Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
109506/18.8YIPRT-A.G1
Relator: RAMOS LOPES
Descritores: RECONVENÇÃO
INADMISSIBILIDADE
ACÇÃO ESPECIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário do Relator:

I. O DL 62/2013, de 10/05, é aplicável apenas aos contratos celebrados a partir de 11/06/2013 (data da sua entrada em vigor – art. 15º do diploma), mantendo-se em vigor no que respeita aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor o DL 32/2003, de 17/02.

II. Sendo aplicável na presente acção o regime prescrito no DL 32/2003, de 17/02, considerando que o valor da causa (mesmo tomando em conta o valor dado pelo réu ao pedido reconvencional que formulou) é inferior ao da alçada da Relação, os trâmites jurisdicionais a seguir após a oposição são os estabelecidos no regime processual estabelecido para as acções especiais destinadas a obter o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato.

III. Nas acções em que a reconvenção não é admissível, como é o caso das acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não deve ao réu ser coarctada a possibilidade invocar a compensação, devendo o seu tratamento ser, nesses casos, o da excepção peremptória.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães (1)

Apelante: (…) SA

Termos relevantes do processo

(…) , Ld.ª, instaurou procedimento de injunção para haver de (…) SA a quantia global de 16.686,26€, correspondente a capital (12.179,86€), juros de mora vencidos (4.133,40€), outras quantias (40,00€) e taxa de justiça paga (153,00€), sustentando a pretensão em fornecimentos de combustível que no âmbito das respectivas actividades comerciais efectuou (em 2008), a seu pedido, à requerida.

A ré apresentou oposição e deduziu pedido reconvencional.

Sustentando que as quantidades de combustível fornecidas foram inferiores às facturadas, o que aconteceu ao longo da relação comercial entre as partes estabelecida, ascendendo o valor da diferença ao montante de 12.179,86€, defende a demandada a extinção, por compensação, do crédito peticionado pela requerente, assim concluindo pela improcedência da preensão. Porque – refere – a compensação tem, face ao actual ordenamento processual civil (art. 266º, nº 2, c) do CPC) de ser feita valer por reconvenção, funda nessa compensação a reconvenção deduzida, fundando também a causa de pedir reconvencional nos prejuízos que sofreu em consequência da referida actuação da demandante ao longo do relacionamento comercial entre ambas (facturando quantidades superiores às efectivamente fornecidas), prejuízos que não está em condições de liquidar em quantia certa (por não estar na posse dos elementos necessários para tanto) e que devem ser liquidados no respectivo incidente.

Concluiu a sua peça pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido e em reconvenção pede o reconhecimento da compensação dos créditos e ainda a condenação da autora a pagar-lhe quantia a liquidar em incidente, relativa aos prejuízos sofridos em consequência directa da não aplicação pela autora das tabelas de conversão para a temperatura referenciada de 15ºC, nas quantidades de combustível obtidos na medição à temperatura observada dos combustíveis fornecidos à ré.
Atribuiu à reconvenção o valor de 12.179,86€.
Remetidos os autos a juízo, ponderando que a ‘simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a injunção e subsequente acção especial, cuja especificidade se centra na celeridade derivada da reduzida importância dos interesses susceptíveis de a envolver, não se compatibiliza com a admissibilidade de formulação de qualquer pedido reconvencional’, não afectando tal inadmissibilidade da reconvenção o direito de defesa da ré, ‘na medida em que poderá esta fazer valer em acção própria a situação jurídica conexionada com a que se faz valer’ no processo, decidiu a Exma. Juíza não admitir o pedido reconvencional (admitindo, todavia, a defesa na parte em que é invocada a compensação).

Irresignada com tal despacho apelou a ré, pugnando pela sua revogação e substituição por outro que admita o pedido reconvencional, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

1ª- De acordo com o disposto no nº 2 do artigo 10.º do Decreto lei nº 62/2013, de 10 de Maio, estipula que para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
2º- A presente acção, antes de deduzido o pedido reconvencional, tinha o valor de 16.686,26€, pelo que, desde o início, era de valor superior a metade da alçada da Relação, pelo que se aplica a forma de processo comum, nada impedindo a admissibilidade da reconvenção, uma vez que tem a Autora o direito a apresentar o articulado da Réplica - cfr. artigo 584º do Código de Processo Civil.
3ª- Assim, a decisão recorrida viola, desde logo, o disposto no artigo 10º do Decreto lei nº 62/2013, de 10 de Maio e, ao não admitir um terceiro articulado, viola o disposto no artigo 584º do Código de Processo Civil.
4ª- A Ré deduziu o seu pedido reconvencional para pedir o reconhecimento do crédito de que se arroga titular sobre a Autora, quer para obter a compensação, quer para obter o pagamento do valor em que o seu crédito excede o crédito da Autora,
5ª- pretensão essa expressamente admissível face ao disposto no artigo 266º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil.
6ª- Quanto ao conhecimento da compensação através da defesa por excepção, o mesmo não é admissível, ao contrário do que decidiu o Tribunal recorrido.
7ª- Com a redacção que conferiu ao art.º 266.º, n.º 2, c) do CPC, o legislador de 2013 tomou decisivamente posição na referida polémica, revelando-se unívoco o sentido do texto legal: sempre que o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor, deverá exercer o seu direito por via reconvencional.» - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - Processo: 19412/14.6YIPRT-A.P1 - Nº Convencional: JTRP000, in www.dgsi.pt.
8ª- Verifica-se, pois, manifesta violação do citado artigo 266º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil.
9ª- Por fim a decisão proferida, que não admitiu a reconvenção, constituiu um acto não admitido por lei, com manifesta influência na decisão da causa, pelo que está ferida de nulidade - conforme artigos 266º, nº 2, alínea c) e 195º do Código de Processo Civil.

Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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Por decisão sumária foi a apelação julgada improcedente e, em consequência, mantida a decisão recorrida que julgara inadmissível o pedido reconvencional deduzido pela apelante (admitindo, todavia, a defesa na parte em que é invocada a compensação), tendo-se considerado que, ‘sendo no caso aplicável, atenta a data do contrato (2008), o regime prescrito no DL 32/2003, de 17/02 (art. 13º, nº 1 do DL 62/2013, de 10/05), considerando que o valor da causa (mesmo tomando em conta o valor da reconvenção formulada) é inferior ao da alçada da Relação (art. 44º, nº 1 da Lei 62/2013, de 26/08), os trâmites jurisdicionais a seguir são os estabelecidos no regime processual estabelecido no anexo ao DL 269/98, de 1/09, onde se admite a dedução de apenas dois articulados, o que afasta a possibilidade de dedução de reconvenção’.

