Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1726/11.9TBVRL.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: DEPÓSITO BANCÁRIO
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
PRODUTO FINANCEIRO
OBRIGAÇÕES DE CAIXA SUBORDINADAS
DIREITO DE RESOLUÇÃO OU DE MODIFICAÇÃO DO CONTRATO
RISCO CONTRATUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- Em conformidade com o disposto no art. 3º al. a), do Decreto – Lei 446/85, de 25/10, o regime previsto neste diploma legal não se aplica a cláusulas típicas aprovadas pelo legislador, logo, e designadamente, a todas aquelas situações em que a possibilidade de o Banco resgatar o capital antes do período de vigência do contrato, resulte de uma norma aprovada pelo legislador.

II- Sempre que uma cláusula ius variandi genérico, ao abrigo do qual podem ser modificadas, nomeadamente, datas de vencimento e pagamentos, a forma de determinados actos, o local e tempo de cumprimento, entre outros aspectos, conste do contrato celebrado com o consumidor, mas não cumpra os requisitos previstos na lei, ela será nula, aplicando-se o regime supletivo e não podendo, por isso, o banco alterar unilateralmente a disciplina contratual.

III- Todavia, e sem prejuízo da declaração da nulidade de uma tal cláusula, nunca daí poderia decorrer a anulação de um contrato de aquisição de um produto financeiro, com a consequente destruição de todos os seus efeitos, e a decorrente restituição do valor investido.

IV- A alteração anormal das circunstâncias prevista no artigo 437º, nº 1, do Código Civil, pressupõe imprevisibilidade e excepcionalidade de factos supervenientes, que causem manifesto desequilíbrio das prestações recíprocas dos contraentes, alterando o quadro negocial existente à data, quer dos preliminares, quer da conclusão do negócio.

V- Essa situação não se verifica quando constituiu objecto principal do contrato uma determinante de risco, consistente numa taxa de juros indexante variável, sujeita às flutuações dos mercados financeiros, e, designadamente, quando se verifique a sua abrupta descida, uma vez que essa descida não pode ser considerada como um factor extraordinário ou imprevisível, mas antes como um risco normal, próprio e subjacente do contrato celebrado.

VI- Os riscos próprios do contrato funcionam como requisito negativo da aplicação do instituto da alteração das circunstâncias, obstando ao direito de resolução ou de modificação do contrato, funcionando, assim, este último instituto, subsidiariamente com relação às regras da distribuição do risco, cessando a sua aplicação sempre que exista uma regra que atribua aquele risco a alguma das partes.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: AA.

Recorrido: Caixa BB.

Tribunal Judicial de Vila Real - Instância Central, Secção Cível.

AA, casado, Advogado, com escritório na Avenida … nº …, 1º … (Edifício …), 5000-651 Vila Real, com o NIF … 124 244, instaurou a presenta acção declarativa com forma de processo ordinário, demandando a Ré, Caixa BB, com sede na Rua áurea nº …, 1110, pedindo que seja julgada a acção procedente e, consequentemente:

a) Decretando-se, com legais consequências, a nulidade das alegadas Cláusulas, atinentes ao conteúdo do invocado Contrato de Depósito Bancário, que a Ré elaborou e predispôs, por forma a que o funcionamento e aplicação, das mesmas, estivessem apenas dependentes da sua vontade, violando, assim, as citadas normas de carácter imperativo, isto é, Artigos 12º; 18º, alínea j) e 19º, alínea h), todos das CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS, aprovadas pelo Decreto-Lei N.º 446/85, de 25 de Outubro, a saber:

1- Cláusula que versa sobre a duração do aludido Contrato de Depósito Bancário, ao consignar: “PRAZO DO PRODUTO 10 anos. O BB tem a possibilidade de exercer o reembolso antecipado a partir do final do 5º ano”.

2- Cláusula 18ª, N.ºs 1 e 3, consignada no documento, ora oferecido sob o N.º 1.

b) Decretando-se a RESOLUÇÃO do invocado Contrato de Depósito Bancário, celebrado entre o A. e a Ré, no âmbito do qual o Investimento Financeiro foi efectuado sob a forma de “OBRIGAÇÕES DE CAIXA SUBORDINADAS”, também designada por “OUT. OBRIG. SUBORDINADAS CAIXA BB RENDIMENTO TOP 2008-1”.

c) Condenando-se, consequentemente, a Ré, CAIXA BB, a proceder, de imediato, ao resgate da alegada quantia de 350.000,00 € (Trezentos e cinquenta mil euros), que o A. entregou àquela, no acto da celebração, entre ambos, do mesmo Contrato.

d) Condenando-se ainda, consequentemente, a Ré, a restituir, de imediato, ao A., a importância referida na alínea anterior, acrescida dos juros convencionados, vencidos e não pagos, bem como dos juros legais, à taxa anual de 4%, computados estes desde a citação até integral pagamento.

e) Condenando-se, por último, a Ré, a pagar as custas processuais, procuradoria condigna e demais despesas tabelares.

Como fundamento e, em síntese, alega factos tendentes a concluir pela nulidade das cláusulas nº 18 do contrato de Registo e Depósito de Valores Mobiliários e de Recepção e Execução de Ordens Por Conta de Outrem e a disposição contratual sobre o tempo de duração do contrato celebrado entre as partes, bem como, factos passíveis de fundamentarem a resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias em que contrataram.

Citada que foi a Ré de forma válida e regular contestou em tempo e, defendendo-se por via de excepção e de impugnação, impugnou os factos, concluindo pela improcedência da acção.

O autor ofereceu réplica concluindo como na petição inicial.

Concluso o processo, foi proferido despacho saneador e organizada a matéria de facto assente e base instrutória, que não foram objecto de qualquer reclamação.

Realizou-se o julgamento, com observância do formalismo legal.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, respondendo à matéria de facto controvertida, julgou a acção totalmente improcedente.

Inconformados com esta decisão, dela interpôs recurso o Autor, AA.

1ª- A instância “a quo” violou, manifestamente, com a douta sentença recorrida, nomeadamente, as seguintes disposições legais:

a) Artigo 1º, N.º 1, do Decreto-lei N.º 430/91, de 2 de Novembro, que regula o “DEPÓSITO BANCÁRIO E A SUA MOVIMENTAÇÃO” e Artigo 321º, N.º 3 do Decreto - Lei N.º 357-A/2007, de 31 de Outubro e suas alterações posteriores (CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS).

b) Artigos 227º, N.º1; 286º; 334º; 405º; 437º, N.º1; 473º, N.ºs 1, 2 e seguintes; 1.142º e seguintes; 1.185º e seguintes; 1.205º e 1.206º, todos do Código Civil.

c) Artigos 1º, N.ºs 1; 2 e 3; 2º; 3º; 4º; 5º; 6º, N.ºs 1 e 2; 12º; 15º; 16º, alínea a); 17º; 18º, alínea j); 19º, alínea h); 20º e 22º, alínea b), todos do Decreto-Lei N.º 446/85, de 25 de Outubro, que estabelece as “CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS”.

d) Artigos 13º, Nºs 1 e 2 (PRINCÍPIO DA IGUALDADE); 20º, N.ºs 1; 4 e 5 (ACESSO AO DIREITO E TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA) da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.

e) CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS - Republicado pelo Decreto-Lei N.º 357-A/2007,31 de Outubro e alterações subsequentes, designadamente, o seu Artigo 321º, N.º 3.

2ª- O Produto Financeiro alegado do nos autos, a que o A./Apelante aderiu, a título de investimento, configura, “lato sensu” , um Contrato de Depósito Bancário, sem prejuízo de mais adequada qualificação, que mereça a esse Venerando Tribunal, face ao teor da Alínea A) dos Factos Assentes do douto saneador.

3ª- Àquela alínea foi conferida a seguinte redacção: “O Autor acordou com a Ré, em Fevereiro de 2008, a subscrição de um produto denominado “BB Rendimento TOP. 1ª Série, Obrigações de Caixa Subordinada”, num montante de € 350.000,00, pelo prazo de 10 anos” – Pág. 2 da sentença recorrida – Factos Provados – Alínea A), correspondente à factualidade inserida na mesma Alínea do Saneador – Factos Assentes.

4ª- A invocada subscrição/investimento ocorreu no preciso dia 28 de Fevereiro de 2008, sendo que, no seu acto, “a Ré, através do seu Balcão situado na cidade de Vila Real, entregou ao A., os documentos denominados: “CLÁUSULAS GERIAS DO CONTRATO DE REGISTO DE DEPÓSITO DE VALORES MOBILIÁRIOS E DE RECEPÇÃO E EXECUÇÃO DE ORDENS POR CONTA DE OUTREM de fls. 33 a 35 e “PROSPECTO INFORMATIVO de fls. 148, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido” (SIC) – Alíneas B) dos Factos Assentes do Saneador e Factos Provados da Sentença Recorrida - (Pág. 2).

5ª- No acto da contratação foi estipulado, entre o A. e Ré, o pagamento de juros, calculados segundo os seguintes factores: TAXA EURIBOR – A 6 MESES mais 1%, até ao 5º ano – do 6º ao 10º ano a TAXA EURIB0R a 6 meses mais 1,5%.

6ª- Salvo o devido respeito, independentemente da precisa e mais adequada qualificação que o Produto de Investimento Financeiro, invocado nos autos, suscite a Vossas Excelências, é inquestionável que os direito a que o A. se arroga, bem como a pretensão, por si delineada nos autos e os factos em que se alicerçam e escoram, não ficam, minimamente prejudicados, caso se conclua que não estamos, no caso concreto, perante um Contrato de Depósito Bancário, “stricto sensu”, mas sim perante outro produto de Investimento Financeiro, a que o A. aderiu, ante a proposta da Ré.

7ª- Vem provado nos autos que “ No início de 2012, perfez 30 anos, sobre a data em que o Autor passou a prestar, como Advogado, serviços jurídicos à Ré” – Alínea K) do Saneador – FACTOS ASSENTES e, outrossim, Alínea K) da sentença recorrida, página 4 – FACTOS PROVADOS.

8ª- A instância “a quo” deu ainda como provado que o AUTOR “Teve acesso prévio às condições contratuais, repetiu e confirmou exaustivamente os seus pontos principais com os funcionários da Ré” – Alínea P. da sentença recorrida – pág. 4 – FACTOS PROVADOS, prova que não decorre dos autos, revelando-se, aliás, totalmente incompatível com a factualidade inserida nas Alíneas A) e B) dos Factos Assentes do douto saneador.

9ª- Deu ainda, por assente, a mesma instância, o seguinte, com referência à pessoa do Autor, ora Apelante: “Possuindo, em virtude do referido em P. e pelo desempenho das funções, um profundo conhecimento da actividade bancária e seus produtos financeiros” (SIC) – Alínea N. da sentença recorrida – pág. 4 – FACTOS PROVADOS.

10ª- Salvo o devido respeito, a convicção da Exma. Senhora Julgadora, no que tange à factualidade inserida naquela Alínea da sentença recorrida, carece de todo e qualquer fundamento.

11ª- Aliás, a Alínea K) dos Factos Assentes do saneador, dita, exactamente, o contrário do contido na supra Conclusão 9ª, porquanto, o A./Apelante, como predito e provado naquela alínea, “ …passou a prestar, como Advogado, serviços jurídicos à Ré” (IPSIS VERBIS), não aludindo, por isso, a qualquer actividade bancária e seus produtos financeiros e daí a ilação a extrair de que tal actividade se circunscreveu a serviços jurídicos.

12ª- O Artigo 6º do Saneador, integrado na douta Base Instrutória, versa sobre a invocada matéria fáctica, contida na Alínea N. da sentença recorrida – FACTOS PROVADOS – pág. 4.

13ª - A formulação daquele Artigo 6º radicou e teve a sua génese em alegação da Ré, vertida na sua CONTESTAÇÃO, impendendo, por isso, sobre a mesma o “ónus probandi” do que alegou (Artigo 342º, N.º1 do C.C.), não tendo, porém, logrado a prova do que afirmou, como Vossas Excelências podem constatar através dos depoimentos das testemunhas da Ré/Apelada e comuns ao A./Apelante, ouvidas em sede de julgamento, a saber:

a) CC, cujos depoimentos se encontram inseridos entre as páginas 81 a 129 da invocada Transcrição da Prova Produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento.

b) b)DD cujos depoimentos se encontram inseridos entre as páginas 244 a 275 da invocada Transcrição da Prova Produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento.

c) c)EE, cujos depoimentos se encontram inseridos entre as páginas 276 a 279 da invocada Transcrição da Prova Produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento.

