Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
122/16.6T8BCL.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: ACIDENTE IN ITINERE
CULPA DO SINISTRADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - O que releva para efeitos de considerar como de trabalho o acidente in itinere é que ocorra uma conexão relevante entre o trajetco e o trabalho. Tal conexão deverá analisar-se em termos de necessidade de realização do percurso por virtude da relação laboral.

II - O tempo de espera pelo transporte enquadra-se na protecção dispensada ao acidente in itinere.

III - A demonstração do acidente in itinere basta-se com a prova da ocorrência do evento danoso e de que o trabalhador se deslocava para o trabalho ou regressava dele, competindo à ré o ónus de prova de qualquer circunstância que implique a sua descaracterização

IV - Constitui acidente de trabalho o ocorrido após o termo da jorna e o jantar fornecido pela patronal nos estaleiros, durante o tempo de espera pelo transporte, e decorrente de uma brincadeira por parte de um colega de trabalho, sem intervenção do sinistrado nessa brincadeira.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

A. J. intentou a presente ação com processo especial de acidente de trabalho contra X – Companhia de Seguros, S.A. e A. C., pedindo a condenação de ambas, na medida das respetivas responsabilidades, no pagamento de uma pensão anual e vitalícia, que venha a ser fixada em função do resultado apurado em sede de junta médica; € 9.388,52, a título de indemnização por ITA; € 228,08 de despesas médicas, medicamentosas e transportes; € 25,00 de despesas com deslocações obrigatórias; juros de mora vencidos e vincendos à taxa de legal de 4% desde a data de vencimento de cada uma das referidas prestações até integral pagamento.---

Para tanto, alegou ter sofrido um acidente em França, no local de trabalho, quando esperava por transporte para a residência.
Citadas as rés entidade empregadora e seguradora contestaram, respetivamente, a fls. 167 e segs. e 181 e segs., mantendo as posições assumidas em sede de tentativa de conciliação.
- Documentada nos autos a dissolução e liquidação da entidade empregadora, a fls. 341/342 foi ordenado o prosseguimento dos autos considerando-se aquela substituída na lide pelos respetivos sócios, A. N. e M. C..

Realizado o julgamento e respondida a matéria de facto a ação foi julgada nos seguintes termos:

Assim, e nos termos expostos, julga-se a ação parcialmente procedente por provada e consequentemente condena-se:---

i) a ré X – Companhia de Seguros, S.A. , sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Cód. Proc. Trabalho) no pagamento ao autor A. J. das seguintes quantias:---
- € 25,00 (vinte e cinco euros) a título de reembolso de despesas de transporte;---
- € 108,14 (cento e oito euros e catorze cêntimos) a título de reembolso de despesas médicas e medicamentosas;---
- € 10.249,38 (dez mil duzentos e quarenta e nove euros e trinta e oito cêntimos), a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta;---
- o capital de remição da pensão anual e vitalícia, devida em 31/12/2017, no montante de € 323,17 (trezentos e vinte e três euros e dezassete cêntimos).---
ii) A. N. e M. C., na qualidade de sócios liquidatários da ré A. C., Lda., sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Cód. Proc. Trabalho) no pagamento ao autor A. J. das seguintes quantias:---
- € 164,94 (cento e sessenta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos) a título de reembolso de despesas médicas e medicamentosas;---
- € 15.633,33 (quinze mil seiscentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta;---
- o capital de remição da pensão anual e vitalícia, devida em 31/12/2017, no montante de € 493,07 (quatrocentos e noventa e três euros e sete cêntimos).---
iii) absolvendo-se ambas as rés do demais peticionado.---
(…)

Inconformados os RR interpuseram recurso de apelação.