Não se conformando com tal decisão sumária, apresentou-se a apelante a reclamar para a conferência, nos termos do art. 652º, nº 3 do CPC, argumentando:

- ao contrário do referido na decisão sumária – aí se decidiu dever aplicar-se ao caso dos autos o DL 32/2003, de 17/02, atenta a invocada data dos fornecimento e o disposto no art. 13º, nº 1 do DL 62/2013, de 10/05 –, o artigo 13º, nº 1 do DL 62/2013, de 10/05 revogou o DL 32/2003, de 17/02, com excepção dos seus artigos 6º e 8º, mantendo-se estes em vigor para os contratos celebrados antes da entrada em vigor do diploma de 2013,
- fez a decisão sumária errada interpretação da norma transitória prevista no DL 62/2013, de 10/05, aplicando ao caso dos autos o revogado artigo 7º do DL 32/2013, de 17/02, ao invés de aplicar a norma em vigor (art. 10º do DL 62/2013, de 10/05),
- de acordo com o disposto no nº 2 art. 10º do DL 62/2013, de 10/05, para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum,
- no caso dos autos, antes de deduzido o pedido reconvencional, a acção tinha o valor de 16.686,26€, pelo que desde o início era de valor superior a metade da alçada da Relação), aplicando-se a forma de processo comum, nada impedindo a admissibilidade da reconvenção,
- acresce ter a apelante deduzido reconvenção para pedir o reconhecimento do crédito de que se arroga titular sobre a autora, bem como para obter a compensação e o pagamento do valor em que o seu crédito excede o autora, nos termos do art. 266, nº 2, c) do CPC, não sendo admissível o conhecimento da compensação através da defesa por excepção, dada o legislador de 2013 ter sido expresso ao consagrar que sempre que o réu pretenda o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor, deverá exercer o seu direito por via reconvencional.

Foi cumprido o contraditório, não constando dos autos que a apelada se tenha pronunciado.
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Singela a questão suscitada na presente apelação - apreciar da admissibilidade da dedução de pedido reconvencional no presente processo, iniciado como procedimento de injunção com o valor de 16.686.26€, sustentando-se a pretensão em contrato de 2008, ao qual é deduzida oposição com pedido reconvencional (baseado em compensação) com o valor de 12.179,86€.

Na decisão a proferir apreciar-se-ão os argumentos apresentados pela apelante no requerimento em que suscita a intervenção da conferência – e por isso não nos limitaremos a reafirmar e a reproduzir, em conferência e por acórdão, aquela decisão (acrescentando àquela decisão sumária singular a autoridade advinda da colegialidade), antes curando de apreciar dos argumentos apresentados pela apelante (que não são questões novas – pois que se referem à questão decidenda na apelação) em vista da defesa da sua pretensão recursória, quais sejam:

- a aplicabilidade ao caso do art. 10º do DL 62/2013, de 10/05, face à norma transitória do art. 13º, nº 1 do diploma, e
- a inadmissibilidade de dedução da compensação por via de excepção peremptória ‘demandar’ a possibilidade de dedução de reconvenção.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto

A matéria de facto a considerar é a que resulta exposta no relatório precedente.

Fundamentação de direito

A. Ponderou-se na decisão sumária (argumentos que em conferência se reafirmam, por se terem por correctos):

Fundou a decisão recorrida a decidida inadmissibilidade do pedido reconvencional na falta de pressuposto processual ou adjectivo, qual seja o da forma de processo ser incompatível com a reconvenção.
Ainda que com argumentação não coincidente, a decisão deve ser mantida.
Atento o princípio da estabilidade da instância consagrado no art. 260º do CPC, as modificações da instância (sejam elas subjectivas ou objectivas), só são admitidas – atente-se no seu carácter excepcional – em termos restritos e nos limites da lei.
A reconvenção constitui uma modificação objectiva da instância.
O cruzamento de acções em que ela traduz está dependente da verificação de vários requisitos, quer de ordem substancial (art. 266º, nº 2 do CPC, que estabelece as modalidades legais de conexão substancial permitidas), quer de ordem processual (art. 93º e 266º, nº 3 do CPC).
Como decorre do art. 266º, nº 3 do CPC, a reconvenção não é admissível quando ao pedido do réu corresponda forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos nº 2 e 3 do artigo 37º, com as necessárias adaptações.
No caso dos autos, considerou-se tal entrave processual à admissibilidade do pedido reconvencional, porquanto a forma do processo era incompatível com a sua dedução.
Ao contrário do que aduz a apelante, deve aplicar-se ao caso dos autos o DL 32/2003, de 17/02 (2), atenta a invocada data dos fornecimentos (2018) – como decorre do artigo 13º, nº 1 do DL 62/2013, de 10/05, é aquele diploma que se aplica aos contratos celebrados antes da entrada em vigor deste –, regendo assim a normatividade prescrita nos números 2 e 4 do art. 7º do diploma: podendo o credor recorrer ao procedimento de injunção, independentemente do valor do pedido (art. 7º, nº 1 do diploma), pois que a causa de pedir respeita a transacção comercial entre empresas (art. 2º, nº 1 e 3º, a) do referido Decreto-Lei), a dedução de oposição ao procedimento de injunção determina a remessa dos autos para o tribunal competente, i) aplicando-se a forma do processo comum, tratando-se de valores superiores à alçada da Relação (3) ou ii), os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, tratando-se de valores não superiores à alçada da Relação.
Com base em tal regime normativo sustenta-se que a admissibilidade da reconvenção fica circunscrita aos casos em que o valor a pretensão do requerente é superior à alçada da Relação (4) – só em tais casos o processo segue, com a dedução da oposição, a forma do processo declarativo comum, estando assim possibilitada a dedução da reconvenção. Na situação inversa, seguindo o processo os trâmites das acções especiais destinadas ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato – regime processual estabelecido no anexo ao DL 269/98, de 1/09, que admite a dedução de apenas dois articulados –, a possibilidade de dedução de reconvenção está afastada (a tramitação especial a observar – art. 549º do CPC – prevendo tão só dois articulados, é incompatível com a reconvenção, pois esta prevê que a tramitação da causa permita a réplica, para que o reconvindo possa deduzir a defesa que lhe aprouver).
Tal entendimento tem na base o argumento de que o valor da acção subsequente ao procedimento de injunção se determina nos termos do art. 18º do DL 269/98, de 1/09, correspondendo pois ao pedido formulado.
Porém, mesmo considerando entendimento diverso quanto ao momento e regras para a fixação do valor em situações como a dos autos – mormente o entendimento adoptado pelo STJ em revista admitida nos termos do art. 672º, nº 3 do CPC (5), com argumentos cuja validade se me afigura indiscutível (6) – e, assim, que o valor a atender seria fixado de acordo com as regras dos artigos 299º e seguintes do CPC (que o art. 7º, nº 2 e nº 4 do DL 32/003, de 17/02 não afasta, pois que a partir do momento em que foi deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção este adquire cariz jurisdicional), cabendo adicionar o valor do pedido formulado pelo réu em reconvenção ao valor do pedido formulado pelo autor em via de acção por serem distintos, sempre a solução do caso redundaria em considerar que a forma de processo aplicável (atento o valor assim encontrado - 28.866,12€, correspondente à soma do pedido formulado em via de acção com o do valor do pedido da reconvenção) seria a das acções especiais destinadas a obter o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato (artigo 7º, nº 2 e 4 do DL 32/2003, de 17/02).
Por isso, sendo no caso aplicável, atenta a data do contrato (2008), o regime prescrito no DL 32/2003, de 17/02 (art. 13º, nº 1 do DL 62/2013, de 10/05), considerando que o valor da causa (mesmo tomando em conta o valor da reconvenção formulada) é inferior ao da alçada da Relação (art. 44º, nº 1 da Lei 62/2013, de 26/08), os trâmites jurisdicionais a seguir são os estabelecidos no regime processual estabelecido no anexo ao DL 269/98, de 1/09, onde se admite a dedução de apenas dois articulados, o que afasta a possibilidade de dedução de reconvenção.
Demonstrada, pois, e sem necessidade de outras considerações, a manifesta improcedência da apelação.