14ª- A instância “a quo” revelou, pois, manifesta extrapolação e discricionariedade, ao dar como provado que o A., possui “… em virtude do referido em P. e pelo desempenho das funções, um profundo conhecimento da actividade bancária e seus produtos financeiros” (SIC) – Alínea N. da sentença recorrida – pág. 4 – FACTOS PROVADOS, impugnando, por isso, o A. a resposta conferida a tal matéria fáctica, que, com o devido respeito, deve ser dada como não provada.

15ª- Entretanto, o Autor/Apelante não se coibiu de exercer contraprova testemunhal, em sede de julgamento, tendo demonstrado precisamente o inverso do alegado pela Ré/Apelada, quanto àquela matéria fáctica.

16ª- O A. sempre contratou com a Ré, na base de uma confiança e lealdade recíprocas, quando foi abordado, para tal efeito, pelo Balcão da mesma em Vila Real, nomeadamente, pelo seu Gerente e/ou Subgerente.

17ª- Não goza de qualquer fundamentação a conclusão contida na sentença recorrida (Página 15), a saber: “Ora, tendo em conta a factualidade dada como provada e o teor dos documentos juntos pelo autor como documentos n.ºs 1 e 2 e o teor do documento n.º 1 junto pela Ré, o acordo celebrado entre as partes em nada se assemelha a um simples contrato de depósito bancário” (SIC).

18ª- Na verdade, sem prejuízo das modalidades, que pode assumir o Contrato de Depósito Bancário, em cada caso concreto, que o Artigo 1º do citado Decreto-Lei N.º 430/91, de 2 de Novembro (Depósito Bancário E Sua Movimentação), expressamente tipifica, define o mesmo, em termos genéricos, aquele Contrato como se tratando de “depósitos de disponibilidades monetárias nas instituições de crédito” (SIC).

19ª- E não foi impunemente que o nosso legislador conferiu semelhante extensão, aos depósitos bancários, exprimindo-se por aquele modo.

20ª- Aliás, o invocado e douto aresto desse Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 13/11/2000 – Processo N.º 0050652 e N.º Convencional JTR00029895, constitui uma valiosa fonte para a definição do Depósito Bancário, corroborando o que outros nossos tribunais superiores sustentaram, em torno da mesma matéria.

21ª- Como decorre, clara e inequivocamente, dos autos, o A./Apelante subscreveu o produto financeiro, neles alegado, denominado BB Rendimento Top – 1ª Série – Obrigações de Caixa Subordinada – Alínea A) do Saneador- FACTOS ASSENTES.

22ª- E, só no acto daquela subscrição, a Ré/Apelada, através do seu Balcão, na cidade de Vila Real, entregou ao A./Apelante os documentos especificados na Alínea B) do Saneador – FACTOS ASSENTES.

23ª- Nesse preciso momento da subscrição, que ocorreu no dia 28 de Fevereiro de 2008, a Ré procedeu ao levantamento, mediante consentimento do A., da quantia de 350.000,00 €, creditada na Conta de Depósitos à Ordem N.º 055 10.000633-1, de que o mesmo e seu cônjuge, FF, eram e são contitulares no aludido Balcão da demandada, como decorre da pertinente documentação junta aos autos.

24ª- Verba que incluiu, além do mais já creditado na mesma Conta, o valor de 269.023,41 €, oriundo dos designados “CERTIFICADOS DE AFORRO”.

25ª- Entretanto, pode ler-se naquela sentença recorrida – Página 14: “O depósito bancário, em sentido próprio, é um depósito em dinheiro, constituído junto de um banqueiro”, tratando-se de operação associada a uma abertura de conta, conforme refere Prof. Menezes Cordeiro, “Manual de direito bancário”, 3ª ed., Almedina 2008, Págs. 470 e seguintes, “máxime” 480 e 482.” (SIC).

26ª- Não se vislumbra, no essencial, em que se distingue o depósito, efectuado pelo Recorrente, da precedente noção que a Exma. Senhora Julgadora conferiu ao Depósito Bancário.

27ª- Os Factos Assentes, vertidos nas Alíneas A); B); C); D) e E) do douto Saneador não suscitam quaisquer dúvidas quanto à conclusão e pertinente qualificação do Contrato celebrado entre o A. e Ré e documentação a ele atinente.

28ª- Daí a total carência de fundamentos que decorre da expressão, inserida na Página 16 da sentença recorrida, onde a instância “a quo” afirma, de forma inédita e paradoxal, o seguinte: “Ora, não consta dos autos a junção de qualquer ficha técnica sobre o produto que foi apresentado ao autor nem foi alegado pelas partes se o mesmo foi entregue ou não, sendo que não foi assinado, ou pelo menos não foi alegado, qualquer contrato para aplicação financeira, nem nenhum documento de formalização de aquisição das referidas obrigações para além do documento junto a fls. 91 e que titula a subscrição do produto em causa.” (SIC).

29ª- Sucede ainda que as cláusulas integradoras do Investimento Financeiro, invocado nos autos, foram consignadas, nomeadamente, no alegado “PROSPECTO INFORMATIVO” de fls. 148, cujo documento o A. ofereceu sob o N.º 2, com o seu articulado inicial.

30ª- “No acto da contratação foi estipulado, entre o A. e a Ré, o pagamento de juros, calculados segundo os seguintes factores: TAXA EURIBOR – A 6 MESES mais 1%, até ao 5º ano – do 6º ao 10º a TAXA EURIBOR a 6 meses mais 1,5% “(ISIS VERBIS) – Alínea D) dos Factos Assentes do saneador.

31ª- “A Ré, apresentou e publicitou o produto referido em A) nos termos vertidos no documento a fls. 148 dos autos (PROSPECTO INFORMATIVO, EM APREÇO) e do qual consta ainda: “QUER PETISCAR SEM ARRISCAR?”; “TÃO SEGURO QUANTO RENTÁVEL”, “ O BB tem agora ao seu dispor um produto com elevada rendibilidade e segurança, o “BB Rendimento Top”. “Com o BB Rendimento Top, ganha sempre mais arriscando muito menos”. “Pagamento semestral de juros na conta à ordem” (SIC) – Alínea F) dos Factos Assentes do saneador.

32ª- O Prazo do Produto Financeiro, invocado nos autos, onde o A. investiu o alegado valor de 350.000,00 €, foi fixado, unilateralmente, pela Ré, conforme segue: “Prazo do Produto – 10 anos. O BB tem a possibilidade de exercer o reembolso antecipado a partir do final do 5º ano”.

33ª- O documento denominado “CLÁUSULAS GERAIS DO CONTRATO DE REGISTO DE DEPÓSITO DE VALORES MOBILIÁRIOS E DE RECEPÇÃO E EXECUÇÃO DE ORDENS POR CONTA DE OUTREM”, FLS. 33 A 35 DOS AUTOS E ALÍNEA B) DOS FACTOS ASSENTES DO SANEADOR, na sua Cláusula 18ª (Modificação das Cláusulas Gerais), consagrada o seguinte:

“1. A CEMG reserva-se o direito de proceder à modificação das condições gerais constantes do presente contrato, devendo propor ao (s) CLIENTES (S) a aceitação da modificação, para o que lhe (s) dará um prazo não inferior a 10 (dez) dias, ficando acordado que o silêncio do(s) CLIENTES (S) vale como aceitação.

2. Caso não concorde (m) com as modificações propostas pela CEMG, tem (têm) o(s) CLIENTES (S) a faculdade de resolver o presente contrato, resolução que deverá ser comunicada à CEMG no prazo indicado no número anterior contado da recepção da proposta de alteração, através de carta registada com aviso de recepção.

3.Havendo recusa do(s) CLIENTE(S), poderá a CEMG resolver o presente contrato e considerar extintos todos os depósitos ao abrigo dele constituídos, nos termos do disposto na cláusula anterior.” (SIC).

34ª- O corpo de normas, que mereceram consagração no aludido Decreto-Lei N.º 446/85, de 25 de Outubro (CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS), também são aplicáveis aos Contratos de Intermediação Financeira, como emerge, clara e inequivocamente, do Artigo 321º, N.º3 do CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIO, Republicado pelo DL N.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, com subsequentes alterações, normativo que se transcreve, textualmente, a saber: “Aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados aos consumidores”. (SIC).

35ª- Ora, é manifesto e irrefutável, que a Ré, CAIXA BB, violou, frontalmente, normas de carácter imperativo, consagradas no citado Decreto-Lei N.º 446/85, de 25 de Outubro, que a mesma deveria ter acatado e respeitado.

36ª- No que se refere à alegada Duração do Contrato, a que respeitam os autos, a Ré, aqui Apelada, violou frontalmente o disposto no Artigo 18º, alínea j), do citado Decreto-Lei N.º 446/85, de 25 de Outubro, revestindo-se de inegável imperatividade, como se infere claramente do seu quadro verbal, a saber:

“São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: “j) Estabeleçam obrigações duradouras perpétuas ou cujo tempo de vigência dependa, apenas, da vontade de quem as predisponha”(IPSIS VERBIS).

37ª- Pelo que a Cláusula que versa sobre a duração do mesmo Contrato deve ser considerada nula e de nenhum efeito, o que adrede se invoca, nulidade que é arguida a todo o tempo e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal – Artigo 286º do C.C. e Artigo 12º e 17º do aludido DL 446/85 de 25 de Outubro.

38ª- Declarada a pretendida nulidade, aliás insuprível, da Cláusula que tem, por objecto, a duração do questionado Contrato, celebrado entre o A. e Ré, alegado nos autos, deverá a mesma Cláusula ser considerada como não escrita, não ficando, consequentemente, tal Contrato, sujeito a qualquer duração.

39ª- A Ré com a fixação da predita Cláusula, respeitante à duração do visado Contrato, condicionou o seu tempo de vigência à sua exclusiva vontade, uma vez que reservou, só para si, o direito de proceder à restituição do capital investido pelo A., no final do 5º ano.

40ª- Numa atitude de afronta total, quer ao alegado Artigo 18º Alínea j) do citado Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro, quer ao princípio da igualdade, consagrado no Artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.

41ª- Sucede ainda que o consignado na Conclusão 34ª supra, confere à Ré um poder, que reservou exclusivamente para si, uma vez que poderia modificar o Contrato, em apreço, a todo o tempo, nas condições apenas pela mesma definidas, que, a não serem aceites pelo A., aquela fica com a disponibilidade de o resolver, de imediato.

42ª- Pelo que o teor do vertido naquela mesma Conclusão, permite à Ré, de forma arbitrária e unilateral, condicionar a duração do Contrato invocado nos autos, pelo que a Cláusula, aí contemplada, também está ferida de nulidade insuprível e de manifesta inconstitucionalidade (Artigo 13º da Constituição da República Portuguesa).

43ª- Nulidade adveniente da frontal violação do disposto Artigo 19º, alínea h) das referidas “CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS” (DL N.º 446/85, de 25 de Outubro), que prescreve o seguinte:

“São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerias que: “Consagrem, a favor de quem as predisponha, a faculdade de modificar as prestações, sem compensação correspondente às alterações de valor verificadas” (SIC).

44ª- Facultando, simultaneamente, à Ré/Apelada, a faculdade de resolver o questionado Contrato, na hipótese do A./Apelante não aceitar as modificações propostas por aquela, o que é, a todos os títulos, abusivo, iníquo e gerador de flagrante desigualdade entre as partes.

45ª- Sendo que aquela resolução também é expressamente proibida, face ao Artigo 22º, N.º 1, Alínea b), do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro (CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERIAS), que estatui o seguinte:

“1- São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais que:

a) -------------------------------------------------------------------------------------------

b) Permitam, a quem as predisponha, denunciar livremente o contrato, sem pré-aviso adequado, ou resolvê-lo sem motivo justificativo, fundado na lei ou em convenção.” (SIC)

46ª- As alegadas normas, inseridas nas Cláusulas Contratuais Gerais, que foram objecto de manifesta e frontal violação, por parte da Ré, assumem inegável imperatividade, tutelando, por isso, interesses de ordem pública, estando totalmente vedado às partes contrariá-las, com recurso ao princípio da liberdade negocial ou autonomia da vontade.