A seguradora apresentou as seguintes conclusões:

– O presente recurso incide sobre a qualificação do acidente ocorrido no dia 2 de Dezembro de 2015 - a douta sentença recorrida não se encontra devidamente fundamentada e não encontra sustento na prova produzida.
– O referido acidente não integra o conceito de acidente de trabalho, atenta a delimitação deste conceito prevista no artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 – LAT.
– Provou-se que após o A. ter mudado a sua roupa de trabalho, o seu colega João saltou-lhe para cima das costas, sem qualquer justificação, tendo-lhe braçado as pernas e provocado a sua queda ao chão – cfr. ponto 3.10 dos factos provados. Tratou-se de uma brincadeira que correu mal.
- Foi um excesso, num momento de convívio entre amigos, que nada tem a ver com a atividade profissional desenvolvida pelo sinistrado.
- A caracterização de um acidente como de trabalho pressupõe a verificação de um elemento espacial, um elemento temporal e um elemento causal – cfr. Ac. do S.T.J. de 19.11.2008, Proc. n.º 08S2466.
- O “acidente de trabalho é uma cadeia de factos em que cada um dos elos tem de estar entre si sucessivamente interligado por um nexo causal. De tal forma que, se esse elo causal se interromper (…) não podemos sequer falar pelo menos em relação àquela morte ou àquela incapacidade - em acidente de trabalho” – cfr. Ac. T.R.L. de 4.06.2003, Proc. n.º 3245/2003-4.
- O sinistro em apreço ocorreu pelas 19 horas do dia 2 de Dezembro de 2015, depois de jantar, e quando o sinistrado já tinha terminado a sua jornada de trabalho.
- O ato que o sinistrado executava não tinha qualquer relação com o seu período normal de trabalho, pelo que o elemento temporal do conceito de acidente de trabalho não se encontra preenchido.
– Para que se possa qualificar um determinado evento como acidente de trabalho é também necessário que se verifique nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho a ser prestado pelo sinistrado – cfr. Ac. do S.T.J. de 03.11.1988.
10ª – Este evento encontra-se desligado das funções de “armador de ferro de primeira” que o sinistrado desempenhava ao serviço da Empregadora.
11ª – Mesmo que tivesse ocorrido durante o horário de trabalho, a brincadeira em causa não possuía qualquer relação com as funções que o sinistrado desempenhava ao serviço da referida entidade.
12ª - O evento em causa ocorreu depois do jantar, num momento em que o sinistrado já não se encontrava sujeito ao controlo e autoridade da Empregadora – vide Ac. do T.R.C. de 16.12. 2015 (Proc. n.º 235/13.6TTLRA.C1).
13ª - O sinistrado encontrava-se a executar um ato da vida corrente, sem ligação com a Empregadora, no que respeita às suas funções profissionais.
14ª – O evento sub judice não consubstancia um acidente de trabalho, tal como tipificado na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização – cfr. Ac. do S.T.J. de 9.09.2009 (Proc. n.º 08S3047).
15ª - Deve, assim, ser revogada a douta sentença recorrida, por violação, nomeadamente, do disposto nos artigos 8.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro e 607.º do Código de Processo Civil que deveriam ter sido aplicados em conformidade com o alegado nas conclusões supra.

Os RR A. N. e M. C. apresentaram as seguintes conclusões:

II. Os Recorrentes entendem, salvo melhor opinião que ocorreu uma nulidade por omissão de pronúncia, porquanto o tribunal a quo não se pronunciou sobre o segundo pedido formulado por estes aquando da sua contestação.
III. O tribunal recorrido deu como provado o ponto 3.º da Base Instrutória, isto é, que o salário mínimo francês em 2015 ascendeu a €1.457,52. Porém tal como demonstrado pelas presentes alegações, a prova de tal factualidade não pode ser sustentada por prova testemunhal, porquanto a demonstração do salário mínimo francês carece de prova estritamente jurídica e também porque em momento algum da presente audiência se produziu prova do salário efetivamente auferido pelo Autor.
IV. Por outro lado, não podia, salvo melhor opinião, o tribunal a quo, ter dado como provado que o salário anual do Autor ascendia a €19.600,00, mas antes, face à prova produzida que este se computava em €8.437,30.
Cabendo à 2.ª Ré, aqui Apelantes, a responsabilidade pelo acidente de trabalho e respetivo quantum indemnizatório de 8,01% e não dos sentenciados 60,40%.
V. Não foi, no entendimento dos Apelantes produzida prova bastante para que o tribunal recorrido desse como assente que as quantias auferidas pelo Autor como Ajudas de Custo pelo destacamento no estrangeiro fizessem parte da retribuição mensal.
Pelo que, em consequência, não deveria o tribunal recorrido ter dado como provado o ponto 16.º da Base Instrutória, porquanto tal interpretação viola as regras probatórias, nomeadamente o disposto no art.342.º do C. Civil.
VI. A sentença ora recorrida deu como provado que a factualidade que provocou as lesões do Autor, consubstancia um acidente de trabalho. Porém e por um lado, os elementos documentais juntos aos autos, redigidos, assinados e confirmados pelo Autor evidenciam uma realidade muito distante da caracterização de um evento lesivo como acidente de trabalho. As lesões foram consequência de uma brincadeira entre Autor e um colega do trabalho. Tais lesões ocorrerem sem qualquer nexo com o local e tempo do acidente. Teriam ocorrido em quaisquer outras circunstâncias em que não houvesse qualquer elemento de ligação à entidade patronal.
VII. O evento lesivo não preenche os elementos/requisitos essenciais para a caracterização de um acidente como acidente de trabalho. O acidente ocorreu já depois de ter terminado a jornada de trabalho e já depois do Autor e restantes colegas terem jantado, ainda que o jantar na cantina da empregadora não seja uma imposição desta nem tão pouco nesse momento se encontrem sob ordens e direções desta.
Pelo que, deveria o tribunal a quo, ter dado provados os factos constantes do pontos 17.º e 19.º da Base Instrutória e dado como não verificados os requisitos constantes do art.8.º, n.º 1 da Lei 98/2009 de 04 de Setembro.
VIII. Finalmente, ainda que o tribunal recorrido não tivesse atendido, como não atendeu as todas as circunstâncias evidenciadas pelas presentes alegações, sempre deveria ter apreciado e decidido que as lesões do Autor provieram da culpa do mesmo - culpa do lesado.
IX. Suportando tal entendimento, temos a prova documental junta aos autos, os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela 2.ª Ré bem como das próprias declarações prestadas pelo Autor.

Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
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FACTOS PROVADOS