B. Tais argumentos são de manter e reafirmar.

Cumpre todavia, considerando a argumentação exposta pela apelante no requerimento em que suscita a intervenção da conferência, por um lado reforçar a aplicabilidade, no caso dos autos, da norma do art. 7º do DL 32/2003, de 17/02, face à norma transitória do art. 13º, nº 1 do diploma, e acrescentar que não é a verificação do requisito substancial que determina o preenchimento dos requisitos processuais legalmente erigidos de admissibilidade do pedido reconvencional.
Clara e linear a aplicabilidade, no caso dos autos, da norma do art. 7º do DL 32/2003, de 17/02.
Sustenta a apelante, estribando-se, a propósito, no acórdão da Relação de Coimbra de 17/12/2014 (7), que o DL 32/2003, de 17/02, foi revogado pelo DL 62/2013, de 10/05, com excepção dos artigos 6º e 8º, mostrando-se, pois, aquele art. 7º revogado, regulando agora a matéria em questão o art. 10º do DL 62/2013, de 10/05, que no seu nº 2 prescreve que para valores superiores a metade da alçada da Relação a dedução de oposição determina a remessa dos autos ao tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
Todavia, tal como se decidiu no citado acórdão do STJ de 24/09/2015, o DL 62/2013, de 10/05, é aplicável apenas aos contratos celebrados a partir de 11/06/2013 (data da sua entrada em vigor – art. 15º do diploma), pois que o art. 13º, nº 1 do diploma (norma revogatória) prescreve a revogação do DL 32/2003, de 17/02, com excepção dos artigos 6º e 8º, mantendo-se em vigor no que respeita aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor.
A ressalva final da norma revogatória refere-se à vigência do diploma revogado relativamente a contratos celebrados antes da entrada em vigor do diploma revogatório, não já aos artigos 6º e 8º - estes (o primeiro relativo a alteração introduzida no art. 102º do Código Comercial e o segundo relativo a alterações introduzidas nos artigos 7º, 10º, 11º, 12º, 12º-A e 19 do anexo ao DL 269/98, de 1/09) não revogados pelo DL 62/2013, de 10/05.
A hermenêutica legislativa impõe se conclua que o legislador procedeu, no art. 13º, nº 1, do DL 62/2013, de 10/05, à revogação do DL 32/2003, de 17/12, enquanto diploma que estabelecia o regime especial relativo aos atrasos de pagamento em transacções comerciais (por ter transposto a Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29/07) – esse foi o expresso e declarado objectivo do diploma, exposto no preâmbulo: transpor para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16/02/2011, procedendo à revisão do anterior regime e à sua substituição à luz do novo diploma comunitário.
A revogação não abrangeu, porém, os artigos 6º e 8º, pois que as alterações por eles introduzidas noutros diplomas foram mantidas.
Esta é, aliás, a interpretação autêntica do diploma (DL 62/2013, de 10/05), pois que no preâmbulo o legislador refere ser ele ‘aplicável aos contratos celebrados a partir’ da sua ‘entrada em vigor, não sendo por isso aplicável aos contratos anteriores, incluindo contratos públicos decorrentes de procedimentos de formação iniciados antes daquela data’.
Conclui-se, pois, atenta a data do contrato invocado nos autos (2008), ser no caso aplicável o regime prescrito no DL 32/2003, de 17/02, pelo que considerando que o valor da causa (mesmo tomando em conta o valor dado pelo réu ao pedido reconvencional que formulou) é inferior ao da alçada da Relação, os trâmites jurisdicionais a seguir. Deduzida oposição, são os estabelecidos no regime processual estabelecido para as acções especiais destinadas a obter o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato.
C. Demanda maior elaboração a abordagem do segundo argumento esgrimido pela apelante, qual seja o de que pedindo o reconhecimento de crédito sobre a demandante deve ser admitida a reconvir, quer para obter a compensação, quer para obter o pagamento do valor em que o seu crédito excede o peticionado em via de acção.

Sustenta, deste modo, que a verificação de requisito substancial para a admissibilidade da reconvenção (a pretensão de que lhe seja reconhecido um crédito sobre a demandante, quer em visa de obter a compensação, quer em vista de obter o pagamento do valor excedente – art. 266º, nº 2 c) do CPC) determina, forçosamente, o preenchimento dos requisitos processuais legalmente erigidos para admissibilidade da reconvenção, pois que, ao contrário do referido na decisão recorrida, a compensação não pode actualmente ser feita valer por via de excepção.