47ª- Ora, a Ré não teve pejo nem lhe repugnou, atentar contra a imperatividade, emergente das invocadas normas, na concepção e elaboração das condições atinentes ao Contrato de adesão, que apresentou ao A.

48ª- Este, no caso concreto, goza, assim, da tutela e proteccionismo, que lhe são conferidos pelas aludidas normas imperativas, consagradas no Decreto-Lei N.º 446/85 de 25 de Outubro, aplicáveis, aliás, aos contratos de intermediação financeira – Artigo 321º, N.º 3, do Código dos Valores Mobiliários, republicado pelo Decreto-Lei N.º 357-A/2007, de 31 de Outubro e alterações subsequentes.

49ª- Goza ainda o A., no caso vertente, da tutela adveniente do regime consagrado no Artigo 437º do C.C. (Alteração das Circunstâncias), sendo certo que os presentes autos, com o devido respeito, comportam todos os requisitos e pressupostos, indispensáveis ao funcionamento de tal normativo legal, em prol da tese do Recorrente.

50ª- Aplica-se aquele dispositivo legal a todos os contratos, sem qualquer distinção, como tem sido defendido, uniformemente, quer pela doutrina, quer douta jurisprudência dos nossos tribunais.

51ª- No caso dos autos estamos perante uma manifesta alteração anormal das circunstâncias, em que o A. fundou a sua vontade de contratar com a Ré.

52ª- Tal alteração releva, para os fins prosseguidos no pleito, quer tenha sido imprevisível ou mesmo previsível, sendo que, “in casu”, os autos comportam prova abundante de que a referida alteração anormal das circunstâncias, surgiu devido a factores inquestionavelmente imprevistos, como infra se concluirá.

53ª- No acto em que o A. subscreveu o produto financeiro, invocado nos autos, a Ré, através do Contrato de adesão, pela mesma concebido e elaborado, estipulou o pagamento de juros, a conceder ao A./ Investidor e aderente, calculados segundo os seguintes factores: TAXA EURIBOR - A 6 MESES mais 1%, até ao 5º ano de duração do Contrato e do 6º ao 10º ano, TAXA EURIBOR A 6 Meses mais 1,5%.

54ª- A Taxa Euribor a 6 Meses, foi determinante e decisiva, como emerge dos autos, nomeadamente, do depoimento, espontâneo, cristalino e transparente, transcrito supra, produzido pela Testemunha CC, Gerente da Ré no Balcão de Vila Real, que apresentou o visado produto financeiro ao A., testemunha que foi reputada, como privilegiada, pela Exma. Senhora Julgadora, na sentença que proferiu.

55ª- No entanto, a instância “a quo”, na sentença recorrida, Página 12, sustenta o seguinte: Mais resultou provado que foi determinante para o autor na decisão de aderir a este produto financeiro a elevada taxa de rentabilidade que na altura se verificava e que não era expectável uma descida tão brusca da taxa Euribor.” (SIC).

56ª- Na sequência do Contrato de Investimento Financeiro, celebrado entre o A. e Ré, foram creditadas, a título de juros vencidos, na alegada Conta à Ordem, com referência ao Balcão da Ré, em Vila Real, pertencente ao Recorrente e seu cônjuge, as seguintes verbas.

1- No dia 28 de Agosto de 2008 – 7.628,43 €

2- No dia 2 e Março de 2009 – 8.908,58 €

3- No dia 28 de Agosto de 2009 – 4.095,92 €

4- No dia 1 de Março de 2010 – 3.020,22 €

5- No dia 30 de Agosto de 2010 – 2.721,08 €

6- No dia 28 de Fevereiro de 2011 - 2.971,10 €

7- No dia 29 de Agosto de 2011 – 3.293,35 €

(Conforme Douto Saneador – Alínea G) dos Factos Assentes)

8- No dia 28 de Fevereiro de 2012 – 3.662,86 €

9- No dia 28 de Agosto de 2012 – 3.053,62 €

10-No dia 28 de Fevereiro de 2013 – 2.014,43 € (Conforme pertinente documentação junta aos autos, cujo Requerimento deu entrada em juízo no dia 20 de Março de 2013)

11-No dia 28 de Agosto de 2013 – 2.328,75 € (Conforme pertinente documento junto aos autos, cujo Requerimento deu entrada em juízo no dia 8 de Outubro de 2013)

12- No dia 28 de Fevereiro de 2014 - 2.376,36 € (Conforme pertinente documento junto aos autos, cujo Requerimento foi exarado na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento, datada de 11 de Março de 2014)

57ª- À data em que o A. subscreveu o Produto Financeiro, invocado nos autos, isto é, 28 de Fevereiro de 2008 a Taxa Euribor a 6 Meses, que releva para uma justa e acerta decisão de mérito estava fixada em 4,389%.

58ª- Todavia a partir de 25 de Novembro de 2008 e, portanto, transcorrido menos de 1 ano sobre a dita subscrição do produto financeiro, assistiu-se a uma evolução descendente da mesma Taxa consubstanciada numa queda abrupta e acentuada pelo que, no dia 24 de Junho de 2013, já se situava na insignificante percentagem de 0,341%, conforme pertinente documentação, junta aos autos pela Ré/Apelada.

59ª- Mas o A. com recurso à documentação subsequente, válida e pertinente, junta aos autos, logrou fazer prova de que no dia 18 de Fevereiro de 2014 a visada Taxa Euribor estava fixada em 0,386%.

60ª- Ora, caso subsistisse a Taxa Euribor a 6 meses, vigente à data em que o A. subscreveu o produto financeiro, invocado nos autos, isto é, 28 de Fevereiro de 2008, teria o mesmo obtido juros líquidos, no montante de 91.541,16 € (7.628,43 € x 12 tranches) computado este valor até ao dia 28 de Fevereiro de 2014.

61ª- Porém, face à invocada factualidade, no que concerne à queda abrupta, drástica e sucessiva da mesma taxa, facto, aliás, público e notório, o A. obteve um ganho, consubstanciado em juros líquidos, apenas no montante de 46.074,70 €, computados até àquela data, assinalando esta o decurso do período temporal de 6 anos, contados desde 28 de Fevereiro de 2008 até 28 de Fevereiro de 2014, tudo como decorre da pertinente prova documental junta aos autos, que não sofreu a mínima impugnação.

62ª- O que reflecte um diferencial, para menos, no montante de 45.466,46 € (91.541,16 € - 46.074,70 € = 45.466,46 €), traduzindo, assim, o prejuízo que sofreu o A./Apelante, reputado consideravelmente avultado, o que é susceptível de preencher o requisito da alteração anormal das circunstâncias em que o A. fundou ou alicerçou a sua decisão de contratar com a Ré, consagrado no Artigo 437º, N.º 1 do C.C.

63ª- A alteração anormal das circunstâncias, tal como preceituado neste normativo, resultou, como predito, da evolução, em desfavor do A., da Taxa Euribor a 6 meses.

64ª- Não sendo supérfluo enfatizar que o referido diferencial, para menos, no montante de 45.466,46 €, registou-se ao longo de 6 (seis) anos, reflectindo um profundo e acentuado desequilíbrio entre as prestações, reciprocamente assumidas pelo A. e Ré, no acto da subscrição do invocado produto financeiro.

65ª- O que tem redundado em manifesto e largo benefício para a Ré/Apelada, assumindo esta um comportamento, marcadamente volitivo e indiferente, ante os avultadíssimos prejuízos que sofreu o A., com o alegado estado de coisas, pelo que a postura da demandada afecta gravemente os princípios da boa fé.

66ª- Único fundamento plausível que permite inferir não ter a Ré/Apelada procedido à restituição do capital investido, no final do 5º ano de duração do Contrato, em apreço, ao invés do previsto no prazo estipulado, reafirmando-se que a cláusula contratual onde o mesmo se insere, está ferida de nulidade insanável.

67ª- Ao aludido Contrato de aplicação financeira a Ré associou-lhe como garantia, inerente ao risco, o que consta do alegado “PROSPECTO INFORMATIVO”, que inspira total ausência de risco, atentos os seus dizeres e modo como a Ré se exprimiu, na mira de inculcar que se tratava de produto financeiro sólido e isento de quaisquer contingências de risco.

68ª- Por outro lado, não pode a Ré/Apelada escudar-se no documento, por si oferecido, sob o N.º 5, com o articulado da Contestação, qualificado, em termos genéricos e abstractos, como “RISCOS GERAIS DE INVESTIMENTO EM VALORES MOBILIÁRIOS” (SIC).

69ª- A Ré não afectou, em concreto e de forma explícita, o Contrato que celebrou com o A., a qualquer modalidade de risco, pelo que, quanto a esta matéria, deverá, salvo melhor opinião, prevalecer o que consta do dito “PROSPECTO INFORMATIVO”.

70ª- Em todo o caso, dir-se-á que os alegados prejuízos que tem sofrido o A., com a manutenção do questionado Contrato, aponta, inelutavelmente, para prejuízos ou lesões, de natureza patrimonial, que assumiram já larguíssimas proporções, não se contendo, de forma alguma, dentro de limites, reputados normais e razoáveis.

71ª- Pelo que aqueles prejuízos não estavam cobertos pelos riscos próprios do visado contrato, o qual, reitera-se, sempre deveria estar isento de riscos, face às pertinentes expressões, que o sobredito “PROSPECTO INFORMATIVO” encerra.

72ª- O A./Apelante, no seu articulado da Réplica, procedeu à alteração/ampliação, quer do pedido quer da causa de pedir, o que foi atendido e deferido pela instância “a quo”, cujo despacho há muito que transitou em julgado.

73ª- O A. pugna, face aos alegados fundamentos, pela revogação, na íntegra, da douta sentença recorrida, com legais consequências.

*

O Apelado apresentou contra alegações, concluindo pela improcedência do recurso interposto.

*

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*

II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Apreciar da qualificação jurídica do contrato celebrado entre o Autor e a Ré e da responsabilidade do Autor na fase pré-negocial.

- Apreciara da eventual nulidade das cláusulas atinentes ao prazo do contrato a cláusula 18º do Contrato de Registo e Depósito de Valores Mobiliários e de Recepção e Execução de Ordens Por Conta de Outrem e da consequente resolução do contrato com o decorrente resgate do valor investido.

- Apreciar da resolução do contrato celebrado com o fundamento na alteração anormal das circunstâncias em que foi celebrado.

- Apreciar da existência de uma litigância de má-fé por parte da Ré, face ao pedido formulado expressamente pelo Autor.

III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A factualidade dada como assente e indemonstrada na sentença recorrida é a seguinte:

Factos provados.

A. O Autor acordou com a Ré, em Fevereiro de 2008, a subscrição dum um produto denominado “BB Rendimento TOP. 1ª Série, Obrigações de Caixa Subordinada”, num montante de € 350.000,00, pelo prazo de 10 anos.

B. No acto da sua subscrição, a Ré, através do seu Balcão, situado na cidade de Vila Real, entregou ao A., os documentos denominados: "Cláusulas Gerais do Contrato de Registo e Depósito de Valores Mobiliários e de Recepção e Execução de Ordens Por Conta de Outrem de fls. 33 a 35 e "Prospecto Informativo de fls. 148 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

C. Após o referido em A., a Ré passou a enviar ao Autor correspondência com expressa alusão ao produto referido em A.

D. No acto da contratação foi estipulado, entre o A. e a Ré, o pagamento de juros, calculados segundo os seguintes factores: TAXA EURIBOR - A 6 MESES mais 1%, até ao 5º ano - do 6º ao 10º ao TAXA EURIBOR a 6 meses mais 1,5%.

E. Autor e Ré acordaram que os juros vencidos, após a dedução da percentagem do atinente IRS, aplicável aos Depósitos Bancários, passaram a ser creditados, na Conta à Ordem do Autor, afecta ao Balcão da Ré, na cidade de Vila Real, a que corresponde o Número 055 …

F. A Ré, apresentou e publicitou o produto referido em A. nos termos vertidos no documento a fls. 148 dos autos e do qual consta: "QUER PETISCAR SEM ARRISCAR? "; "TÃO SEGURO QUANTO RENTÁVEL"; "O BB tem agora ao seu dispor um produto com elevada rendibilidade e segurança, o BB Rendimento Top"; "Com o BB Rendimento Top, ganha sempre mais arriscando muito menos"; "Pagamento semestral de juros na conta à ordem".

