseada nas sequelas que o A. apresentava no momento da realização do exame médico-legal e na evolução do seu quadro clínico desde o acidente, ou seja, naquilo que era mais evidente naquele momento.
Ora, face às múltiplas lesões que o A. sofreu e às sequelas com que ficou em diferentes partes do corpo, não se nos afigura crível que não se tenha uma visão mais alargada das eventuais necessidades do A., no futuro, quanto a acompanhamento médico e tratamentos de outras especialidades para além da psiquiatria e consulta da dor crónica (por ex., de medicina física e de reabilitação, ortopedia e urologia) e que seja feita uma previsão restrita ao quadro clínico que o A. apresentava no momento da observação médico-legal, quando é do senso comum que a situação clínica de doentes politraumatizados, que sofreram várias lesões graves, nomeadamente a nível ortopédico, neurológico e urológico, e ficaram com sequelas decorrentes dessas lesões (como é o caso do A.), não é estável, havendo uma maior tendência de agravamento dessa situação com o passar dos anos.
Nesta conformidade, entendemos que deve manter-se inalterada a redacção do ponto 25 dos factos provados.

Pretende, ainda, a recorrente que o ponto iv dos factos não provados seja considerado provado com a seguinte redacção:
iv. É possível que o Autor obtenha capacidade para praticar o acto sexual mediante o tratamento por choques ou aplicação de uma prótese peniana, que recusou no decurso dos tratamentos;

Ou, pelo menos:
iv. É possível que o Autor obtenha capacidade para praticar o acto sexual mediante a aplicação de uma prótese peniana, que recusou no decurso dos tratamentos.
E dando-se como provado o ponto iv dos factos não provados, com uma das formulações acima referidas, não podendo, por isso, reconhecer-se o carácter definitivo da disfunção eréctil do A., entende a recorrente que deve considerar-se não provado, quanto ao ponto 32 dos factos provados, que o A. sofreu uma “repercussão permanente da sua actividade sexual de 5/7”, passando o mesmo a ter a seguinte redacção:
32. O quantum doloris de grau 6 na escala gradativa de 1/7;

Ou, caso assim não se entenda:
“O quantum doloris de grau 6 na escala gradativa de 1/7 e repercussão permanente na actividade sexual de grau ainda não concretamente apurado”;
Neste contexto, a recorrente entende que essa disfunção eréctil poderá ser revertida ou sofrer melhoria, sendo que isso impede que se considere que é total e, muito menos, definitiva, tal como consta do facto provado no ponto 34; entende, ainda, que deve ser dado como provado, quanto aos factos provados nos pontos 36 e 37, apenas que a disfunção eréctil do A. e as suas consequências anímicas se mantém neste momento, já que é possível que seja revertida depois de realizado o tratamento com ondas de choques e a colocação da prótese e, relativamente ao facto provado no ponto 48, importa, também, que fique provado que o facto do A. C. J. ter deixado “de procurar e rejeita a Autora para manterem relações ou qualquer contacto sexual e não responde aos seus estímulos”, corresponde à situação que se verifica actualmente, pelo que a recorrente pretende também que os pontos 34, 36, 37 e 48 dos factos provados sejam alterados, passando a ter a seguinte redacção:
34. O Autor sofreu uma lesão do prepúcio com retração testicular direita, que motivou uma intervenção cirúrgica para retirada do testículo direito e colocação de prótese e que lhe acarretou, até ao momento, disfunção erétil total;
36. Foi aconselhado pelo seu médico urologista a fazer um tratamento inovador, em sessões de vácuo terapia, com o Enfermeiro A. C., a mesma não surtiu qualquer efeito, mantendo-se na presente data a disfunção erétil total sexual do Autor, o que lhe causa grande angústia e depressão e perda de vontade de viver, sente-se diminuído enquanto homem;
37. A não resposta desde o acidente até à presente data do seu órgão sexual aos seus estímulos, causa ao autor imensa tristeza e vergonha de si mesmo, vê-se diminuído na sua masculinidade;
48. Depois do acidente e até este momento o autor deixou de interagir com a Autora e de colaborar nas lides domésticas, afastou-se da Autora, vive para si mesmo, com vergonha do seu estado, deixou de procurar e rejeita a Autora para manterem relações ou qualquer contacto sexual e não responde aos seus estímulos;

Ou, caso assim não se entenda:
“Depois do acidente o autor deixou de interagir com a Autora e de colaborar nas lides domésticas, afastou-se da Autora, vive para si mesmo, com vergonha do seu estado, e até este momento, deixou de procurar e rejeita a Autora para manterem relações ou qualquer contacto sexual e não responde aos seus estímulos”.

Para tanto, alega que o Tribunal “a quo” desconsiderou outros elementos de prova que constam do processo e apontam no sentido de que a disfunção eréctil do A. não se pode ter por definitiva neste momento e, também, que as consequências dessa patologia não consistem, necessariamente, na impossibilidade da prática do acto sexual, por ser possível reverter tal situação mediante tratamentos e a colocação de uma prótese peniana.
A recorrente sustenta a sua posição nos registos clínicos do acompanhamento médico que o A. teve na especialidade de urologia no Hospital ..., mais precisamente nos “resumos clínicos” das entradas de 11/02/2014 (da autoria do médico urologista do Dr. M. M. – fls. 319), de 10/11/2015 (da autoria do Dr. A. P. – fls. 311), de 12/10/2016 (da autoria do Dr. E. D. – fls. 310) e de 12/05/2015 (da autoria do Dr. A. P. – fls. 312vº), bem como em determinados excertos do depoimento da testemunha Dr. A. P. (médico urologista que seguiu o A. em consulta no Hospital ...) e dos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pelos peritos que intervieram na perícia médico-legal, que transcreve nas suas alegações, alegando, em síntese, que resulta desses depoimentos que a disfunção sexual actualmente existente no A. não se pode ter por definitiva, na medida em que existe a possibilidade de ser revertida ou minorada, através de procedimentos terapêuticos (terapia inovadora com ondas de choques ou colocação de prótese peniana), daí decorrendo que a efectiva repercussão a nível sexual das sequelas que o A. apresenta não pode, ainda, ser fixada e tão pouco se pode considerar como permanente a perda de interesse sexual do Autor.
A ora recorrente justifica esta sua pretensão de acordo com uma perspectiva subjectiva, mediante uma apreciação unilateral e parcial da prova, pretendendo substituir a convicção que o Tribunal recorrido formou sobre a prova produzida pela sua própria convicção pessoal que, relativamente àqueles factos colocados em crise, não coincide com a do julgador.
Ora, revisitados o depoimento da testemunha Dr. A. P. e os esclarecimentos prestados pelos peritos médicos na audiência de julgamento, conjugados com os restantes meios de prova produzidos e em consonância com o que se mostra explanado na “motivação de facto”, não se vislumbra que tais depoimentos (designadamente nos segmentos referidos) e os elementos documentais constantes dos autos (nomeadamente os mencionados registos clínicos do Hospital ...), sejam de molde a permitir considerar como provada a matéria vertida no ponto iv dos factos não provados e a alterar a redacção dos pontos 32, 34, 36, 37 e 48 dos factos provados nos termos pretendidos pela recorrente, não tendo este tribunal de recurso adquirido, assim, convicção diferente da que foi obtida pelo Tribunal da 1ª instância.
Com efeito, os factos dados como provados nos pontos 32, 34, 36, 37 e 48 e não provados no ponto iv são o resultado da análise cuidadosa de toda a prova produzida e respectiva valoração feita pelo Tribunal “a quo”, tal como consta da motivação de facto supra transcrita, na qual explicitou não apenas os vários meios de prova (declarações de parte da A. N. J., depoimentos das testemunhas Dr. A. P. e Enfº. A. C., esclarecimentos dos peritos e documentos, incluindo registos clínicos do Hospital ... e relatório de perícia médico-legal) que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro.

No que concerne aos pontos 32, 34, 36, 37 e 48 dos factos provados e ponto iv dos factos não provados colocados em crise pela recorrente, e no seguimento da análise da prova produzida nos autos feita pelo Tribunal “a quo” na “motivação de facto” da sentença recorrida, na verdade constam destes autos os registos clínicos do acompanhamento médico que o A. teve na especialidade de urologia no Hospital ..., mencionados pela recorrente, que passamos a enunciar:

a) - na entrada de 11/02/2014 do “Resumo da Informação Clínica” referente ao A. de fls. 319, elaborada pelo médico urologista Dr. M. M. antes do A. ter retirado o testículo direito e colocado uma prótese, consta a menção de que o A. comunicou ao médico que achava estranho “o facto de ainda não ter notado qualquer tipo de erecção, ainda que refira libido normal”;
b) - na entrada de 10/11/2015 do “Resumo da Informação Clínica” de fls. 311, elaborada pelo médico urologista Dr. A. P., este registou que o “doente mantém-se sem erecções e já experimentou iPDE5, vácuo + caverject + testosterona sem resultado. A ponderar colocação de prótese”;
c) – na entrada de 12/10/2016 do “Resumo da Informação Clínica” de fls. 310, elaborada pelo médico urologista Dr. E. D., consta “Doente submetido a orquidectomia direita após traumatismo pélvico. Seguido depois disso por disfunção eréctil resistente a toda a terapêutica médica. Na última consulta foi proposta prótese mas doente não quis ainda”;
d) – na entrada de 12/05/2015 do “Resumo da Informação Clínica” de fls. 312vº, o médico urologista Dr. A. P. menciona que o A., “neste momento não está interessado em colocação de prótese nem reabilitação. Alta com indicação para retorno se estiver interessado em reabilitação ou colocação de prótese”.
No “Relatório de Alta” elaborado pelo Dr. A. P. em 12/05/2015, junto a fls. 338, este faz um resumo da história clínica do A. e menciona o facto de ter tentado reabilitação da parte sexual com bomba de vácuo + caverject + testosterona + sildenafil sem grande sucesso, acrescentando, ainda, que “neste momento não está interessado em manter reabilitação, nem em colocação de prótese peniana. Tem alta com indicação para voltar se manifestar desejo em reiniciar reabilitação ou colocação de prótese peniana”.
Por outro lado, foram ouvidos sobre a matéria vertida nestes pontos de facto colocados em crise pela recorrente, o Dr. A. P., médico urologista que seguiu o A. em consulta no Hospital ..., e o enfermeiro A. C. que realizou ao A. diversos tratamentos para reabilitação da função eréctil, os quais demonstraram ter um conhecimento directo e seguro dos factos por terem sido os profissionais de saúde que acompanharam de perto a evolução da situação clínica do A. e os vários procedimentos terapêuticos efectuados com vista à reabilitação da sua função sexual, tendo os respectivos depoimentos, pela sua clareza, objectividade e imparcialidade, logrado convencer o Tribunal, tanto mais que não foram postos em causa por qualquer outro meio de prova.
Ouvida a gravação do depoimento da testemunha Dr. A. P., constatamos que este confirmou o facto de ter seguido o A. em consulta no Hospital ..., por este apresentar disfunção eréctil, sendo a sua situação um caso típico multifactorial (ou seja, há um conjunto de factores que podem ter contribuído para essa disfunção), que pode ter ocorrido por uma causa de componente hormonal, devido à extracção do testículo, com consequente perda de líbido e níveis baixos de testosterona, mas também por causas mais orgânicas (vasculares e a situação neurológica) e ainda por causa psicogénica devido à situação que o A. viveu.
Foi referido por esta testemunha que a função eréctil do A. é insatisfatória e não lhe possibilita uma vida sexual normal, razão pela qual se sujeitou a vários tratamentos, que especificou, todos eles sem sucesso, tendo por último recomendado ao A. o tratamento que o Enfº A. C. fazia com aparelho de vácuo (explicando em que consistia esse tratamento) e uma vez que este não apresentou melhorias consistentes, acabou por propor ao A. a colocação de uma prótese peniana. Descreveu os dois tipos de prótese que são aplicados aos doentes, como se processa a sua colocação e o seu funcionamento, bem como as eventuais dificuldades do A. na colocação de uma prótese peniana face aos antecedentes de traumatismo grave da bacia e abdómen que sofreu, tendo, ainda, explicado que se trata de um tratamento de “fim de linha” e irreversível, que é recomendado a doentes de “fim de linha”, que já experimentaram tudo, mas sem sucesso.
Quando confrontado com o facto do A., na altura, ter recusado a colocação da prótese peniana, o Dr. A. P. referiu que, quando propôs ao A. a colocação da prótese, ele não quis porque “queria ver se ainda ia haver alguma resposta fisiológica”, pois tinha sempre a esperança que pudesse reabilitar a função sexual naturalmente ou com qualquer outro tipo de tratamento, para além de que se trata de uma intervenção violenta e de “fim de linha”, reconhecendo que não é um passo fácil de dar.
Para além disso, o Dr. A. P. também colocou algumas reservas em fazer esta intervenção cirúrgica para colocação da prótese peniana ao A., devido às várias lesões traumáticas graves que sofreu na bacia e no abdómen, partes do corpo estas que teriam de ser mexidas para a colocação da prótese, não existindo garantia de que esta terapêutica tivesse sucesso.
Por outro lado, esta testemunha mencionou, ainda, que existe actualmente um outro tratamento inovador com ondas de choques, que tem reabilitado alguns doentes e que pode dispensar a prótese. No entanto, este novo tratamento não foi proposto ao A. porque na altura não existia, tendo referido que existe há 2 anos, no Hospital da … (onde presta serviço), uma máquina nova de ondas de choques com a qual têm tido algum sucesso, na ordem de 80% de melhoria em doentes cuja disfunção é vasculogénica, pois trata-se de um tratamento para renovar a vasculatura peniana. No entanto, admitiu que sendo o A. um doente multifactorial, não é garantido que consiga recuperar alguma coisa.
Contudo, esta nova terapêutica mencionada pelo Dr. A. P., para além de se tratar de um facto novo que não foi alegado pelas partes e sobre o qual estas não puderam exercer o contraditório, tendo sido trazido aos autos por esta testemunha apenas em sede de audiência de julgamento, constitui um tratamento que tem limitações (como explicou este urologista, tem alguma taxa de sucesso apenas em doentes com disfunção vasculogénica, onde não se enquadra o A. até pela descrição que este médico fez dos vários factores que terão contribuído para a disfunção eréctil), resultando do seu depoimento que está a ser implementado no Hospital da …, que é privado, desconhecendo-se se existe no Hospital ... onde o A. tem sido seguido em consulta e do qual o Dr. A. P. admitiu ter saído há mais de 2 anos.
Embora esta testemunha tenha referido que existe a possibilidade médica de, mediante a terapêutica de ondas de choques ou a colocação de uma prótese peniana, o A. manter relações sexuais satisfatórias, contudo admitiu que não pode assegurar ao A. a manutenção da função sexual, pois neste caso só se pode basear no que revelam os dados estatísticos – segundo este especialista, em termos de terapêutica para a disfunção eréctil, a colocação de prótese tem uma taxa de satisfação na ordem dos 80% a 90% e o tratamento com ondas de choques anda na ordem dos 80% de melhoria, mas apenas nos doentes com uma disfunção vasculogénica.
Esta testemunha esclareceu ainda que, mesmo de posse dos dados estatísticos acima referidos, e uma vez que não vê o A. há mais de 2 anos, não pode garantir que a colocação da prótese peniana permita ao A. manter relações sexuais satisfatórias, acrescentando que no caso dele só colocando a prótese é que se pode ver se resulta ou não, pois não existe nenhum exame que previamente permita aferir se a colocação da prótese no paciente vai ou não resolver o problema da disfunção eréctil.
Por sua vez, a testemunha A. C., enfermeiro que confirmou ter feito vacuoterapia ao A., por aconselhamento do Dr. A. P., dada a disfunção eréctil de que padecia, explicou pormenorizadamente em que consiste este tipo de tratamento, os testes que teve de realizar (à parte vascular e à parte sensitiva) para avaliação da função eréctil do A., antes de iniciar a vacuoterapia, e os resultados que obteve. Referiu que o A. fez este tratamento durante 3 a 4 meses, foram até onde era possível, mas verificou que não estava a dar qualquer resultado e ambos concluíram que não valia a pena continuarem o tratamento, tendo esta testemunha confirmado, com toda a certeza e de forma assertiva, que no final deste tratamento com vácuo o A. continuava a sofrer de impotência sexual.
Por outro lado, contrariamente ao que a recorrente pretende fazer crer, os peritos que realizaram o exame médico-legal ao A., no decurso dos esclarecimentos que prestaram em audiência de julgamento, apenas referiram que, do ponto de vista teórico e se o urologista entender que pode colocar uma prótese peniana ao A., é possível que ele possa voltar a praticar o acto sexual. No entanto, quando lhes foi perguntado pelo mandatário dos AA. se essa prótese permitirá com toda a certeza que o A. tenha prazer sexual, todos foram unânimes em reconhecer que se trata de uma pergunta extraordinariamente difícil de responder, pois não podem afirmar que tal venha a acontecer, nem o próprio urologista sabe dizer qual vai ser o resultado final.
Todos os peritos afirmaram de forma assertiva que o que se sabe é que actualmente a ciência médica tem essa oferta (de colocação de prótese peniana) para quem tem impotência sexual e que estas lesões definitivas do A. estão comprovadas pelo Serviço de Urologia do Hospital ..., pelo que aceitam, sem quaisquer dúvidas, que há uma disfunção eréctil definitiva no A., que terá resultado dos múltiplos traumatismos que sofreu, o que está em conformidade com o que se encontra plasmado no relatório pericial junto aos autos, onde se refere que a repercussão permanente das lesões sofridas pelo A. na actividade sexual é fixável no grau 5/7, com base em ausência de erecção, “correspondendo à limitação total ou parcial do nível de desempenho/gratificação de natureza sexual, decorrente das sequelas físicas e/ou psíquicas, não se incluindo aqui os aspectos relacionados com a capacidade de procriação”; e ainda com as respostas dadas pelos peritos aos seguintes quesitos elaborados pelos AA. e pela Ré que integram o relatório pericial:

Quesitos dos AA.:
1. Como consequência directa e necessária do acidente de viação supra descrito, o examinando sofreu múltiplas e graves lesões, nomeadamente: (…) disfunção eréctil completa? Resposta: Sim.
11. O Autor em função das lesões do acidente ficou a padecer de impotência sexual? Resposta: Sim.
Quesitos da Ré:
9. Como consequência directa e necessária do acidente o A. ficou, irreversivelmente, com uma disfunção eréctil? Resposta: Sim.
10. Esta disfunção eréctil traduz-se numa total e irreversível impotência sexual, ou é possível ao A. a prática do acto sexual? Resposta: Sim.
11. A disfunção eréctil do A. é passível de melhoria ou controlo terapêutico? Resposta: Não.
Ainda no âmbito dos esclarecimentos prestados na audiência de julgamento, os peritos esclareceram que a colocação de uma prótese peniana implica a realização de uma cirurgia que pode ter as suas complicações e todos eles reconheceram que a prótese peniana ainda tem muitas limitações e que a sua colocação para possibilitar o acto sexual não é totalmente compensadora, tanto mais que o orgão sexual não é completamente mecânico, pois não é só a posição do pénis que faz a sexualidade; segundo os peritos a sexualidade no homem é a interligação do cérebro com a actividade do pénis. Daí que tenham admitido que se trata de um tema muito controverso e difícil de entender e considerando os riscos, as complicações que podem surgir e as limitações das próteses, consideram ser perfeitamente compreensível que o A. não tenha querido colocar a prótese, devendo ser respeitada sempre a vontade do paciente sobre se quer ou não sujeitar-se a esse procedimento médico.
As afirmações e esclarecimentos de natureza técnica e científica prestados pelas testemunhas Dr. A. P. e Enfº. A. C., que demonstraram serem profissionais de saúde com larga experiência nesta área da medicina, bem como pelos peritos que realizaram a perícia médico-legal ao A., não foram contraditados por qualquer outro meio de prova, tendo sido suficientemente convincentes para o Tribunal formar a sua convicção.
A recorrente ao invocar, a propósito da impotência sexual do A., que a sua disfunção eréctil não é definitiva, sendo passível de ser revertida mediante a colocação de uma prótese peniana, que permitirá àquele manter a sua função sexual, está, a nosso ver, a desconsiderar o facto do A. ter de se submeter a mais uma intervenção cirúrgica que, segundo o especialista que o acompanhou no Hospital ... e os próprios peritos médicos que o examinaram, consubstancia um procedimento bastante invasivo e que envolve sérios riscos para o A., dadas as graves lesões traumáticas que ele sofreu na bacia e abdómen, que pode ou não funcionar.

Neste caso, coloca-se a questão de saber se pode ser imposto a um homem a colocação de uma prótese mecânica que permita afastar a sua impotência sexual, quando se trata de uma terapêutica de “fim de linha”, que é irreversível, e não existe nenhuma garantia de que com ela o A. recupere a sua função sexual? Com o devido respeito, cremos que não! O tema é muito sensível e não pode ser avaliado com a pragmaticidade de colocar ou não a prótese, como pretende a Ré/recorrente. Tendo em atenção o que foi referido pelo médico urologista e pelos peritos ouvidos em audiência de julgamento, não podemos ignorar a situação que o A. viveu - teve um acidente em consequência do qual sofreu várias lesões traumáticas graves que levam o urologista a colocar algumas reservas quanto a submeter o A. a uma intervenção cirúrgica para colocação da prótese peniana, esteve internado durante bastante tempo, foi submetido a várias intervenções cirúrgicas e sofreu stress pós-traumático – as sequelas graves de que o A. é portador decorrentes desse acidente e as repercussões que elas tiveram (e continuam a ter) na sua vida pessoal e profissional, sendo imperativo, em primeiro lugar, perguntar-lhe se quer fazer esse tratamento invasivo e irreversível, devendo, neste caso, ser respeitada a vontade do Autor.
Assim, da conjugação dos elementos de prova acima enunciados com as regras da experiência comum e com o que se mostra explanado na “motivação de facto” da sentença recorrida, não podemos dar como provado o ponto iv dos factos não provados e proceder à alteração dos pontos 32, 34, 36, 37 e 48 dos factos provados nos termos pretendidos pela recorrente. No entanto, entendemos que a redacção do ponto 32 dos factos provados deverá ser alterada, por forma a ser mais perceptível e rigorosamente mais conforme com a prova pericial produzida nos autos, nos termos seguintes:
32. As lesões sofridas pelo A. determinaram-lhe um quantum doloris de grau 6 numa escala gradativa de 1/7 e uma repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 5 numa escala de 1/7.
Na fixação da matéria de facto provada e não provada, o Tribunal de 1ª instância rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artº. 607º, nº. 5 do NCPC, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, só podendo ocorrer alteração da mesma por parte do Tribunal da Relação, que se deve reger também pelo aludido princípio, nos termos do artº. 662º do mesmo diploma legal.
Ora, a convicção formada por este tribunal de recurso em relação aos pontos 32, 34, 36, 37 e 48 dos factos provados e ponto iv dos factos não provados, depois de ouvida a gravação da prova produzida em audiência de julgamento e de efectuada a apreciação dos depoimentos prestados em conjugação com a prova pericial e documental constante dos autos e as regras da experiência comum, é aquela que vem plasmada na decisão do Tribunal recorrido, resultando do atrás exposto que, relativamente àquela matéria de facto que a recorrente pretende seja alterada, inexistem quaisquer elementos de prova que permitam formar uma convicção diferente, havendo apenas que introduzir uma ligeira alteração na redacção do ponto 32 dos factos provados nos termos acima referidos, sem lhe alterar o respectivo sentido.
Em face do acima exposto e nos termos do disposto no artº. 662º, nº. 1 do NCPC, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto deduzida pela Ré/recorrente, procedendo-se à alteração da redacção dos pontos 5, 16, 24, 32 e 38 dos factos provados nos termos atrás mencionados, mantendo-se, no entanto, inalterada a restante matéria de facto provada e não provada supra descrita.
*
II) – Determinação dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos A. C. J. e reapreciação dos valores indemnizatórios que lhe foram atribuídos por esses danos:
O Tribunal “a quo” atribuiu ao A. C. J., na sentença recorrida, os seguintes montantes indemnizatórios:
- € 7.237,80 a título de perdas salariais, relativo à diferença entre o montante de € 2.800,00/mês pago pela Ré ao A. e o valor de € 3.204,10 auferido por este à data do sinistro, o que equivale a € 404,10 x 18 meses (€ 3.204,10 - € 2.800,00 = € 404,10 x 18 meses);
- € 113.150,00 a título de indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da necessidade de auxílio de terceira pessoa pelo menos duas horas por dia, considerando o valor de € 10 diários (€ 5 por hora) multiplicados por 31 anos (contados desde a citação da Ré nesta acção e até o A. perfazer 80 anos, correspondente à esperança média de vida), ou seja, € 10 x 365 dias = € 3.650,00 x 31 anos = € 113.150,00 para o período total;
- € 870.912,00 a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro onde se inclui o dano biológico, tendo em atenção a idade do A. à data do sinistro (44 anos), o facto de ter ficado afectado de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 54 pontos, o acréscimo de esforço para poder desempenhar a sua profissão, o vencimento por ele auferido à data do acidente (€ 3.200,00 x 14 meses) e a esperança média de vida prevista para os homens no nosso país, que se situa nos 80 anos (€ 3.200,00 x 14 meses = € 44.800,00 x [80 anos – 44] = € 1.612.800,00 x 54% = € 870.912,00);
- € 60.000,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais por ele sofridos.

O Tribunal “a quo” condenou, também, a Ré a ressarcir o A. das “despesas que esse vier a fazer em acompanhamento médico-medicamentoso às lesões sofridas por causa do sinistro”, relegando o apuramento do respectivo montante para futura liquidação nos termos do artº. 609º, nº. 2 do NCPC.
Entendeu, ainda, aquele Tribunal que não deve operar a dedução das quantias recebidas pelo A. a título de pensão de invalidez, na indemnização arbitrada pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade permanente fixada ao Autor, por na atribuição da indemnização ao A. nesta sede ter recorrido a juízos de equidade que partiram de referências concretas (o salário auferido pelo A. e esperança média de vida), tendo desvalorizado a perda salarial resultante deste ter passado à situação de reformado, acrescentando que “se porventura tivesse valorizado esta perda, as diferenças entre o valor que auferia e o que deixou de auferir não seria a deduzir mas a acrescer (sendo irrelevante este acréscimo em face do montante do pedido)”, não havendo, por isso, que proceder a qualquer dedução.
Resultando da soma das parcelas acima referidas uma indemnização no total de € 1.051.299,80 e ultrapassando este valor o montante global do pedido de indemnização formulado em relação ao A. C. J., a Mª Juíza “a quo” reduziu o montante global de indemnização atribuída ao A. ao valor de € 699.437,80, atento o valor do pedido e o disposto no artº. 609º, nº. 1 do NCPC, acrescido de juros à taxa legal a contar da data da sentença e até efectivo pagamento.

