Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6319/07.2TBBRG-N.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
LEGITIMIDADE
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- A responsabilidade do administrador da massa insolvente pela inobservância dos deveres que lhe incumbem depende da verificação dos mesmos pressupostos exigidos para a responsabilidade aquiliana, sendo evidente a sua legitimidade passiva, sempre que se verifiquem esses requisitos.

II – O processos para efectivação de responsabilidade do administrador da massa insolvente, bem como, desta última, correm por apenso ao processo de falência e são da competência dos Juízos Cíveis.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães.




I-RELATÓRIO.


Apelante: H… e R… .


Apelados: A… e Massa Insolvente de T… , S.A..


Juízo de Competência Cível de Guimarães – 1º Juízo.





H… e R… intentaram contra A… e Massa Insolvente de T… , S.A., a presente acção com processo ordinário, pedindo sejam estes últimos condenados:


- Solidariamente a pagar aos AA. o montante de € 35.119,23;


- O primeiro R., ainda, no pagamento da quantia de € 10.260,00;


- Em ambos os casos, os RR. no pagamento dos demais acréscimos legais, nomeadamente juros vincendos até integral pagamento.


Alegaram para tanto, e, em resumo, que em 22/10/09, e no âmbito do processo de insolvência da 2ª R., procedeu-se ao leilão para venda de uma fracção designada pela letra “A”, do prédio sito na Rua Silvério Pereira, nº 2, Freguesia de Vera Cruz, em Aveiro, inscrita na matriz, sob o artigo 3558, e descrita na C.R.P. de Aveiro, sob o artigo nº 587, da referida freguesia.


Mais alegam que, por lhe ter sido garantido pelo 1º R. que sobre a mencionada fracção não incidiam quaisquer ónus ou encargos após a transferência da propriedade, licitaram no referido leilão, tendo arrematado o prédio pelo valor de € 171.000,00.


Sucede que, entretanto, o tribunal declarou nula a venda a que o Sr. Administrador procedeu, fundamentando tal decisão no facto de o a 2º R., não ter dado cumprimento ao previsto nos nºs 1 e 2, do artigo 164, do CIRE, ou seja, não ouviu o credor com garantia real sobre o bem que vendeu.


Em consequência da referida nulidade os AA. reivindicaram, quer junto do tribunal, quer junto do aqui R., o reembolso prévio dos encargos decorrentes da aquisição do imóvel, acrescido dos respectivos juros.


Após alguma insistência dos AA., o 1º R. apenas transferiu para a conta daqueles o valor de € 171.625,00, correspondente ao preço, às despesas com a escritura e o registo da aquisição, não dando cumprimento ao despacho de 4/10/2010, em conformidade com o qual devia também reembolsar os compradores – os AA. – da quantia de € 10.260,00, que foi entregue à empresa de leilões que procedeu à venda.


Assim, além do valor pago pela aquisição do imóvel e daquele que foi entregue à empresa leiloeira, suportaram ainda os AA. as seguintes despesas:


- O montante de € 1.113,20, referente a despesas com o contrato de financiamento da C.G.D.;


- A quantia de € 18.747,42, em despesas com condomínio;


- O montante de € 13.440,00, com obras de conservação que realizaram,


- O valor de € 148,61,00, pelo contrato de fornecimento de água e saneamento;


- E a quantia de € 1.250,00, em honorários de advogado resultantes do acompanhamento e formalização do processo, tudo, no valor global de€ 45.379,23.


Citados que foram, contestaram os RR., alegando em síntese que por virtude da declaração de nulidade da venda, os AA. apenas têm direito a receber o preço de compra, as despesas com a escritura e com o registo, bem como os montantes despendidos com a comissão da leiloeira, valores esses que já recebeu.


Concluem pela improcedência da acção.


Foi proferido despacho saneador, que decidiu pela verificação da excepção dilatória do caso julgado, com relação ao pedido de condenação do 1º R. no pagamento da quantia de € 10.260,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, referente à comissão paga à agência responsável pelo leilão, e pela verificação da excepção dilatória da ilegitimidade da segunda R., que absolveu da instância.


Esse mesmo despacho, por considerar que a presente acção não corre por apenso ao processo de insolvência, determinou a sua remessa para as Varas de Competência Mista.