G. Após o referido em A., foram creditadas na conta referida em E. as seguintes quantias a título de juros:

a) - no dia 28 de Agosto de 2008 - 7.628,43€

b) - no dia 2 de Março de 2009 - 8.908,58 €

c) - no dia 28 de Agosto de 2009 - 4.095,92€

d) - no dia 1 de Março de 2010 - 3.020,22€

e) - no dia 30 de Agosto de 2010 - 2.721,08€

f) - no dia 28 de Fevereiro de 2011 - 2.971,10€

g) - no dia 29 de Agosto de 2011 - 3.293,35€

H. O Autor enviou à Ré a carta a fls. 64 e 65 dos autos da qual consta: “Exmo. Senhor Estabeleci contacto telefónico com os serviços da Caixa BB, em cuja alçada se inscreve a competência de gerirem os investimentos de produtos financeiros, promovidos pelos diversos depositantes.

Na esfera daqueles mesmos serviços, foi imputado o produto financeiro, de que sou titular, reflectido no documento, que anexo, tendo merecido, ao tempo, a designação de "SUBSCRIÇÃO BB "TOP" - 2008 - 1º SÉRIE" - conf. documento junto.

Ao alimentar o aludido contacto telefónico, tive como interlocutora a Exma. Senhora D. Ana …, tendo-me transmitido que, no procedimento, a adoptar, para satisfação da minha pretensão, deveria dirigir-me ao Exmo. Senhor Gerente da Caixa BB, a cujo Balcão recorri, para efeitos do alegado investimento.

Daí esta comunicação que dirijo a Vª. Exª.

O meu desiderato consubstancia-se na clara vontade de obter, com a urgência possível, o resgate do valor investido, acrescido de juros vencidos e não pagos, até ao preciso momento em que a restituição se operar.

I. A Ré enviou ao Autor a carta a fls. 67 e 68 dos autos, da qual consta: No seguimento da reclamação de Vª. Exª., datada de 2011.08.17, que mereceu a nossa melhor atenção, cumpre-nos, em primeiro lugar, lamentar o desagrado manifestado.

Relativamente ao assunto exposto, informamos que o Produto BB Rendimento TOP 2008, 1ª série, subscrito por Vª. Exª., é um instrumento de Captação de Aforro Estruturado (ICAE), emitido sob a forma de Obrigações de Caixa Subordinadas com prazo até 10 anos, com remuneração variável e indexada à Euribor 6 meses. Em 2008.02.04, foram disponibilizadas e aceites por Vª. Exª., as "Clausulas Gerais do Contrato de Registo e Depósito de valores Mobiliários e de Recepção e Execução de Ordens Por Conta de Outrem" (055.61.001159-9) que deu lugar à subscrição do referido Produto.

Para além da remuneração existente que tem vindo a ser creditada semestralmente na conta à ordem associada, desde aquela data, o capital será garantido na data do reembolso do produto. Temos também conhecimento que lhe foi explicado o conteúdo do produto e o prazo de maturidade do mesmo. Acresce, que também lhe foi disponibilizado o respectivo prospecto informativo, encontrando-se todos os documentos assinados por Vª. Exª., especificadamente, a instrução de subscrição e a Declaração de Aceitação de Condições de Subscrição, onde Vª. Exª., declarou conhecer e aceitar sem reservas os termos e condições do produto em causa.

No entanto, o seu Balcão Gestor, está na disposição, no caso de pretender comercializar o produto à respectiva cotação do mercado, de encontrar interessados em adquirir as suas Obrigações de Caixa Subordinadas.

Como V. Exª. decerto compreenderá, os mercados incorporam sempre determinadas variáveis que são flexíveis ao longo das maturidades dos produtos e que as instituições de Crédito não dominam, no entanto, houve condições de mercado noutras alturas que proporcionaram rendibilidades mais favoráveis.

J. O Autor apôs a sua assinatura nos documentos a fls. 88 a 93 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

K. No início de 2012, perfez 30 anos, sobre a data em que o Autor passou a prestar, como Advogado, serviços jurídicos à Ré.

L. O Autor apenas subscreveu o produto referido em A., dada a Taxa EURIBOR a seis meses praticada na data ai referida, acrescida da percentagem referida em D bem como face aos apelos da Ré, com referência à rendibilidade do produto referido em A. e à publicidade referida em F.

M. Ao subscrever o produto referido em A. o Autor conhecia as recomendações constantes do documento denominado “riscos gerais de investimento em valores mobiliários”.

N. Possuindo, em virtude do referido em P. e pelo desempenho das funções, um profundo conhecimento da actividade bancária e seus produtos financeiros.

O. O Autor foi informado das condições contratuais subjacentes ao produto "BB Rendimento TOP, 1.ª Série ".

P. Teve acesso prévio às condições contratuais, repetiu e confirmou exaustivamente os seus pontos principais com os funcionários da Ré.

Q. Tendo percepcionado todas as características do produto e riscos associados, nomeadamente a variação da taxa indexante.

Factos Não Provados

1. Que com a progressiva descida da Euribor a 6 meses, a Ré obteve um benefício à custa do Autor.

2. Que o autor analisou atentamente as condições contratuais subjacentes ao produto BB Rendimento TOP, 1 a Série na calma do seu lar e escritório.

Fundamentação de direito.

Definidas as pretensões recursórias e exposto o substrato material em que se alicerçam, cumpre agora proceder à sua análise.

Começa o Recorrente por referir que, em seu entender, o Produto Financeiro em referência nos autos, a que aderiu, a título de investimento, configura, “lato sensu”, um Contrato de Depósito Bancário, sem prejuízo de mais adequada qualificação, que mereça por parte do tribunal.

E mais alega ainda que, sem prejuízo e independentemente de uma mais precisa e adequada qualificação do contrato de investimento ou aquisição do Produto de Investimento Financeiro em referência nos autos, afigura-se-lhe inquestionável que os direito a que se arroga, bem como a pretensão, por si delineada e os factos em que se alicerçam e escoram, não ficam, minimamente prejudicados, caso se conclua que não estamos, no caso concreto, perante um Contrato de Depósito Bancário, “stricto sensu”, mas sim perante outro produto de Investimento Financeiro, a que o A. aderiu, ante a proposta da Ré.

Desta alegação, e desde logo, duas incontornáveis conclusões impõe sejam extraídas:

- Por um lado, inequívoco resulta que o Recorrente considera ter celebrado com a Ré um contrato de depósito bancário;

- Todavia, e não obstante, mesmo a assim se não entender, considera assistirem-lhe de igual modo os direitos a que se arroga.

Ou seja, embora questione a qualificação jurídica do contrato que celebrou, não a considera, porque de facto o não é, como substrato fulcral e imprescindível e do qual resulte como inelutável decorrência o reconhecimento dos seus invocados direitos.

E assim sendo, quanto a este aspecto, não só pela desvalorização a que o próprio Recorrente a vota no contexto das suas pretensões, como, e essencialmente, pela sua incontornável irrelevância para a resolução da essência do que se discute no processo, muito pouco ou mesmo nada se nos afigura de utilidade acrescentar ao que pertinentemente se fez constar da decisão recorrida.

Como é consabido, o contrato de depósito bancário, que a lei não define (nem sequer está previsto na enumeração do art. 362º do C. Comercial, embora alusão lhe seja feita pelo art. 407º, do mesmo código), e que tem sido considerado como um depósito irregular, mútuo remunerado ou mero contrato atípico e inominado, “consiste fundamentalmente, na entrega de certa quantia a um banco, para que ele a restitua mais tarde, podendo, entretanto o banco utilizar essa quantia”. Cfr. Ac. STJ de 17/6/86, in BMJ nº358, pag. 567.

É, no fundo, o depósito de dinheiro que as pessoas efectuam, em diversas condições, nos estabelecimentos autorizados para receber depósitos dessa espécie.

Ora, pese embora na decisão recorrida se não tenha procedido a uma rigorosa qualificação do contrato em referência nos autos, apenas se referindo que “em nada se assemelha a um simples contrato de depósito”, provavelmente até por decorrência da inutilidade de o fazer de um modo mais aprofundado ou exaustivo, para a resolução da causa, o certo é que, essa mesma decisão deixou, no entanto, define ou delimita de um modo linear e claro a verdadeira questão em discussão nos autos, a qual consiste, como aí se deixou dito, na indagação da existência de responsabilidade civil contratual (bancária) decorrente da celebração de contratos em que foram subscritas obrigações de caixa subordinada.

E na situação vertente, como se refere na decisão recorrida, no desenvolvimento do relacionamento de confiança entre o A. e o Banco Réu, o primeiro, na sequência de proposta que lhe foi efectuada pela Ré, e após ponderação que efectuou, decidiu adquirir o mencionado produto financeiro, com a informação de que tinha retorno assegurado do capital investido.

Isto assente, centremo-nos então naquela última questão, analisando-a nas suas diversas dimensões, que é o que verdadeiramente está em causa e se discute neste recurso e que, como e em nosso entender, correctamente, bem refere o Recorrente, não emerge ou decorre de uma qualificação “stricto sensu”, desse mesmo contrato em referência nos autos.

Passemos então análise e esclarecimento da questão de saber se na presente situação se verifica ou não a existência de responsabilidade civil contratual (bancária) decorrente da celebração dos contratos em que foram subscritas as aludidas obrigações de caixa subordinada.

Ora, como decorre da factualidade dada como provada o Autor acordou com a Ré, em Fevereiro de 2008, a subscrição dum um produto denominado “BB Rendimento TOP. 1ª Série, Obrigações de Caixa Subordinada”, num montante de € 350.000,00, pelo prazo de 10 anos, mediante ao pagamento pela ré de juros calculados à taxa Euribor a seis meses, acrescido de 1% nos primeiros cinco anos e 1,5% entre o 5º e o 10º ano que, após dedução do IRS, passariam a ser creditados na conta à ordem do autor identificada no artigo 6º da petição inicial.

E mais se apurou ainda, com relevância para a análise deste aspecto, e relativamente às circunstâncias envolventes da celebração de um tal contrato, a seguinte materialidade:

- No acto da sua subscrição, a Ré, através do seu Balcão, situado na cidade de Vila Real, entregou ao A., os documentos denominados: “Cláusulas Gerais do Contrato de Registo e Depósito de Valores Mobiliários e de Recepção e Execução de Ordens Por Conta de Outrem de fls. 33 a 35 e “Prospecto Informativo de fls. 148 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

- Após a subscrição, a Ré passou a enviar ao Autor correspondência com expressa alusão ao produto referido em A.

- No acto da contratação foi estipulado, entre o A. e a Ré, o pagamento de juros, calculados segundo os seguintes factores: TAXA EURIBOR - A 6 MESES mais 1%, até ao 5º ano - do 6º ao 10º ao TAXA EURIBOR a 6 meses mais 1,5%.

- A Ré, apresentou e publicitou o produto referido em A. nos termos vertidos no documento a fls. 148 dos autos e do qual consta: "QUER PETISCAR SEM ARRISCAR? "; "TÃO SEGURO QUANTO RENTÁVEL"; "O BB tem agora ao seu dispor um produto com elevada rendibilidade e segurança, o BB Rendimento Top"; "Com o BB Rendimento Top, ganha sempre mais arriscando muito menos"; "Pagamento semestral de juros na conta à ordem".

- No início de 2012, perfez 30 anos, sobre a data em que o Autor passou a prestar, como Advogado, serviços jurídicos à Ré.

- O Autor apenas subscreveu o produto referido em A., dada a Taxa EURIBOR a seis meses praticada na data ai referida, acrescida da percentagem referida em D bem como face aos apelos da Ré, com referência à rendibilidade do produto referido em A. e à publicidade referida em F.

- Ao subscrever o produto referido em A. o Autor conhecia as recomendações constantes do documento denominado “riscos gerais de investimento em valores mobiliários”.

- Possuindo, em virtude do referido em P. e pelo desempenho das funções, um profundo conhecimento da actividade bancária e seus produtos financeiros.

- O Autor foi informado das condições contratuais subjacentes ao produto "BB Rendimento TOP, 1.ª Série ".

- Teve acesso prévio às condições contratuais, repetiu e confirmou exaustivamente os seus pontos principais com os funcionários da Ré.

- Tendo percepcionado todas as características do produto e riscos associados, nomeadamente a variação da taxa indexante.

