Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
157/10.2TBFAF-C.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
DÍVIDA DE CÔNJUGES
BENS COMUNS DO CASAL
DIVÓRCIO
PENHORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 – O cônjuge que não conste do título executivo pode ser demandado na acção executiva desde que o exequente alegue factos que levem à conclusão da comunicabilidade da dívida e aquele aceite expressa ou tacitamente a sua comunicabilidade, o que leva assumir o estatuto de executado e a dívida considerada comum.
2 – No caso de não a aceitar e provar a separação de bens ou o divórcio com inventário pendente, a dívida será tratada como da responsabilidade exclusiva do executado, respondendo os seus bens pessoais e a meação nos bens comuns, sendo suspensa a execução até à partilha.
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

M… deduziu oposição à execução, em que é exequente L…, alegando, em síntese, que não aceita a comunicabilidade da dívida; encontra-se divorciada do executado desde o dia 13 de Novembro de 2009; que foi penhorado o seu vencimento, que não é bem comum do casal; em 4 de Maio de 2010 requereu a instauração de inventário judicial para partilha de bens comuns do casal.
Conclui no sentido de que a penhora deve incidir sobre a meação dos bens comuns do casal. E, subsidiariamente, suscita a nulidade da sua citação, que deveria ser prévia à penhora, o que determina a nulidade de todos os actos praticados.

O exequente impugnou a oposição, pugnando pela sua improcedência.

No despacho saneador foi julgada procedente a oposição nos seguintes termos:
1 – Declaro extinta a execução no que concerne à ora oponente, M…, determinando o levantamento de penhoras que incidam sobre os seus bens próprios, nomeadamente sobre o seu vencimento, sendo devolvido à oponente as quantias do seu salário que tenham sido penhoradas.
2 – Declaro, nos termos do artigo 825 n.º 7 do CPC. suspensa a execução no que concerne aos bens comuns existentes entre a oponente M… e o executado P…: imóvel penhorado nos autos principais (descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o n.º…) até à partilha a efectuar no âmbito dos autos de inventário sob o número 855/10.0TBFAF, que corre termos neste juízo.

Inconformado com o decidido, o exequente interpôs recurso de apelação formulando conclusões.
Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido.

Damos como assente a matéria de facto consignada na decisão recorrida que passamos a transcrever:
1 – Foi dada à execução o título executivo que consta de fls. 10 a 12 dos autos principais cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2 – Em 4 de Maio de 2010, foi instaurado inventário para separação dos bens comuns existentes entre a ora oponente e executada M…, correndo os seus termos no 3º Juízo deste Tribunal sob o número 855/10.0TBFAF.
3 – O imóvel penhorado nos autos principais – prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial da Fafe (cf. Auto de penhora de fls. 34) – foi relacionado como bem comum no referenciado processo de inventário.
4 – A ora oponente e o executado estão divorciados desde o dia 13 de Novembro de 2009.
5 – O requerimento executivo deu entrada em juízo no dia 27 de Janeiro de 2010.

Das conclusões do recurso ressaltam a seguintes questões a saber:
1 – Se a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação nos termos do artigo 668 n.º 1 al. b) do CPC.
2 – Se há fundamento para a declaração de extinção da acção executiva relativamente à oponente executada.
3 – Se houve prova no sentido de que as quantias incorporadas nos títulos executivos foram entregues ao executado para serem aplicadas no exercício do seu comércio.

Vamos conhecer das questões enunciadas.
1 – A nulidade suscitada e prevista no artigo 668 n.º 1 al. b) do CPC. exige uma falta absoluta de fundamentação. A doutrina e a jurisprudência defendem que a fundamentação deficiente não é suficiente para integrar a aludida nulidade.
No caso dos autos, a decisão recorrida assenta a sua fundamentação na ausência de título executivo relativamente à oponente, porquanto não consta o seu nome e assinatura do mesmo e na falta de aceitação expressa da comunicabilidade dos bens e junção aos autos de documentos comprovativos de que a oponente estava divorciada do executado e estava pendente um inventário para separação dos bens comuns. E, com base nestes fundamentos, decidiu no sentido de que ao abrigo do disposto no artigo 825 do CPC a dívida não é comum, sendo da exclusiva responsabilidade do executado que consta do título, respondendo os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns, ficando a execução suspensa até definição dos bens que caberão ao executado e ordenou o levantamento da penhora quanto aos bens próprios da oponente.
Daqui se vê que houve fundamentação da decisão, pelo menos no sentido de se perceber as razões porque é que o tribunal decidiu num determinado sentido e não noutro. Pode não coincidir com a posição do apelante, mais isso é uma outra questão. Pode não ser uma fundamentação brilhante mas existiu e o suficiente para se considerar que não houve violação do normativo invocado.