Não se conformando com o decidido, apela a autora, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:


1. O tribunal a quo pronunciou-se sorte mérito da acção para fundamentar a alegada falta de legitimidade Massa Insolvente e absolvê-la da instância.


2. A legitimidade passiva afere-se pelo interesse em contradizer a acção.


3. São considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelos AA..


4. Os AA. ora apelados alegaram no petitório inicial factos que a serem julgados procedentes terão como consequências a condenação da massa insolvente.


5- A massa insolvente figura como sujeito da ralação jurídica controvertida, tal como foi configurada pelos AA..


6. Não se verifica qualquer ilegitimidade passar a que justifique a absolvição da 2.a Ré da instância.


7. A existir responsabilidade prejuízos sofridos pelos A.A. com a anulação da venda - o que não se admite - a mesma caberá à massa insolvente e não ao seu administrador.


8. Os AA. terão alegadamente liquidado os montantes do condomínio em vez da massa insolvente, o que a verificar-se significa que cumpriram uma obrigação da massa que resulta da qualidade de “proprietária” da fracção de não de qualquer acto ou omissão praticado nelo administrador da insolvência.


9. A única beneficiária das obras alegadamente efectuadas na fracção é a massa insolvente, que assim viu valorizado um bem que a integra.


10. O administrador de insolvência apenas responde pelos danos causados ao devedor (insolvente), aos credores da insolvência e da massa insolvente (artigo 59.º do CC que consubstancia uma norma especial de imputação da responsabilidade).


11. Os AA. não são devedores, não são credores da insolvência (artigo 47.° do CIRE), nem são credores da massa insolvente (artigo 46, nº 1 e 2, do CIRE).


12. A regra geral de responsabilidade civil aquiliana contida no artigo 483, nº1, CC não tem aplicabilidade à situação em apreço.


13. O accionamento da previsão geral de responsabilidade civil, pressupõe o preenchimento de uma de duas situações: a violação de um direito subjectivo absoluto de outrem ou a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.


14. Não foi violado qualquer direito subjectivo absoluto dos AA.


15. Não existe no ordenamento jurídico nenhuma disposição legal destinada a proteger estes interesses dos AA.


16. Ao decidir de forma distinta o tribunal a quo violou o disposto no artigo 26, do C.P.C., 46, 47, 51, 59, CIRE e 483, do C.C..


17. O tribunal a quo considerou-se incompetente para conhecer da presente acção e ordenou a remessa dos presentes autos para a vara de competência mista.


18. Não existe qualquer incompetência em razão da matéria desde logo porque a massa insolvente é parte legítima na presente acção, falecendo os fundamentos invocados na decisão recorrida.


19. Na hipótese de estarmos perante uma incompetência material, a consequência não seria a remessa dos autos para o “tribunal” competente, mas a absolvição da instância das RR.


20. A sentença de que se recorre violou o disposto nos artigos 66, 67, 101 e 105, nº 1, do C.P.C..


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Não foram apresentadas contra-alegações.


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Colhidos os vistos, cumpre decidir.


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Delimitação do objecto do recurso - questões a decidir.


O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do C.P.C., ex vi art. 749º, quanto ao agravo.


Assim, as questões suscitadas pelos recorrentes podem sintetizar-se nos seguintes termos:


- Apurar da verificação da excepção da ilegitimidade da 2ª R., para a presente acção;


- Apurar se a presente acção corre ou não por apenso ao processo de insolvência, e, consequentemente determinar se o tribunal competente para a julgar, são os Juízos Cíveis ou as Varas Mistas.


II- FUNDAMENTAÇÃO.


Fundamentação de facto.


- Por despacho constante de fls. 42 a 46, dos autos, foi declarada nula, por omissão do dever de informar o credor com garantia real do valor base da fixado para a venda da fracção autónoma, designada por letra A do prédio urbano sito na Rua Silvério Pereira da Silva – lote nº 2, em Vera Crus, Aveiro, descrita na C.R.P. sob o artigo nº 587 – A e inscrita no art. 3358 – A da matriz predial respectiva, a que o administrador da insolvência procedeu. – Cfr. despacho de fls. 42 a 46.