Para além do documento intitulado “BB Rendimento Top, 1ª Série, Obrigações de Caixa Subordinadas-Subscrição Pública” junto pela Ré a fls. 91 dos autos, o Autor apenas juntou o documento que titula o Contrato de registo e depósito de valores mobiliários e de recepção e execução de ordens por conta de outrem, assinado na sequência da referida subscrição do produto, sendo esse, assim, o contrato principal.

Haverá, portanto, em primeiro lugar, de aferir se a matéria de facto apurada integra os requisitos da responsabilidade civil contratual emergente de eventual incumprimento de deveres resultantes de um contrato de intermediação financeira que se estabeleceu entre o A., como cliente, e a Ré, como instituição financeira, e na sequência do qual pelo primeiro foi efectuada uma aplicação financeira consistente na aquisição de um produto dessa natureza comercializado pela Ré, correspondente a obrigações de caixa subordinadas – Subscrição Pública, um Instrumento de Captação de Aforro Estruturado (I.C.A.E.).

Ora, como é consabido, os bancos dedicam-se à prática de actos bancários, com carácter profissional e habitual, com vista à obtenção do lucro, para o que constroem uma estrutura e orgânica com vista à realização de tal propósito e também à salvaguarda dos direitos e interesses de quem procura os seus serviços (clientes), que neles depositam confiança nos serviços e informações que pelo banco lhes são prestadas, no âmbito da realização ou preparação de actos e contratos bancários.

Por outro lado, como é também notório e bem se esclarece na decisão recorrida, “o comércio bancário de intermediação financeira visa primordialmente aproximar e reunir a oferta e a procura, tarefa em que certas condutas podem potenciar o perigo de tal actividade conduzir à lesão dos interesses e a danos no património e na pessoa dos investidores, em regra a parte mais débil da relação”.

E como também aí se refere, na situação vertente está-se perante “Obrigações que a Banca Ré comercializava no seu papel de instituição financeira, no âmbito de uma relação mais ampla e que compreendia vários negócios, o específico contrato – ou melhor, os dois contratos – celebrado estruturou-se subjectivamente, de um lado, na pessoa do Autor, enquanto cliente investidor individual interessado em rentabilizar o capital das suas poupanças, e, do outro a Ré, dedicado ao comércio bancário e à intermediação financeira; e, objectivamente, na subscrição de certa quantidade de obrigações”, assumindo relevância “na decisão, consumação e execução de uma tal relação contratual a livre vontade e a autonomia negocial das partes, os deveres recíprocos, em função da sua qualidade e do específico objecto negocial, acabam por ser modelados por regras legais disciplinadoras e a cujo cumprimento especialmente a entidade financeira se vincula pela circunstância de estar licenciada e exercer uma tal actividade”.

Na actividade de intermediação financeira, “a relação de clientela é uma relação obrigacional complexa e duradoura, iniciada nas negociações de um primeiro contrato e desenvolvida continuamente por subsequentes e repetidas ou renovadas operações de negócios firmadas pelas partes, muitas das quais novos contratos, em que, a par de prestações primárias (ou secundárias) surgirão obrigações acessórias de cuidado ou deveres de protecção cominados por acordo dos contraentes, pela lei ou pela boa fé, para satisfação do interesse do credor. Deste modo, a relação de clientela não é um (único) contrato geral, mas uma relação contínua e duradoura de negócios, assente em ligações especiais de confiança e lealdade mútua das partes, cuja violação na negociação conclusão, execução ou pós- extinção de uma operação financeira acarreta responsabilidade contratual”. Cfr. Calvão da Silva, in Direito Bancário, pag. 335.

De harmonia com o disposto no nº 1, do artigo 314 do CVM, “Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes seja imposta por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública”, prescrevendo, por sua vez, o nº2, desse mesmo normativo, uma presunção de culpa do intermediário financeiro, ao estabelecer que ”A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré- contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

Os princípios norteadores da actividade dos intermediários financeiros estão consagrados no art. 304, do CVM, que constituem verdadeiros deveres gerais de conduta dos intermediários financeiros, neles incluindo obviamente os deveres de informação, devendo, designadamente, “informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente”.

Por outro lado, e como se refere na decisão recorrida, estando a actividade bancária sujeita às normas constantes do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, previstas no Decreto – Lei 298/92, de 31/11, nos termos dos artigos 73 a 76, deste diploma, exige-se às instituições de crédito, em todas as actividades que exerçam, que assegurem aos clientes, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência (art.º 73.º), sendo que, nas relações com os clientes, exige-se ainda que os administradores e os empregados das instituições de crédito procedam com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados, e bem assim, que os seus administradores e membros dos órgãos de administração, procedam com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta os interesses dos depositantes, dos investidores e demais credores – cfr. artigo 76.

As instituições de crédito devem ainda informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos prestados por aqueles - cfr. art. 75 nº1.

Tem-se, assim, vindo a entender que, revestindo-se a informação bancária de uma natureza tendencialmente técnico-jurídica, simples, directa e eficaz,o problema da responsabilidade por informações como problema autónomo, coloca-se, principalmente, quando o dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações, as quais induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé”, ou seja, “No caso do banco, o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objectivamente possuem. Portanto, e no que concerne à responsabilidade extracontratual por informações, não se pode dispensar a mesma tutela jurídica a um destinatário de uma informação, quando esta provenha de alguém especificamente qualificado para a fornecer (como um banco) ou quando provenha de um leigo, colocando-se a questão do nível da ilicitude e não da culpa”. Cfr. Agostinho Cardoso Guedes, in A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485.º do Código Civil, in Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, a pág.s 138 e 139.

Assim, “sempre que alguém se dirige a um banco para com ele celebrar um contrato (um depósito bancário, um empréstimo, a compra de títulos da sociedade proprietária do banco, um desconto, um empréstimo hipotecário, depósito de títulos etc. e se inicie “uma actividade comum dos contraentes destinada à análise e elaboração do projecto de negócio» não parece restar qualquer dúvida que qualquer dos contraentes fica imediatamente vinculados aos deveres resultantes do art. 227 e consequentemente o banco pode ser obrigado a prestar informações ou conselhos ou, quando tal dever não surja por força do dever de agir com boa fé, responsabilizado, ainda assim, por informações ou conselhos inexactos (desde que, com esse comportamento, se violem outros deveres de conduta, tal como acontecia com os deveres laterais de origem contratual de que resultem danos”. Cfr. Agostinho Cardoso Guedes, ob cit. pags. 147 e 148.

A este propósito refere ainda Menezes Leitão “que mesmo nos casos em que o banco presta conselhos ou recomendações sobre negócios (consultoria em relação a decisão de investimento, intermediação em operações sobre valores mobiliários, etc.) mesmo neste âmbito, sempre que a informação prestada tenha um cariz objectivo, se deve presumir a culpa do banco nos termos do art. 799 do CC que “como entidade especializada na matéria se compromete á prestação de informações exactas, cabendo a ele ilidir sempre essa presunção com a demonstração de que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua”. Cfr. Menezes Leitão in Informação Bancária e Responsabilidade, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Inocêncio Galvão Telles, Volume II, Direito Bancário, Almedina, 2002, a pag. 230.

Toda esta série de normas visa proteger a confiança dos clientes dos bancos nas informações que estes lhes prestam aquando das conversações e ou contactos preliminares à celebração de um acto / contrato bancário, a ponto de se essas informações se mostrarem inexactas, incompletas ou falsas e forma determinantes na celebração de um acto ou contrato com o banco, este poderá ser responsabilizados pelos danos que causar, quer pela via contratual quer extracontratual. Cfr. neste sentido Ac. da Relação de Coimbra de 9.10.12 acessível via www.dgsi.pt .

Destarte, e por decorrência, se as informações que são prestadas pelo banco são inexactas, incompletas ou falsas e foram causais da celebração de um acto ou contrato com o banco, este terá, efectivamente, de ser responsabilizado pelos danos que assim causa, quer por via contratual quer extracontratual, consoante a particular especificidade fáctica do caso concreto.

Isto como é óbvio, por decorrência do princípio da confiança, subjacente a toda a problemática da responsabilidade por informações prestadas pelos bancos, e que, como refere Baptista Machado, “(…) é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e que a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem”, pois que, “poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens... A não correspondência sistemática à confiança inspirada tornaria insegura, ou paralisaria mesmo, a interacção humana”. Cfr. Baptista Machado, " Tutela da Confiança e Venire contra Factum Proprium ", in Obra Dispersa, vol. I, Braga, 1991, pag.352.

Todavia, e como e mais uma vez, correctamente, se realça na decisão recorrida, existem situações “de recomendações ou conselhos sobre determinada operação negocial, v.g., compra e venda de acções, obrigações, títulos de participação, é muito difícil controlar a veracidade ou exactidão das informações, já que, para além da recolha e avaliação de factos, estão em causa previsões e prognoses sobre a evolução da situação económico-financeira e diversas análises que comportam maior risco”. Cfr. cf. Agostinho Cardoso Guedes, ob cit., págs 139 a 141.

Assim, e sem embargo de quando o banco presta recomendações ou conselhos, sobre negócios (designadamente, decisões de investimento ou intermediação em operações mobiliárias), e sempre que a informação a prestar tenha cariz objectivo, se deva presumir a culpa do banco, nos termos do disposto no artigo 799, do C. Civil, o qual, como entidade especializada na matéria se compromete à prestação de informações exactas, o certo é que, na presente situação, e à semelhança do que sucede em muitas outras, havendo a interferência de factores futuros e incertos, com relação à determinação do concreto valor dos juros a pagar, que são calculados com recurso à Taxa Euribor a 6 meses, acrescida 1% ou 1,5%, até ao 5º ano ou entre o 6º ao 10º, respectivamente, não se verifica, com relação a este aspecto, a possibilidade de ser prestada uma informação de cariz acentuadamente objectivo, relativamente ao concreto valor dos juros, mas tão somente com relação ao seus critérios de determinação, pois que, sendo um dos seus relevantes factores ou critérios de fixação aleatório é, consequentemente, imprevisível em termos concretos, podendo por isso afirmar-se que, na presente situação, o risco do investimento efectuado resulta precisamente da indeterminação prévia do valor dessa taxa de juro, e que sendo variável, determina, condiciona ou limita o valor a pagar no futuro a título de juros decorrentes ou produzidos por esse investimento efectuado.

No caso dos autos, foi com base na“ informação de capital garantido” que o Autor deu o seu acordo na aquisição dos mencionados títulos, sendo certo, como também diz Sinde Monteiro, sem essa informação o Autor dificilmente daria o seu acordo na aquisição dos identificados activos financeiros. Cfr. Sinde Monteiro, in Responsabilidade Por Conselhos e Recomendações ou Informações, Almedina , 1999 a pag. 49.

De tudo quanto antecede como óbvia flui a conclusão de que, enquanto instituições de crédito (artigo 3º, alínea a), do DL 298/92, de 31.12) os bancos podem prestar serviços de intermediação financeira, sobre eles impendendo na fase pré-contratual deveres específicos de informação em relação aos investidores não qualificados, pessoas singulares ou colectivas a quem a lei concede uma maior protecção, dada a sua menor experiência e conhecimentos ao actuarem fora da sua área profissional, sendo que, de acordo com as circunstâncias, devem disponibilizar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, entre elas, as atinentes à natureza e riscos dos instrumentos financeiros (cfr. artigo 312º, alíneas d) e e), sendo indicados nos subsequentes artigos 312º-A a 312º-G os termos e procedimentos a observar), sob pena de poderem incorrer em responsabilidade civil nos termos do artigo 304º-A.

E, assim sendo, mesmo sendo certo que não estava a Ré dispensada de conhecer o perfil do investidor, convirá, no entanto realçar que, na situação vertente, não se está perante um produto complexo e de risco muito agressivo, mas sim perante um produto com garantia de capital no prazo de maturidade ou em situação de resgate antecipado, visto que a sua rentabilidade dependia do comportamento de um factor, consistente na Taxa Euribor a 6 meses, à qual acresceria 1% ou 1,5%, até ao 5º ano ou do 6º ao 10º ano, respectivamente.

E por essa razão, designadamente, por se não estar perante produto financeiro de elevada complexidade, cuja compreensão dos respectivos termos e riscos do investimento, mesmo por parte de quem não possua um conhecimento e experiência aprofundada destas matérias, não se nos afigura, em contrário do que sucede com o Recorrente, que constitua manifesta extrapolação ou discricionariedade por parte do tribunal recorrido o ter dado como provado que o A., “em virtude do referido na alínea P) e pelo desempenho de funções – de Advogado, durante 30 anos, dos serviços jurídicos da Ré -, um profundo conhecimento da actividade bancária e seus produtos financeiros”.