A Ré, ora recorrente, insurge-se contra a sentença em apreço, pretendendo que:
A) - seja revogada a sentença na parte em que atribuiu ao A. a quantia de € 7.237,80, por este já se encontrar totalmente indemnizado das suas perdas salariais, uma vez que nos 323 dias em que o A. esteve com ITA deixou de obter rendimentos no valor de € 34.244,46 (€ 106,02 x 323 dias) e a Ré já lhe pagou a quantia de € 41.700,00 a título de adiantamento por perdas salariais;
- Ainda que se entendesse que deve ser considerada no cálculo das perdas salariais a totalidade dos rendimentos auferidos pelo A. (incluindo, portanto, o subsídio de alimentação e abono para falhas), que corresponde a um rendimento anual líquido de € 41.895,85, as perdas salariais do A. atingiriam € 37.073,94, valor ainda assim inferior ao que lhe foi pago pela Ré, o que implicaria também a absolvição da Ré do pagamento ao A. de qualquer quantia a título de perdas salariais;
B) – seja a Ré absolvida do pedido no que toca ao alegado custo com a contratação de uma terceira pessoa até à data da sentença, por o A., pelo menos até essa data (15/07/2018), não ter sofrido qualquer prejuízo patrimonial conexo com a necessidade de terceira pessoa, já que não contratou quem quer que seja para lhe prestar auxílio e nada pagou a esse título, sendo a A. N. J. que tem prestado ao A. tal auxílio, e em face da sua situação familiar não terá efectiva necessidade no futuro, após a data da sentença, de contratar uma terceira pessoa, já que poderá contar com a sua esposa para o ajudar nas duas horas diárias, pelo que não sendo previsível este possível dano futuro, o mesmo não é indemnizável, pretendendo, por isso, a revogação da sentença na parte em que condenou a Ré a pagar ao A. o valor de € 113.150,00 a este título;
- Mesmo que se considere que o dano patrimonial futuro do A., conexo com a necessidade de auxílio de terceiros, é previsível e passível de indemnização, é incerto se e quando se verificará e por quanto tempo perdurará, pelo que a Ré só deve ser condenada a pagar ao A. a quantia a liquidar ulteriormente e que corresponda às despesas que este venha efectivamente a suportar com a contratação de uma terceira pessoa, até ao limite da sua vida previsível, que se deve situar nos 77 anos de idade;
- Ainda que assim não se entendesse, no cálculo desta indemnização não se pode considerar a idade que o A. tinha à data da citação da Ré (esta foi citada em 3/04/2017, altura em que o A. tinha 48 anos de idade, e não 49 anos como é referido pela recorrente), mas antes a que tinha na data da sentença (49 anos e não 50 anos como é referido pela recorrente), devendo a indemnização ser reduzida, pelo menos, em 1/3 do valor obtido matematicamente, de forma a que o lesado não obtenha um enriquecimento indevido decorrente da antecipação do capital, e considerando o custo da contratação de uma terceira pessoa, uma taxa de crescimento do valor necessário a essa contratação (que julga adequado cifrar-se em 1%), uma taxa de juro na ordem dos 3% e a esperança de vida do A. até aos 77 anos de idade (27 anos), indica o valor de € 65.700,00 como sendo aquele que, em equidade, se mostra mais adequado a indemnizar esse dano, ou outro valor inferior ao atribuído a esse título;
C) - seja revogada a sentença na parte em que condenou a Ré a ressarcir o A. das despesas que viesse a fazer em acompanhamento médico e medicamentoso às lesões sofridas por causa do sinistro e, em sua substituição, deve a Ré ser condenada a pagar ao A. a quantia que se vier a liquidar ulteriormente relativa às despesas que ele vier a fazer em acompanhamento médico permanente a nível psiquiátrico e consulta da dor crónica e em medicação de foro psiquiátrico e de analgésicos, e tendo em conta o limite de capital da apólice de seguro – que corresponde ao limite legal - essa condenação deve ser limitada ao valor do capital seguro ainda disponível, ou seja, aos indicados € 5.000.000,00, abatidos das verbas que vierem a ser fixadas nesta acção e das quantias já pagas pela Ré ao A., que ascendem a € 84.951,07;
D) - seja revogada a sentença na parte em que atribuiu ao A. uma indemnização pela sua perda de capacidade de ganho/défice funcional permanente e, em sua substituição, seja proferida decisão que:
- fixe a indemnização pelo défice funcional permanente que afecta o A., em equidade e antes de qualquer abatimento, no valor de € 200.000,00, tendo em atenção que não se provou que o A. esteja incapaz para o exercício da sua profissão habitual, que tenha sofrido uma redução da sua remuneração, pelo menos no âmbito do seu trabalho habitual (o que reduz a relevância da sua retribuição para efeitos de cálculo da indemnização) e que se provou que continuou a exercer a mesma actividade, auferindo a mesma remuneração, devendo operar-se uma redução, atendendo ao facto de ver antecipada e paga agora a indemnização de um dano que só se concretizaria ao longo de mais de duas décadas; ou noutra quantia que se julgue adequada, mas sempre inferior àquela em que foi valorizado esse dano na sentença, diferenciando-se, se for o caso, qual a parte dela que corresponde a dano patrimonial futuro e a que respeita à compensação de outros danos;
- determine que a esse valor, ou ao valor exclusivamente conexo com o dano patrimonial futuro decorrente do défice funcional permanente de que sofre o A., devem ser abatidas as pensões de invalidez no seu valor bruto ou, assim não se entendendo, no seu valor líquido, que o CNP tenha pago e venha a pagar ao A. a título de pensão por invalidez, até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo a este processo;
- relegue o concreto apuramento da indemnização devida a este título, ou pelo dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade do A., para liquidação ulterior, dentro desses parâmetros e nesses termos, de forma a se poder obter a informação dos valores pagos pelo CNP e proceder ao seu abatimento na verba fixada a título de indemnização por este dano, sendo que os autos não dispõem, de momento, dos elementos suficientes para fixar definitivamente a indemnização devida ao A. pela perda de capacidade de ganho;
- estabeleça, em qualquer circunstância, como limite da liquidação o valor atribuído na sentença a este título e sempre limitada à parte do valor do pedido que ficar ainda disponível depois de proferida a decisão final que ponha termo à presente acção;
- Ainda que assim não se entendesse, se proceda, desde já, ao abatimento na indemnização devida ao A. pela perda de capacidade de ganho/défice funcional permanente da quantia ilíquida de € 126.870,61, que aquele já recebeu, até à data da interposição de recurso (Setembro de 2020), a título de pensão de invalidez, calculada por operação aritmética, relegando-se para momento ulterior a determinação das demais quantias pagas a esse título até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo a esta acção e que devem ser abatidas à indemnização;
- Ou, caso se entenda que deve ser abatida a pensão líquida, seja revogada a sentença na parte em que atribuiu ao A. uma indemnização pela sua perda de capacidade de ganho/défice funcional permanente, devendo ser abatida àquela indemnização a quantia de € 92 023,91 que aquele recebeu, até Setembro de 2020, a título de pensão de invalidez, relegando-se para momento ulterior a determinação das demais quantias pagas a esse título até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo a esta acção e que devem ser abatidas à indemnização;
- Mesmo que se entendesse que não deve ser efectuado o cálculo acima mencionado, sempre se imporia, pelo menos, que fosse revogada a sentença na parte em que atribuiu ao A. uma indemnização pela sua perda de capacidade de ganho/défice funcional permanente e fosse abatida naquela indemnização a verba de € 29.468,78 que sabemos já ter sido paga ao A. até 23/05/2018, a título de pensão de invalidez, relegando-se para momento ulterior a determinação das demais quantias pagas a esse título até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à presente acção e que devem ser abatidas à indemnização;
- Ainda que se venha a entender não ser de abater a tal indemnização a quantia que o A. já recebeu e venha a receber a título de pensão de invalidez, se proceda à redução, em equidade, da verba arbitrada para o indicado valor de € 200.000,00 ou outro que se considerasse mais ajustado, considerando as várias circunstâncias do caso referidas nas alegações de recurso, com especial ênfase para o facto de ter sido atribuída ao A. uma indemnização baseada na ficção de uma perda salarial de 54%, de se ter atendido no cálculo da indemnização aos rendimentos (incorrectamente apurados) do A., quando tal elemento não assume, no caso, decisiva importância, de se ter estendido o cálculo até aos 80 anos, idade superior ao limite da vida activa e mesmo da vida provável e de não se ter procedido a uma redução equitativa, atendendo à antecipação de uma indemnização por dano que só se consumaria ao longo de mais de duas décadas;
E) – seja reduzida, em equidade, para a quantia de € 30.000,00 a compensação devida ao A. pelos danos não patrimoniais sofridos, tendo em conta os factores enunciados nas alegações de recurso;
- para a hipótese de se entender que o facto de apenas existir a mera possibilidade de tratamento e recuperação da disfunção eréctil de que o A. é portador, não afasta a existência potencial de um dano, não podendo este, desde já, ser quantificado (já que só com a realização desses tratamentos se saberá a sua extensão), deve ser revogada a sentença na parte em que atribuiu ao A. a compensação de € 60.000,00 pelos seus danos não patrimoniais, e relegada a sua quantificação para liquidação ulterior, a efectuar depois de concluídos os tratamentos adequados à disfunção eréctil de que ele padece, estabelecendo-se, ainda, como limite de tal condenação ilíquida o valor da compensação arbitrada na sentença pelos danos não patrimoniais e, sempre, a parte do valor do pedido que ficar ainda disponível depois de proferida a decisão final que ponha termo à acção;
- Ainda que assim não se entendesse e mesmo que não seja alterada a decisão proferida quanto ao ponto iv dos factos não provados e pontos 32, 34, 36, 37 e 48 dos factos provados, atendendo globalmente aos factos provados, se imporia, em equidade, a redução da compensação pelos danos não patrimoniais para a quantia de € 45.000,00;
F) – seja abatida na indemnização que vier a ser atribuída ao A., a quantia de € 5.000,00 já paga pela Ré ao A. a título de adiantamento por conta da indemnização.
Cumpre, assim, determinar os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos A. C. J. em consequência do acidente e apurar se se mostram correctamente fixados os valores indemnizatórios devidos ao Autor, na parte questionada no recurso, tendo em conta a factualidade provada e os critérios legais previstos para a reparação dos danos sofridos, bem como a jurisprudência existente nesta matéria.
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Iniciemos a abordagem pelos danos de natureza patrimonial.
Como é sabido, a indemnização por danos causados por factos ilícitos tem como objectivo reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que determinou a reparação (artº. 562º do Código Civil). A reconstituição natural é substituída pela indemnização em dinheiro quando se verificar alguma das situações previstas do n°. 1 do artº 566° do Código Civil: "sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor".
A indemnização deve abranger o prejuízo causado (danos emergentes), os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão sofrida (lucros cessantes), bem como a reparação dos danos futuros desde que sejam previsíveis (artº. 564º do Código Civil), e o seu cálculo deve ser feito segundo a fórmula da diferença prevista no n°. 2 do artº. 566° do Código Civil (“a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”), julgando o Tribunal com recurso à equidade, se não for possível apurar-se o valor exacto dos danos, dentro dos limites que tiver por provados (artº. 566º, nº. 3 do mesmo Código).
Os danos emergentes correspondem à diminuição do património (já existente) do lesado e os lucros cessantes aos ganhos que se frustraram ou prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património.
O lucro cessante tem de ser determinado segundo juízos de probabilidade ou verosimilhança, pois que eles se traduzem em vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, se não fora o facto lesivo.
De acordo com juízos de probabilidade, verosimilhança e normalidade pode concluir-se que o A. C. J., não fora o acidente dos autos e as consequências daí resultantes, teria trabalhado (e continuaria a trabalhar) auferindo o correspondente rendimento, bem como não teria ficado com as sequelas e limitações físicas de que é portador e que terão repercussões na sua situação patrimonial.
Vejamos, então, cada uma das indemnizações questionadas pela recorrente.
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1) – Quanto às perdas salariais do A. C. J.:

O Tribunal “a quo” atribuiu ao A. C. J. a quantia de € 7.237,80 reclamada na petição inicial, relativa à diferença entre o montante de € 2.800,00 mensais pago pela Ré ao A. e o valor de € 3.204,10 por ele auferido à data do sinistro, o que equivale a € 404,10 x 18 meses a título de perdas salariais.

A Ré/recorrente entende que não é devida essa quantia à A. com os seguintes fundamentos:
- O rendimento a atender no cálculo da indemnização por danos patrimoniais decorrentes das perdas salariais do A. é o seu rendimento base líquido (sem o subsídio de alimentação e abono para falhas, que não são pagos nos períodos ou dias em que não é prestado trabalho), o qual ascende a € 2.764,13;
- O período de incapacidade temporária a considerar é, apenas, o compreendido entre 16/11/2013 e 30/09/2014, ou seja, uma ITA de 323 dias, já que, apesar de se ter provado que o A., em consequência do acidente, esteve em situação de ITA entre 16/11/2013 e 10/12/2014 e de 23/01/2015 a 18/03/2015 (num total de 445 dias) e ITP de 50% entre 11/12/2014 e 23/01/2015 (44 dias), também se provou que, a partir de Outubro de 2014, o A. retomou a sua actividade profissional auferindo a mesma remuneração;
- Considerando o seu rendimento mensal líquido de € 2.764,13, a perda salarial anual seria de € 38.697,82 (€ 2.764,13 x 14 meses = € 38.697,82), o que corresponde a uma retribuição diária de € 106,02 (€ 38.697,82 / 365 dias), pelo que nesses 323 dias de incapacidade o A. deixou de obter rendimentos no valor de € 34.244,46 (€ 106,02 x 323 dias);
- A recorrente já pagou ao A. a quantia de € 41.700,00 a título de adiantamento por conta de perdas salariais, pelo que aquele já se encontra totalmente indemnizado;
- Ainda que se entendesse que deve ser considerada no cálculo das perdas salariais a totalidade dos rendimentos auferidos pelo A. (incluindo, portanto, o subsídio de alimentação e abono para falhas), que corresponde a um rendimento anual líquido de € 41.895,85, as perdas salariais do A. atingiriam € 37.073,94, valor ainda assim inferior ao que lhe foi pago pela Ré, não lhe sendo devida qualquer quantia a título de perdas salariais.
Como ponto prévio, importa referir que no cálculo da indemnização por perdas salariais e por danos patrimoniais futuros a atribuir ao lesado, nas acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, o Tribunal deve basear-se na retribuição líquida (e não ilíquida) auferida pelo sinistrado à data do acidente. Tal entendimento é, de resto, o que melhor se compatibiliza com a teoria da diferença consagrada no nº. 2 do artº. 566º do Código Civil e com o estipulado no artº. 64º, nº. 7, 1ª parte do DL 291/2007 de 21/8, na redacção dada pelo DL 153/2008 de 6/8.
Por outro lado, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem-se inclinado no sentido deste entendimento, como aconteceu, por exemplo, nos acórdãos do STJ de 7/02/2013, proc. nº. 3557/07.1TVLSB, de 19/01/2012, proc. nº. 275/07.4TBMGL e de 2/02/2010, proc. nº. 660/05.6TBPVZ, da RL de 14/05/2009, proc. nº. 623/2001 e da RE de 21/06/2012, proc. nº. 1129/10.2T2STC, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Além disso, a indemnização deverá repor o lesado na situação em que se encontraria se não ocorresse o acidente (artº. 562º do Código Civil), o que implica que lhe seja atribuída uma compensação que corresponda à efectiva perda patrimonial.
Ademais, não se poderá deixar de ter em conta que a indemnização judicialmente atribuída ao lesado para compensação do dano por ele sofrido (incluindo o dano patrimonial futuro decorrente da perda de ganho por incapacidade) não está sujeita a qualquer tributação fiscal, por inexistir qualquer norma que a preveja, existindo antes disposição que expressamente a exclui.

De facto, estabelece a al. b) do nº. 1 do artº. 12º do Código do IRS que:

“1 - O IRS não incide, salvo quanto às prestações previstas no regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, alterado pelas Leis nºs 59/2008, de 11 de setembro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, e 11/2014, de 6 de março, sobre as indemnizações devidas em consequência de lesão corporal, doença ou morte, pagas ou atribuídas, nelas se incluindo as pensões e indemnizações auferidas em resultado do cumprimento do serviço militar, as atribuídas ao abrigo do artigo 127º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, e as pensões de preço de sangue, bem como a transmissão ao cônjuge ou unido de facto sobrevivo de pensão de deficiente militar auferida ao abrigo do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 240/98, de 7 de agosto:
(…)
b) Ao abrigo de contrato de seguro, decisão judicial ou acordo homologado judicialmente.”

Assim, não estando a indemnização sujeita a impostos ou outros encargos que seriam devidos ao Estado não fosse o acidente, não pode o lesado, também, ver a sua indemnização calculada com base nessas parcelas que sempre seriam retidas e entregues ao Estado e das quais nunca usufruiria. O que significa que se deve atender, no cálculo da indemnização por perdas salariais, à perda efectiva de rendimentos, o que só se consegue pela consideração do rendimento líquido do lesado.
Salvo o devido respeito, entendemos que não assiste razão à recorrente, ao defender que no cálculo das perdas salariais do A. deve atender-se apenas ao seu rendimento base líquido, que ascende a € 2.764,13, excluindo as prestações referentes ao subsídio de alimentação e abono para falhas, que não são pagas nos períodos ou dias em que não é prestado trabalho.
No entanto, resulta dos recibos de vencimento do A. referentes aos anos de 2012, 2013, 2015, 2016 e 2017 juntos aos autos e a que atrás já fizemos referência, que para além do vencimento base e dos duodécimos de metade do subsídio de férias e de Natal, sujeitos aos descontos para a Segurança Social e IRS, também eram pagos ao A. o subsídio de alimentação e o abono para falhas durante os 12 meses do ano, não estando estes sujeitos a qualquer desconto, pelo que no cálculo do rendimento mensal líquido que o A. auferia à data do acidente, que efectuámos aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto, foi considerada a totalidade dos rendimentos auferidos pelo A. resultante da soma de todas estas parcelas que eram regularmente recebidas por ele todos os meses do ano, o que determinou que se desse como provado no ponto 24 dos factos provados que àquela data o A. auferia o rendimento do trabalho mensal líquido de € 3.204,10, sendo este o valor a atender no cálculo das perdas salariais do Autor.
Embora se tenha provado que o A., em consequência do acidente, esteve em situação de ITA entre 16/11/2013 e 10/12/2014 e de 23/01/2015 a 18/03/2015 (num total de 445 dias) e ITP de 50% entre 11/12/2014 e 23/01/2015 (44 dias), também se provou que, a partir de Outubro de 2014, o A. retomou a sua actividade profissional auferindo a mesma remuneração (pontos 29 a 31 dos factos provados), ou seja, quando ainda se encontrava com ITA, contrariando assim a afirmação feita na sentença recorrida de que aquele não recebeu a sua remuneração líquida de € 3.204,10 durante o período de 18 meses.