- A decisão recorrida, proferida nos autos a fls. 80 a 88 considerou verificada a excepção dilatória da ilegitimidade da R., Massa Insolvente de T… , S.A., por virtude de, com os fundamentos aí aduzidos e para os quais se remete, ter considerado que a responsabilidade pelos alegados danos sofridos pelos AA. não recai sobre ela. – Cfr. decisão de fls. 80 a 88.


- Nessa mesma decisão considerou-se que a presente acção não deve correr por apenso ao processo de insolvência, pois que, no entendimento aí perfilhado, para cujos fundamentos igualmente se remete, tal acção não se insere na previsão contida no artigo 89, nº 2, do CIRE, sendo, por isso, da competência das Varas Mistas e dos Juízos Cíveis – Cfr. decisão de fls. 80 a 88.


Fundamentação de direito.


Como é consabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como, aliás, decorre do disposto nos artigos 684º-nº3 e 690º-nº 1 e 2, do CPC, não podendo, por isso, o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “ (artº 660º-nº2 do CPC).


Assim sendo, cumprirá em primeiro lugar conhecer da primeira das questões suscitadas pelo Recorrente, que, nos termos alegados, consiste na questão de saber se a R., Massa Insolvente de T… , S.A., possui ou não legitimidade passiva, em face dos termos da causa, para ser demandada na presente acção.


- Da ilegitimidade da R., Massa Insolvente da T… , S.A..


De harmonia com o disposto no art.º 26º-n.º1 do Código de Processo Civil, “O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”, sendo que, nos termos do n.º 3, desse mesmo preceito “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito de legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”


Além do valor pago á leiloeira, que não faz parte do objecto do presente recurso, na situação vertente, e como resulta do supra exposto, pretendem-se os AA. ver ressarcidos dos seguintes valores, em cujo pagamento pedem sejam os RR. solidariamente condenados:


- O montante global de € 35.119,23, que resulta do somatório dos seguintes valores parcelares:


- € 1.113,20, referente a despesas com o contrato de financiamento da C.G.D.;


- € 18.747,42, em despesas com condomínio;


- € 13.440,00, com obras de conservação que realizaram,


- € 148,61, pelo contrato de fornecimento de água e saneamento;


- € 1.250,00, em honorários de advogado resultantes do acompanhamento e formalização do processo.


Ora, a sustentar a sua posição refere-se na douta decisão recorrida que, de harmonia com o disposto no artigo 52, al. d do CIRE, são dívidas da massa insolvente as resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções, não se integrando, contudo, no âmbito destas últimas, as dívidas em referência nos autos, uma vez que resultaram de uma omissão, por parte do administrador da insolvência, dos deveres a que está obrigado, razão pela qual, é exclusivamente sobre este último que impende a eventual responsabilidade pelo seu pagamento, em conformidade com o que dispõe o artigo 59, nºs 1 e 2, do CIRE.


Ora, salvo o muito e devido respeito, não nos afigura que, atenta a natureza e proveniência das dívidas em causa nos autos, se possa eximir por completo a eventual responsabilidade da R., Massa Insolvente, pelo respectivo pagamento.

Em conformidade com o disposto no art. 16º do E. A. I. (Estatuto do Administrador de Insolvência), “o administrador de insolvência deve, no exercício das sus funções e fora delas, considerar-se um servidor da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se digno da honra e das responsabilidades que lhe são inerentes”.

Daqui deriva que dele se espera sempre uma apurada diligência no exercício das suas funções, aliás, dentro do espírito que caracteriza em geral o processo de insolvência.


A propósito da responsabilidade do administrador da insolvência consagrada no artigo 59, nºs 1 e 2, do CIRE, referem Carvalho Fernandes e João Labareda Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anotado, 2009, pgs. 271 e 272. o seguinte: “Há aqui de específico o facto de estarmos em presença de uma modalidade funcional de responsabilidade, que se fundamenta na violação de deveres postos a cargo do administrador da insolvência na satisfação da missão geral de que está encarregado.


Qualquer actuação danosa do administrador que se processe para além do exercício das suas atribuições no processo está fora do âmbito do preceito anotando, independentemente de quem seja o lesado.