Na verdade, como escreve Nikisch ”o Tribunal na formação da sua convicção da existência de uma circunstância de facto relevante para decisão, pode valer-se também da experiência da vida, da qual resulte que um determinado acontecimento ou estado é a consequência típica de um evento anterior. Deste modo, pode-se muitas vezes, com segurança suficiente, concluir da causa para o efeito como também do efeito para a causa e, antes de tudo, ainda a conexão causal entre dois acontecimentos (...)”. Cfr. Nikisch, citado por Vaz Serra (Direito Probatório Material), B.M.J. nota 29, pgs. 79 e 80.

E acrescenta o mesmo autor que “na execução da sua função no processo, o tribunal é, em larga medida, levado a aplicar as regras gerais da experiência. Tais regras são o resultado da geral experiência da vida ou de um especial conhecimento no campo científico ou artístico, técnico ou económico, e são, adquiridas, por isso, em parte mediante a observação do mundo exterior e da conduta humana, em parte mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou industria. O juiz precisa delas, quer para a fixação de factos, quer para a aplicação da lei aos factos fixados. Na primeira direcção desempenham as regras de experiência, antes de tudo, um papel na apreciação da prova e na conclusão dos indícios para factos discutidos, na segunda direcção quando da aplicação de conceitos jurídicos valorativos”. Cfr. Nikisch, ob. e loc cit.

Em decorrência, constitui jurisprudência corrente a de que “é lícito aos tribunais de instância tirarem conclusões ou ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, e fazer a sua interpretação e esclarecimento, desde que, sem a alterarem, antes nela se apoiando, se limitem a desenvolvê-la, conclusões essas que constituem matéria de facto”. Cfr, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J., de 19-10-94, in BMJ nº. 440º, pág. 361.

Estas presunções decorrentes da experiência inspiram-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana.

Assim, e mesmo tratando-se de mera materialidade instrumental sem relevância decisiva para a boa decisão da causa, já que a questão essencial ou fulcral em termos de materialidade factual a mais se não subsume do que na de esclarecer se o A. teve ou não conhecimento aprofundado do produto financeiro em que investiu, e, designadamente, dos riscos a ele inerentes - e disso, a factualidade demonstrada, não deixa que persistam quaisquer dúvidas -, legitimo se nos afigura concluir que um concreto investidor com o perfil do A., ou seja, Advogado com aprofundada e prolongada experiência profissional de mais de 30 anos, no ramo da actividade judiciária ligada ao sector bancário, e a quem foi prestada abundante informação sobre o produto, designadamente, por escrito, tenha efectuado um investimento de tão avultado valor sem ter pleno e prévio conhecimento das características e riscos deste tipo de produtos, que, e desde à longa data, estão presentes na actividade bancária, e são, pelo menos na sua existência, do conhecimento generalizado de qualquer normal investidor, e que, como é óbvio, e por maioria de razão, nunca poderiam ser desconhecidos ou ignorados por uma pessoa com o perfil e experiência profissional como o do A., profundamente familiarizado com esta actividade.

Destarte, e porque o A. teve acesso prévio, e, portanto, conhecimento, das condições contratuais, nomeadamente, dos prazos, das taxas de juro e da faculdade de resgate antecipado por parte do Banco, tendo, portanto, perfeita consciência dos riscos que assumiu ao investir no produto em referência nos autos, designadamente, quanto à variabilidade do factor indexante - a Taxa Euribor -, que, como é do conhecimento comum, e era também do seu perfeito conhecimento, poderia subir ou descer, com as consequentes vantagens ou desvantagens patrimoniais para a rentabilidade do investimento efectuado, embora seja razoável e coerente admitir que tenha realizado um tal investimento com a firme convicção e na expectativa de que a Taxa Euribor se mantivesse, ou, pelo menos, que se não viesse a verificar uma descida tão abrupta dessa mesma taxa, como aquela que efectivamente se verificou, pois, como é evidente, ninguém efectua um investimento se perspectivar que dele não resultarão quaisquer ou relevantes proventos.

Alega o Recorrente que a Cláusula 18 (atinente à Modificação das Cláusulas Contratuais) do documento denominado “Cláusulas Gerais do Contrato de Registo e Depósito de Valores Mobiliários e de Recepção e Execução de Ordens Por Conta de Outrem”, consagra as seguintes cláusulas:

“1- A CEMG reserva-se o direito de proceder à modificação das condições gerais constantes do presente contrato, devendo propor ao (s) CLIENTES (S) a aceitação da modificação, para o que lhe (s) dará um prazo não inferior a 10 (dez) dias, ficando acordado que o silêncio do (s) cliente (s) vale como aceitação.

2- Caso não concorde com as modificações propostas pela CEMG, tem (têm) o (s) CLIENTE (S) a faculdade de resolver o presente contrato, resolução que deverá ser comunicada à CEMG no prazo indicado no número anterior contado da recepção da proposta da alteração, através da carta registada com aviso de recepção.

3- Havendo recusa do (s) CLIENTE (S) poderá a CEMG resolver o presente contrato e considerar extintos todos os depósitos ao abrigo dele constituídos, nos termos do disposto na cláusula anterior”.

Mais alega que, aplicando-se aos contratos de intermediação financeira o regime das cláusulas contratuais gerais, e sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados aos consumidores, a aludida cláusula violou frontalmente normas de caracter imperativo consagradas no Decreto – Lei nº 446/85, de 25/10, designadamente, o disposto no artigo 18, al. j), no qual se prescreve que “são em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que estabeleçam obrigações duradouras perpétuas ou cujo tempo de vigência dependa, apenas, da vontade de quem as predisponha”, devendo, por consequência, ser considerada como não escrita, não ficando, por decorrência, tal contrato sujeito a qualquer prazo de duração.

Por outro lado, ainda em seu entender, uma tal cláusula, ao conferir á Ré um poder que esta reservou exclusivamente para si, uma vez que lhe confere o poder de modificar o contrato em apreço, a todo o tempo, nas condições por si definidas, e que, no caso de não serem aceites pelo A., lhe atribui a possibilidade de resolver o contrato de imediato, veio permitir à Ré, de forma arbitrária e unilateral, condicionar a duração do contrato, razão pela qual essa cláusula está também ferida de nulidade insuprível, por manifesta violação do disposto no artigo 19, al. h), do Decreto – Lei 446/85, de 25/10, no qual se estipula que “são proibidas, consoante o quadro negocial preconizado, designadamente, a faculdade de modificar as prestações, sem a compensação correspondente às alterações de valor verificadas”.

E mais alega ainda que, facultando à Ré a faculdade de resolver o aludido contrato, na hipótese de por si não serem aceites as modificações propostas por aquela, tal cláusula é, a todos os títulos, abusiva, iníqua e geradora flagrante desigualdade entre as partes, violando de modo expresso o artigo 22, nº 1, al. b), do Decreto – Lei 446/85, de 25/10, onde se estipula que “são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas contratuais que permitam, a quem as predisponha, denunciar livremente o contrato, sem pré aviso adequado, ou resolvê-lo sem motivo justificativo, fundado na lei ou em convenção”.

Como é consabido, desde há muito que, em razão da sua progressiva massificação da comercialização de produtos financeiros, a actividade bancária constituiu um terreno de eleição para a utilização de contratos de adesão e de cláusulas contratuais gerais, que constituem, assim, o suporte jurídico fundamental da moderna contratação bancária, servindo as cláusulas contratuais gerais, na ausência de um quadro normativo que assegure as relações contratuais bancárias, de suporte jurídico do contrato quadro que cada vez mais concretiza as relações dos bancos com os seus clientes.

E, atenta a posição dominante que o banco assume na relação com o cliente, decorrente de vários factores, a supressão do poder negocial mediante a predisposição de clausulados gerais cria, pela natureza das coisa, um terreno propício à consagração de regulamentações obscuras, maleáveis e abusivas, e potencia o surgimento de um risco de desequilíbrios contratuais em prejuízo do cliente. Cfr. Azevedo Ferreira, Manual de Direito Bancário, 2º ed., Coimbra, 2002, pg. 453.

Daí que, e com a intenção de mitigar os riscos de utilização abusiva de cláusulas gerais, terem sido criados regimes especialmente aplicáveis à utilização de cláusulas contratuais gerais e de contratos de adesão, incidindo não apenas no procedimento tendente à celebração do contrato, ou seja, à subscrição de cláusulas contratuais gerais, como ainda sobre o próprio conteúdo do contrato, sendo dentro destes regimes que a Lei da Cláusulas Contratuais Gerais – Decreto – Lei 446/85, de 25/10 – constitui um instrumento fundamental de protecção do contraente mais vulnerável, na situação, os clientes do banco.

Como se refere na decisão recorrida o regime jurídico instituído pelo Decreto - Lei n.º 446/85, de 25/10, veio estabelecer limites à liberdade contratual por reconhecer que, a fixação unilateral de CCG pode levar a estipulações abusivas, no interesse exclusivo do proponente, com desrespeito pelo interesse do aderente, determinando, assim, um indesejável desequilíbrio contratual dos interesses em jogo, sem que, perante tal situação, criou normas de controlo do conteúdo das CCG, estabelecendo, desde logo, um princípio geral de controlo, declarando serem proibidas as cláusulas contrárias à boa fé (arts. 15.º e 16.º, do aludido D.L.), e, de seguida, concretizando, na medida do possível, as situações de abuso mais flagrantes, enumerou quatro listas (a título exemplificativo) de cláusulas proibidas, sendo tal proibição absoluta em duas delas (arts. 18.º e 21.º) e relativa em relação às outras duas (arts. 19.º e 22.º).

Ora, analisada a cláusula que prevê a possibilidade de resgate antecipado apenas por parte do banco a partir do quinto ano, à luz dos disposto no artigos 18, nº 1, al. j) do Decreto – Lei 446/85, de 25/10, que considera ser absolutamente proibida, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que estabeleçam obrigações duradoura perpétuas ou cujo tempo de vigência dependa apenas da vontade de quem as predisponha, e cujo primordial objectivo consiste em evitar um desequilíbrio das partes no tocante à vigência do contrato, temos que, como e, em nosso entender, correctamente, se refere na decisão recorrida, embora em conformidade com tal cláusula, a vigência do contrato a partir do quinto ano fique dependente apenas da vontade do Banco, existindo, por isso, pelo menos, um desequilíbrio contratual entre as partes, na medida em que a cláusula em referência e supra descrita estabelece, inequivocamente, uma possibilidade de denúncia do contrato por parte do Banco, a partir do quinto ano, que não confere ao aderente, que está vinculado a um prazo de 10 anos, a questão que, e desde logo, terá de ser colocada é a de saber se o regime das cláusulas gerais se aplica à situação em apreço.

Ora, como se menciona nessa mesma decisão, em conformidade com o disposto no art. 3º al. a), do citado diploma legal, este não se aplica a cláusulas típicas aprovadas pelo legislador, ou seja, e revertendo à situação em análise, a todas aquelas situações em que a possibilidade de o Banco resgatar o capital antes do período de vigência do contrato, resulte de uma norma aprovada pelo legislador.

Como é sabido e aí também se explicita, o regime das Obrigações de Caixa encontra-se expressamente regulado pelo Decreto - Lei nº 408/91, de 17 de Outubro, em cujo preambulo se refere que o regime nele contido “veio a ser sucessivamente modificado e integrado, de modo a dotá-lo de maior flexibilidade, por um lado, e a colocar esta forma de financiamento ao serviço de outras instituições financeiras não abrangidas na previsão inicial, por outro”.

Por essas razões, aí se continuou a mencionar ter chegado o momento de reformular integralmente o respectivo regime, tendo em vista simplificar a emissão dos títulos em causa e eliminar os constrangimentos que não se justificavam nas circunstâncias à data, prescrevendo-se no seu artigo 1º que “as obrigações de caixa são valores mobiliários que incorporam a obrigação de a entidade emitente pagar ao seu titular uma certa importância, em prazo não inferior a dois anos e os correspondentes juros de mora”.

Obrigações de caixa são precisamente as que foram adquiridas pelo A., sendo, por isso, aplicável ao respectivo contrato este regime.