3.1. O Autor nasceu no dia ../../1976.---
3.2. A 2ª Ré dedica-se à atividade de construção civil.---
3.3. Por acordo celebrado no dia 08/10/2014, a 2ª Ré admitiu o Autor para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer funções correspondentes à categoria profissional de servente em obras sitas Portugal e no estrangeiro, durante 35h semanais, de 2ª a 6ª feira, mediante uma remuneração anual ilíquida de, pelo menos, € 8.437,30 (€ 505,00 x 14 + € 5,65 x 22 x 11).---
3.4. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, na modalidade de folha de férias, válido e eficaz a 02/12/2015, a 2ª Ré transferiu para a Ré seguradora a sua responsabilidade infortunística laboral decorrente de acidentes de trabalho sofridos pelo autor pela retribuição anual ilíquida de, pelo menos, € 7.761,50 (€ 510,00 x 14 + € 56,50 x 11).---
3.5. As Rés nada pagaram ao Autor por conta do acidente descrito nos autos.--
3.6. Por ordem da 2ª Ré, o Autor sempre exerceu funções correspondentes à categoria profissional de armador de ferro de primeira, designadamente executando e colocando as armaduras para betão armado a partir da leitura do respetivo desenho em estruturas de pequena dimensão.---
3.7. O Autor sempre desempenhou tais funções em França, para onde a 2ª Ré o destacou no citado dia 08/10/2014.---
3.8. O Autor auferia, à data, a quantia mensal média de € 1.400,00.---
3.9. No dia 02/12/2015, o Autor esteve a exercer as funções referidas numa obra sita em …, França.---
3.10. Alterado: “Cerca das 19h desse dia, após o jantar servido no estaleiro em local preparado para o efeito, e logo após o Autor ter mudado a sua roupa de trabalho (num contentor sito na obra) e se preparava para ser transportado para a sua habitação, o colega de trabalho João saltou-lhe para cima das costas, sem qualquer justificação, tendo-lhe braçado as pernas e provocado a sua queda ao chão.---
3.11. Em consequência dessa queda, o autor sofreu fratura da extremidade proximal da tíbia e perónio da perna direita.---
3.12. Lesões que foram tratadas cirurgicamente no Hospital de Barcelos.---
3.13. Tais lesões encontram-se clinicamente consolidadas, sendo o Autor portador de uma incapacidade permanente parcial de 5,950% (0,0595) desde 30/12/2017.---
3.14. O Autor padeceu de um período de ITA desde o dia 03/12/2015 até 29/09/2017.---
3.15. O Autor gastou € 228,08 em consultas e tratamentos médicos, medicamentos e transportes com deslocações para tratamento das referidas lesões.---
3.16. Tendo, ainda, gasto € 25,00 em transportes com deslocações obrigatórias ao GML e a este tribunal.---
3.17. Alterado: O autor redigiu documentos dirigidos aos serviços da Segurança Social e da Ré seguradora, tendo-o feito nos escritórios da ré empregadora, descrevendo o acidente da seguinte forma: “caí nas escadas do refeitório devido a um colega de trabalho ter caído também e ainda por cima de mim”, e “ao sair da obra caiu nas escadas e fraturou/partiu a perna direita”.—
3.18. Em data anterior ao acidente, o autor apresentava sequelas da Doença de Osgood-Schater, sem influência do acidente ou da evolução das sequelas.--
3.19. O autor solicitou à ré seguradora a prestação de alguma assistência médica.---
3.20. O autor tem recebido tratamento médico às lesões que sofreu na perna direita no Centro de Saúde …, Extensão USF de …, onde tem tido várias consultas médicas, nomeadamente em 26.9.2016, 26.10.2016, 23.11.2016, 22.12.2016, 23.01.2017, 22.02.2017, 23.03.2017, 24.04.2017, 25.05.2017 e 21.06.2017, consultas que ainda mantém.---
3.21. Com tais consultas o autor gastou € 45,00 (quarenta e cinco euros).---
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Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões colocadas:

- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia (quanto à invocação de culpa do lesado e arbitrado um quantum indemnizatório correspondente à culpa residual da Contestante).
- Alteração da decisão relativa à matéria (ponto 3.º, 14.º, 16.º, 17.º e 19.º da Base Instrutória).
- Caraterização da ocorrência como acidente de trabalho.
- Remuneração atendível, férias e subsídios e ajudas de custo.
***
- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia (quanto à invocação de culpa do lesado e arbitrado um quantum indemnizatório correspondente à culpa residual da Contestante).
Os representantes da ré referem ocorrer nulidade da sentença, por não ter sido apreciado o pedido formulado na contestação no sentido de ser determinada a culpa do lesado, aqui Autor e, nesta medida ser arbitrado um quantum indemnizatório correspondente à culpa residual da aqui Contestante (pretenderá referir-se à sua responsabilidade pelo risco, já que nunca foi invocada culpa da entidade patronal).

Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. O artigo 608.º, n.º 2 do mesmo diploma refere que “ o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Na sentença recorrida nada se refere quanto à inexistência ou existência de culpa por parte do autor, embora resulte das respostas à base instrutória e sua fundamentação que não se considerou que o autor estivesse na brincadeira com o colega. Ocorre a referida omissão. A questão será adiante apreciada.
*
Quanto à alteração da decisão relativa à matéria de facto:

- Ponto 3.º da Base Instrutória:
“O SMG em França, no ano de 2015, ascendeu a €1.457,52”
- Ponto 14.º da BI:
“Para além dos valores referidos na al. C) da FA, nos últimos 12 meses anteriores à ocorrência do acidente, e como contrapartida pelo seu trabalho, a 2.ª Ré pagou ao autor uma média mensal de €1.070,42”.