Ademais, consultados os recibos de vencimento do A. juntos a fls. 284 a 302vº, verificamos que:
- no mês de Novembro de 2013 auferiu o rendimento líquido de € 2.063,31 (houve descontos no vencimento por incapacidade temporária e no subsídio de alimentação), o que representou uma perda salarial de € 1.140,79 (€ 3.204,10 – 2.063,21);
- no mês de Dezembro de 2013 recebeu o montante líquido de € 1.454,55 relativo ao duodécimo de metade do subsídio de Natal correspondente àquele mês + a outra metade daquele subsídio, não tendo recebido o vencimento base líquido, o duodécimo de metade do subsídio de férias, o subsídio de alimentação e o abono para falhas (€ 2.764,14 + € 115,28 + € 98,21 + € 196,79), o que representou uma perda salarial de € 3.174,32;
- não se encontram juntos aos autos os recibos de vencimento do ano de 2014, o que nos leva a considerar que entre Janeiro e Setembro de 2014, o A. não recebeu qualquer remuneração da sua entidade empregadora, o que representou uma perda salarial de € 30.218,97 [€ 3.204,10 x 9 meses = € 28.836,90 + € 1.382,07 (correspondente ao valor líquido de metade do subsídio de férias que seria paga em Julho)].
Assim, somando as perdas salariais do A. acima referidas, constatamos que no período em que ele esteve na situação de ITA até retomar a sua actividade profissional em Outubro de 2014, deixou de obter rendimentos do trabalho no valor total líquido de € 34.534,08 (€ 1.140,79 + € 3.174,32 + € 30.218,97).
Em face do acima exposto e salvo o devido respeito, entendemos que o Tribunal “a quo” partiu de premissas erradas para concluir que a Ré deve ao A. a quantia de € 7.237,80 referente a perdas salariais, pois não resulta dos autos que este tenha estado 18 meses sem ter recebido o rendimento de € 3.204,10, que auferia à data do acidente, para além de constar da al. i) dos factos provados que o montante pago mensalmente pela Ré ao A., a título de adiantamento por conta das perdas salariais, nem sempre foi de € 2.800,00 – houve meses que foi superior e outros meses foi inferior.
Também consideramos não ser de atender aos critérios de cálculo apresentados pela recorrente pelas razões acima explanadas; no entanto, pese embora tenhamos obtido, no cálculo que efectuámos, valores diferentes dos apresentados pela recorrente, a conclusão a que chegamos é a mesma: o montante salarial perdido pelo A. é inferior ao valor que lhe foi pago pela Ré,
Com efeito, estando provado que a Ré pagou ao A. a quantia de € 41.700,00 a título de perdas salariais (cfr. al. i) dos factos provados), este está totalmente indemnizado das suas perdas salariais, pelo que entendemos que deverá proceder, nesta parte, o recurso interposto pela Ré, embora com fundamentos diferentes dos invocados, revogando-se, neste segmento, a decisão recorrida.

2) – Quanto à indemnização fixada pela necessidade de auxílio de terceira pessoa:
Insurge-se a recorrente contra o montante fixado na sentença recorrida a título de indemnização ao A. C. J. pela necessidade de auxílio de terceira pessoa.
Com todo o respeito, não lhe assiste razão ao pretender ser absolvida do pedido no que toca ao custo com a contratação de uma terceira pessoa até à data da sentença, por o A., pelo menos até essa data (15/07/2018), não ter sofrido qualquer prejuízo patrimonial conexo com a necessidade de terceira pessoa, já que não contratou quem quer que seja para lhe prestar auxílio e nada pagou a esse título, sendo a sua esposa que tem prestado ao A. tal auxílio, e em face da sua situação familiar não terá efectiva necessidade no futuro, após a data da sentença, de contratar uma terceira pessoa, já que poderá contar com a sua esposa para o ajudar nas duas horas diárias, pelo que não sendo previsível este possível dano futuro, o mesmo não é indemnizável, pretendendo, por isso, a revogação da sentença na parte em que a condenou a pagar ao A. o valor de € 113.150,00 a este título.
Consta da matéria dada como provada no ponto 43 que “o A. irá necessitar do auxílio de terceira pessoa para o resto da sua vida durante duas horas por dia para que o auxiliem a vestir-se, no banho.”
Para a fixação desta indemnização é irrelevante o facto do A., após o acidente, não ter contratado uma terceira pessoa para o auxiliar nos actos da sua vida diária e não ter sofrido qualquer prejuízo patrimonial conexo com essa necessidade, por ser a sua esposa que lhe tem prestado esse auxílio.
É que desse facto não pode resultar a impossibilidade de o A. ser ressarcido de tal dano patrimonial, como pretende fazer crer a recorrente ao argumentar que uma pessoa necessitada de apoio de terceira pessoa pode beneficiar do auxílio gratuito de familiares ou amigos, e nesse caso, pura e simplesmente, não existe qualquer dano patrimonial que deva ser indemnizado, uma vez que o património da vítima não foi ou não será lesado.
Em primeiro lugar, o sinistrado não pode estar dependente da generosidade e solidariedade de terceiros, designadamente de familiares e amigos, tanto mais quando ele irá necessitar do auxílio de terceira pessoa até ao resto da sua vida, durante duas horas por dia, para que se vestir e tomar banho, situação essa resultante das graves lesões por ele sofridas em consequência de um acidente de viação da responsabilidade de terceiros.
Depois, não podemos olvidar que o A. não contratou ninguém para lhe prestar auxílio pois provou-se que a A. N. J. denunciou o contrato de trabalho que mantinha com o Instituto de Emprego e Formação Profissional, para auxiliar o A. nas suas tarefas básicas, sendo ela que tem ajudado o A. a realizar a sua higiene pessoal, a subir e descer escadas, a ampará-lo quando este vai à casa de banho – ou seja, a esposa do A. deixou de trabalhar numa entidade pública e de auferir o respectivo vencimento para poder prestar-lhe o auxílio que ele necessita, tendo, por isso, o seu agregado familiar deixado de poder beneficiar do rendimento mensal que a A. N. J. auferia no IEFP. Para além disso, resultou dos depoimentos de algumas das testemunhas acima referidas que é a A. N. J. que actualmente está a gerir a empresa Bateri.... II (anteriormente designada Y), onde o A. trabalhava e da qual era sócio-gerente, estando provado que o A. foi reformado por invalidez com efeitos desde 26/05/2017, o que torna ainda mais difícil e penoso para o casal o facto de a A. ter de conciliar a tarefa de prestar ao A. o auxílio de que ele necessita diariamente (e continuará a necessitar para o resto da sua vida) com a gestão da empresa de que ele é um dos donos.
Por outro lado, entendemos que não procede o argumento utilizado pela recorrente de que, em face da sua situação familiar, o A. não terá efectiva necessidade no futuro, após a data da sentença, de contratar uma terceira pessoa, já que poderá contar com a sua esposa para o ajudar nas duas horas diárias, não sendo, por isso, previsível este dano futuro. Na verdade, embora o A. seja casado com a A. N. J. e sendo ela que vem prestando a assistência de que o marido necessita, nada nem ninguém pode garantir que a situação familiar do A. não venha a sofrer alteração no futuro, como parece pretender a recorrente, pois os imprevistos acontecem e podem atingir qualquer pessoa (como por exemplo, o divórcio do casal, a morte da A., um acidente ou outro acontecimento traumático que a impossibilite de prestar auxílio ao marido).
Tudo isto para dizer que, contrariamente ao alegado pela recorrente, este dano patrimonial decorrente da necessidade de auxílio de terceira pessoa efectivamente existe, sendo previsível e certo que permaneça no futuro, pois resultou provado que o A. necessita e irá necessitar desse auxílio para o resto da sua vida, durante duas horas por dia, pelo que tem a Ré/recorrente de compensar o A. por esta necessidade de auxílio de terceira pessoa, seja ele prestado por um terceiro ou por um familiar, sendo esta indemnização devida desde a data da citação da Ré (3/04/2017), e não desde a data da sentença (15/07/2018) como pretende a recorrente, até ao termo da sua esperança média de vida, conforme definido na sentença recorrida.
Argumenta, ainda, a recorrente, a este propósito, que tendo também por base o facto de se ter provado que a A. N. J. presta esse auxílio ao A. C. J., foi atribuída à primeira uma compensação por danos não patrimoniais, pelo que não poderia ser, simultaneamente, atribuída à A. N. J. uma compensação por se ver forçada a prestar essa ajuda e, do mesmo passo, uma indemnização ao A. C. J. para obter essa ajuda de terceiros, sob pena de duplicação do mesmo dano.
Contudo, afigura-se-nos que a recorrente incorre aqui num equívoco que, com todo o respeito, só poderá resultar de uma leitura desatenta da sentença recorrida, porquanto a indemnização atribuída à A. N. J. por danos não patrimoniais não engloba qualquer compensação pelo facto de ter de prestar auxílio ao seu marido. Como resulta da sentença, o Tribunal “a quo” atribuiu à A. N. J. uma indemnização por danos não patrimoniais como compensação pelo facto desta ter visto os seus direitos conjugais amputados numa parte importante para uma mulher ainda jovem, ficando privada de ter um relacionamento sexual normal com o seu cônjuge, mais concretamente da sua sexualidade dentro do casamento, devido à impotência sexual de que o A. ficou a padecer em consequência do acidente, podendo este direito à sexualidade no casamento ser encarado como um direito de personalidade.
Relativamente ao montante da indemnização pela necessidade de auxílio de terceira pessoa, na sentença recorrida o Tribunal “a quo” considerou o valor de € 5 por hora, que nos parece aceitável (sendo inclusive inferior ao valor que vem sendo praticado nos grandes centros urbanos), o que representa um gasto de € 10 diários, “multiplicados por 31 anos (contados desde a citação da ré nesta ação e até o autor perfazer 80 anos (esperança média de vida) valor este a que não se deduz nem acrescenta quantia alguma em função, por um lado, da desvalorização monetária que ocorrerá com o tempo e que se considera compensada com o facto de tal quantia ser recebida na totalidade e antecipadamente”, obtendo, deste modo, o valor global de € 10,00 x 365 dias = € 3.650,00 x 31 anos = € 113.150,00 para o período em causa.
Ora, não procedendo a primeira pretensão formulada pela recorrente, discordamos também da posição por ela defendida, subsidiariamente, no sentido de que, sendo incerto se e quando se verificará e por quanto tempo perdurará este dano patrimonial conexo com a necessidade de auxílio de terceiros, seja relegado para liquidação ulterior o apuramento da quantia que deve pagar ao A. e que a mesma deve corresponder às despesas que aquele venha efectivamente a suportar com a contratação de uma terceira pessoa, até ao limite da sua vida previsível, que se deve situar nos 77 anos de idade, porquanto entendemos ser possível fixar, desde já, o valor desta indemnização, com recurso à equidade, por força da qual serão ponderadas as circunstâncias do caso concreto, utilizando para o efeito o método de cálculo plasmado na sentença recorrida, embora com números e valores diferentes.

Senão, vejamos:
A Ré foi citada na presente acção em 3/04/2017, altura em que o A. tinha 48 anos de idade, já que nasceu em -/11/1968.
Por outro lado, tendo em consideração os dados estatísticos obtidos na Base de Dados Portugal Contemporâneo (PORDATA), no ano de 2018 (últimos dados conhecidos) a esperança média de vida, para a população masculina, é de 78 anos, pelo que será levada em consideração por este Tribunal de recurso a esperança média de vida de 78 anos (e não 80 anos como é referido na sentença, nem 77 anos como pretende a recorrente).
Assim, considerando que o A. tem uma esperança de vida até aos 78 anos, daqui decorre que, em termos meramente estatísticos, o A. terá necessidade do auxílio de terceira pessoa durante pelo menos 30 anos, contados desde a data da citação até ao termo da esperança média de vida.
Ajuda de que, cabe sublinhar, o A. necessitará todos os dias do ano, em face do que resultou provado no ponto 43, pelo que deve ser considerada a totalidade dos dias do ano, ou seja 365 dias.
Ora, multiplicando o valor de € 10 diários por 365 dias/ano, obtemos o montante de € 3.650,00 e multiplicado este pelos 30 anos de esperança média de vida do lesado, chegamos ao valor global de € 109.500,00 (€ 10,00 x 365 dias = € 3.650,00 x 31 anos = € 109.500,00).
Como é sabido, estão em causa danos patrimoniais futuros cujo valor exacto não é passível de fixação, atentas as especificidades e vicissitudes que lhe são próprias, razão pela qual tal valor só pode ser fixado com recurso à equidade e dentro dos limites objectivos que foram dados como provados, nos termos do disposto no nº. 3 do artº. 566º do Código Civil.
Pretende a recorrente que a indemnização seja reduzida, pelo menos, em 1/3 do valor obtido matematicamente, de forma a que o lesado não obtenha um enriquecimento indevido decorrente da antecipação do capital, e considerando o custo da contratação de uma terceira pessoa, uma taxa de crescimento do valor necessário a essa contratação (que julga adequado cifrar-se em 1%), uma taxa de juro na ordem dos 3% e a esperança de vida do A. até aos 77 anos de idade, indica o valor de € 65.700,00 como sendo aquele que, em equidade, se mostra mais adequado a indemnizar esse dano, ou outro valor inferior ao atribuído a esse título.
Conforme tem vindo a ser aceite pacificamente na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, relativamente aos danos patrimoniais futuros, o recebimento antecipado do capital, referente à respectiva indemnização (que não o seu pagamento faseado ao longo do tempo previsto ou previsível), justifica uma dedução baseada na equidade e tendo por referência os possíveis ganhos resultantes da aplicação financeira do capital antecipadamente recebido (taxa de capitalização) – na medida em que, colocando o capital a render, o beneficiário sempre receberá os correspondentes juros ou rendimentos remuneratórios. Trata-se de subtrair o benefício respeitante ao recebimento antecipado de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento indevido do lesado à custa alheia. Na quantificação do desconto em equação, a jurisprudência tem situado essa dedução, com recurso à equidade, entre os 10% e os 33% (cfr. acórdãos do STJ de 25/11/2009, proc. nº. 397/03.0GEBNV, de 08/06/2017, proc. nº. 1524/10.7TBOAZ e de 23/10/2018, proc. nº. 902/14.7TBVCT, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
O Tribunal “a quo” decidiu não deduzir qualquer quantia ao valor encontrado (€ 113.150,00) com fundamento na desvalorização monetária que ocorrerá com o tempo e que considerou compensada com o facto de tal quantia ser recebida antecipadamente na totalidade.
A pretensão da recorrente no sentido da indemnização ser reduzida, pelo menos, em 1/3 do valor obtido matematicamente, de modo a evitar que o lesado obtenha vantagens patrimoniais indevidas, tem como pressuposto que o capital recebido antecipadamente seja aplicado financeiramente e produza rendimento líquido baseado numa taxa de juro na ordem dos 3%. Apenas nesta hipótese de rentabilização do montante indemnizatório recebido é que a antecipação do pagamento da indemnização, relativamente ao momento da produção do dano futuro, implicaria um benefício ilegítimo para o lesado, que receberia, além da indemnização, o mencionado rendimento líquido sem causa justificativa.
Porém, a realidade que se nos apresenta é completamente diferente da descrita. Na verdade, conforme é público e notório, no âmbito das aplicações financeiras, as taxas de rendimento têm vindo a baixar constantemente para níveis quase negativos, desconhecendo-se em absoluto qual a sua evolução, particularmente ao longo dos anos de expectativa de vida do A. C. J..

Como se refere no acórdão do STJ de 25/05/2017 (proc. nº. 868/10.2TBALR, relator Lopes do Rego, disponível em www.dgsi.pt), que se pronunciou sobre a questão da recorrente se ter insurgido contra o arbitramento de uma indemnização pelo dano patrimonial futuro e não se ter procedido ao desconto do benefício da antecipação pelo imediato recebimento do montante global da indemnização, sustentando a aplicação de uma taxa de redução de 20%, e que serve de termo de comparação com a situação actual do sistema bancário português:

«A regra ou princípio geral segundo a qual o benefício da antecipação deve descontar-se na indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou apagado perante a existência provável de um particular agravamento ou especial onerosidade dos danos patrimoniais futuros expectáveis que importa compensar com recurso a critérios de equidade.
O dito benefício nunca poderia actualmente corresponder – perante o quadro económico actual e face às perspectivas razoáveis de rentabilização do montante indemnizatório recebido – aos pretendidos 20% - aderindo-se inteiramente ao decidido nesta mesma Secção, no Ac. de 29/10/2016, proferido no proc. nº 1893/14.0TBVNG (…), sendo, quando muito, equitativa e ajustada a redução ao montante do capital a atribuir à autora a título de indemnização pela perda de rendimentos do correspondente a uma taxa na ordem de 1,5%.»
Decorridos quase 4 anos desde que foi proferido o acórdão do STJ acima referido, que seja do nosso conhecimento, nenhum Banco a operar em Portugal oferece, há já algum tempo, produtos financeiros sem risco associado cujas taxas de juro proporcionem rendimento líquido, no sentido acima referido. Além disso, a instabilidade que nos anos mais recentes se tem verificado no sistema bancário nem sequer garante a absoluta segurança do próprio capital depositado – basta recordarmos as situações de perda total ou parcial das aplicações financeiras que a história recente bem demonstra.
Nestas circunstâncias, conjugadas com a incerteza criada sobre as repercussões que a grave crise sanitária e económica que o nosso país (e o resto do mundo) atravessa, devido à pandemia provocada pelo vírus SARS-COV-2, terão na vida das pessoas nos próximos anos e a imprevisibilidade da situação do sistema bancário e financeiro neste contexto mundial, havendo ainda que ter em conta o expectável aumento das despesas a suportar no período temporal a considerar “in casu” (30 anos), entendemos que não há fundamento para considerar que a antecipação do pagamento da indemnização correspondente ao dano futuro, relativamente à produção deste, proporciona algum benefício ao A. C. J. nem, logicamente, para a dedução de qualquer parcela da indemnização a esse título, aderindo-se inteiramente ao decidido no acórdão da RE de 22/03/2018, proferido no proc. nº. 3869/13.5TBSTB, disponível em www.dgsi.pt.
Afigura-se, pois, equitativa e ajustada a atribuição ao A. C. J. da quantia de € 109.500,00, a título de indemnização pela necessidade de auxílio de terceira pessoa, improcedendo, nesta parte, o recurso interposto pela Ré Seguradora, devendo, no entanto, ser alterada a sentença recorrida de acordo com o supra exposto.