Relativamente às formalidades a observar, como decorre do disposto no art. 5º nº 1, desse mesmo diploma legal, “As instituições referidas no art. 2º, antes da realização das operações referidas no artigo 4º, devem publicar um prospecto através do qual informem os destinatários das operações dos respectivos elementos essenciais, nomeadamente dos seguintes:

a) Número total de obrigações e sua forma de representação;

b) Condições de pagamento;

c) Prazo;

d) Taxa de juro;

e) Periodicidade do vencimento de juros;

f) Regime de reembolso antecipado, bem como a forma e as condições em que poderá ter lugar.

E acrescenta o art. 7º nº 2 do mesmo diploma, que “sem prejuízo do disposto no número anterior quanto ao reembolso antecipado, as obrigações de caixa não podem ser adquiridas pela instituição emitente antes de decorrido o prazo de dois anos sobre a data de emissão”, ou seja, é o próprio legislador que prevê neste tipo de contratos a faculdade de resgate antecipado por uma das partes, com a limitação, no que respeita ao emitente, que esse resgate seja feito depois de decorridos dois anos sobre a data de emissão.

Destarte, e sem necessidade de mais e alongadas considerações, e por consequência da consagração legal da faculdade de antecipação do resgate de uma das partes, incontornavelmente resulta como necessária decorrência a exclusão da aplicação do regime previsto no art. 18º, al. j), do regime geral das cláusulas contratuais gerias, não se verificando, assim, a nulidade da cláusula relativa ao prazo de vigência do contrato, que conferiu ao Banco a possibilidade de exercer o reembolso antecipado a partir do final do 5º ano.

Alega ainda o Recorrente que uma tal cláusula, ao conferir ao Banco o poder de modificar o contrato em apreço, a todo o tempo, nas condições por si definidas, e que, no caso de não serem aceites pelo A., lhe atribui a possibilidade de resolver o contrato de imediato, permitiu à Ré, de forma arbitrária e unilateral, condicionar a duração do contrato, estando, por isso, afectada de nulidade insanável por violação do disposto no art. 19º, al. h) e 22, nº 1, al. b), do DL 445/85, uma vez que atribui a faculdade de modificação das prestações, por parte de quem predispõe as cláusulas sem qualquer compensação, bem como, a faculdade de resolver o mesmo contrato, caso o Recorrente não aceite as modificações propostas pela Recorrida, respectivamente.

Como bem lembra a decisão recorrida, embora o equilíbrio contratual não seja apresentado como princípio, as manifestações do princípio do equilíbrio contratual conjugam-se com as manifestações dos restantes princípios, havendo, assim, de realçar-se que os princípios não se aplicam numa lógica de “tudo ou nada”, mas sim de um modo gradativo e de forma coordenada com os demais elementos do sistema jurídico, nomeadamente, com os outros princípios, incluindo os com eles potencialmente conflituam.

Por essa razão, e como é evidente, em defesa de um princípio do equilíbrio contratual não se deve concluir que todas prestações nos contratos comutativos devam ser necessariamente, e de modo absoluto, equilibradas, mas apenas que na solução das perturbações surgidas na execução desses contratos haverá sempre de ter-se em conta, entre outros elementos do sistema, esse princípio.

Assim, em preservação ou salvaguarda dessa ideia de equilíbrio, são inúmeras as normas plasmadas na nossa lei civil, e designadamente, as do art. 237 CC, segunda parte onde se refere que em caso de dúvida sobre o sentido dos negócios onerosos, prevalece “o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações”; do art. 239 CC, parte final, quando afirma que na “integração dos negócios jurídicos”, os ditames da boa fé prevalecem sobre a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso; do art. 437 CC, quando as circunstâncias em que as partes fundam a decisão de contratar sofrem uma alteração anormal e a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé, a parte lesada tem direito à resolução ou à modificação do contrato segundo juízos de equidade (desde que os efeitos da alteração não estejam incluídos nos riscos próprios do contrato) e, por último, as dos arts. 282 e 283 CC, onde se prescreve que são anuláveis ou alteráveis os negócios em que uma das partes tenha obtido, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de “benefícios excessivos ou injustificados”, sempre que essa obtenção tenha resultado da exploração de situações de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter da outra parte.

E essa mesma preocupação de equilíbrio contratual é a que está subjacente á consagração dos regimes previstos noutros normativos avulsos, e, designadamente, no constantes do art. 19, alíneas b, c), f), g) e h), do Decreto - Lei 446/85, de 25/10, nas relações entre empresários ou entidades equiparadas, e onde se refere que são proibidas, “consoante o quadro negocial padronizado”, as cláusulas gerais que “estabeleçam, a favor de quem as predisponha, prazos excessivos para o cumprimento, sem mora, das obrigações assumidas”, “consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”, “coloquem na disponibilidade de uma das partes a possibilidade de denúncia imediata ou com pré-aviso insuficiente, sem compensação adequada, do contrato, quando este tenha exigido à contraparte investimentos ou outros dispêndios consideráveis” e “consagrem, a favor de quem as predisponha, a faculdade de modificar as prestações sem compensação correspondente às alterações de valor verificadas”.

Todavia, e não obstante essa acentuada preocupação de preservação do princípio do equilíbrio contratual, várias são, no entanto, as normas que conferem às partes a faculdade de se desviarem por decisão unilateral dos exactos termos do programa contactual (ius variandi).

Estas cláusulas de ius variandi são utilizadas com bastante frequência em contratos bancários, tanto em operações activas, como em operações passivas, e assumindo diferentes formatos, encontram-se, por exemplo, cláusulas que atribuem ao banco o poder de alterar unilateralmente as condições financeiras do contrato, modificando taxas de juro, comissões e outros encargos, cláusulas características de contratos de concessão de crédito, mas também de contratos de depósito a prazo e mesmo de abertura de conta.

Assim, podem encontrar-se no tráfego jurídico bancário cláusulas contratuais de natureza mais geral, que atribuem ao predisponente o direito de alterar qualquer disposição contratual, consagrando um ius variandi genérico, ao abrigo do qual podem ser modificadas, nomeadamente, datas de vencimento e pagamentos, a forma de determinados actos, o local e tempo de cumprimento, entre outros aspectos.

A este propósito, dispõe a aI. b) do n.º 2 do art. 22, do Decreto – Lei 446/85, de 25/10, ser admissível a cláusula que atribua ao profissional

o poder de alterar unilateralmente o conteúdo de um contrato de duração indeterminada, contanto que se preveja o dever de informar a contraparte com pré-aviso razoável e se lhe dê a faculdade de resolver o contrato”.

Logo à primeira vista, resultam claras as seguintes características: é uma norma que tem não só um âmbito de aplicação distinto do da al. a), sendo aplicável apenas a contratos de duração indeterminada, mas que confere ao predisponente um poder distinto, mais amplo e abrangente, permitindo um ius variandi genérico, do que legitimamente se pode inferir a admissibilidade de a cláusula de ius variandi habilitar o predisponente a alterar não só as condições financeiras, mas toda a malha de direitos e deveres que regem a relação contratual entre banco e consumidor.

A lei consagra, assim, um ius variandi “livre”, admitindo a cláusula contratual que habilite o exercício de tal poder independentemente da verificação de um evento que o legitime, ou seja, sem que se exija a prévia ocorrência de uma razão atendível ou variação de mercado, permitindo, dessa forma, para os contratos de duração indeterminada, a possibilidade de uma ampliação significativa do poder do predisponente de conformação unilateral do contrato, valendo a cláusula que o habilite a modificar as disposições inicialmente estipuladas mesmo que tais alterações decorram exclusivamente da vontade do banco e não de qualquer razão objectivamente justificável.

E, para que isso assim se verifique, bastará tão somente que a cláusula obrigue o predisponente a comunicar ao consumidor, em momento prévio e com a antecedência razoável, as alterações a introduzir no contrato e confira ao consumidor a faculdade de o resolver.

No entanto, a admissibilidade de um ius variandi genérico e a inexigência de um fundamento objectivo estão limitadas aos contratos de duração indeterminada, pois que, estando-se perante um tipo contratual em que é mais premente a necessidade de flexibilidade e mais complexo "assegurar antecipadamente uma criteriosa actualização das cláusulas remuneratórias”, justifica-se o maior poder do predisponente de conformação unilateral do conteúdo do vínculo, contratual e em particular., a desnecessidade de invocação de um fundamento objectivo (externo) para o exercício do ius variandi. Cfr. Azevedo Ferreira, ob. cit., pg. 439.

Todavia, a faculdade concedida ao predisponente de alterar o contrato é compensada com a atribuição, ao consumidor, do direito de resolução do contrato.

Também aqui a preocupação de salvaguardar um equilíbrio aceitável na relação contratual fez com que se fizesse depender a validade da cláusula de ius variandi genérico e «livre» da circunstância de o consumidor poder, em resposta, fazer cessar o vínculo contratual, sendo, no entanto, necessário, que a cláusula mencione expressamente este direito, à produção de efeitos da resolução, que poderá ser exercido logo que as alterações contratuais se tornem eficazes.

De tudo decorre que se das condições gerais subscritas pelo cliente não constar uma cláusula de ius variandi, vigorará o princípio geral do cumprimento pontual dos contratos, e, sempre que uma tal cláusula conste do contrato celebrado com o consumidor, mas não cumprir os requisitos previstos na lei, ela

será nula, aplicando-se o regime supletivo e não podendo, por isso, o banco alterar unilateralmente a disciplina contratual.

Por isso, e como se salienta na decisão recorrida, sem prejuízo da declaração da nulidade desta cláusula, nunca daí decorreria qualquer um dos efeitos pretendido pelo Autor com a presente acção.

Isto assente, não pode, por outro lado, esquecer-se que, como se refere na decisão recorrida, por força do disposto na parte final do art. 10º do DL nº 446/85, a interpretação das cláusulas contratuais gerais deve fazer-se sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam, tendo-se, assim, em conta que as circunstâncias concretas dos contratos singulares podem conduzir a resultados interpretativos diferentes dos que resultam da análise de cláusulas abstractas, tomadas em si e por si, e possibilitando-se uma justiça mais apurada.

Por isso, dúvidas não podem restar de que nos contratos sujeitos ao regime das cláusulas contratuais gerais e dos contratos de adesão, as proibições, nas relações com consumidores finais, de cláusulas que atribuam a quem as predisponha o direito de alterar unilateralmente os termos do contrato sem que se dê à contraparte o direito a resolver o contrato não implicam “a proibição das cláusulas de indexação, quando o seu emprego se mostre compatível com o tipo contratual onde se encontram inseridas” (art. 22, n.º 4, do Dec.-Lei 446/85, de 25 de Outubro).

Ora, conforme resulta do texto da cláusula, ao autor sempre lhe assistia o direito de resolver do contrato, pelo que e tendo em conta o tipo contratual em que a cláusula se encontra inserida entendemos ser a mesma compatível com o tipo de contrato.

Destarte, e como se conclui na decisão em apreço, esta cláusula constante do contrato de registo e depósito de valores mobiliários e de recepção e execução de ordens por conta de outrem - que nem sequer é o contrato principal,- como já o dissemos- a CEMG reserva-se o direito de proceder à modificação das condições gerais constantes do presente contrato, mas permite ao aderente resolver o contrato, pelo que inexiste a invocada nulidade por violação do art. 19º do RGCCG.

Por último, peticiona ainda o Recorrente a resolução do contrato, invocando como fundamento a verificação de uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes celebraram o contrato em referência nos autos.

Como é evidente, subjacente à celebração de um qualquer contrato, que não seja de execução instantânea, está sempre uma ideia de estabilidade, de segurança, e espera-se o seu integral cumprimento, daí toda a teorização dogmática da “alteração anormal das circunstâncias”, como causa de resolução de contratos.

A questão em litígio a mais se não subsume, assim, do que à de saber se, uma vez celebrado o aludido contrato de investimento no aludido produto financeiro, e tendo ocorrido uma alteração das circunstâncias existentes à data dessa celebração, lhe não será de aplicar o regime do artigo 437º do Código Civil, com base em alteração das circunstâncias, uma vez que aí se prescreve que tal regime apenas será aplicável desde que a exigência das obrigações assumidas pela parte afecte os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos do contrato, ou seja, nunca será aplicável, seja qual for a situação (afectando ou não esses princípios), quando esteja coberta pelos riscos inerentes ou intrínsecos do contrato celebrado.