Respondeu-se nos seguintes termos:

3º e 14º- Provado que o Autor auferia, à data, a quantia mensal média de € 1.400,00.
Relativamente ao item relativo ao salário mínimo Francês, na resposta nada se referiu. Trata-se aliás de matéria de direito. Ora na resposta apenas se refere o vencimento médio que o autor auferia efetivamente em França, o qual resultou do depoimento do próprio autor que referiu que foi logo para Franca, em 2014 e que auferia cerca de 1400 euros mês. Resultou ainda dos depoimentos das restantes testemunhas. Assim o João referiu que um armador de ferro ganhava entre 1500 a 1700 euros por mês, dependendo do armador. A empresa dava ainda alimentação, casa e transportes. O António referiu um vencimento de 1750 euros mês, mais “comer” e “dormir” e transportes.
A resposta esclarece o que efetivamente o autor recebia. É de manter a resposta.
- Ponto 16.º da Base Instrutória:
“A quantia referida no facto n.º 14 foi paga a título de ajudas de custo, visando compensar as despesas suportadas pelo autor no estrangeiro?”
Foi considerado não provado.
O ponto 14º da BI mereceu a resposta atrás referida. Resulta claro da prova que a quantia auferida de 1400 euros mensais era o vencimento do autor, já que a alimentação, alojamento e transportes eram fornecidos pela empresa. Todas as testemunhas ouvidas confirmaram esta matéria.
É de manter o decidido.
*
- Pontos 17.º e 19.º da Base Instrutória:
17º - O acidente ocorreu em virtude de o autor e outro colega, quando esperavam pelo transporte, e já depois do jantar, terem começado a entreter-se, pulando para as costas um do outro?
Considerado não provado.
19º - Os documentos de fls. 178 a 179 são da autoria do sinistrado – “(…) no dia 2 de Dezembro de 2015, sofri uma queda na entrada da cantina da obra (…). No final do jantar, ao sair da cantina, escorreguei e caí nas escadas. Levantei-me e voltei a entrar no contentor quando um colega de trabalho saltou nas minhas costas, na «brincadeira» abraçou-se e as pernas fizeram efeito tesoura, não aguentei o peso dele, caímos os dois. Foi aí que parti a perna direita” -?

Respondeu-se nos seguintes termos:

19º, 22º e 23º- Provado que o autor redigiu os documentos em sujeito nos escritórios da ré empregadora, de acordo com as instruções que ali lhe foram dadas.
Quanto ao acidente nenhuma das testemunhas presenciou. O J. M. colega de trabalho referiu que a ocorrência aconteceu após o jantar. As refeições eram fornecidas pela empresa, no local da obra, num contentor preparado para isso. Depois do jantar iam para a residência em transporte fornecido pela empresa. Referiu ainda que o J. A., interveniente nos factos, lhe disse que “tinha sido os dois na brincadeira um com o outro”. Instado, referiu não saber quem começou a brincadeira. Confirmou ainda que a queda se deu dentro do contentor, já no contentor do rés-do-chão onde podiam mudar a roupa.
O António referiu igualmente que os acontecimentos ocorreram após o jantar. Referiu que constou que fora uma brincadeira.
O autor referiu que foi logo para França onde trabalhou em várias obras. Referiu quanto à ocorrência que quando estava no contentor do rés-do-chão o João “saltou para cima e partiu a perna”. Esclareceu que a cantina era em cima e mudava de roupa no contentor do rés-do-chão.
Ora resultando embora que a ocorrência se deu na sequência de uma brincadeira, não resulta nem é referido que o sinistrado tenha sido conivente nessa brincadeira. Apenas a Testemunha J. M. refere que o colega que foi interveniente na ocorrência lhe disse que tinha sido uma brincadeira entre os dois. Aliás o próprio autor refere que esse colega lhe disse que foi uma brincadeira. Ora, sem outras provas, e considerando que naturalmente o colega que provocou a queda sentiria necessidade de se desculpabilizar, não pode sem mais considerar-se que o autor foi interveniente na brincadeira. Que o colega lhe saltou para as costas na brincadeira parece coisa manifesta, contudo daí não resulta que estivessem os dois na brincadeira. Aliás o facto de o autor ter caído aponta mais no sentido de ter sido apanhado de surpresa do que no sentido de estar envolvido numa brincadeira.