3) – Quanto às despesas futuras com acompanhamento médico e medicamentoso:
A recorrente insurge-se igualmente contra a sua condenação, ainda que genérica, a ressarcir o A. das despesas que este vier a fazer com acompanhamento médico e medicamentoso às lesões que sofreu por causa do sinistro, alegando que deve ser condenada a pagar ao A. a quantia que se vier a liquidar ulteriormente relativa apenas às despesas que ele vier a fazer em acompanhamento médico permanente a nível psiquiátrico e consulta da dor crónica e em medicação de foro psiquiátrico e de analgésicos.
Para sustentar a sua tese, argumenta que, de acordo com os pontos 25 e 26 dos factos provados, o único dano futuro previsível, no que toca às ditas necessidades terapêuticas, prende-se com consultas de psiquiatria e da dor crónica e necessidade de medicação do foro psiquiátrico e analgésicos.
Como refere a recorrente, estamos perante danos futuros, prevendo o artº. 564º, n.º 2 do Código Civil que sejam indemnizados os danos que sejam previsíveis. Ou seja, só serão indemnizáveis, ao abrigo desta norma, os danos que, apesar de ainda não verificados, é certo ou previsível que venham a ocorrer no futuro, dada a sua previsibilidade.
Ora, mantendo-se inalterada a redacção dos pontos 25 e 26 dos factos provados (apesar da recorrente ter impugnado o ponto 25), e como já atrás referimos, é previsível, face às múltiplas lesões que o A. sofreu e às sequelas com que ficou a nível urológico, ortopédico, neurológico e psiquiátrico por causa do acidente, que ele necessite de acompanhamento médico regular e tratamentos de outras especialidades para além da psiquiatria e consulta da dor crónica (por ex., de medicina física e de reabilitação, ortopedia e urologia) para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas de que é portador, para além de que se mostra assente nos autos que o A. necessitará no futuro de medicação do foro psiquiátrico e de analgésicos, o que não se mostra especificado na sentença recorrida, cabendo à Ré suportar as despesas inerentes a esse acompanhamento médico e medicamentoso dentro do limite do valor do capital seguro ainda disponível, deduzido das indemnizações que vierem a ser fixadas nesta acção e das quantias já pagas pela Ré ao A., que ascendem a € 84.951,07, devendo o apuramento do respectivo montante ser relegado para posterior liquidação (artº. 609º, nº. 2 do NCPC).
Assim sendo, procede parcialmente, nesta parte, o recurso interposto pela Ré, devendo esta ser condenada a pagar ao A. a quantia que se vier a liquidar ulteriormente relativa às despesas que aquele vier a fazer em acompanhamento médico permanente, nomeadamente a nível psiquiátrico e consulta da dor crónica, e em medicação de foro psiquiátrico e analgésicos, sendo essa condenação limitada ao valor do capital seguro ainda disponível, deduzido das indemnizações que vierem a ser fixadas nesta acção e das quantias já pagas pela Ré ao A., que ascendem a € 84.951,07.

4) - No que se refere à indemnização pelo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do A. C. J.:
Conforme resulta do preceituado no artº. 564º, n°. 2 do Código Civil, como já se referiu, na fixação da indemnização pode ainda o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, recorrendo à equidade se não for possível apurar-se o valor exacto dos danos, dentro dos limites que tiver por provados (artº. 566º, nº. 3 do mesmo Código).
A equidade, na medida em que remete para as particularidades do caso concreto, permite ter em consideração as especiais condições de cada lesado.
Tendo resultado provado nos autos que, à data do acidente, o A. tinha 44 anos de idade e que, em consequência do acidente, esteve com incapacidade geral total e parcial num período de 781 dias, ficou afectado com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (anteriormente designado por incapacidade permanente geral – IPG) de 54 pontos e com sequelas que, embora sejam compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, implicam esforços suplementares, para além de que o limitam e diminuem na sua capacidade funcional, pois encontra-se incapaz de exercer actividades que impliquem esforços físicos (não aguenta carregar pesos, não consegue subir e descer para o empilhador, nem fazer manobras de carga e descarga com o mesmo, não consegue levantar módulos de baterias para promover pela manutenção das mesmas) e impedido de conduzir veículos automóveis num raio superior a 80 Km da sua residência e a uma velocidade superior a 90 Km/hora, só podendo conduzir veículos com caixa de velocidades automática (conforme limitações averbadas na sua carta de condução), encontra-se reformado por invalidez com efeitos desde 26/05/2017, não consegue andar a pé mais de 45 minutos nem estar sentado mais de 25 minutos seguidos e está incapacitado para qualquer actividade desportiva como jogging, caminhadas, basquetebol, actividades estas de que era praticante antes do acidente - tendo as lesões sofridas pelo A. lhe determinado uma Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 4 numa escala de 1 a 7 - ficou impossibilitado de continuar com normalidade a sua vida familiar e afectiva, pois as lesões por ele sofridas determinam-lhe também uma Repercussão Permanente na Actividade Sexual de grau 5 numa escala de 1 a 7 com base em disfunção eréctil total, não subsistem dúvidas que este dano biológico determina uma alteração profunda na sua vida, com afectação da sua potencialidade física e psíquica, sendo a sua situação pior depois do evento danoso, pelo que esta circunstância tem de forçosamente relevar para efeitos de atribuição da indemnização.
No caso da IPG (ora denominada défice funcional permanente da integridade físico-psíquica) ter reflexos na remuneração que o lesado vai deixar de auferir, não há dúvida que a respectiva indemnização se enquadra nos danos patrimoniais – danos futuros – a que se refere o artº. 564º, nº. 2 do Código Civil.
Pode, no entanto, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica não determinar nenhuma diminuição do rendimento do lesado, quer porque a sua actividade profissional não é especificamente afectada pela incapacidade, quer porque, embora afectado pela incapacidade, o lesado consegue exercer a sua actividade habitual com um esforço suplementar.
Em todos estes casos pode discutir-se se o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica constitui um dano patrimonial ou um dano não patrimonial.
É entendimento pacífico na nossa jurisprudência que o dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevante limitação funcional - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional actual, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido (cfr. acórdãos do STJ de 20/05/2010, relator Cons. Lopes do Rego, proc. nº. 103/2002 e da RG de 3/07/2014, proc. nº. 333/12.3TCGMR, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

No caso em apreço, o Tribunal “a quo” fixou ao A. C. J. uma indemnização “pelo dano biológico que envolve o dano patrimonial futuro”, no montante de € 870.912,00, discordando a recorrente deste valor por o considerar desajustado à situação concreta, defendendo que a indemnização pelo défice funcional permanente que afecta o A. seja fixada, em equidade e antes de qualquer abatimento, no valor de € 200.000,00, devendo operar-se uma redução, atendendo ao facto de ver antecipada e paga agora a indemnização de um dano que só se concretizaria ao longo de mais de duas décadas, ou noutra quantia que se julgue adequada, mas sempre inferior àquela em que foi valorizado esse dano na sentença.

Antes de se proceder à apreciação, em concreto, da indemnização pelos danos patrimoniais futuros, recordam-se os critérios gerais de reparabilidade desta categoria de dano explanados no acórdão do STJ de 25/05/2017 (proc. nº. 2028/12.9TBVCT, relatora Cons. Maria da Graça Trigo, disponível em www.dgsi.pt), nos termos que passamos a transcrever:

«Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 28/01/2016 (proc. nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1), in www.dgsi.pt, retomadas nos acórdãos de 07/04/2016 (proc. nº 237/13.2TCGMR.G1.S1) e de 14/12/2016 (proc. nº 37/13.0TBMTR.G1.S1), in www.dgsi.pt, “A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1) e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt.)”.

Afirma-se, mais à frente, no acórdão de 28/01/2016, que vimos citando:

“Para além dos danos patrimoniais consistentes em perda de rendimentos laborais da profissão habitual, segue-se a orientação deste Supremo Tribunal, supra referida, de procurar ressarcir as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. Trata-se das consequências patrimoniais do denominado “dano biológico”, expressão que tem sido utilizada na lei, na doutrina e na jurisprudência nacionais com sentidos nem sempre coincidentes. Na verdade, a lesão físico-psíquica é o dano-evento, que pode gerar danos-consequência, os quais se distinguem na tradicional dicotomia de danos patrimoniais e danos não patrimoniais (cfr. tratamento mais desenvolvido pela relatora do presente acórdão, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, 2015, págs. 69 e segs.). Com esta precisão, a indemnização pela perda da capacidade de ganho, tem a seguinte justificação, nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.: “a compensação do dano biológico [dentro das consequências patrimoniais da lesão físico-psíquica] tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.”
Entende-se que o aumento da penosidade e esforço para realizar as tarefas diárias pode ser atendido no âmbito dos danos patrimoniais (e não apenas dos danos não patrimoniais), na medida em que se prove ter como consequência provável a redução da capacidade de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas.
“A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe [ao lesado], de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais” (acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.).”
Nestes termos, consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual.
Estamos no domínio dos danos patrimoniais indetermináveis, cuja reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade (cfr. art. 566º, nº 3 do Código Civil). Ora, como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 4 de Junho de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1 e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt), em princípio, “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça “a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub judicio»”. Para além disso, a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ao abrigo do regime do art. 13º da Constituição e do art. 8º, nº 3, do Código Civil), o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto.»
Tendo presentes estes critérios gerais, passemos a apreciar o caso dos autos.

No caso em apreço, estando em causa um dano biológico, traduzido num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 54 pontos, a repercussão negativa centra-se na diminuição da condição física do A. e numa penosidade, dispêndio e desgaste físico acrescidos na execução de tarefas antes desempenhadas, sem o mesmo esforço, no seu dia-a-dia, bem como na incapacidade para exercer determinadas actividades inerentes à sua profissão – pois o A. ficou com graves sequelas devido às quais não aguenta carregar pesos, não consegue subir e descer para o empilhador, nem fazer manobras de carga e descarga com o mesmo, não consegue levantar módulos de baterias para promover pela manutenção das mesmas, está impedido de conduzir veículos automóveis num raio superior a 80 Km da sua residência e a uma velocidade superior a 90 Km/hora, só podendo conduzir veículos com caixa de velocidades automática, não consegue andar a pé mais de 45 minutos nem estar sentado mais de 25 minutos seguidos, sendo que se encontra reformado por invalidez com efeitos desde 26/05/2017 – na incapacidade para qualquer actividade desportiva como jogging, caminhadas, basquetebol, actividades estas de que era praticante sem qualquer tipo de limitação antes do acidente, na impossibilidade de continuar com normalidade a sua vida familiar e afectiva, pois ficou com disfunção eréctil total, e na diminuição substancial do seu rendimento mensal em função da pensão de invalidez permanente que lhe foi atribuída pelo CNP, com início em 26/05/2017, no valor mensal líquido de € 1.962,13, que é largamente inferior ao rendimento do trabalho mensal líquido que ele auferia à data do acidente (€ 3.204,10), devendo esta realidade incontornável ser vertida no montante da indemnização a atribuir.
Ora, como vimos, a indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado consubstanciado em limitações funcionais relevantes e algumas sequelas físicas e psíquicas, deverá compensá-lo - para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente - também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido.
Isso porque, como já se referiu, “a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais” (cfr. acórdão do STJ de 10/10/2012, proc. nº. 632/2001, relator Lopes do Rego, citado nos acórdãos do STJ de 25/05/2017 e da RG de 3/07/3014 supra referidos, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Afigura-se-nos que a incapacidade funcional em causa constitui uma desvalorização efectiva que, normalmente, terá expressão patrimonial, embora em valores não definidos, com a consequente necessidade de recurso à equidade e dentro da factualidade que resultou provada, para fixar a correspondente indemnização.
No que concerne ao dano biológico referente à perda ou diminuição da capacidade para o trabalho e, mais genericamente, ao dano patrimonial futuro, constitui entendimento jurisprudencial reiterado que uma justa indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinguirá no final do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida, isto é, o tempo provável de vida do lesado (e não na vida profissional activa do lesado, já que não é razoável ficcionar-se que a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as suas necessidades), posto que só assim se logrará, na verdade, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 19/02/2004, proc. nº. 03A4282, de 25/09/2007, proc. nº. 07A2727, de 10/10/2012, proc. nº. 632/2001 supra referido e de 7/02/2013, proc. nº. 3557/07.1TVLSB, relatora Maria dos Prazeres Beleza, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Adere-se inteiramente a este entendimento, já que as necessidades básicas do A. não cessaram obviamente no dia em que deixou de trabalhar por virtude da reforma por invalidez e a sua incapacidade funcional perdurará para além da idade da reforma e até ao fim da sua vida – importando salientar que o A. foi reformado por invalidez com efeitos desde 26/05/2017 - sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixaram de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a Segurança Social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma por invalidez que lhe foi atribuída (cfr. acórdão do STJ de 10/10/2012 acima referido, disponível em www.dgsi.pt).
Naturalmente, cabe ao lesado trazer aos autos factos que permitam valorizar e exprimir o grau da sua lesão (se auferia proventos do seu trabalho e o respectivo quantitativo, se deixou de realizar determinadas tarefas ou movimentos, se as sequelas com que ficou em consequência do acidente tiveram repercussão no desempenho da sua actividade profissional e em outras tarefas e actividades do seu dia-a-dia, se deixou de exercer a sua actividade profissional, etc.). Para atribuir uma justa compensação, o Tribunal deverá considerar o padrão médio de um homem de 44 anos de idade à data do acidente (actualmente com 52 anos de idade), que sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 54 pontos percentuais, que é engenheiro de polímeros e desempenhava as funções de Director Comercial de uma empresa que comercializa baterias industriais, que se encontra reformado por invalidez com efeitos desde 26/05/2017 e que padece das várias limitações que resultam dos factos provados acima referidos, de acordo com a prudência e as regras da experiência comum.