Como refere Miguel Teixeira de Sousa (8), o regime de alegação da excepção peremptória da compensação nas espécies processuais que não admitam articulado de resposta do autor à contestação (como é o caso das acções especiais destinadas ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato) é problema com alguma importância porque, como no CPC vigente se consagrou que a compensação deve ser alegada por via de reconvenção (art. 266º, nº 2, al. c), CPC), formou-se na jurisprudência (9) a orientação de que nas acções em que não esteja previsto um articulado de resposta do autor à contestação do réu não pode o demandando recorrer à reconvenção para provocar a compensação dos créditos, isto é, não pode provocar a extinção do crédito do autor com um contracrédito próprio.

Ademais, defende-se ainda que a indamissibilidade da reconvenção não autoriza que, em tais acções (excepcionalmente e apenas no seu domínio), possa a compensação de créditos ser invocada como excepção peremptória (10).

Por nada ganharem as partes nem o ordenamento com a inadmissibilidade da alegação da compensação na oposição à injunção (11) vem sendo defendidas outras soluções.

Uma posição sustenta que nas acções em que a reconvenção não é admissível, como é o caso das acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não deve ao réu ser coarctada a possibilidade de utilizar tal relevante meio de defesa em que se consubstancia a compensação e assim deve o tratamento da compensação ser, nesses casos, o da excepção peremptória (posição sustentada tanto doutrinal (12) como jurisprudencialmente (13)).

Outra posição, que combatendo a corrente jurisprudencial que nega a possibilidade de reconvir nas acções especiais para pagamento de obrigação emergente de contrato, defende dever ser dada ao réu a possibilidade de reconvir de modo a que possa invocar a compensação de créditos, devendo o juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respectiva tramitação àquele pedido reconvencional, pois não faz sentido retirar ao réu a possibilidade de invocar a compensação se depois essa compensação poderá vir a ser invocada como fundamento de oposição à execução (art. 729, h) do CPC) (14).

Esta segunda solução tem como pressuposto primeiro e essencial o de que a compensação, face ao CPC de 2013, terá sempre que ser suscitada em sede de reconvenção, mesmo quando o crédito invocado pelo réu não excede o do autor, ou seja, independentemente do valor dos créditos compensáveis e quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido (15).

Não pode considerar-se indiferente aos legítimos interesses da parte a impossibilidade de invocar a compensação – ainda que não fique precludida a possibilidade de invocar esse contracrédito noutra acção (16) (ou até em embargos de executado à execução interposta com base na sentença proferida na causa em que não foi invocada a compensação) e, assim, não se verificar o efeito do caso julgado (17), tem de reconhecer-se ser evidente o prejuízo que pode advir da impossibilidade de invocar a compensação, pois ‘embora a compensação seja fundamentalmente uma causa de extinção das obrigações, a verdade é que ela permite a quem a invoca com sucesso não suportar (total ou parcialmente consoante o seu âmbito) o risco de insolvência da contraparte’, pelo que não sendo a compensação admitida, terá a parte que pagar a quantia que porventura deva para depois exigir noutra acção o pagamento do seu crédito, se a contraparte então o puder pagar, sendo que se a ‘compensação for admitida não se expõe (ou não se expõe na mesma medida) a esse risco de insolvência, ficando satisfeita imediatamente na parte em que houver compensação’ (18).

Por isso que entendemos não ser suficiente (rectius, válido ou procedente) para negar ao demandado a possibilidade de invocar a compensação o argumento de que a sua invocação como excepção não é autorizada nas situações em que a reconvenção é inadmissível (por não verificação dos pressupostos de ordem processual). Solução que deve rejeitar-se (assim se impedindo que o processo civil usurpe o papel de actor principal em peça cuja palco está reservado para a actuação do direito substantivo), seja admitindo-se em tais situações a possibilidade de deduzir reconvenção, seja admitindo-se a invocação da compensação como excepção.

O direito adjectivo está funcionalmente ordenado a permitir a plena actuação do direito substantivo e não já a limitá-lo ou impedi-lo (19) – e por isso que, verdadeiramente, não existe dilema quanto a admitir ou não a invocação da compensação (matéria que respeita ao direito substantivo) mas tão só quanto ao meio processual de a fazer actuar (como excepção ou através de reconvenção).
Porque a prevalência é do direito subjectivo, o direito adjectivo tem de adaptar-se e moldar-se àquele e aos interesses substantivos em jogo (20).
Assente não poder negar-se ao demandado a faculdade de invocar os meios de defesa que entenda, mormente a compensação (em vista de obter a extinção do crédito do autor), a questão centra-se, pois, única e exclusivamente, em apurar da forma processual como tal deve ser actuado – ou, doutra forma, em apreciar como devem interpretar-se e aplicar-se as regras processais de molde a favorecer a tutela de direitos e interesses.

A favor da admissibilidade da reconvenção em vista de permitir ao réu invocar a compensação nas acções especiais destinadas ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato alinhavam-se os seguintes argumentos (21):

- sendo as acções especiais para pagamento de obrigação emergente de contrato um processo especial, são reguladas tanto pelas disposições que lhes são próprias como pelas disposições gerais e comuns (art. 549º, nº 1, CPC), pelo que estando a admissibilidade da reconvenção regulada no art. 266º CPC e considerando que este preceito se inclui nas disposições gerais e comuns do CPC, é aplicável em tais acções;
- o regime de tais acções especiais – mormente a sua tramitação simplificada e célere – não é incompatível com a dedução de um pedido reconvencional pelo demandado, cabendo ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (arts. 6º e 547º CPC) para ajustar a tramitação de tal acção especial à dedução do pedido reconvencional;
- se não se admitir a possibilidade de o réu demandado numa acção especial destinada ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato invocar a compensação ope reconventionis, essa mesma compensação pode vir a ser posteriormente alegada pelo anterior demandado como fundamento da oposição à execução (art. 729º, h), CPC) – e assim, não faz sentido coarctar as possibilidades de defesa do demandado na acção especial declarativa e possibilitar, com isso, a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível (a economia de custos na acção especial traduzir-se-ia afinal num desperdício de recursos, ao impor-se que aquilo que poderia ser apreciado numa única acção tivesse de ser decidido em duas acções);
- a solução alternativa (defender que a compensação - que é uma forma de extinção das obrigações - deveria ser invocada por via de excepção) 1) não tem qualquer apoio legal, pois o regime da reconvenção consta das disposições gerais e comuns do CPC, pelo que é aplicável a qualquer processo e uma diferenciação quanto à forma de alegação da compensação seria, por isso, contra legem e 2) comunga de todos os inconvenientes da dedução da compensação por via de excepção, sendo um dos mais significativos o de que, atendendo a que a decisão sobre as excepções peremptórias não fica abrangida pelo caso julgado material (art. 91º, nº 2, CPC), se o contracrédito invocado na acção especial pelo demandado vier a ser reconhecido nessa acção, não é possível invocar a excepção de caso julgado numa acção posterior em que se peça a condenação no pagamento do mesmo contracrédito e, se o contracrédito alegado pelo demandado na AECOP não vier a ser reconhecido nessa acção, ainda assim é possível procurar obter o seu reconhecimento numa acção posterior (soluções absurdas, sendo por isso que a reconvenção como forma de alegar a compensação judicial é totalmente correcta, porque é a única que evita as referidas consequências).

