Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2843/09.0TBVCT.G1
Relator: MANSO RAÍNHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
CONTRATO DE SEGURO
DANO
AGRAVAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A chamada “Convenção IDS” (Indemnização Directa ao Segurado) é um instrumento negocial que apenas envolve as seguradoras que a subscrevem, funcionando como uma res inter alios acta relativamente aos sinistrados.
II – Deste modo, é sempre à seguradora do veículo cujo condutor provocou o acidente que compete reparar o dano, não à seguradora do veículo do lesado.
III - É ao autor da lesão (e, consequentemente, à seguradora para quem tenha sido transferida a responsabilidade), e não ao lesado, que compete agir, e de forma diligente, para que o dano seja reparado.
IV - Consequentemente, as implicações danosas acrescidas (“agravamento do dano”) emergentes do decurso do tempo correm por conta do obrigado à reparação do dano e não por conta do lesado, sem prejuízo dos prazos de prescrição.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães:

Mário… intentou, pelo Tribunal Judicial de Viana do castelo e em autos de processo na forma sumária, acção contra Z… Companhia de Seguros, S.A. e Companhia de Seguros T… , S.A., peticionando a condenação solidária destas na reparação do veículo automóvel do Autor ou no pagamento da quantia de €1.643,40 (custo da reparação), bem como no pagamento da quantia diária de €10,00 a título da privação do uso do mesmo veículo desde a data do acidente até à data em que venha a estar reparado.
Alegou para o efeito, em síntese, que é dono do veículo automóvel matrícula XO-61-48. Acontece que quando conduzia tal veículo foi este embatido por um outro veículo, cujo condutor, agindo culposamente, não respeitou as pertinentes regras da condução. Por efeito do embate, o veículo do Autor sofreu estragos e não pôde desde então ser utilizado. O dono do veículo cujo condutor causou o acidente havia transferido para a primeira Ré a responsabilidade civil inerente à utilização do mesmo. A segunda Ré comunicou que se propunha assumir, ao abrigo de uma chamada Convenção IDS (Indemnização Directa ao Segurado) o dano que considerou ser indemnizável, mas o Autor não aceitou tal indemnização. Entretanto, nenhuma das Rés reparou o dano sofrido pelo Autor.
Contestaram as Rés, concluindo pela improcedência da acção. Para além de impugnarem parte da factualidade alegada, imputaram-se reciprocamente a responsabilidade pela reparação do dano emergente do acidente.

A final foi proferida sentença que condenou a primeira Ré no pedido e absolveu a segunda do pedido.

Inconformada com o assim decidido, apela a primeira Ré.