Quanto ao cálculo da indemnização pelo dano patrimonial futuro, que integra o dano biológico, refere-se na sentença recorrida o seguinte:

«Há quem utilize fórmulas matemáticas mais ou menos sofisticadas, ligadas a tabelas financeiras, reduzindo substancialmente, para não dizer totalmente, a intervenção do julgador na determinação do montante indemnizatório, através de juízos de equidade. No estudo apresentado pelo Juiz Conselheiro Sousa Dinis, na Coletânea de Jurisprudência, ano IX, Tomo I, 2001, do S.T.J., a fls. 6 a 12, foram delineados dois critérios, que atingem os mesmos resultados, que se revelam menos rígidos, e, em que o julgador acaba por ter grande intervenção na determinação do montante indemnizatório, através de juízos de equidade.
Um dos critérios assenta numa regra de três simples, tendo em conta uma determinada taxa de juro, adequada à realidade económica e financeira do país, ao aumento pecuniário que o lesado ou seus dependentes economicamente, deixaram de auferir, durante 14 meses, num ano, a idade ativa provável do mesmo, fazendo um primeiro ajustamento com um desconto que variará com o nível de vida do país, do custo de vida, em que predominará o prudente arbítrio do juiz, tendo em conta estes dados ou outros relevantes.
E, encontrado um determinado valor, este poderá sofrer alterações para mais ou para menos, de acordo com juízos de equidade, tendo em conta a idade do lesado, a progressão na carreira e outros fatores influentes, que possam existir.
O outro critério traduz-se na determinação do montante que o património do lesado deixou de auferir durante 14 meses, num ano, multiplicando-o pelo período de tempo provável de vida ativa, reduzindo o montante encontrado de acordo com regras de equidade já apontadas, e finalmente, ajustando o respetivo valor ao caso concreto, recorrendo a juízos de equidade, de acordo com a progressão na carreira, ganhos de produtividade e outros elementos influentes existentes em cada caso.
Julgamos que estes critérios, e, em especial, o último, são mais fáceis de utilizar, mantendo critérios mínimos de segurança, e com a vantagem do julgador expressar o seu cunho pessoal ao caso concreto, recorrendo a juízos de equidade que a lei impõe, e que são a expressão jurisdicional mais rica e criativa.
Em face do exposto, julgamos que é de aplicar ao caso sub judice, o último critério enunciado, em detrimento das fórmulas matemáticas complicadas, e que nem por isso atingem, a nosso ver maior justiça equitativa.
- o lesado ficou a padecer de um DFPIFP de 54%
- com acréscimo de esforço para poder desempenhar a sua profissão
o dano patrimonial deve ser calculado a partir do vencimento efetivamente auferido, pois é nesses termos que o seu esforço é remunerado.
De acordo com o critério apontado, iremos calcular o montante indemnizatório mais ajustado ao caso concreto, tendo em conta ainda que a idade provável de vida ativa não se esgota com a reforma, mas prolonga-se, em termos médios, no nosso país, pelo menos até aos 80 anos para os homens.
Assim o autor terá uma perspetiva de vida de cerca de 36 anos, tendo em conta a sua idade de 44 anos aquando da sinistro.
O valor a atribuir nesta sede é o resultado do valor auferido pelo autor à data de (3200,00 x14 meses) = 44.800,00 x (80-44) = 1.612800,00 x 54% = 870.912,00 euros, sendo este o valor que se julga equitativo para em concreto indemnizar o autor pelo dano biológico que envolve o patrimonial futuro.
Será deste modo devido ao autor o montante de a titulo de danos patrimoniais e de 870.912,00 euros a titulo de dano biológico (…).»
A Ré/recorrente discorda do método de cálculo da indemnização utilizado pelo Tribunal “a quo” e do montante atribuído ao A. pelo défice funcional permanente que o afecta, alegando que para a fixação desta indemnização pode recorrer-se a critérios coadjuvantes, como as tabelas financeiras, os critérios das Portarias nºs 377/2008 e 679/2009 e decisões em casos análogos, devendo os valores obtidos por via desses elementos coadjuvantes ser temperados por critérios de equidade, não podendo deixar de se atender às concretas circunstâncias do caso, defendendo que tal indemnização seja fixada, em equidade e antes de qualquer abatimento, no valor de € 200.000,00 ou noutra quantia que se julgue adequada, mas sempre inferior à indicada na sentença, devendo operar-se uma redução, atendendo ao facto de ver antecipada e paga de uma só vez a indemnização de um dano que só se concretizaria ao longo de mais de duas décadas, e a dedução das quantias que o A. já recebeu e receberá até ao trânsito em julgado da decisão a título de pensão de invalidez.
Quanto à utilização dos critérios e das tabelas constantes da mencionada Portaria nº. 377/2008 de 26/5, alterada pela Portaria nº. 679/2009 de 25/6, vem sendo defendido pela nossa jurisprudência que «o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os que são seguidos pela Portaria nº. 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº. 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele» (cfr. acórdãos do STJ de 7/07/2009, proc. nº. 205/07.3GTLRA, de 17/05/2012, proc. nº. 48/2002 e de 6/06/2013, proc. nº. 303/09.9TBVPA, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Importa salientar que as tabelas de cálculo da compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica (dano biológico) derivada de acidente de viação, constantes da Portaria nº. 377/2008 de 26/5, estabelecem meros critérios e valores orientadores para efeitos de indemnização do dano corporal na fase pré ou extrajudicial, destinando-se mais às relações internas entre os lesados e as seguradoras (fases de negociação), em ordem a prevenir e limitar o mais possível a pura discricionaridade em tal domínio, e ao objectivo declarado de prevenção dos litígios, não sendo, por isso mesmo, vinculativas em processos judiciais.
Tem sido pacificamente defendido pela jurisprudência que o recurso a fórmulas matemáticas ou de cálculo financeiro e a tabelas de cálculo para a fixação dos montantes indemnizatórios por danos patrimoniais futuros não pode substituir o prudente arbítrio do julgador, ou seja, a utilização de correctos critérios de equidade, em obediência ao disposto no nº. 3 do artº. 566º do Código Civil (cfr. acórdão do STJ de 14/09/2010, proc. nº. 797/05.1TBSTS, acessível em www.dgsi.pt).
Conforme já foi referido, importa ter presente, neste caso, a esperança média de vida, isto é, durante quanto tempo é que o A. previsivelmente sofrerá com esta incapacidade funcional permanente. Ora, tendo em atenção o que atrás se deixou dito sobre a esperança média de vida, para a população masculina, obtida na Base de Dados PORDATA, será levada em consideração por este Tribunal de recurso a esperança média de vida de 78 anos, e não 80 anos como é referido na sentença, nem 77 anos como pretende a recorrente.
Assim, considerando que o A. tem uma esperança de vida até aos 78 anos, daqui decorre que, em termos meramente estatísticos, as lesões previsivelmente o afectarão durante pelo menos 34 anos (desde a data do acidente, altura em que tinha 44 anos de idade, até ao termo da esperança média de vida).

No caso em apreço, e com relevante interesse nesta matéria, há que ter em atenção a seguinte factualidade que resultou provada:

- À data do acidente, o A. tinha 44 anos de idade (actualmente tem 52 anos – cfr. al. j) dos factos provados);
h. A situação clínica do A. foi em 18 de Março de 2015, pela rede de prestadores de serviços médicos convencionados pela Ré, considerada consolidada;
m. O A. foi reformado por invalidez, tendo-lhe o CNP atribuído uma pensão de invalidez permanente com início em 26-05-2017, no valor líquido de € 1.962,13/mensais e bruto de € 2.705,13/mensais;
n. A referida pensão vem sendo paga ao A. desde 26-05-2017, sendo liquidada 14 vezes por ano;
o. Essa pensão é vitalícia e anualmente actualizada e será paga enquanto o A. reunir as condições que determinaram a sua atribuição;
p. Entre 26-05-2017 e 23-05-2018 o A. recebeu do CNP, a título de pensão de invalidez a quantia líquida de € 29 468,78;
15. Desde o acidente passou a sofrer de sequelas do foro psiquiátrico:
- irritabilidade exacerbada com terceiros e familiares, tornando-se irritável e intempestivo; insónias, dormindo por curtos períodos e com sono agitado, com crises de sonambulismo;
- cefaleias;
- estado de ansiedade e esquecimento fácil;
- humor deprimido;
- instabilidade emocional;
- medo;
- revivescências traumáticas do acidente;
16. O A. ficou com um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 54 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicando esforços suplementares, encontrando-se aquele incapaz de exercer actividades que impliquem esforços físicos e impedido de conduzir veículos automóveis num raio superior a 80 Km da sua residência e a uma velocidade superior a 90 Km/hora, só podendo conduzir veículos com caixa de velocidades automática, conforme limitações averbadas na sua carta de condução;
18. O A. sente grande cansaço, incómodo e fenómenos dolorosos ao nível dos membros inferiores e do membro superior esquerdo, apresentando no membro superior direito limitação de mobilidade do ombro (abdução até aos 90º com diminuição acentuada das rotações, em especial a externa) e 3 cicatrizes inferiores a cinco cm; no membro superior esquerdo uma cicatriz; no membro inferior direito cicatriz no calcanhar e alterações tróficas da pele no tornozelo; no membro inferior esquerdo cicatrizes, dor à palpação no tornozelo, limitação da mobilidade do tornozelo (dorsiflexão e flexão plantar inversão e eversão) alterações tróficas da pele do tornozelo;
19. Estas sequelas incapacitam-no para qualquer actividade desportiva como jogging, caminhadas, basquetebol, das quais era praticante;
20. O A. não aguenta carregar pesos;
21. Não consegue andar a pé mais de 45 minutos nem estar sentado mais de 25 minutos seguidos;
22. À data do acidente, o A. era uma pessoa em pleno vigor, fisicamente bem constituído e saudável, escorreito, sem mazelas, activo, que trabalhava, fazia caminhadas e jogava basquetebol e que cuidava do seu aspecto físico;
24. À data do acidente, o Autor desempenhava as funções de Director Comercial da empresa Y – Acessórios Auto, Lda., pessoa colectiva n.º ........., auferia o rendimento do trabalho mensal líquido de € 3.204,10, sendo que no ano de 2013 auferiu a quantia ilíquida de € 61.683,79 e auferia a quantia média anual líquida de € 42.237,96;
25. O A. necessita de acompanhamento médico permanente nomeadamente ao nível psiquiátrico e consulta da dor crónica;
26. A nível medicamentoso necessitará de futuro de medicação de foro psiquiátrico e de analgésicos;
27. Toma, diariamente, ansiolíticos, anti-inflamatórios, relaxantes musculares, antidepressivos, indutores de sono;
28. Esteve - o período de incapacidade geral total e parcial (ITGT/P) de 781 dias;
29. O A. esteve em situação de ITA entre 16 de Novembro de 2013 e 10 de Dezembro de 2014 e 23 de Janeiro de 2015 a 18 de Março de 2015;
30. O A. esteve em situação de ITP de 50 % entre 10 de Dezembro de 2014 e 23 de Janeiro de 2015;
31. O A., a partir de Outubro de 2014, retomou a sua actividade profissional auferindo a mesma remuneração;
32. As lesões sofridas pelo A. determinaram-lhe um quantum doloris de grau 6 numa escala gradativa de 1/7 e uma repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 5 numa escala de 1/7;
33. O dano estético de grau 4, na escala crescente de 1/7 e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 4/7;
34. O A. sofreu uma lesão do prepúcio com retracção testicular direita, que motivou uma intervenção cirúrgica para retirada do testículo direito e colocação de prótese e que lhe acarretou disfunção eréctil total;
36. Foi aconselhado pelo seu médico urologista a fazer um tratamento inovador, em sessões de vácuo terapia, com o Enfermeiro A. C.; a mesma não surtiu qualquer efeito, mantendo-se a disfunção eréctil total sexual do A., o que lhe causa grande angústia e depressão e perda de vontade de viver, sente-se diminuído enquanto homem;
37. A não resposta desde o acidente do seu órgão sexual aos seus estímulos, causa ao A. imensa tristeza e vergonha de si mesmo, vê-se diminuído na sua masculinidade;
38. As funções de Director Comercial que o A. desempenhava na empresa Y consistiam, entre outras, em visitar clientes por todo o país, promover a venda de baterias industriais comercializadas por aquela empresa, a realização de centenas de quilómetros diários e prestar assistência na manutenção das baterias industriais, quando necessário, aos clientes da sua entidade empregadora, que implica manobras de carga e descarga com o empilhador e levantamento de módulos de baterias que podiam chegar a pesar 40 kg, actividades que hoje em dia não consegue desempenhar;
39. As lesões que lhe foram perpetradas pelo acidente impedem-no de fazer manutenção em baterias industriais, não consegue subir e descer para o empilhador, e não consegue levantar módulos de baterias para promover pela manutenção das mesmas;
42. O A. depois de 20 a 30 minutos a conduzir começa a perder sensibilidade nos membros inferiores e superior esquerdo;
45-C. Na sequência da conclusão dos tratamentos médicos decorrentes do acidente, o A. voltou a exercer a sua profissão ainda que com as limitações provenientes das sequelas, tendo desempenhado e auferido os mesmos rendimentos provenientes do sinistro, o que ainda se verificava em 30.09.2017, dado o último recibo de vencimento constante dos autos;
48. Depois do acidente, o A. deixou de interagir com a Autora e de colaborar nas lides domésticas, afastou-se da Autora. Vive para si mesmo, com vergonha do seu estado. Deixou de procurar e rejeita a Autora para manterem relações ou qualquer contacto sexual e não responde aos seus estímulos;
49. A Autora tem de auxiliar o A. a realizar a sua higiene pessoal, a subir e descer escadas, a ampará-lo quando este vai a casa de banho.
Assim, no cálculo da indemnização pelos danos patrimoniais futuros, que integra o dano biológico, ter-se-á em conta que o A., à data do acidente, auferia o rendimento médio anual líquido de € 42.237,96, calculado nos termos atrás explanados aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto, mais concretamente do ponto 24 dos factos provados.
Ora, multiplicando o valor de € 42.237,96 pelos 34 anos de esperança média de vida do lesado, contados desde a data do acidente, e por 54% relativos ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que o A. padece, chegamos ao montante de € 775.488,95 (€ 42.237,96 x 34 x 54%).
Entende a recorrente que, após a determinação do montante da indemnização e com recurso a critérios de equidade, deve operar-se uma redução em função da antecipação do pagamento do capital, porquanto o lesado receberá de uma só vez a indemnização de um dano que só se concretizaria ao longo de mais de duas décadas, tendo, ainda, em atenção que não se provou que o A. esteja incapaz para a profissão habitual e que tenha sofrido uma redução da sua remuneração, pelo menos no âmbito do seu trabalho habitual, tendo-se provado até que continuou a exercer a mesma actividade, auferindo a mesma remuneração.
Relativamente a esta questão da redução da indemnização por danos patrimoniais futuros, por força do recebimento antecipado do capital pelo lesado, remetemos para o que atrás deixámos escrito sobre esta matéria, quando reapreciámos a indemnização arbitrada ao A. pela necessidade de auxílio de terceira pessoa, que aqui damos por reproduzido a fim de evitar repetições inúteis.
Não obstante o que atrás se deixou dito sobre a realidade que se nos apresenta, relativamente ao sistema bancário, à rentabilização das aplicações financeiras (que praticamente não existe) e à actual conjuntura existente no nosso país, relacionada com a grave crise sanitária e económica que estamos a viver, e o facto de termos aderido à posição defendida no citado acórdão da RE de 22/03/2018, tendo em atenção o elevado montante da indemnização por danos patrimoniais futuros a que chegámos, as circunstâncias concretas do caso em apreço e a posição que vem sendo defendida pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores (embora em situações diferentes da dos presentes autos, não se vislumbrando um caso semelhante), entendemos que, neste caso do dano patrimonial futuro que integra o dano biológico, justifica-se que se proceda a um “desconto” ou “dedução” em função da antecipação do pagamento da indemnização, com recurso à equidade, havendo que ponderar o seguinte:
Embora se tenha provado que as sequelas de que o A. é portador são compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicando esforços suplementares, também se provou que devido a tais sequelas o A. encontra-se incapaz de exercer actividades que impliquem esforços físicos, de realizar determinadas tarefas relacionadas com a sua profissão e actividades do seu dia-a-dia supra enunciadas nos factos provados, bem como de praticar qualquer actividade desportiva, como as que praticava antes do acidente, para além de ter as limitações físicas e a nível de condução de veículos automóveis descritas nos factos provados.
Por outro lado, também se provou que o A. a partir de Outubro de 2014 (quando ainda estava em situação de ITA), retomou a sua actividade profissional auferindo a mesma remuneração; todavia, entre a data do acidente e Outubro de 2014 terá sofrido uma redução do seu rendimento mensal.
Ademais, o A. foi reformado por invalidez, com efeitos desde 26/05/2017, sendo o valor líquido da pensão de invalidez que lhe foi atribuída pelo CNP substancialmente inferior ao rendimento do trabalho mensal líquido que auferia à data do acidente, apesar de ser anualmente actualizada, o que resulta numa perda de rendimento para o Autor.
Caso o A. não tivesse sofrido o acidente e inerentes lesões, teria obtido os aludidos rendimentos futuros, mas só os receberia ao longo da sua vida. Porém, com o pagamento da indemnização haverá uma antecipação desse recebimento, que se vai juntar à pensão de invalidez que recebe mensalmente, pelo que se justificaria proceder a uma redução do valor alcançado, sob pena de se gerar em parte um enriquecimento indevido (recebimento antecipado dos valores da remuneração).
Afigura-se, pois, equitativa a dedução de uma parcela equivalente a 25% (neste sentido vide acórdão do STJ de 27/09/2012, relator Cons. Serra Baptista, proc. nº. 560/04.7TBVVD, disponível em www.dgsi.pt), ficando o capital de € 775.488,95 reduzido a € 581.616,71 [€ 775.488,95 – (€ 775.488,95 x 25% = € 193.872,24) = € 581.616,71)], valor este superior ao pretendido pela recorrente, mas inferior ao fixado na sentença recorrida, devendo ter-se presente que só o uso da equidade permitirá alcançar o montante que, mais justa e equilibradamente, compense a perda da capacidade aquisitiva do Autor.
Com efeito, sobre o montante acima referido recairá um juízo de equidade, de modo a encontrar a indemnização que melhor se adeque ao caso concreto, tendo em conta, entre outros factores subjectivos apurados, a idade do A. à data do acidente (44 anos), as sequelas de que padece e que diminuem profundamente a sua capacidade funcional, com repercussões sérias no exercício da sua actividade profissional e o facto de ter sido reformado por invalidez, para além do A. ter ficado seriamente afectado a nível pessoal, familiar, social e até afectivo.
Assim, ponderando todas as circunstâncias atrás mencionadas, parece-nos que o valor indemnizatório pelos danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente de que sofre o A., fixado pela 1ª instância se revela exagerado em relação aos elementos fácticos provados e carreados para os autos, considerando adequada, segundo as regras da equidade, a indemnização no valor de € 410.000,00 correspondente à soma das indemnizações peticionadas pelos AA. no seu articulado, por danos patrimoniais futuros (perda da capacidade de ganho), dano biológico e dano sexual do Autor (€ 200.000,00 + € 140.000,00 + € 70.000,00).
Pretende, ainda, a recorrente que sejam abatidas, na indemnização por danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente, as pensões de invalidez no seu valor bruto ou, assim não se entendendo, no seu valor líquido, que o CNP tenha pago e venha a pagar ao A., até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo a este processo.
Conforme se alcança dos autos, a Ré apresentou um articulado superveniente, no qual deu conta ao processo de que o A., em 26/05/2017, se tinha reformado por invalidez, passando a auferir uma pensão mensal líquida de € 1.962,13 e ilíquida de € 2.705,13, que lhe é paga 14 vezes por ano, e requereu que se procedesse na sentença a proferir ao abatimento, na indemnização que viesse a ser fixada ao A., das verbas por ele já recebidas e aquelas que viesse a receber a título de pensão de invalidez, até ao trânsito em julgado da sentença a proferir nestes autos.
O A. aceitou expressamente o abatimento dessas verbas, o que declarou na acta da audiência de julgamento de 25/06/2018.
Porém, na sentença recorrida a Mª. Juíza “a quo” concluiu que as quantias recebidas pelo A. a título de pensão de invalidez não devem ser abatidas na indemnização que lhe é devida, afirmando, em síntese, que a declaração do A. de aceitação da dedução das verbas recebidas a título de pensão de invalidez “é inócua, e não vincula o tribunal uma vez que deduzir ou não tais montantes na indemnização a atribuir é uma questão de direito e não de facto - saber qual é o objecto da indemnização”, para no final, após fazer referência a vários acórdãos, concluir o seguinte:
«Ora, a sentença atribuiu indemnização ao autor nesta sede tendo em conta os danos biológicos, na única vertente de “grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”.
Recorreu a juízos de equidade que partiram de referências concretas o salário auferido pelo autor e esperança média de vida, tendo desvalorizado a perda salarial resultante deste ter passado à situação de reformado.
Se porventura tivesse valorizado esta perda as diferenças entre o valor que auferia e o que deixou de auferir não seria a deduzir mas a acrescer (sendo irrelevante este acréscimo em face do montante do pedido), não há pelos fundamentos expostos em nossa opinião, que proceder a qualquer dedução.»
Adiantamos, desde já, que assiste razão à recorrente quanto ao aludido abatimento das quantias da pensão de invalidez que o A. já recebeu e irá receber até ao trânsito em julgado da decisão destes autos.
É certo que não se provou que a situação de invalidez determinante da atribuição ao A. da pensão de reforma tenha resultado do acidente; no entanto, esse aspecto é irrelevante para a fixação do montante da indemnização, uma vez que esta visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento danoso, tendo tal indemnização como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (artºs 562º e 566º, nº. 2 do Código Civil).
Ora, a referida pensão é uma prestação que substitui os rendimentos de trabalho do pensionista e, consequentemente, não pode o A., por um lado, receber a pensão que supre essa perda e, por outro, uma indemnização com o mesmo fim.
Essas duas prestações – a pensão e a indemnização – concorrem no sentido de eliminar o dano, pelo que são sobreponíveis e não cumuláveis, independentemente da causa da invalidez.
Tendo por referência as pensões de invalidez que o A. já recebeu e irá receber até à data do trânsito em julgado da decisão que puser termo a este processo, importa proceder ao respectivo abatimento na indemnização pelo défice funcional permanente de que padece o Autor.
De resto, importa acrescentar como fundamento desse abatimento a expressa aceitação do A. no sentido do mesmo ser efectuado “na indemnização que for arbitrada a título de danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade permanente que lhe foi fixada”.
Contrariamente ao que foi ponderado pelo Tribunal “quo” na sentença recorrida, este não poderia desconsiderar tal declaração do Autor.
Com efeito, o abatimento de determinadas quantias recebidas pelo A. a título de pensão de invalidez está no pleno e total domínio das partes e, em particular, do Autor. Tal solução não contende com qualquer direito absoluto e indisponível do Autor.
O A. pode dispor do seu próprio direito, restringindo-o ou limitando-o nos termos que entender, desde que não se gere uma situação de absoluta violação da lei.
Por outro lado, tão pouco é de afastar tal abatimento pela outra razão invocada pela Mª Juíza “a quo”, ou seja, que a indemnização por dano patrimonial futuro foi fixada tendo por base a equidade e desconsiderando a perda salarial resultante de o A. ter passado à situação de reformado.
Porém, em face da factualidade dada como provada, não podemos deixar de considerar que o A. está afectado por um défice funcional permanente de 54 pontos, com repercussão a nível profissional, do que se depreende que não pode deixar de estar afectada a sua capacidade de trabalho, com as inerentes repercussões patrimoniais, que acarretam um dano patrimonial futuro que deve, em equidade, ser indemnizado.
Ora, tudo isto para dizer que, ainda que a Mª Juíza “a quo” afirme que a indemnização foi fixada em equidade e que desconsiderou a perda de rendimentos decorrente da passagem à situação de reforma, o teor da sentença revela o contrário. Ou seja, mesmo que tenha desconsiderado, no cálculo da indemnização, a perda salarial decorrente da passagem à reforma, o certo é que também não teve em consideração essa nova prestação que o A. passou a auferir para fixar tal indemnização.
Assim, existindo um dano patrimonial futuro decorrente do défice funcional permanente do A. e estando este a receber uma pensão de invalidez, deve proceder-se ao abatimento desta na indemnização daquele prejuízo, revogando-se a sentença recorrida nesta parte e naquela em que fixou o montante da indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente do A. e, em consequência, fixar-se a referida indemnização, segundo as regras da equidade, no valor de € 410.000,00, determinando-se que sejam abatidas nesta indemnização a quantia de € 29.468,78 referente à pensão de invalidez recebida pelo A. entre 26/05/2017 e 23/05/2018 (cfr. al. p) dos factos provados) e as demais quantias por ele recebidas a esse título até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo a esta acção, a serem liquidadas em momento ulterior, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento das restantes pretensões formuladas subsidiariamente pela recorrente sobre esta matéria.
Terá, pois, de julgar-se parcialmente procedente, nesta parte, o recurso interposto pela Ré, alterando-se a sentença recorrida de acordo com o supra exposto.