Quanto aos documentos, o autor não esclareceu as referências a queda nas escadas. Esclareceu que referiu “brincadeira” porque o colega que o fez cair lhe disse que tinha sido na brincadeira.
Referiu que o documento junto pela ré foi escrito à máquina na empresa e ele assinou.

Não resulta claramente da prova que os documentos tenham sido elaborados de acordo com instruções dadas. De todo o modo, o teor dos documentos não é de molde a por em causa a convicção do tribunal quanto ao modo como o sinistro ocorreu, tanto mais que o autor poderá ter agido sob alguma tensão, já que, como o próprio referiu, a empregadora o informou que não participaria o sinistro, e mais tarde que a seguradora o não aceitara, sendo o próprio autor que veio a participar o acidente a tribunal.
Certo contudo que a ocorrência foi depois do jantar ocorrido nos estaleiros em contentor preparado para o efeito.

Altera-se o facto 3.10 aditando-lhe “após o jantar servido no estaleiro em local preparado para o efeito”, ficando o facto com a seguinte redação:

“Cerca das 19h desse dia, após o jantar servido no estaleiro em local preparado para o efeito, e logo após o Autor ter mudado a sua roupa de trabalho (num contentor sito na obra) e se preparava para ser transportado para a sua habitação, o colega de trabalho João saltou-lhe para cima das costas, sem qualquer justificação, tendo-lhe braçado as pernas e provocado a sua queda ao chão.---
Altera-se igualmente a resposta, no que tange ao item 19, eliminando-se a expressão “de acordo com as instruções que ali lhe foram dadas”, mantendo-se no mais o decidido.
***
Caraterização do acidente como de trabalho.

No presente caso é manifesto que aquando do sinistro o autor já não se encontrava a laborar, antes estava, juntamente com outros colegas, e após o jantar, à espera de ser conduzidos para o alojamento a fim de ai pernoitar.

Vejamos o que refere a LAT (Lei nº 98/2009)

O artigo artº 8, nº 1, da Lei nº 98/2009, dispõe.

“ É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte “.

Em extensão a este conceito o artigo 9º refere:

Extensão do conceito

1 - Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
a) No trajeto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte;

2 - A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador:

b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho;

e) Entre o local de trabalho e o local da refeição;

As recorrentes questionam a caraterização referindo que na altura da ocorrência o trabalhador não estava sujeito à autoridade da empregadora, tendo o mesmo ocorrido na sua esfera pessoal de risco.

Refere-se no Ac. RG de 21/2/2019, processo nº 874/17.6T8VCT.G1:

“A justificação para a extensão do conceito de acidente de trabalho não tem que procurar-se mais num qualquer sentido de “subordinação” do trabalhador no momento em que ocorre o sinistro (acórdão desta relação de 26,2,2 015, processo nº 437/11.0TUGMR.P1.G1), que marcou o início da extensão do conceito aos acidentes in itinere, e por influência jurisprudencial. Hoje parece mesmo não existir um único fundamento ou teoria que abarque todas as circunstâncias previstas na norma, embora a nossa lei tenha acolhido no essencial a teoria do risco económico ou de autoridade – Sobre o assunto, Sérgio Almeida, Notas sobre Acidentes In Itinere, Qualificação e descaraterização, Prontuário de Direito do Trabalho, 2017, II, pág. 186ss.

A teoria do risco económico ou de autoridade, dificilmente justificará quer as situações das als. b) e c) do nº 1, quer a da al. g) do mesmo número. No caso da al. b) apenas releva o provável proveito económico, e nos casos das als. c) e g) o interesse é dos trabalhadores, ou considerados no seu conjunto ou individualmente. O princípio “ubi commoda ibi incommoda”, que justificará aquela primeira, dificilmente abarcará a segunda.