Da sua alegação extrai as seguintes conclusões:
1ª- A Recorrente não se conforma com a decisão recorrida por duas ordens de razão:
a) A decisão recorrida é nula pois não se pronunciou sobre a questão da perda total suscitada pela Recorrente na sua contestação (art.s 15 a 23); b) A responsabilidade indemnizatória derivada da paralisação do veículo é única e exclusivamente imputável à Ré “Companhia de Seguros T… , SA” e a culpa do próprio A., que contribuiu para o agravamento dos danos decorrentes dessa paralisação.
2ª - Nos art2.s 15 a 23 da sua contestação a Recorrente suscitou a questão de se estar perante um caso de “perda total”.
3ª - Não obstante essa questão ter sido submetida à sua apreciação, o tribunal recorrido não se pronunciou sobre a mesma.
4ª - Dispõe o art2. 668, n2 1, al. d) do Cód Proc. Civil que “É nula a sentença quando (...) d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento”.
5ª - Não tendo tomado conhecimento da questão da “perda total” suscitada pela Recorrente, a sentença recorrida é nula.
6ª - Nos art.s 25 a 31 da contestação a Recorrente suscitou a questão da sua total ausência de responsabilidade pelo período de paralisação do veículo sinistrado.
7ª - Resulta dos pontos 10, 12, 28, 30, 31 e 34 da ‘Matéria de facto provada” que, a Recorrente não teve qualquer intervenção no processo de negociação nem na atribuição dos valores indemnizatórios propostos pela “COMPANHIA DE SEGUROS T… , SA” ao A. ao abrigo do sistema de Indemnização Directa ao Segurado (IDS).
8ª - Todo o processo negocia! decorreu exclusivamente entre A. e a Ré “Companhia de Seguros T… ”, sem qualquer intervenção da ora Recorrente.
9ª - Se o valor atribuído ao veículo do A. foi indevidamente calculado e proposto e se, por esse motivo, aquele e a “COMPANHIA DE SEGUROS T… , SA” não chegaram a acordo, agravando o período de paralisação, não pode o atraso daí decorrente ser imputável à Recorrente não podendo esta ser responsabilizada por isso.
10ª - Foi o A. que optou, por sua iniciativa, por regularizar o sinistro directamente com a “COMPANHIA DE SEGUROS T… , SA” - ponto 10 da “Matéria de facto provada”
11ª - Não resultou provado que alguma vez tivesse contactado ou interpelado a Recorrente antes da propositura da presente acção reclamando a reparação do seu veículo ou alegando prejuízos de paralisação.
12ª - O longo período de paralisação do veículo sinistrado não é resultado directo e necessário do sinistro mas antes da gestão do sinistro efectuado pela Ré “Companhia de Seguros T… , SA” e também de culpa do próprio A..
13ª - Pelo que a existir qualquer responsabilidade indemnizatória pelo período de paralisação ele é imputável à Ré “Companhia de Seguros T… , SA” e não à Recorrente - art2. 562 e 483 do Cód. Civil. Acresce que,
14ª - O sinistro ocorreu no dia 2 de Outubro de 2006 (ponto 2 da “Matéria de Facto Provada”).
15ª - O A. deu conhecimento do sinistro à sua seguradora - a Ré “T… ” - dois dias depois (ponto 10 da “Matéria de facto provada”).
16ª - A 3 de Novembro de 2006, a Ré “T… ”, após a realização da vistoria efectuada pelos seus serviços técnicos,, comunicou ao A. o valor que propunha indemnizá-lo - € 325,00 (ponto 12 da “Matéria de facto provada”).
17ª - Não obstante a companhia de seguros “T… ” lhe ter comunicado a sua posição em 3 de Novembro de 2006, o A. nada lhe comunicou e só em 22 de Setembro de 2009 - a raiar a prescrição - é que intentou a acção judicial.
18ª - O A. SÓ Dor sua culpa esperou quase 3 anos, deixando agravar os danos decorrentes do período de paralisação.
19ª - O A. soube em 3/11/2006 qual era a posição da Ré “Companhia de Seguros T… ” e absteve-se de agir até 22/09/2009 sem qualquer motivo justificativo.
20ª - Há, assim, manifesta cuba do lesado no agravamento dos danos decorrentes da paralisação.
21ª - Nos termos do art2. 570, n2 1 do Cód. Civil “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedido, reduzida ou mesmo excluída”.
22ª- Perante a evidente a culpa do lesado na ocorrência dos danos, sempre a indemnização desses danos deveria ter sido limitada ao período compreendido entre a data do sinistro (2 de Outubro de 2006) e a data em que a “Companhia de Seguros T… ” comunicou ao A. a sua proposta indemnizatória (3 de Novembro de 2006).
23ª - Ao decidir de forma diversa, o tribunal recorrido fez errada interpretação e aplicação do direito, nomeadamente dos art2.s 570, n2 1 do Cód. Civil e art2. 562 e 483 do mesmo diploma.
24ª - Pelo que deverá ser revogada, proferindo-se douta decisão que absolva a Recorrente do pedido de indemnização pelos danos decorrentes da paralisação do veículo do A., condenando-se, em sua substituição, a “Companhia de Seguros T… , S.A.”
25ª - Caso assim se não entenda, deve limitar-se a condenação da Recorrente pela indemnização dos danos decorrentes do período de paralisação ao período compreendido entre a data do sinistro (2 de Outubro de 2006) e a data em que a “Companhia de Seguros T… ” comunicou ao A. a sua proposta indemnizatória (3 de Novembro de 2006).

+

O Autor e a Ré Companhia de Seguros T… , S.A. contra-alegaram, concluindo pela improcedência da apelação.