Não pode questionar-se a aplicabilidade das disposições gerais e comuns (onde se insere o art. 266º do CPC) às acções especiais destinadas ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato.
A questão consiste, todavia, em apurar se em tais acções especiais (com tramitação confessadamente decalcada da pretérita forma sumaríssima do processo declarativo, que prevê dois articulados, findo os quais, se não puder julgar-se imediatamente a causa, se agenda julgamento, sendo a sentença, sucintamente fundamentada, logo ditada para a acta – artigos 1º, 3º e 4º do regime processual anexo ao DL 269/98, de 1/09) a reconvenção deve ser admitida, por aplicação do art. 266º, nº 3 do CPC, tal qual em qualquer outra acção especial (mesma não extravagante, antes prevista no CPC), por nela puder ser inserida, considerando a normal tramitação, a causa reconvencional.
A resposta é negativa – os requisitos processuais de admissibilidade da reconvenção não se verificam (como se disse, a reconvenção importa uma modificação - objectiva - da instância e estas só são admitidas nos estritos termos e limites da lei – art. 260º do CPC).
A aplicação da ressalva prevista no nº 3 do art. 266º do CPC exige a verificação de interesses relevantes ou demanda que a apreciação das pretensões suscitadas pelo contra-ataque do demandado seja indispensável à justa composição do litígio (art. 37º, nº 2 do CPC). Assim que a solução de admitir o réu a formular reconvenção em acção destinada a exigir o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, no nosso entender, só seja de admitir caso os seus legítimos interesses em invocar a compensação não possam ser atendidos com outra solução que atenda também ao legítimo interesse do autor em recorrer à acção especial.
Na verdade, na questão que se vem tratando não pode o aplicador deixar de ponderar que se busca a interpretação das regras processuais ‘de molde a favorecer a tutela de direitos e interesses’ em presença – e num processo judicial ambas as partes têm direitos e interesses dignos de tutela.
Reconhecendo-se (como acima se expôs) ser de tutelar o interesse do réu em invocar a compensação, não pode ele deixar de ser conciliado com o interesse do autor em ver o seu direito apreciado em acção especial, simplificada e célere – interesse cuja relevância não pode ser desprezada.
Efectivamente, foi em vista de combater os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, que fazem recair sobre as empresas, particularmente as de pequena e média dimensão, encargos administrativos e financeiros em resultado de atrasos de pagamento (uma das principais causas de insolvência dessas empresas, ameaçando a sua sobrevivência e os postos de trabalho correspondentes), que foram adoptadas as Directivas nº 2000/35/CE e nº 2011/7/UE, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, a primeira de 29 de Julho de 2000 e a segunda de 16 de Fevereiro de 2011, transpostas para o ordenamento jurídico interno pelos DL 32/2003, de 17/02 e DL 62/2013, de 10/05, respectivamente, possibilitando às empresas o recurso a este tipo de acções.
Por isso que deve buscar-se a compatibilização prática entre os interesses do autor em ver o seu direito apreciado em acção especial cujos trâmites primam pela simplicidade e celeridade e do réu em invocar a compensação (pondo-se a coberto dos riscos da insolvência da contraparte) – e não já o de obter o pagamento do valor em que o invocado crédito excede o do autor.
A prevalência dum interesse em sacrifício do outro só é de considerar se ambos não puderem coexistir e compatibilizar-se, e cremos que tal compatibilizada coexistência pode ser conseguida (como adrede esclareceremos e justificaremos), pois que a invocação do contracrédito até ao limite do crédito do autor não implica que o contraditório a garantir ao autor exija mais do que o exige a invocação de qualquer outra excepção peremptória nestas acções especiais (desde a prescrição ao não cumprimento, passando pelo cumprimento defeituoso e pela novação – art. 3º, nº 3 e nº 4 do CPC) – antes do CPC 2013 não foi levantada (doutrinal e jurisprudencialmente) qualquer objecção a que nas acções especiais destinadas ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato fosse invocada a compensação enquanto excepção peremptória e o certo é que ‘a garantia do contraditório do autor tem de estar assegurada da mesma maneira qualquer que seja a forma (por via de excepção ou por via de reconvenção) da alegação da compensação em juízo’ (22).
Concordamos inteiramente com o argumento de que não tem sentido coarctar ao réu demandado numa acção especial destinada ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato a possibilidade de invocar a compensação e reconhecer-lhe a possibilidade de a invocar posteriormente como fundamento da oposição à execução (art. 729º, h), CPC).
Porém, tal argumento vale também para sustentar a posição que sustenta a admissibilidade, em tais causas, da invocação da compensação ope exceptionis – admitindo-se a dedução da compensação por via de excepção, afastar-se-á a falta de lógica e de racionalidade daquela radical solução que impede que em acção especial destinada ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato o réu possa invocar a compensação (e, assim, na parte em que os créditos se extingam, evitar o risco de insolvência da contraparte).
Por isso que aquele argumento (a irracionalidade de obstar na acção declarativa à invocação da compensação e admitir a sua invocação já no âmbito da oposição à execução) só é decisivo no sentido de demonstrar a admissibilidade da dedução da reconvenção nas acções especiais destinadas ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato para quem entenda que a reconvenção esgota as formas possíveis de invocação da compensação em juízo.
Para lá da incongruência de um regime que valorizaria como excepção a invocação da compensação em processo declarativo enxertado em acção executiva e cuja invocação não teria sido admitida no processo declarativo donde emergiria o título executivo daquela precisamente por não ter podido aí ser invocada como excepção (e sendo certo que tal possibilidade de invocação da matéria na oposição à execução demonstra que a via da excepção é também uma forma processualmente reconhecida de invocar a compensação), importa considerar que o regime actual (no que respeita à invocação da compensação) não é monista e não evita uma dupla via de invocação (23), pois que ao contrário da compensação judicial a invocação da compensação extrajudicial em juízo ‘não implica a dedução de nenhum pedido reconvencional, mas apenas a invocação da extinção do crédito alegado pelo autor como consequência daquela compensação, ou seja, a alegação de um facto extintivo deste crédito e, portanto, de uma excepção peremptória (art. 576º, nº 1 e 3, CPC)’, porquanto a ‘compensação extrajudicial já operou a extinção recíproca dos créditos, pelo que a única coisa que o demandado pode (e tem de) alegar em juízo é esta extinção, bastando-lhe invocar, para isso, a correspondente excepção peremptória’ (24) – enquanto a compensação judicial opera através da reconvenção (art. 266º, nº 2, c), CPC) e constitui um possível fundamento de oposição à execução (art. 729º, h), CPC), a compensação extrajudicial (provocando a extinção recíproca dos créditos) opera como uma excepção peremptória (25): quando o crédito do autor já se encontra ‘extinto por uma compensação que operou antes da acção ou da execução, então tudo se resume à invocação da extinção desse mesmo crédito através da alegação da respectiva excepção peremptória extintiva’ (26).
Dupla via que demonstra que nem nas acções comuns a reconvenção esgota as formas processualmente possíveis de invocação da compensação.
Não se contra-argumente que na compensação extrajudicial o réu não pretende obter o reconhecimento dum crédito. Na verdade, tanto na compensação judicial como na compensação extrajudicial se imporá ao tribunal apreciar e verificar dos requisitos materiais da compensação (e assim também a invocação da compensação extrajudicial pressupõe o reconhecimento, por parte do tribunal, de um crédito do réu sobre o autor) – ‘quer se trate de uma declaração extraprocessual quer opere uma declaração processual, em ambos os casos há que verificar a ocorrência dos requisitos materiais da compensação, pelo que talvez não haja motivo que justifique uma diferenciação do seu tratamento processual’ (27).
Admitida no nosso ordenamento jurídico a dupla via de invocação da compensação, cremos que o seu tratamento como excepção peremptória nos processos em que não é admissível a reconvenção (por falta dos requisitos processuais), mormente nas acções especiais destinadas ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, é o procedimento que se impõe, assim se compatibilizando, harmoniosamente, os interesses das partes: do autor, em ver a sua pretensão apreciada de acordo com os trâmites prescritos para tais acções especiais e do réu, em arguir a compensação e pôr-se a coberto dos riscos de insolvência da contraparte.