5) - Relativamente aos danos não patrimoniais do A. C. J.:
Resulta do disposto no artº. 496º, nºs 1 e 3 do Código Civil que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo Tribunal.
A indemnização por danos não patrimoniais, não podendo embora anular o mal causado, destina-se a proporcionar uma compensação moral pelo prejuízo sofrido.
Embora a lei não defina quais são os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, tem sido entendido unanimemente pela doutrina e jurisprudência que integram tal ideia as dores e padecimentos físicos e morais, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que sofreu um acidente e as lesões decorrentes, os danos resultantes de desvalorização, deformidades, além do sofrimento actual e sentido durante o tempo de incapacidade, a angústia acerca da incerteza e futuro da situação e a existência e grau de incapacidade sofridos.
Será de valorar, também, a circunstância da vítima ter sofrido períodos de doença significativos, com prolongados internamentos hospitalares, períodos de imobilização e intervenções cirúrgicas, dificuldades de locomoção e de condução, além das restrições pessoais e sociais daí decorrentes.
«Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, assumem particular significado e importância o chamado “quantum doloris”, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformações e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima, o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), o “prejuízo da saúde geral e da longevidade”, aqui avultando o dano da dor e o défice do bem-estar, que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e corte na expectativa de vida (...)» - vide acórdão da Relação de Lisboa de 26/04/2005, proc. nº. 4849/2004-5, acessível em www.dgsi.pt.
No que se refere ao juízo de equidade, tem a jurisprudência entendido de modo uniforme que não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir “a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador “ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida…”.
Finalmente, entende-se que a indemnização a fixar deverá ser justa e equitativa, ou seja, não se apresentar como um montante meramente simbólico ou miserabilista, mas antes representar a quantia adequada a viabilizar uma compensação ao lesado pelos padecimentos que sofreu em consequência do sinistro (cfr. acórdão do STJ de 7/06/2011, proc. nº. 160/2002, acessível em www.dgsi.pt).

No caso em apreço, os factos provados descritos nos pontos 2 a 21, 25 a 30, 32 a 39, 42, 43, 48 e 49 que aqui damos por reproduzidos, importam para o A. danos de natureza não patrimonial que merecem tutela jurídica.
No âmbito da factualidade apurada supra referida, basta atentarmos na natureza e gravidade das lesões sofridas pelo A., as dores intensas e o sofrimento sentidos aquando do acidente e nos períodos de tratamento e convalescença, e que ainda continua a sentir pois sofre de dor crónica, o facto de ter estado internado cerca de 4 meses e ter sido submetido a várias intervenções cirúrgicas com todas as dores e sofrimentos a isso inerentes, os tratamentos a que foi sujeito, as sequelas de que ficou a padecer e a repercussão que tiveram (e continuam a ter) a nível pessoal, profissional, social e afectivo, com limitações permanentes no seu quotidiano (carecendo de ajuda de terceiros), a incapacidade permanente genérica de 54%, a necessidade de acompanhamento médico permanente e de medicação no futuro, o quantum doloris que é bastante significativo (grau 6 numa escala de 1 a 7), o dano estético fixado no grau 4 numa escala de 1 a 7, a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixada no grau 4 numa escala de 1 a 7 e a repercussão permanente na actividade sexual fixada no grau 5 numa escala de 1 a 7, bem como o quadro depressivo que desenvolveu e que se mantém, a angústia, tristeza, receios e ansiedade, a diminuição e vergonha sentidas perante a transformação do seu corpo e a disfunção eréctil total de que padece.
Sem questionar a gravidade das lesões e do sofrimento do A. e ponderando os vários elementos apurados, o Tribunal “a quo” entendeu ser de arbitrar ao A. uma compensação global pelos danos não patrimoniais sofridos no montante de € 60.000,00.
Pretende a Ré/recorrente que tal compensação pelos danos não patrimoniais seja reduzida para a quantia de € 30.000,00, estribando-se na alteração dos pontos 32, 34, 36 37 e 48 dos factos provados e ponto iv dos factos não provados que impugnou, alegando que não é certo e seguro que o A., em consequência do acidente, tenha ficado afectado, com carácter definitivo, com uma disfunção eréctil, sendo, ainda, possível que readquira a capacidade de praticar o acto sexual mediante a realização de tratamentos ou, em último caso, mediante a colocação de uma prótese.
A recorrente argumenta, também, que não se pode deixar de ter em consideração que o A., apesar de ter sofrido as lesões descritas e ter ficado portador de sequelas, não ficou definitivamente impossibilitado de exercer uma profissão, nem dependente, de forma permanente, de terceira pessoa, para além de que obteve a cura das suas lesões ao fim de cerca de um ano e quatro meses depois do acidente.
Pretende, ainda, que caso não seja alterada a decisão proferida quanto aos factos supra referidos, seja reduzida a compensação pelos danos morais para a verba de € 45.000,00, alegando que mesmo considerando a existência do dano sexual, os peritos médicos não atribuíram ao A. um grau de prejuízo sexual situado no limite máximo da tabela (de 1 a 7), mas sim de 5, o que significa que o A. manterá ainda a possibilidade de obter alguma gratificação sexual, o que não pode ser desconsiderado.
No que concerne à questão da disfunção eréctil total com que o A. ficou afectado, salvo o devido respeito, não colhem os argumentos expendidos pela recorrente, tanto mais que não foi atendida a sua impugnação dos pontos 32, 34, 36 37 e 48 dos factos provados e ponto iv dos factos não provados, os quais se mantêm inalterados, pelo que remetemos para o que atrás ficou dito sobre esta matéria, quando apreciámos a impugnação daqueles pontos de facto, que aqui damos por reproduzido a fim de evitar repetições inúteis.
Por outro lado, contrariamente ao que é alegado pela recorrente, e como atrás já referimos, mostra-se assente nos autos que devido às graves lesões que sofreu e às sequelas de que ficou portador, o A. ficou impossibilitado de realizar determinadas tarefas essenciais para o desempenho da sua actividade profissional, tanto mais que foi reformado por invalidez, para além de que ficou dependente do auxílio de terceira pessoa, para o resto da sua vida, durante 2 horas por dia para executar algumas tarefas básicas do seu dia-a-dia.
A jurisprudência tem evoluído no sentido de atribuir às indemnizações por danos não patrimoniais um alcance significativo e não meramente simbólico, como ocorre, por exemplo, nos acórdãos do STJ de 6/07/2017 (proc. nº. 344/12.9TBBAO), de 12/12/2013 (proc. nº. 105/08.0TBRSD) e de 16/02/2012 (proc. nº. 1043/03.8TBMCN), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Reportando-nos ao caso dos autos, não se poderá olvidar que o A., à data do acidente, era uma pessoa em pleno vigor, fisicamente bem constituído e saudável, escorreito, sem mazelas, activo, que trabalhava, fazia caminhadas e jogava basquetebol e que cuidava do seu aspecto físico, com uma vida profissional, familiar e social estabilizada e gratificante, sendo que as sequelas físicas e psicológicas resultantes das lesões que lhe advieram do acidente descritas na factualidade apurada revestem alguma gravidade e irão acompanhá-lo ao longo da sua vida, não podendo, ainda, desconsiderar que a fixação da indemnização deve orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo adoptados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências de igualdade no tratamento do caso análogo, uniformizando critérios, o que não é incompatível com o exame das circunstâncias de cada caso.
Ponderando todos os elementos acima referidos na formulação de um juízo de equidade, com recurso aos critérios legais acima aludidos, consideramos que a quantia de € 60.000,00 atribuída ao A. pelo Tribunal “a quo” como indemnização pelos danos não patrimoniais por ele sofridos, não é excessiva, improcedendo, nesta parte, o recurso interposto pela Ré, ficando prejudicado o conhecimento da outra pretensão formulada subsidiariamente pela recorrente, no sentido de ser relegada a quantificação desta indemnização para liquidação ulterior, a efectuar depois de concluídos os tratamentos adequados à disfunção eréctil de que o A. padece.
Por fim, conforme resultou provado no ponto i) da matéria de facto provada, a recorrente pagou ao A. a quantia de € 5.000,00 a título de adiantamento por conta da indemnização, não tendo o Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, procedido à dedução deste valor na indemnização final a atribuir ao A. C. J., como se impunha, pelo que se determina que tal dedução seja feita no montante final da indemnização.
*
III) – Do direito de indemnização da A. N. J. por danos não patrimoniais próprios e a sua quantificação:

O Tribunal “a quo” condenou, ainda, a Ré a pagar à A. N. J. a quantia de € 50.000,00 para ressarcimento dos danos não patrimoniais por ela sofridos, por ter visto a sua vida conjugal afectada em resultado da impotência sexual do A. C. J., acrescida de juros à taxa legal a contar da data da sentença e até efectivo pagamento.
A recorrente insurge-se contra esta parte da sentença recorrida, alegando que o direito de indemnização da A. N. J. por danos não patrimoniais próprios não existe, nem mesmo à luz da interpretação actualista da norma do artº. 496º do Código Civil que foi feita no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº. 6/2014 de 9 de Janeiro.
Para além de referir que não se provou que o A. C. J. esteja definitivamente afectado por uma disfunção eréctil e que os factos provados não permitem concluir que a A. N. J. esteja definitivamente privada de manter com o seu marido uma interacção sexual satisfatória, desde que os tratamentos sejam eficazes, a recorrente invoca que a indemnização por danos não patrimoniais tem também em conta o facto da A. N. J. prestar auxílio ao marido em relação a algumas necessidades básicas, não se podendo olvidar que foi arbitrada ao A. C. J. uma indemnização pela necessidade de contratação de terceira pessoa para o auxiliar em algumas tarefas do seu dia-a-dia, pelo que a A. já não estará sobrecarregada com o encargo de prestar esse mesmo auxílio e não lhe poderia ser atribuída uma compensação por se ver forçada a prestar essa ajuda e, do mesmo passo, ser atribuída ao A. C. J. uma indemnização para obter essa ajuda de terceiros, sob pena de duplicação do mesmo dano.
Ora, relativamente à aludida questão de duplicação de indemnizações pelo mesmo dano, remetemos para o que atrás se deixou dito sobre esta matéria, quando reapreciámos a indemnização arbitrada ao A. pela necessidade de auxílio de terceira pessoa, que aqui damos por reproduzido a fim de evitar repetições inúteis.
No tocante ao dano não patrimonial da A. N. J., na qualidade de cônjuge do A. sinistrado, por estar privada de se relacionar sexualmente com o seu marido, em virtude deste ter ficado com disfunção eréctil total em consequência das lesões sofridas no acidente, o Tribunal “a quo” considerou como adequada para a compensação desse dano a quantia de € 50.000,00.
A Ré/recorrente pretende a sua absolvição de tal condenação por considerar que a situação em análise não integra a gravidade suficiente para merecer a tutela do direito, ou caso se considere que é devida à A. N. J. uma compensação por esse dano não patrimonial, entende que a mesma deve ser reduzida para a quantia de € 15.000,00.
Como bem se refere na sentença recorrida, a A. N. J. viu afectada a sua vida conjugal em resultado da disfunção eréctil total de que padece o A., deixando, por isso, de ter vida sexual.

Segundo jurisprudência uniformizada pelo Acórdão Uniformizador do STJ n.º 6/2014 de 9/01/2014, proferido no processo n.º 6430/07.0TBBRG, publicado no Diário da República nº. 98, 1ª Série, de 22/05/2014:
Os artigos 483º, n.º 1, e 496º, n.º 1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.

Ora dos factos provados consta que:
48. Depois do acidente, o Autor deixou de interagir com a Autora e de colaborar nas lides domésticas, afastou-se da Autora, vive para si mesmo, com vergonha do seu estado. Deixou de procurar e rejeita a Autora para manterem relações ou qualquer contacto sexual e não responde aos seus estímulos.

Em nosso entender, é inquestionável que estamos perante uma situação particularmente grave e permanente merecedora da tutela do direito, nos termos dos artºs 483º, n.º 1 e 496º, n.º 1 do Código Civil. Como é referido na sentença recorrida, o dano não patrimonial que a mulher do A. sofre trata-se, pois, de dano indemnizável a coberto do citado AUJ e como tem sido largamente defendido na jurisprudência do STJ de que se destaca, por exemplo, o acórdão de 8/09/2009 (proc. nº. 2733/06.9TBBCL, relator Nuno Cameira, disponível em www.dgsi.pt), em cujo sumário se refere o seguinte:
I) - São indemnizáveis os danos morais diretos ou reflexos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, tenha o facto lesivo causado ou não a morte da vítima (art. 496º do CC).
II) - São concretamente ressarcíveis os danos morais sofridos pelo autor em consequência do acidente de viação que vitimou a autora, sua mulher, e do qual resultaram para esta lesões e sequelas várias que comprometeram gravemente os direitos de coabitação (no qual se inclui o débito conjugal), cooperação e assistência de que o autor é titular enquanto membro da sociedade conjugal formada com a autora.
III) - Nesta perspetiva, tais danos são diretos, e não reflexos ou causados a terceiros, na medida em que atingem concomitantemente ambos os autores, enquanto pessoas casadas entre si.

Neste sentido vide também acórdão do STJ de 2/06/2016 (proc. nº. 3987/10.1TBVFR, relator Tomé Gomes) e de 11/04/2019 (proc. nº. 5686/15.9T8VIS, relator Bernardo Domingos), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Essa tutela do direito da A. N. J. à sexualidade dentro do casamento, pode ser encarada como um direito de personalidade, não pode passar por compensações meramente simbólicas como pretende a recorrente. A compensação deve reflectir a gravidade dos danos e, no caso em apreço, é indiscutível que os danos não patrimoniais sofridos pela mulher do sinistrado são particularmente graves, assim como são bastante graves os danos sofridos por aquele.
No entanto, comparativamente com os danos não patrimoniais sofridos pelo A. C. J., consideramos justa e adequada ao caso concreto a atribuição à A. N. J. de uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor de € 40.000,00, revogando-se nesta parte a sentença recorrida.
Nestes termos, procede parcialmente o recurso interposto pela Ré.

Resumindo, entendemos que o A. C. J. tem direito a ser indemnizado pelos seguintes danos:
a) - danos patrimoniais futuros decorrentes da necessidade de auxílio de terceira pessoa - € 109.500,00;
b) – danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente de que padece - € 410.000,00, devendo ser deduzida a este valor a quantia de € 29.468,78 referente à pensão de invalidez recebida pelo A. entre 26/05/2017 e 23/05/2018 e as demais quantias por ele recebidas a esse título até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo a esta acção, a serem liquidadas em momento ulterior;
c) - a quantia que se vier a liquidar ulteriormente relativa às despesas que o A. vier a fazer em acompanhamento médico permanente, nomeadamente a nível psiquiátrico e consulta da dor crónica, e em medicação de foro psiquiátrico e analgésicos, sendo essa condenação limitada ao valor do capital seguro ainda disponível, deduzido das indemnizações fixadas nesta acção e das quantias já pagas pela Ré ao A., que ascendem a € 84.951,07;
d) – danos não patrimoniais - € 60.000,00;
devendo ser deduzido ao montante final da indemnização atribuída ao A. C. J., a quantia de € 5.000,00 paga pela Ré ao A. a título de adiantamento por conta da indemnização.
Por sua vez, a A. N. J. tem direito a ser ressarcida pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor de € 40.000,00.
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SUMÁRIO:

I) - No cálculo da indemnização por perdas salariais e por danos patrimoniais futuros a atribuir ao lesado, nas acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, o Tribunal deve basear-se na retribuição líquida (e não ilíquida) auferida pelo sinistrado à data do acidente.
II) - Do facto do A., após o acidente, não ter contratado uma terceira pessoa para o auxiliar nos actos da sua vida diária e não ter sofrido qualquer prejuízo patrimonial conexo com essa necessidade, por ser a sua esposa que lhe tem prestado esse auxílio, não pode resultar a impossibilidade de o A. ser ressarcido de tal dano patrimonial, tanto mais que se provou que ele irá necessitar do auxílio de terceira pessoa até ao resto da sua vida, durante duas horas por dia, para que se vestir e tomar banho, sendo a sua esposa que passou a gerir a empresa onde ele trabalhava e da qual era sócio-gerente.
III) - O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
IV) - A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado consubstanciado em limitações funcionais relevantes e algumas sequelas físicas, deverá compensá-lo – para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente - também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido.
V) - No que diz respeito ao dano biológico referente à perda ou diminuição da capacidade para o trabalho e, mais genericamente, ao dano patrimonial futuro, a justa indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinguirá no final do período provável da sua vida, devendo, por isso, ser calculada com referência ao tempo provável de vida do lesado (normalmente através da referência à esperança média de vida), e não com base na idade da reforma, posto que só assim se logrará reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
VI) - A regra ou princípio geral segundo a qual o benefício da antecipação deve descontar-se na indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou apagado perante a existência provável de um particular agravamento ou especial onerosidade dos danos patrimoniais futuros expectáveis que importa compensar com recurso a critérios de equidade.
VII) - Actualmente, dada a inexistência, no sistema bancário, de produtos financeiros sem risco associado cujas taxas de juro proporcionem rendimento líquido e a instabilidade que nos anos mais recentes se tem verificado no sistema bancário, não há fundamento para considerar que a antecipação do pagamento da indemnização correspondente ao dano futuro, relativamente à produção deste, proporciona algum benefício ao lesado, nem, logicamente, para a dedução de qualquer parcela da indemnização a esse título.
VIII) - A indemnização por danos não patrimoniais, não podendo embora anular o mal causado, destina-se a proporcionar uma compensação moral pelo prejuízo sofrido.
IX) – Embora a lei não defina quais são os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, tem sido entendido unanimemente pela doutrina e jurisprudência que integram tal ideia as dores e padecimentos físicos e morais, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que sofreu um acidente e as lesões decorrentes, os danos resultantes de desvalorização, deformidades, além do sofrimento actual e sentido durante o tempo de incapacidade, a angústia acerca da incerteza e futuro da situação e a existência e grau de incapacidade sofridos, sendo de valorar, também, a circunstância da vítima ter sofrido períodos de doença significativos, com prolongados internamentos hospitalares, períodos de imobilização e intervenções cirúrgicas, dificuldades de locomoção e de condução, além das restrições pessoais e sociais daí decorrentes.
X) - No caso de um homem de 44 anos de idade à data do acidente (actualmente com 52 anos de idade), que sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 54 pontos, que é engenheiro de polímeros e desempenhava as funções de Director Comercial de uma empresa que comercializa baterias industriais, que se encontra reformado por invalidez com efeitos desde 26/05/2017 (depois do acidente), que ficou com graves sequelas que o incapacitam de executar determinadas tarefas inerentes à sua actividade profissional e implicaram que ficasse com limitações na sua condição física necessária ao desempenho de tarefas do seu dia-a-dia, com um quantum doloris de grau 6 (numa escala de 1 a 7), dano estético de grau 4, repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 4 e repercussão na actividade sexual de grau 5, que ficou com sequelas do foro psiquiátrico, apresentando um quadro depressivo, com sentimentos de angústia, tristeza, receios e ansiedade, bem como a diminuição e vergonha sentidas perante a transformação do seu corpo e a disfunção eréctil total de que padece, justifica-se que a indemnização por danos não patrimoniais, de acordo com uma jurisprudência actualista, seja fixada em € 60.000,00.
XI) - Os danos não patrimoniais sofridos pelo cônjuge do lesado em acidente de viação, só merecem a tutela do direito, a coberto do artº. 496º, n.º 1 do Código Civil, à luz do firmado no AUJ do STJ n.º 6/2014 de 9/01/2014, proferido no processo n.º 6430/07.0TBBRG, publicado no Diário da República nº. 98, 1ª Série, de 22/05/2014, em casos de elevada gravidade dupla, ou seja, quanto às lesões da vítima sobrevivente e quanto ao sofrimento do respectivo cônjuge.
XII) - Para compensar o dano não patrimonial da Autora, na qualidade de cônjuge do A. sinistrado, por estar privada de se relacionar sexualmente com o seu marido, em virtude deste ter ficado com disfunção eréctil total em consequência das lesões sofridas no acidente, considera-se adequada uma compensação no valor de € 40.000,00.

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Ré Seguradoras ... S.A. (actualmente designada X Seguros, S.A.) e, em consequência:

1. Determina-se a alteração da redacção dos pontos 5, 16, 24, 32 e 38 dos factos provados nos termos atrás mencionados, mantendo-se, no entanto, inalterada a restante matéria de facto provada e não provada supra descrita.
2. Revoga-se a sentença recorrida na parte relativa:
a) ao montante da indemnização a pagar pela Ré ao Autor C. J. pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da necessidade de auxílio de terceira pessoa e do défice funcional permanente de que padece, que se fixa no valor total de € 579.500,00 (€ 109.500,00 + € 410.000,00), ao qual deve ser deduzida a quantia de € 29.468,78 referente à pensão de invalidez recebida pelo A. entre 26/05/2017 e 23/05/2018 e as demais quantias por ele recebidas a esse título até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo a esta acção, a serem liquidadas em momento ulterior;
b) ao montante da indemnização a pagar pela mesma Ré à Autora N. J. pelos danos não patrimoniais sofridos, que se fixa em € 40.000,00.
3. Deve a Ré ser, ainda, condenada a pagar ao A. a quantia que se vier a liquidar ulteriormente relativa às despesas que aquele vier a fazer em acompanhamento médico permanente, nomeadamente a nível psiquiátrico e consulta da dor crónica, e em medicação de foro psiquiátrico e analgésicos, sendo essa condenação limitada ao valor do capital seguro ainda disponível, deduzido das indemnizações fixadas nesta acção e das quantias já pagas pela Ré ao A., que ascendem a € 84.951,07.
4. Determina-se que seja deduzido ao montante final da indemnização atribuída ao A. C. J., a quantia de € 5.000,00 paga pela Ré ao A. a título de adiantamento por conta da indemnização.
5. No mais, nomeadamente quanto ao montante da indemnização por danos não patrimoniais a pagar pela Ré ao Autor C. J., fixada em € 60.000,00, e aos juros de mora a pagar pela Ré nos termos definidos pelo Tribunal “a quo”, decide-se manter a sentença recorrida.

Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.
Guimarães, 11 de Março de 2021
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

Maria Cristina Cerdeira (Relatora)
Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta)
Margarida Almeida Fernandes (2ª Adjunta)