+

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir, tendo-se sempre presentes as seguintes coordenadas:
- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;
- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

+

Estão provados os factos seguintes:

1 - O Autor é dono e legítimo possuidor do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca “Suzuki”, modelo “Swiff (EAA34S)”, versão “Swiff 1.3GTi 16V”, com a matrícula XO-61-48.
2 - Em 2 de Outubro de 2006, pelas 18 horas, quando saía do parque de estacionamento coberto do hipermercado denominado “Continente”, sito em Quinta do Ameal, na freguesia de Meadela, do concelho de Viana do Castelo, o seu veículo automóvel, por si conduzido, quando entrava numa intersecção das vias de circulação daquele parque, foi embatido, ao longo da sua frente, pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca “Mercedes Benz”, com a matrícula 77-34-ZL, conduzido por Armindo… .
3 - Porque seguia distraído, o condutor do “Mercedes” não imobilizou o seu veículo, nem reduziu a velocidade de que seguia animado, ao aproximar-se da intersecção onde se encontrava o veículo do Autor, tendo embatido na esquina do lado direito do pára-choques da frente do “Suzuki” e raspado toda a frente, arrancando-lhe o pára-choques, a grelha do radiador e os faróis, amolgando e empenando o capot e os painéis laterais.
4 - O veículo automóvel conduzido pelo Autor apresentava-se pela direita do veículo “Mercedes” conduzido por Armindo… , e, imediatamente antes da intersecção onde se deu o embate, no sentido em que seguia o veículo automóvel “Mercedes” conduzido por Armindo… , existiam sinais verticais de sentido obrigatório em frente e à esquerda e de paragem obrigatória ou “STOP” e um sinal desenhado no pavimento para ceder a prioridade.
5 - Na via em que seguia o automóvel “Suzuki” conduzido pelo Autor, junto à respectiva intersecção, não existia qualquer tipo de sinalização vertical ou outra, assistindo-lhe a prioridade de passagem na respectiva intersecção.
6 - A dona e legítima possuidora do veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca “Mercedes Benz”, com a matrícula 77-34-ZL, Maria… , havia transferido a responsabilidade pelo risco de circulação daquele veículo automóvel para a Ré “Z… – Companhia de Seguros, S.A.”, através da apólice de seguro nº 003846895, válida de 28/08/2006 a 27/11/2006.
7 - Do referido embate resultaram, para o automóvel do Autor – “Suzuki” com a matrícula XO-61-48 –, danos na parte frontal, ao nível do pára-choques (parte superior e inferior), do reforço do pára-choques, dos apoios, da grelha do radiador, da chapa da matrícula, dos faróis e piscas de ambos os lados da frente, do emblema da frente, do capot (e respectivo suporte de fecho, dos painéis laterais, dos suportes dos faróis e do suporte transversal.
8 - Em consequência do referido embate, o veículo automóvel ligeiro de passageiros do Autor - “Suzuki” com a matrícula XO-61-48 – ficou impossibilitado de circular na via pública.
9 - Após o referido embate, o Autor e o condutor do “Mercedes Benz” com a matrícula 77-34-ZL, preencheram e assinaram a declaração amigável para participação do respectivo sinistro automóvel.
10 - O Autor deu conhecimento do sinistro / embate à Ré “Companhia de Seguros T… , S.A.”, para a qual havia transferido o risco de circulação do seu veículo automóvel “Suzuki” com a matrícula XO-61-48 através da apólice de seguro nº 4101079840, em 4 de Outubro de 2006, sendo que a dona e legítima possuidora do “Mercedes” com a matrícula 77-34-ZL já havia participado o sinistro / embate à Ré “Z… – Companhia de Seguros, S.A.” que, em consequência, abriu o Proc. nº 2756298/1200.
11 - O Autor, em consequência do respectivo embate, mandou rebocar o “Suzuki” XO-61-48 para as oficinas de Alcindo… , sitas na Madalena, Vila Nova de Gaia.
12 - Através de carta datada de 3 de Novembro de 2006, a Ré “Companhia de Seguros T… , S.A.” comunicou ao Autor o seguinte: “(…) Exmºs Senhores: Reportamo-nos ao acidente automóvel ocorrido em 02-10-2006 no qual foi interveniente o veículo acima identificado. Através da Declaração Amigável remetida por V. Exa(s) promovemos ao enquadramento do presente sinistro na Convenção IDS (Indemnização Directa ao Segurado), regularizando os seus prejuízos por indicação e no interesse da congénere civilmente responsável. No seguimento da vistoria efectuada pelos nossos Serviços Técnicos à viatura XO-61-48 nas oficinas Alcino… , informamos que a estimativa de reparação é de 1.672,73 euros. Desta forma, constatámos que a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100% do valor venal do veículo imediatamente antes do sinistro. Consultado o mercado de venda de automóveis e tabelas da especialidade, foram apurados os valores de 600 euros e 700 euros, respectivamente, tendo o salvado sido avaliado em 375 euros. Face ao exposto e tendo por base o valor mais favorável, propõe-se esta seguradora liquidar-lhe a quantia de 325 euros mantendo V. Exa a posse do salvado do qual pode dispor livremente, contra a entrega de uma fotocópia do título de registo de propriedade e livrete do veículo, bem como do cartão de contribuinte. (…)”