Considerar que este entendimento (o de que a compensação é uma forma de extinção das obrigações que, em tais situações pode ser invocada por via de excepção) não tem apoio legal (pois que o regime da reconvenção delineado nas disposições comuns do CPC é aplicável a todos os processos) e, ainda, que traduziria uma diferenciação contra legem quanto à forma de alegação da compensação presta-se, na nossa modesta opinião, às seguintes críticas:

- a questão a solucionar, adquirido e assente não poder negar-se ao demandado a faculdade de invocar a compensação, centra-se, única e exclusivamente, em apurar da forma processual como tal invocação deve ser actuada nos casos em que se conclua que a reconvenção não admissível, mormente por não estarem verificados os requisitos e pressupostos de ordem processual. Sendo o regime da reconvenção aplicável às acções especiais (designadamente às que seguem o regime processual anexo ao DL 269/98, de 1/09), não pode deixar de considerar-se que também é aplicável na parte em que institui requisitos de ordem processual para a sua admissibilidade – e por isso que o argumento da falta de apoio legal também pode ser usado contra quem, nas situações em análise, defende a admissibilidade da dedução da reconvenção, pois que estará a ‘forçar’ a sua admissibilidade (à luz do nº 3 do art. 266º do CPC), assim atendendo unicamente ao interesse do réu na arguição da compensação (e possibilitando-lhe até obter o valor em que o crédito invocado excede o peticionado) e desprezando o interesse do autor em que a sua pretensão siga a tramitação prescrita no regime processual anexo ao DL 269/98, de 1/09. Tudo se resume, pois, a uma questão de interpretação da lei processual – e de opção pela solução que, como acima se referiu, permita compatibilizar os interesses dignos de tutela a ponderar –, sendo certo que a alínea c) do nº 2 do art. 266 do CPC pode interpretar-se no sentido de que a compensação deve ser actuada por reconvenção (e só por essa forma pode ser actuada) desde que a dedução desta seja permitida pela lei (assim não fosse e a compensação teria sido erigida em modalidade legal de conexão substancial entre as duas causas – acção e reconvenção – que dispensava a verificação dos requisitos de ordem processual para a admissibilidade da reconvenção);
- a afirmação de que a invocação da compensação por via de excepção constituiria uma diferenciação contra legem quanto à forma de alegação da compensação desconsidera, salvo o devido respeito, que o nosso regime processual prevê, no âmbito da acção declarativa, a dupla via de invocação da compensação (para lá de prever essa invocação ope exceptionis no âmbito do processo executivo).

Argumenta-se, por fim, em abono da solução da admissibilidade da reconvenção em vista de poder o réu invocar a compensação e para demonstrar que a solução alternativa (invocação da compensação por via de excepção) com os inconvenientes da dedução da compensação por via de excepção - mormente o de que tal matéria não fica abrangida pelo caso julgado material (art. 91º, nº 2, CPC). Considerando que a exclusão do caso julgado material quanto às ‘questões’ e ‘incidentes’ suscitados pelo réu prescrita no nº 2 do art. 91º do CPC abrange as excepções peremptórias como a compensação (ou o pagamento, a novação e a renúncia) – o que merece as maiores reservas, pois que apesar da indefinição do preceito (art. 91º, nº 2 do CPC), ‘parece ser claro que não se pretende estabelecer, por exemplo, que a decisão sobre a excepção de pagamento invocada pelo réu não adquire valor de caso julgado material’, devendo concluir-se que o preceito se refere àqueles ‘casos em que a mesma excepção peremptória (de nulidade, por exemplo) pode ser oposta em diferentes acções a diferentes pedidos, e não naquelas hipóteses em que a excepção (de pagamento, por exemplo) só pode ser oposta a um único pedido’ (28), ficando arredadas da previsão as questões (excepções) que envolvam o mérito da acção e que tenham passado a integrar o objecto da acção, conformando o poder (e dever) cognitivo do tribunal –, sempre se trataria de inconveniente não exclusivo da compensação (e que será comum a todas as questões suscitadas pelo réu como meio de defesa), não se nos afigurando assim argumento decisivo para rejeitar a solução que temos por mais adequada para as situações em que a reconvenção não é admissível e o réu pretende invocar a compensação, qual seja a de tratar a compensação como excepção peremptória.
Porque os interesses merecedores de tutela são os do autor em ver a sua pretensão apreciada em acção especial cujos trâmites primam pela simplicidade e celeridade e o do réu em invocar a compensação (pondo-se a coberto dos riscos da insolvência da contraparte) – não já de obter o pagamento do valor em que o contra-crédito excede o do autor –, o tratamento da invocação da compensação como excepção peremptória permite a coexistência e compatibilização de ambos – a exigência da sua invocação através da via reconvencional redundaria numa alteração dos trâmites processais do processo especial para alcançar efeitos que a simples consideração da matéria alegada como excepção permite obter.