Paralelamente, para o regime aqui aplicável ser aplicável, é necessário que o prejudicado seja o próprio devedor ou um credor. Em qualquer outro caso, seguir-se-á estritamente o regime geral.


No mais. Exigem-se os pressupostos comuns da responsabilidade aquiliana. Para que a responsabilidade seja exercível e, consequentemente, se concretize o correspondente dever ressarcitório, é necessário que, além do dano, se verifiquem, cumulativamente, os seguintes pressupostos: conduta voluntária imputável ao administrador judicial; ilicitude do procedimento, traduzido, no caso, na violação de deveres que lhe cabem; actuação culposa; e, finalmente, existência de causalidade adequada entre o evento produtor e o dano produzido”.


E, mais adiante, reportando-se à responsabilidade prevista no nº 2, do mesmo preceito, referem os mesmos autores Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. Cit., pg. 273.


: “É distinto o modelo traçado no nº 2. Aqui faz-se responsabilizar o administrador pelos danos que decorrem para o credor da massa do facto de esta ser insuficiente para satisfazer integralmente os respectivos direitos creditórios”.


Isto tem implícito o dever de o administrador não dar origem, por acto seu, a créditos sobre a massa, cujas forças não permitam pagá-los. E é por isso que ainda estaremos aqui na presença de uma modalidade de responsabilidade aquiliana subjectiva”.


Esclarecido este aspecto, e definido o tipo de responsabilidade que pode ser assacada ao administrador da massa insolvente, cumprirá agora esclarecer se eles se verificam ou não relativamente aos valores peticionados pelos AA., atentando, como é óbvio, na respectiva natureza e nas causas que as determinaram, nomeadamente, em termos de imputação subjectiva e objectiva.


Apontam-se, na terminologia técnica corrente, como elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.


Em primeiro lugar, temos de estar perante um facto voluntário do agente, que se traduz num facto positivo ou acção, ou num facto negativo ou omissão, sendo que, esse facto voluntário do agente que lesa interesses alheios, só obriga à reparação havendo ilicitude, ou seja, violação de um direito de outrem (direito absoluto) ou violação de lei que protege interesses alheios. Cfr. A.. Varela, Dtº das Obrigações, 4ª edição, pág. 472.


Em terceiro lugar, exige-se a imputação do facto ao agente, ou seja, para que o facto ilícito gere responsabilidade civil e a consequente obrigação de indemnizar é necessário que o autor tenha agido com culpa, traduzindo-se esta no nexo psicológico entre o facto e a vontade do lesante, que “exprime um juízo de reprovabilidade da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo”. Cfr. A. Varela, ob. cit., pág. 485.


A culpa pode revestir duas formas distintas: o dolo e a mera culpa ou negligência. Naquele o agente tem a representação do resultado danoso, sendo o acto praticado com intenção malévola de produzi-lo, ou apenas aceitando-se reflexamente esse efeito. Na negligência, ao invés, consiste no simples desleixo, imprudência ou inaptidão.


Não restando quaisquer dúvidas de que a anulação da venda efectuada que ficou a dever a um acto ilícito e culposo do administrador da Massa Insolvente, R. - omissão do dever de informar o credor com garantia real sobre a fracção autónima do valor base da venda -, do qual resultaram danos, cumprirá apenas esclarecer se o danos cujo ressarcimento é agora pedido têm ou não um nexo de causalidade com os factos ilícitos e culposos por aquele praticados.


Ora, “como se sabe, esta questão do nexo de causalidade desdobra-se em duas vertentes:


- A naturalística, de conhecimento exclusivo das instâncias, por se conter no restrito âmbito da matéria de facto (saber se o facto, em termos da fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano);


- A jurídica, (…) consistente em apurar se, à luz da teoria da causalidade adequada, consagrada no artigo 563 do Código Civil, esse facto concreto pode ser considerado, em abstracto, causa idónea (adequada) do dano verificado”.