13 - O veículo automóvel do Autor, de marca “Suzuki” com a matrícula XO-61-48, estava em boas condições de funcionamento e em relativamente bom estado de conservação.
14 - Apesar de se tratar de um automóvel do ano de 1991, não tinha qualquer sinal de corrosão e a pintura apresentava alguns riscos e pequenas amolgadelas.
15 - Apresentava algumas, mas poucas, amolgadelas e os interiores encontravam-se em muito bom estado de conservação, com excepção do banco do condutor, que evidenciava algum desgaste.
16 - Tratava-se de um veículo automóvel que, desde que o Autor o adquiriu, em 1999, apenas necessitou de intervenções de mera manutenção, designadamente, mudança de filtros, óleo e pastilhas de travões.
17 - O Autor tinha um especial gosto, orgulho e brio naquele veículo automóvel, apresentando-o sempre limpo e fazendo as intervenções de manutenção com a regularidade recomendada.
18 - Desde que o adquiriu – em 1999 – até à data do sinistro em causa – 2 de Outubro de 2006 -, deslocava-se diariamente da sua residência em Vila Nova de Gaia ao seu local de trabalho no hipermercado “Continente” de Viana do Castelo, com excepção dos dias de folga e descanso semanal, bem como dos períodos de férias.
19 - Era o veículo automóvel que utilizava nas deslocações em passeios, sozinho ou com amigos, bem como nas suas demais saídas e deslocações em lazer.
20 - Os danos que resultaram do embate em causa são susceptíveis de reparação, de molde a reconstituir o estado em que o mesmo se encontrava antes do sinistro.
21 - A reparação dos danos provocados no “Suzuki” com a matrícula XO-61-48, em consequência do embate / sinistro em causa, foi orçada, em 18 de Setembro de 2009, pelas oficinas “Alcino… – Automecânica da Madalena, Unipessoal, Ldª”, em 1.643,40 (mil seiscentos e quarenta e três euros e quarenta cêntimos).
22 - O aluguer de um veículo automóvel da mesma gama importava um valor diário nunca inferior a 25 euros.
23 - O Autor viu-se obrigado a pedir um automóvel emprestado a amigos para fazer face às suas necessidades de deslocação e transporte, tendo utilizado, durante bastante tempo, por mero favor, um automóvel de marca “Ford”, modelo “Fiesta 1.8”.
24 - O Autor tem a seu cargo um filho que se encontra a estudar.
25 - Por vezes, o Autor tem que recorrer a amigos para proceder ao pagamento dos seus encargos mensais, designadamente, das prestações do empréstimo contraído para a aquisição da sua habitação.
26 - Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 003846895, a Ré “Z… ” havia assumido a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo ligeiro de matrícula 77-34-ZL.
27 - Esse contrato de seguro era válido e eficaz e encontrava-se em vigor à data em que ocorreu o sinistro a que se reportam os presentes autos.
28 - O presente sinistro foi enquadrado pela Ré “Companhia de Seguros T… , S.A.” na Convenção IDS (Indemnização Directa ao Segurado).
29 - Os salvados do ligeiro de matrícula XO-61-48 tinham um valor não inferior a 375 (trezentos e setenta e cinco euros).
30 - Na sequência da participação do presente sinistro, a Ré procedeu à realização de uma peritagem ao veículo de matrícula XO-61-48, ao abrigo do sistema IDS (indemnização Directa ao Segurado), o qual foi instituído por Convenção entre Seguradoras, com vista à célere e eficaz regularização de sinistros de danos exclusivamente materiais.
31 - Nessa peritagem, aprontada em 25/10/2006, os serviços da Ré “Companhia de Seguros T… , S.A.” concluíram que a reparação dos danos que o XO ostentava em consequência do acidente dos autos orçava em 1.672,73 (mil seiscentos e setenta e dois euros e setenta e três cêntimos).
32 - Tratava-se de um veículo ligeiro de passageiros, da marca “Suzuki”, modelo “Swiff” 1.3 GTi, do ano de 1991.
33 - O valor dos salvados do XO foi orçado, pela firma “Luso – Roux IV”, em 375 (trezentos e setenta e cinco euros).
34 - O Autor nunca chegou a enviar à Ré “Companhia de Seguros T… , S.A.” os elementos solicitados na carta que esta lhe enviou em 3 de Novembro de 2006, nem a informou se aceitava ou não a proposta feita em tal missiva.