Concluímos, assim, que nas acções em que a reconvenção não é admissível, como é o caso das acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não deve ao réu ser coarctada a possibilidade invocar a compensação, devendo o seu tratamento ser, nesses casos, o da excepção peremptória.

Este foi o entendimento seguido pela decisão recorrida – porque a causa não admitia reconvenção (que rejeitou), admitiu o tratamento da invocada compensação como excepção peremptória, decisão que deve ser mantida.
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DECISÃO
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Em face do exposto, acordam, em conferência, os Juízes desta secção cível, mantendo a decisão sumária do relator, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Guimarães, 10/07/2019

(por exclusiva opção do relator o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico)


1. Apelação nº 109506/18.8YIPRT-A.G1; Relator: João Ramos Lopes; Adjuntos: José Fernando Cardoso Amaral; Helena Melo
2. Diploma que procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva nº2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento das transacções comerciais.
3. Na actual previsão normativa – art. 10º, nº 2 do DL 62/2013, de 10/05 –, para valores superiores a metade da alçada da Relação.
4. P. ex., o acórdão do STJ de 24/09/2015 (Oliveira Vasconcelos), no sítio www.dgsi.pt/jstj. A argumentação expendida em tal acórdão pode ser transporta para o art. 10º do DL 62/2013, que actualmente disciplina a matéria.
5. Acórdão de 6/06/2017 (Júlio Gomes) no sítio www.dgsi.pt/jstj.
6. Os argumentos ali expostos sintetizam-se nos seguintes termos: - confinar a admissibilidade da reconvenção aos casos em que o valor da injunção é superior ao prescrito no nº 2 do art. 7º do DL 32/003, de 17/02 (ou do nº 2 do art. 10º do DL 62/2013), gera desigualdade não alicerçada em razões de justiça material – porque um comerciante exigiu valor inferior ao previsto nos normativos em questão, o comerciante demandado não poderia opor-lhe, no processo em que a injunção se convertesse por haver oposição, crédito superior à alçada da Relação, mas se fosse o credor do valor superior à alçada da Relação o autor da injunção (e entre comerciantes a injunção não está sujeita a limites de valor), já o demandado poderia deduzir compensação de valor inferior aquela alçada. Para lá de se tratar de desigualdade não justificada em razões de justiça material, o entendimento contrário não se harmoniza com o propósito do legislador civil em facilitar a compensação, resultando do nosso sistema legal a possibilidade da compensação ser possível mesmo com créditos ilíquidos, - não há razão para concluir da leitura do art. 7º, nº 2 do DL 32/003, de 17/02 (o acórdão referido opera com o nº 2 do art. 10º do DL 62/2013, mas o argumento é igualmente válido para o normativo que agora se menciona, por aplicável ao caso) que o ‘mesmo quis afastar as regras processuais gerais sobre o cálculo do valor de uma acção’. Se primeiramente deve ter-se em conta o valor do pedido formulado na injunção, certo é que com a dedução da oposição, convertendo-se então a injunção em ‘procedimento jurisdicional, haverá que aplicar as regras contidas nos artigos 299º e seguintes do CPC’, atendendo-se ao momento em que o procedimento se converte em jurisdicional (porque na injunção não se começa por propor uma acção) «excepto quando haja reconvenção» (nº 1 do artigo 299ºdo CPC), sendo que, então, o valor do pedido formulado pelo Réu é somado ao valor do pedido formulado pelo Autor, quando os pedidos sejam distintos’ (nº 2 do artigo 299 do CPC).
7. Proferido no processo nº 97178/13.2YIPRT.C1 (Anabela Luna de Carvalho), no sítio www.dgsi.pt/jtrc.
8. ‘A compensação em processo civil: uma proposta legislativa’, p. 1 – publicado em 17/03/2019 no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com).
9. P. ex., o citado acórdão do STJ de 24/09/2015 (Oliveira Vasconcelos), o acórdão da Relação do Porto de 23/02/2015 (Manuel Domingos Fernandes), o acórdão da Relação de Guimarães de 22/06/2017 (Ana Cristina Duarte) e, recentemente, o acórdão da Relação de Évora de 30/05/2019 (Isabel Imaginário), todos no sítio www.dgsi.pt.
10. Assim o citado acórdão da Relação de Guimarães de 22/06/2017 (Ana Cristina Duarte).
11. Miguel Teixeira de Sousa, em comentário publicado em 19/06/2019 no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com) ao acórdão da Relação de Évora de 30/05/2019.
12. V.g., Gabriela Cunha Rodrigues, ‘A acção declarativa comum’, p. 54, intervenção proferida na Universidade Lusíada em 31/05/2013, disponível in http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/1088/1/LD_11_4.pdf, referindo: ‘Nas acções em que não é admissível reconvenção, como as acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, ou nas acções em que seja inadmissível a dedução da compensação quando a apreciação do contracrédito não seja da competência do tribunal judicial (artigo 93.º, n.º 1), a interpretação deste preceito não nos deve conduzir a efeitos tão restritivos. Na verdade, o chamamento de uma nova relação jurídica a tribunal também acontece na novação (artigo 857.º do CC), cuja natureza de excepção peremptória não é discutida. E o artigo 395.º do Código Civil integra a compensação e a novação no conceito de factos extintivos da obrigação. Parece-nos que ao réu não deve ser coarctado este relevantíssimo fundamento de defesa. É, pois, de concluir que, ainda que se entenda que, deduzida a compensação, o réu tem o ónus de reconvir, o tratamento da compensação não pode deixar de ser o da excepção peremptória nos processos em que não é admissível a reconvenção.’ Também, Rui Pinto, no artigo ‘A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013’ pág. 19, publicado em 24/05/2017 no blogue IPPC (https://blogippc.blogspot.com), referindo que o importante será que o processo civil realize o direito material, independentemente do modo de expressão procedimental. Por isso, mesmo os processos especiais têm de assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, necessariamente fora da reconvenção. Essa possibilidade tem lugar pela contestação por excepção peremptória’.