(…)


Ainda quanto a esta mesma questão, vem “sendo pacificamente aceite - nomeadamente a nível da jurisprudência praticada pelo Supremo Tribunal de Justiça, como se pode confirmar pelos vários acórdãos publicados na Colectânea de Jurisprudência (Anos VIII, Tomo III, páginas 124/125 e X, Tomo I, páginas 36/38, por exemplo), bem como pelos sumários compilados pelo Gabinete dos Juízes Assessores (Edição Anual de 2002, página 217 e Novembro de 2003, página 2003, para citar os mais recentes) - que, no âmbito do direito civil, o artigo 563 do Código Civil consagra a vertente mais ampla da causalidade adequada, ou seja, a sua formulação negativa.


Esta vertente negativa da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:


- Não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;


- Como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.


Daí que, para esta modalidade, o facto-condição só não deve ser considerado causa adequada do dano quando se mostre, pela sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas por ocorrência de circunstâncias anómalas ou excepcionais” Cfr. acórdão da Relação de Coimbra, de 7/04/05, processo nº 1364/04, in www.dgsi.pt..


Ora, esclarecido o conceito e a amplitude do “nexo de causalidade”, afigura-se-nos como incontroverso que as “dívidas” supra mencionadas e cujo ressarcimento é peticionado nos autos, não assumem, todas elas, este nexo com a conduta ilícita e culposa do administrador da Massa Insolvente R., não podendo, por consequência, ser assacada ao primeiro a respectiva responsabilidade pela sua reparação.


Na verdade, essas “dívidas” ou danos alegadamente advindos para os AA., têm a seguinte proveniência:


A- € 1.113,20, dizem respeito a despesas que os AA. terão alegadamente suportado com o contrato de financiamento da C.G.D.;


B- € 18.747,42, resultam de alegadas despesas relativas ao condomínio do prédio em referência nos autos;


C- € 13.440,00, prendem-se com alegadas obras de conservação que os AA. terão realizado na fracção adquirida;


D- € 148,61, realização do contrato de fornecimento de água e saneamento;


E- € 1.250,00, reportam-se a honorários de advogado resultantes do acompanhamento e formalização do processo.


Ora se resulta de todo evidente que, com relação às despesas aludidas em A), D) e E), que se referem a alegadas despesas com o contrato de financiamento, para aquisição do prédio, com a realização do contrato de fornecimento de água e saneamento, e com honorários de advogado (que por razões substanciais que não cumpre agora analisar, não devem ser concedidas), se verifica o aludido nexo, pois que, enquanto as primeiras despesas redundaram num prejuízo para os AA., por virtude de a venda ter sido anulada, a segunda, derivou do facto de os AA. se terem visto na contingência de ter de instaurar uma acção para cobrar dívidas cujos responsáveis são ambos ou apenas um dos RR..


No que concerne às despesas mencionadas na als. B) e C), elas não têm qualquer conexão com a aludida conduta do primeiro R., administrador da R., Massa Insolvente, pois que, se por um lado, caso o prédio não tivesse sido vendido, esta última sempre teria de suportar as primeiras, por outro, foi quem, e de modo exclusivo, beneficiou da valorização as obras de conservação efectuadas, indubitavelmente, proporcionaram ao prédio onde foram realizadas.


E, assim sendo, tais despesas, a lograrem adesão de prova, são inquestionavelmente da responsabilidade exclusiva da segunda R., a Massa Insolvente.


Destarte, e em decorrência de tudo o exposto, indubitável resulta igualmente a legitimidade da R., Massa Insolvente, para ser demanda na presente acção, já que, nos termos acabados de referir, sobre si impende a obrigação de ressarcir os AA. pelo valor dos mencionados danos.


A legitimidade é uma posição de autor e réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu, ocupar-se em juízo desse objecto do processo”. Cfr. Castro Mendes, in Manual de Processo Civil, pg. 251.


“(…) a ilegitimidade de qualquer das partes só se verificará quando em juízo se não encontrar o titular da alegada relação material controvertida ou quando legalmente não for permitida a titularidade daquela relação“. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “ A Legitimidade Singular em Processo Declarativo”.


Também segundo Barbosa de Magalhães Citado na Gazeta da Relação de Lisboa, vol.32º, pg.274 e no Código de Processo Civil, anotado, F.Brito e D. Mesquita, pg.148, o qual inspirou o legislador na redacção dada ao art.º 26º do Código de Processo Civil, na reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, tal como expressamente consta do respectivo preâmbulo, e no tocante à determinação da legitimidade singular, “as partes são legítimas quando sejam sujeitos da pretensa relação jurídica controvertida “.