Para Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 6ª Edição, Almedina, Coimbra, 2013,pag. 798, e no caso da al. g), o risco do empregador decorreria do seu direito a proceder a um despedimento. Dificilmente se poderá surpreender na situação quer um indício de risco de autoridade quer de benefício para o empregador. É contudo claro que se trata de um direito decorrente da relação laboral, sendo essa conexão elemento considerado pelo legislador para colocar a cargo do empregador o risco dessa atividade, já que é ainda por força do exercício de um direito por parte do empregador, que o trabalhador se vê compelido a praticá-la (a procurar outro emprego).

O risco atribuído ao empregador tem justificação no próprio contrato de trabalho, e na posição de predominância jurídica e económica deste na relação, que o contrato legitima.
A extensão do conceito constitui uma opção legislativa, visando “segurar” a integridade produtiva do trabalhador, no quadro de uma estrutura económica em que ele perde o domínio sobre a sua força de trabalho, ou a disponibilidade desta, cedidos mediante o contrato de trabalho, ao empregador, para este utilizar enquanto “um fator de produção”, no âmbito da sua estrutura económico/produtiva.

Essa disponibilização a outro, pela natureza da relação contratual e da estrutura económica e jurídica subjacente – poder de fixação de horários, férias, local de trabalho, direção do trabalho propriamente dito, ainda que legalmente condicionados, subordinação económica, etc…-, importa uma intromissão natural na vida do trabalhador, na suas esferas pessoal, familiar e social, com repercussão direta e indireta em atos variados da vida do trabalhador, como a necessidade de se deslocar para o local de trabalho, frequentar formações, deslocações para receber salário, e muitas outras. Ao empregador importa a mobilidade do trabalhador, pois pretende a sua prestação em determinado local, o da sua laboração, e em determinado horário.

Os riscos decorrentes dessas atividades, com um determinado grau de conexão com o contrato de trabalho, por opção do legislador, correm por conta do empregador.

De relevante para o conceito de acidente in itinere (ficando de fora outras extensões ao conceito, como as das als. b) a f) e h) do nº 1), importa reter que o trabalhador faz determinadas deslocações, apenas por causa do “trabalho”, ou em relação com ele (als. c), d) e e) do nº 2 do artigo 9º da LAT).

Deve verificar-se um sinistro no decorrer de uma deslocação, fora do tempo e do local de trabalho, e com conexão com a “relação ou situação laboral”.

Nessas circunstâncias e surpreendendo-se essa relação, essa conexão com o “trabalho”, a opção legislativa foi no sentido de atribuir aos empregadores o risco daí decorrente, obrigando-os a “segurar” tais riscos.

A norma em causa considera acidente in itinere o ocorrido entre a residência do sinistrado e o local de trabalho, dando igual proteção às residências ocasional e habitual, e vice-versa …
Decorre da norma que tem que existir uma relação da deslocação com a atividade laboral, ou com o ato que determina a deslocação –, regressar à residência terminada a jornada ou o ato que determinou a deslocação e previsto na norma, receber o salário, receber assistência médica por virtude de anterior acidente de trabalho, tomar a refeição -.
E tal relação ou grau de conexão tem que ser direta, como resulta da análise da norma no seu conjunto. Assim alude-se a “trajeto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste”, “entre o local…”, ou “entre qualquer dos locais… e o local” – al.s c), d) e e) do nº 2 do normativo.
Tal relação direta traduz-se, no que respeita à prestação da sua atividade laboral, em que o trabalhador tem que realizar a viagem não apenas por causa do trabalho, mas tendo em vista comparecer no local de trabalho, sem o que não poderá realizar a sua prestação nem o empregador recebê-la. E nos termos do corpo do nº 2, do artigo 9º, utilizando o trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto.

Refere Sérgio Almeida, obra referida, pág. 194, que a conexão deve ser de tal ordem que sem ela o acidente não teria ocorrido. Em nota (27), refere a jurisprudência espanhola, designadamente referenciando o elemento teleológico, ou seja, o “motivo ou a causa da deslocação deve ser iniciar a prestação do serviço, ou, finda a mesma, regressar a casa, inexistindo interrupções por motivos pessoais”.