2 e 3 – O exequente apelante demandou a oponente como executada, sem título executivo. Fundamentou a execução em dois documentos assinados por si e pelo executado, em que foi declarado que o primeiro emprestou ao segundo duas quantias em dinheiro, para aplicar no giro do seu comércio, concluindo pela comunicabilidade da dívida e pela responsabilização dos bens comuns do casal.
A oponente não aceitou expressamente a comunicabilidade da dívida e juntou aos autos documento comprovativo de que estava divorciada do executado desde 13 de Novembro de 2009 e que estava pendente um inventário para partilha dos bens comuns do casal extinto.
O n.º 2 do artigo 825 do CPC. permite ao exequente demandar o cônjuge do executado, quando use um título executivo diverso da sentença em que não conste o seu nome e assinatura, desde que fundamente, no requerimento executivo, através de factos concretos, concludentes, no sentido de se concluir que a dívida é comum. Mas para que o cônjuge demandado, sem título, assuma o estatuto de executado, é necessário que este aceite expressa ou tacitamente a comunicabilidade da dívida e não demonstre nos autos que está separado de pessoas e bens ou que está pendente acção nesse sentido. Com este comportamento é considerada a dívida comum, sendo os bens comuns responsáveis pelo seu pagamento e na sua insuficiência ou falta, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges ao abrigo do disposto no artigo 1695 n.º 1 do C.Civil.
Como a oponente não aceitou expressamente a comunicabilidade da dívida e comprovou nos autos que estava divorciada e estava pendente um processo de inventário para divisão dos bens comuns, do extinto casal, a dívida, neste processo, não pode assumir a natureza de comum, devendo ser considerada como da responsabilidade exclusiva do executado que consta do título executivo, por ela respondendo os bens próprios e subsidiariamente a sua meação nos bens comuns, nos termos do artigo 1696 do C.Civil.
O processo executivo não é o instrumento processual adequado para prova da comunicabilidade da dívida. O legislador, excepcionalmente, e por razões de defesa do credor, admitiu a execução contra o cônjuge que não conste do título desde que o exequente invoque a comunicabilidade da dívida e esta seja aceite por este. Se assim não acontecer, o processo acaba por não admitir o cônjuge como executado e se houver prova da separação fica suspenso até à partilha nos termos do artigo 825 n.º 7 do CPC. (conf. Lebre de Freitas, CPC anotado, Vol. III, anotação ao artigo 825; Lebre de Freitas, A Acção Executiva 4.ª edição, Coimbra Editora, pag. 224 a 230; Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução 4.ª edição, Almedina, pag. 165 a 170; Ac. RP. 5/4/2011 www.dgsi.pt ; Ac. Rla. 11/03/2010 www.dgsi.pt.)

Como foram penhorados bens próprios da oponente e há bens comuns do casal extinto penhorados, a decisão não poderia ser outra, a de levantar a penhora dos bens próprios da oponente e a suspensão da execução até à partilha dos bens comuns nos termos do artigo 825 n.º 7 do CPC.

Concluindo: 1 – O cônjuge que não conste do título executivo pode ser demandado na acção executiva desde que o exequente alegue factos que levem à conclusão da comunicabilidade da dívida e aquele aceite expressa ou tacitamente a sua comunicabilidade, o que leva assumir o estatuto de executado e a dívida considerada comum.
2 – No caso de não a aceitar e provar a separação de bens ou o divórcio com inventário pendente, a dívida será tratada como da responsabilidade exclusiva do executado, respondendo os seus bens pessoais e a meação nos bens comuns, sendo suspensa a execução até à partilha.

Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante.
Guimarães, 18/09/2012
Espinheira Baltar
Henrique Andrade
Eva Almeida