No caso em apreço, e como se referiu, a R., Massa Insolvente, é responsável, e em exclusivo, pelo ressarcimento dos mencionados danos, caso os mesmo venham a lograr demonstração.


Assim, decide-se revogar, nesta parte, a decisão recorrida, e, por consequência, considerar a R., Massa Insolvente de T… , S.A., parte legítima para ser demandada na presente acção, determinando-se o prosseguimento dos autos para conhecimento dos pedidos formulados, devendo, designadamente, ter-se em consideração o supra exposto relativamente aos danos que são da exclusiva responsabilidade dessa Massa Insolvente e os que, não se integrando nestes últimos, são da responsabilidade solidária de ambos os RR..


- Da determinação da competência para conhecer da presente acção.


Conforme se dispõe no artigo 89, nº 2, do CIRE, “as acções, incluindo as executivas, relativas a dívidas da massa Insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária”.


Ora, à luz de tudo quanto supra se expendeu, somos de entender que, embora não de um modo exclusivo, na presente acção estão também em causa dívidas da massa insolvente, razão pela qual, resulta como incontroverso que a presente acção corre por apenso ao processo de falência.


Mas, mesmo com relação às acções indemnizatórias decorrentes de danos causados pelo administrador da insolvência, não obstante a indefinição ou, podemos mesmo dizer, omissão da lei com relação ao modo como correm e, consequentemente, aos citérios de determinação da competência para proceder ao seu julgamento, somos de entender que tudo se terá de passar de modo coincidente com as acções por dívida da massa insolvente.


A este propósito, escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pg. 274. o seguinte: “O Código não resolveu a questão relativa à competência jurisdicional para o exercício da acção de responsabilidade nem ao processamento respectivo.


Decorre, entretanto, do nº 3, do artigo 7, que o tribunal competente para o processo é igualmente para todos os seus incidentes e apensos.


Acontece, porém, não existir nenhuma disposição que, por si só, sustente a conclusão de a acção de responsabilidade constituir um incidente ou um apenso do processo.


Isto dito, há que convir em que a responsabilidade do administrador, resultando da violação funcional dos deveres que lhe incumbem, é originada no próprio devir processual e constitui, por isso, uma questão inteiramente conexionada com a insolvência.


Neste contexto, cremos que o tribunal do processo será ainda competente para a acção de responsabilidade que, então, deve ser autuada por apenso.


Esta solução é, de resto, não só a que melhor se ajusta aos princípios da economia processual, como também a que melhor permite um adequado julgamento.


E é suportada pelo sentido geral do art. 96, nº 1, do C.P.C.”, onde expressamente se prescreve que “o tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantam” (…).


Destarte, e com fundamento no acabado de expender, afigura-se-nos com alguma evidência que a presente acção deverá correr por apenso ao processo de falência, sendo competente para o seu julgamento o mesmo tribunal a que é atribuída a competência para este último processo, ou seja, e na situação concreta, os Juízos Cíveis e não as Varas Mistas.





Sumário - art. 713º, nº 7 do C.P.C..


I- A responsabilidade do administrador da massa insolvente pela inobservância dos deveres que lhe incumbem depende da verificação dos mesmos pressupostos exigidos para a responsabilidade aquiliana, sendo evidente a sua legitimidade passiva, sempre que se verifiquem esses requisitos.


II – O processos para efectivação de responsabilidade do administrador da massa insolvente, bem como, desta última, correm por apenso ao processo de falência e são da competência dos Juízos Cíveis.





IV- DECISÃO.


Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação e, em consequência, decidem revogar a decisão recorrida:


- Considerando-se que a R., Massa Insolvente de T… , S.A., tem legitimidade passiva para a presente acção, determina-se que os autos prossigam os seus normais termos para julgamento das questões de mérito suscitadas.


- Considerando-se que o presente processo corre por apenso ao de insolvência, sendo competente para a sua tramitação e julgamento os Juízos Cíveis do Tribunal Judicial de Braga, e não as Varas Mistas, desse mesmo tribunal.





Sem custas.


Guimarães, 29/11/2011


Jorge Teixeira


Manuel Bargado

Helena Mel