O que releva para efeitos de considerar como de trabalho o acidente in itinere é que ocorra uma conexão relevante entre o trajeto e o trabalho. Tal conexão deverá analisar-se em termos de necessidade de realização do percurso. Como se refere no Ac. STJ de 30/3/2011, processo nº 4581/07.0TTLSB.L1.S1.

O tempo de espera pelo transporte enquadra-se já, até por uma questão de lógica, na proteção dispensada ao “acidente in itinere”, sob pena de termos um período de tempo sem proteção, o que não esteve na mente do legislador.

No caso presente temos que o trabalhador, já após o termo da jorna, e o jantar, aguardava no local de trabalho (estaleiro) para ser conduzido à residência. Não ocorreu qualquer interrupção por motivo pessoal. Assim a ocorrência enquadra-se no conceito de acidente in itinere consagrado no artº 9 da LAT.

Quanto ao sinistro em si:

O acidente ocorre devido a uma brincadeira de um colega. Não se demonstrou que o autor tenha intervindo na brincadeira ou sequer contasse com ela. Nestas circunstâncias, embora tal ato do colega seja alheio à prestação do trabalho, não pode deixar de se considerar o sinistro como acidente de trabalho. A demonstração do acidente in itinere basta-se com a prova da ocorrência do evento danoso e de que o trabalhador se deslocava para o trabalho ou regressava dele, competindo à(s) ré(s) o ónus de prova de qualquer circunstância que implique a sua descaraterização.

Quanto à esta refere o artigo 14º da LAT:

Descaracterização do acidente

1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;

No presente caso, não se tendo demonstrado que o autor se tenha envolvido numa brincadeira com o colega, não ocorre qualquer circunstância que implique a descaraterização do sinistro. Sobre o assunto vd. O STJ no Ac. de 28/3/2007, processo nº 06S3957 e Ac. RC de 31/5/2007, processo nº 907/04.6TTVIS.C1.
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Quanto à questão da culpa do sinistrado levantada pela empregadora, da factualidade não resulta demonstrada a culpa deste, como já vimos, sendo que competia aos réus a prova da mesma.

Assim improcede o alegado.
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Remuneração atendível (férias e subsídios), ajudas de custo.

Os representantes da ré aludem à inaplicabilidade do salário mínimo francês. Ora resulta patente da sentença recorrida que não foi considerado tal salário, mas sim o vencimento efetivamente auferido pelo sinistrado, aplicando exclusivamente a lei Portuguesa. Os recorrentes partem da ideia de que o item terceiro onde se questionava qual o salário mínimo em França, obteve resposta positiva, o que não corresponde à verdade, já que na resposta se fez constar o salário efetivamente auferido pelo autor, o qual foi considerado na decisão para a fixação das indemnizações. Considerando o salário efetivamente auferido, multiplicado por 14 conforme lei aplicável (a Portuguesa), e não resultando que o salario mínimo Francês fosse mais favorável, já que não resulta que quanto a este fosse devido subsídio de natal, bem se andou na sentença ao considerar o vencimento efetivo.

Quanto ao facto de aquele valor ser superior ao acordado conforme facto 3.3, não é de estranhar, já que o trabalho era efetuado fora do País, sendo uma ocorrência normal. E não se trata de ajudas de custo, nem o montante inclui qualquer parcela de ajudas de custo, conforme resulta com clareza da resposta negativa dada ao item respetivo da base instrutória. Todas as testemunhas foram claras quanto a tal facto, referindo que a empregadora fornecia refeições, alojamento e transportes, sendo no caso irrelevante o modo com a empregadora leva tal verba aos recibos de vencimento.

Consequentemente é de confirmar a sentença recorrida na sua totalidade.

Decisão:

Pelo exposto e ao abrigo das disposições citadas decide-se julgar as apelações improcedente mantendo-se a decisão.
Custas pelos recorrentes.

Relator – Antero Veiga
Adjuntos – Alda Martins
Eduardo Azevedo