Esta factualidade não vem impugnada no presente recurso, nem nós encontramos fundamento probatório para a modificar, pelo que consideramos fixada a base factual da causa.

Vejamos então:

Quanto à matéria das conclusões 1ª a) e 2ª a 5ª:

É verdade que a sentença recorrida nada refere especificamente quanto à alegada perda total do veículo. Falta é saber se tal assunto se resolve numa verdadeira questão, senão apenas num argumento (ou razão) factual e jurídico da questão genérica da falta de direito do Autor (parece que, como expende Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, 2º, p. 670, por “questões” se deve entender os pedidos deduzidos, as causas de pedir e excepções invocadas e as excepções de oficioso conhecimento, e a ser assim não estamos in casu perante uma verdadeira questão). E, como sabemos, uma coisa são as questões (destas é obrigatório conhecer), outra são as simples razões ou fundamentos, de que não é obrigatório conhecer (cfr., por todos, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., p. 55).
Vamos porém dar de barato que houve efectivamente omissão de pronúncia.
A consequência desta suposta nulidade da sentença é apenas a devolução a esta Relação do conhecimento da questão de que se não conheceu (v. nº 1 do art. 715º do CPC).
Já trataremos então do assunto.


Quanto à matéria de todas as conclusões:

Perante a factualidade provada e acima elencada verificamos que o acidente que serve de causa de pedir à presente acção teve como causa única o comportamento culposo do condutor do veículo 77-34-ZL. Nem aliás a Apelante contesta esta asserção.
Para a ora Apelante havia sido transferida a responsabilidade civil inerente à utilização de tal veículo.
Donde, e visto além do mais o disposto (à data) no DL nº 522/85, cabe à Apelante reparar o dano. Exactamente como se decidiu na sentença recorrida.
Diz porém a Apelante que era à Ré Companhia de Seguros T… , S.A. que poderiam ser assacadas responsabilidades, atento o estabelecido numa tal “Convenção IDS (Indemnização Directa ao Segurado)”. (E cujas cláusulas constam de fls. 67 e seguintes dos presentes autos).
Mas diz mal.
É que tal Convenção não passa de um instrumento negocial que apenas envolve as seguradoras que a subscreveram, funcionando assim como uma autêntica res inter alios acta relativamente aos sinistrados. Decorre claramente do teor de tal Convenção que a mesma visa operacionalizar (rectius “simplificar”, nos seus dizeres) em primeira linha os interesses das seguradoras (e reflexamente, é certo, os dos sinistrados), surgindo a seguradora do lesado (ali designada como Credora) como uma mera facilitadora ou intermediária no processo indemnizatório de que são partes únicas e verdadeiras o lesado e a seguradora do veículo mediante o qual se provocaram os danos (ali designada como Devedora). Segue-se daqui à evidência que as consequências jurídicas do sinistro se repercutem sempre e apenas na pessoa da seguradora dita Devedora.
Donde, não pode a ora Apelante querer escusar-se a reparar o dano causado com fundamento em razões atinentes à execução inter-partes (inter-seguradoras) da dita Convenção, independentemente de todo o processo negocial ter decorrido ou deixado de decorrer exclusivamente perante a outra seguradora.
Entretanto, e voltando ao assunto da perda total do veículo, disse a ora Apelante na sua contestação que se verificou uma tal perda, de sorte que o Autor apenas tinha direito àquilo que lhe foi oferecido pela Companhia de Seguros T… , S. A. e não ao mais peticionado. Ora, a verdade é que a matéria de facto provada não mostra que houve perda total do veículo, designadamente nos termos da al. c) do nº 1 do art. 20º-I do DL nº 522/85 (redacção do DL nº 83/2006). Efectivamente, fundamental para o efeito da aferição da perda total era conhecer o valor venal que o veículo tinha (v. nº 2 do mesmo artigo), mas nada vem provado neste domínio, na certeza até de que foram dados como não provados (e contra tal se não insurge a Apelante, pois que não impugnou o julgamento da matéria de facto) os factos alegados nos artigos 17º, 18º e 19º da contestação da Apelante e o facto alegado no artigo 5º da contestação da outra Ré. Tudo o que conhecemos com relevo para esta temática é o valor mínimo dos salvados e o valor da reparação, mas isto é insuficiente para concluir pela dita perda total.