13. Citado acórdão da Relação do Porto de 23/02/2015 (Manuel Domingos Fernandes) e o Acórdão da Relação de Coimbra de 16/01/2018 (Maria João Areias). No acórdão da Relação do Porto de 24/01/2018 (Carlos Querido) tratou-se da invocação da compensação por via exceptiva arguida em articulado apresentando antes da entrada em vigor do CPC de 2013.
14. Assim o acórdão da Relação do Porto de 13/06/2018 (Rodrigues Pires), no sítio www.dgsi.pt.
15. Assim o sustentam, doutrinariamente, p. ex.: - os Exmos. Juízes Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil, Vol. I, 2ª edição, 2014, p. 259, referindo ter sido ‘intenção do legislador estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido’; - Jorge Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 2015, 12ª edição, p. 247, sustentando que face ao teor do art. 266º, nº 2, c) do CPC, ‘sempre que o réu pretenda o reconhecimento do seu crédito, quer seja para obter a compensação, quer seja para obter o pagamento da parte em que o seu crédito excede o do autor, deve deduzir reconvenção’, entendendo-se que ‘o pedido de compensação ultrapassa o mero pedido de defesa, pois o réu não se limita a invocar um facto extintivo do direito do autor, mas submete à apreciação do tribunal uma relação jurídica sobre o património do autor e, portanto, diferente da que foi configurada por este na acção’; - Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2015, pp. 186/187, onde conclui que com o preceito (art, 266º, n 2, c) do CPC) o legislador quis por fim à querela suscitada no âmbito do regime pretérito, tornando agora claro que o réu, ‘sempre que se afirme credor do autor e pretenda obter o reconhecimento de tal crédito na acção em que está sendo demandado, deverá formular pedido reconvencional nesse sentido e pedir a fixação das consequências possíveis em face desse reconhecimento’, devendo por isso entender-se que o regime ‘não permite ao réu qualquer tipo de opção, isto é, não se afigura possível ao réu optar entre a via reconvencional ou a mera invocação de um crédito sobre o autor por meio de excepção peremptória’ – admitir tal opção (acrescenta) ‘seria reeditar a polémica do passado, bem assim desrespeitar o intuito legislativo’; - Miguel Teixeira de Sousa, em vários comentários publicados no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com), mormente nos comentários de 26/04/2017 e de 1/05/2017, denominados ‘AECOPs e compensação’ e AECOPs e compensação (2)’, respectivamente, aduzindo que (segundo dos citados comentários) que ‘a escolha quanto à alegação da compensação judicial nas AECOPs só pode ser entre a sua invocação através de reconvenção (como resulta do disposto no art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC) e a não invocação da compensação nas referidas AECOPs’, pois que sendo a reconvenção a única forma prevista no CPC para a alegação da compensação nas acções declarativas, ‘a opção nunca pode ser entre a invocação da compensação por reconvenção e a sua alegação por excepção’, acrescentando que a ‘admitir-se a invocação da compensação nas AECOPs, isso só pode suceder através da forma prevista no CPC’, implicando qualquer outra forma de alegação da compensação (nomeadamente ope exceptionis) uma ‘interpretação correctiva do CPC, dado que determina a não aplicação da forma prevista no CPC para a invocação da compensação judicial nos processos declarativos’.
16. Não invocando o réu a extinção por compensação do crédito do autor (e sendo, por isso, condenado a satisfazer o crédito do autor), o seu contracrédito também não foi apreciado na acção, pelo que nada impede que este contracrédito possa ser invocado numa outra acção – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, ‘A compensação em processo civil: uma proposta legislativa’, p. 11.
17. Citado Acórdão do STJ de 6/06/2017 (Júlio Gomes) – a impossibilidade de deduzir tal matéria não prejudicará o réu em termos de caso julgado ou de efeito de caso julgado já que a apreciação material do Tribunal não incidirá sobre ela, não se produzindo, tão-pouco, qualquer efeito preclusivo.
18. Citado Acórdão do STJ de 6/06/2017 (Júlio Gomes).
19. Miguel Teixeira de Sousa, no referido comentário publicado em 19/06/2019 no blog do IPPC (ao acórdão da Relação de Évora de 30/05/2019 – ‘O direito processual civil é um direito instrumental, dado que é um direito que serve de instrumento à tutela de situações subjectivas. Isto impõe que o direito processual civil deva ser interpretado e aplicado da forma que melhor favorecer essa tutela, e não com um qualquer sentido que se traduza em dificultar ou mesmo impossibilitar essa tutela.’
20. Rui Pinto no citado artigo ‘A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013’, p. 19: ‘O que é importante é que o processo civil realize o direito material, independentemente do modo de expressão procedimental.
21. Expostos por Miguel Teixeira de Sousa nos seus comentários publicados no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com), mormente nos comentários de 26/04/2017 e de 1/05/2017, denominados ‘AECOPs e compensação’ e AECOPs e compensação (2)’, respectivamente.
22. Miguel Teixeira de Sousa, ‘A compensação em processo civil: uma proposta legislativa’, p. 1, onde acrescenta que o melhor conselho a dar à jurisprudência ‘é o de continuar a fazer como costumava fazer quando a compensação era alegada por via de excepção, dado que o contraditório do autor tem de estar assegurado exactamente da mesma maneira qualquer que seja o modo de alegação a compensação em juízo’.
23. Reconhece-o Miguel Teixeira de Sousa, ‘A compensação em processo civil: uma proposta legislativa’, pp. 3/4 e nos comentários de 26/06/2015 e de 01/05/2017, respectivamente denominados ‘Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente (2)’ e ‘AECOPs e compensação (2)’ – tudo no blog do IPPC.
24. Miguel Teixeira de Sousa, no comentário de 26/06/2015 denominado ‘Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente (2)’.
25. Autor, obra e local citado.
26. Miguel Teixeira de Sousa, no comentário de 01/05/2017 denominado ‘AECOPs e compensação (2)’.
27. Gabriela Cunha Rodrigues, ‘A acção declarativa comum’, p. 54.
28. Miguel Teixeira de Sousa no citado artigo ‘A compensação em processo civil: uma proposta legislativa’, p. 8.