Improcede portanto a pretensão da ora Apelante enquanto fundada na suposta perda total do veículo.
Mais diz a Apelante, com os fundamentos que recita, que o Autor, culposamente, agiu de forma a produzir um agravamento do dano inerente à paralisação do veículo e, nessa medida, não pode agora o mesmo Autor vir exigir qualquer reparação decorrente de tal agravamento. Consequentemente, deveria limitar-se a indemnização a suportar pela Apelante ao período compreendido entre a data do sinistro e a data em que foi apresentada pela Congénere a proposta indemnizatória.
Mas não é assim.
O acidente foi desde logo participado à ora Apelante pela dona do veículo que motivou o acidente (v. ponto 10º da supra elencada fundamentação de facto), de modo que a Apelante ficou ciente do acidente e da possibilidade de vir a ser chamada a reparar o dano eventualmente sofrido pelo terceiro lesado (o Autor). E tanto é assim, que, em execução da falada Convenção, “aceitou delegar” (digamos) na sua Conspecífica a condução do processo indemnizatório. E isto vale obviamente para o bem (resolução negociada do sinistro) e para o mal (frustração da negociação). Não se entende como pode estar agora a querer significar que tudo se processou à sua revelia e que nada tem a ver com o assunto.
Em adição, há que salientar que é ao autor da lesão (e, consequentemente, à seguradora para quem tenha sido transferida a responsabilidade), e não ao lesado, que compete agir, e de forma diligente, para que o dano seja reparado (isto sem prejuízo, bem entendido, para o dever de colaboração legalmente imposto ao lesado, o credor, com vista a que a obrigação possa ser efectivamente cumprida). Assim sendo, como é, as implicações danosas emergentes do decurso do tempo correm naturalmente por conta do obrigado à reparação do dano e não por conta do lesado, sem prejuízo dos prazos de prescrição. Não pode assim a ora Apelante querer capitalizar sobre a omissão de reparação do dano, que é a verdadeira causa do alegado “agravamento”, desviando para o Autor (que não era obrigado a antecipar o exercício do seu direito indemnizatório) o correspondente encargo.
Como assim, está a Apelante obrigada a reparar todo o dano sofrido pelo Autor, exactamente como se decidiu na sentença recorrida.
Improcedem em consequência as conclusões em destaque e, com elas, a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida.

+

Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Regime de custas:

A Apelante é condenada nas custas da apelação.

+

Sumário (art. 713º nº 7 do CPC):
I - A chamada “Convenção IDS” (Indemnização Directa ao Segurado) é um instrumento negocial que apenas envolve as seguradoras que a subscrevem, funcionando como uma res inter alios acta relativamente aos sinistrados.
II – Deste modo, é sempre à seguradora do veículo cujo condutor provocou o acidente que compete reparar o dano, não à seguradora do veículo do lesado.
III - É ao autor da lesão (e, consequentemente, à seguradora para quem tenha sido transferida a responsabilidade), e não ao lesado, que compete agir, e de forma diligente, para que o dano seja reparado.
IV - Consequentemente, as implicações danosas acrescidas (“agravamento do dano”) emergentes do decurso do tempo correm por conta do obrigado à reparação do dano e não por conta do lesado, sem prejuízo dos prazos de prescrição.

+

Guimarães, 7 de Julho de 2011
José Rainho
Carlos Guerra
Augusto Carvalho