E, como incontornável resulta, num mundo em que nada mais é absoluto, o contrato, para subsistir, teve que aderir ao relativismo que se tornou condição da sua celebração e subsistência no tempo em virtude da incerteza generalizada, da globalização da economia e da imprevisão institucionalizada, sendo que, não raramente os contratos são celebrados em determinado ambiente económico ou social que, posteriormente, se altera profundamente.

Perante a verificação de tais e imprevisíveis mudanças, no acto da manifestação da vontade das partes, mas que acabam por vir a tornar-se uma realidade incontornável capaz de onerar de sobremaneira a situação jurídica de um dos contraentes, se levantou a questão da resolução do contrato por alteração das circunstâncias.

Atentos e com base nesta indesmentível realidade se começou a contruir a teoria da base negocial, como constituindo aquela realidade que envolve inicialmente o negócio e que pode sofrer tal alteração que no momento do cumprimento da prestação, este se revele uma injustiça para o devedor, sempre tendo em vista “pôr o direito de acordo com a justiça e a equidade e reconhecer, por isso, um direito de resolução ou de modificação do contrato quando circunstâncias imprevisíveis alterem tão profundamente a relação entre as prestações que não possa razoavelmente exigir-se o cumprimento do contrato nos termos em que foi feito”. Cfr. VAZ SERRA, “Resolução ou modificação dos contratos…”, p. 304.

Em conformidade com o disposto no artigo 437º, do C.C., verificar-se-á a existência de um direito à resolução do contrato, ou à sua modificação segundo juízos de equidade, se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, desde que essa alteração afecte gravemente a boa fé e “não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”, ou seja, entendeu o legislador que não seria razoável impor às partes o cumprimento das obrigações contratuais, nos termos em que as mesmas foram convencionadas, quando, por circunstâncias imprevisíveis, esse cumprimento constituir para elas um

sacrifício desrazoável, abrindo-se, assim, a possibilidade de reposição do equilíbrio económico original do contrato, sendo a esfera de riscos próprios do contrato um critério que delimita negativamente essa faculdade.

Como refere Menezes Cordeiro, reportando-se ao problema da vinculação ao contrato e da fronteira das flutuações admissíveis e da necessidade de intervenção para reposição do equilíbrio negocial, “contratar é arriscado” Cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral – Tomo I, cit. pg. 619., sendo de diversa natureza os riscos inerentes à contratação, ou seja, os riscos próprios do contrato, embora referentes todos a situações de expectativa relativamente a vantagens e desvantagens que são caracterizadoras da contratação em geral.

E assim sendo, os riscos próprios do contrato funcionam como requisito negativo da aplicação do instituto da alteração das circunstâncias, obstando ao direito de resolução ou de modificação do contrato, ou, e dito de outro modo, onde existirem riscos próprios do contrato não poderá haver alteração das

circunstâncias, funcionando este último instituto subsidiariamente com relação às regras da distribuição do risco, cessando a sua aplicação sempre que exista uma regra que atribua aquele risco a alguma das partes. Cfr. Menezes Leitão, Direito da Obrigações, Vol. II, 2ª ed., 2003, pg. 203.

Sendo a imprevisibilidade da alteração ocorrida uma das características que com o regime de resolução previsto no artigo 437°, do C.C., se visou solucionar, será sempre de afastar a sua aplicabilidade quando o acordo negocial tenha previsto uma solução para a ocorrência do facto que poderia fundamentar o direito de resolução ou modificação do contrato, ou seja, sempre que as partes tenham tido em consideração a possibilidade da verificação dessa alteração das circunstâncias (ainda que apenas de ocorrência incerta ou remota) no momento da contratação, porque assim sendo, essa alteração terá integrado a base negocial objectiva com fundamento na qual alicerçaram a decisão de contratar.

A este propósito, como refere Almeida e Costa, com relação á questão de saber se o contrato de swap se inclui nos previstos no artigo 437, nº 1, do C.C., atentos os riscos próprios de tal contrato, como contrato aleatório que é, “não parece contrariar a lei a aceitação de uma fórmula que admita poderem os contratos aleatórios «ser resolvidos ou modificados quando a alteração das circunstâncias exceder apreciavelmente todas as flutuações previsíveis na data do contrato», com a possível ressalva de as partes não se haverem sujeitado a efeitos análogos resultantes de outras causas”. Cfr. Direito das Obrigações, 5ª edição, páginas 271 a 273 e Vaz Serra, Anotação ao Acórdão do STJ de 17/02/1980, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 113º, página 311.

Na verdade, os contratos de swap constituem um instrumento financeiro derivado nominado, o que é o mesmo que dizer que os “negócios em que se consubstanciam envolvem prestações negociais cujo «an» e «quantum» não é possível determinar no momento da respectiva celebração para uma ou ambas as partes, dependendo de um evento futuro de natureza estocástica, apenas determinável em definitivo no momento da respectiva execução”. Mas significa mais: trata-se de negócios em que o “risco” fornece o próprio objecto contratual, no sentido em que as partes contratantes, mais do que simplesmente celebrá-los num estado de défice informativo, visam justamente negociar sobre tal incerteza, fazendo desta a verdadeira causa e objecto negociais.

“Sublinhe-se, porém, que pode ser diferenciada a distribuição do risco contratual: ao passo que uma boa parte dos derivados possuem uma estrutura simétrica de risco – já que, implicando deveres recíprocos de liquidação física ou pecuniária para ambas as partes, envolvem uma concomitante distribuição mútua de ganhos e perdas (verbi gratia, futuros, swaps), outros existem que se caracterizam por um perfil de risco assimétrico, em que uma das partes sabe de antemão qual o seu risco ou perda máximos (é o caso das opções, cujo comprador ou beneficiário sabe à partida que incorre numa perda máxima correspondente ao respectivo prémio)”. Cfr. José Engrácia Antunes, “Os derivados”, in Cadernos do Mercado de Valores Imobiliários n.º 30, página 101 e Acórdão do S.T.J., de 10/01/2013, processo nº 1387/11.5TBBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt.

Ora, contrariamente ao que se poderia pensar, e embora não seja essa a situação em apreço nos autos, não podemos deixar de referir que, sendo uma realidade incontornável, com relação a qualquer contrato, por maioria de razão, as alterações anormais das circunstâncias, indubitavelmente se revestem, em abstracto, de um grande relevo no respectivo desenvolvimento e vida da tipologia dos contratos aleatórios, “em cuja essência intervém a álea, pois os seus efeitos dependem de um facto futuro e incerto, pelo menos temporariamente”, pois que, a celeridade com que tudo se processa e interliga na vida moderna, designadamente, ao nível dos instrumentos financeiros do mercado de capitais, que têm por finalidade primordial o financiamento e/ou a cobertura do risco da actividade económica das empresas, e logo, em absoluto previsível, se não nos seus exactos termos, pelo menos, na potencialidade ou possibilidade da sua ocorrência.

Na situação presente, contudo, o contrato em apreço, não configura um negócio em que as partes contratantes, ao celebrá-lo, tenham visado negociar sobre um estado de incerteza, fazendo desta a verdadeira causa e objecto negociais, mas sim perante um contrato que, implicando deveres recíprocos de liquidação pecuniária para ambas as partes, não envolve sequer, para qualquer delas, e designadamente, para o Recorrente, a possibilidade de perdas, mas tão somente a de ganhos, varáveis, é certo, no seu valor, e que, portanto, podem ser maiores ou menores, mas que serão sempre ganhos.

No contrato em referência nos autos ficou acordado entre as partes que a Ré efectuaria o pagamento de juros ao Autor, calculados à TAXA EURIBOR, a 6 MESES, mais 1%, até ao 5º ano, e à TAXA EURIBOR, a 6 meses, mais 1,5%, do 6º ao 10º ano.

Como se refere na decisão recorrida, “Euribor” é a junção das palavras Interbank Offered Rate e em português significa, “taxa interbancária oferecida em euro”, baseando-se esta taxa na média das taxas de juros praticados em empréstimos interbancários em euros dos 25 a 40 bancos europeus mais relevantes e é uma das principais taxas de referência do mercado monetário da zona euro porque indica a taxa de juros média dos empréstimos interbancários sem garantia da zona euro, considerando-se para o seu cálculo as taxas dos 32 principais bancos europeus, excluídos os valores extremos, ou seja, os 15% mais altos e os 15% mais baixos.

A taxa Euribor é calculada diariamente pela European Banking Federation (EBF) e publicada pela Reuters e sua divulgação diária ocorre às 11:00 horas (hora Central Europeia), e é rapidamente difundida pela imprensa, sendo um tal taxa influenciada por factores externos como economia, crescimento económico e o nível de inflação dos países e do mundo.

Ora, como resulta da factualidade tida como demonstrada, por decorrência da crise internacional verificou-se, no que se refere às respectivas taxas de juro, uma alteração das circunstâncias, consistente numa acentuada redução do seu valor, que, simultânea e indubitavelmente constitui também uma alteração do quadro factual ou base negocial em as partes assentaram a sua decisão de contratar, mas que se verificou igualmente com relação a todo e qualquer contrato entretanto celebrados e com rentabilidades condicionadas à evolução de taxas de juros.

Para a aplicação do art. 437.º exige-se a verificação cumulativa de 5 requisitos:

− Uma alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar:

− A anormalidade dessa alteração;

− Uma lesão para uma das partes provocada por essa alteração;

− Que a lesão seja tal que se apresente como contrária à boa fé a exigência do cumprimento das obrigações assumidas; e

− Que não se encontre coberta pelos riscos próprios do contrato.

Como refere Galvão Teles, “As circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, atendidas no n.º 1 do art.º 437.º do C.Civil, são as circunstâncias que determinaram as partes a contratar, de tal modo que, se fossem outras, não teriam contratado ou tê-lo-iam feito ou pretendido fazer, em termos diferentes. Trata-se de realidades concretas de que as partes não tiveram consciência, pois nem sequer pensaram nelas, dando-as como pressupostas; ou de realidades concretas de que tiveram consciência, mas convencendo-se de que não sofreriam alteração significativa, frustradora do seu intento negocial. Ou não passou sequer pela cabeça dos interessados que o status quo se modificaria: ou admitiram que tal ocorresse, mas em medida irrelevante. Aquela pressuposição ou esta convicção inexacta tem de ser comum às duas partes, porque, se não se deu em relação a uma e ela se calou, deixa de merecer protecção. Cfr. Galvão Teles, Manual dos Contratos; pág. 343 e segs.

Distinguindo-as do erro, confirma o mesmo Professor Prof. Galvão Telles, que “A base do negócio no erro é unilateral: respeita exclusivamente ao errante. A base do negócio na alteração das circunstâncias é bilateral: respeita simultaneamente aos dois contraentes. A lei (artigo 437º, n.º 1) fala, acentuadamente, das circunstâncias em que as partes (plural) fundaram a decisão de contratar; não refere as circunstâncias em que o lesado com a superveniente modificação teria fundado a sua decisão de contratar, proposição destituída de todo o sentido”. Cfr. Galvão Teles, ob. e loc. Cit.

Quer isto dizer que, “diferentemente do erro, em que a base do negócio é unilateral, respeitando exclusivamente ao errante, na alteração das circunstâncias a mesma é bilateral, respeitando simultaneamente aos dois contraentes (i.e., que se produza uma alteração anormal das circunstâncias em que ambas as partes fundaram a decisão de contratar) Cfr. Ac STJ de 23 de Janeiro de 2014; www.dgsi.pt.

Assim, requisito elementar da aplicação deste regime legal é que, durante a execução do contrato, alterações anormais, imprevisíveis, das circunstâncias criem um desequilíbrio contratual, “gravemente” lesivo dos princípios da boa fé e que não esteja coberto pelos riscos próprios do contrato, ou seja, que cause manifesto desequilíbrio das prestações recíprocas dos contraentes, alterando o quadro negocial existente à data, quer dos preliminares, quer da conclusão do negócio.

Destarte, a alteração para ser relevante não pode ser contemporânea da celebração do contrato nem previsível num quadro temporal próximo, segundo as regras da experiência.

Como o refere a decisão recorrida, sendo a questão difícil de analisar quando estão em causa, como é o caso dos autos, a celebração de contratos em que os seus efeitos dependem de um facto futuro e incerto, pelo menos temporariamente, a verificação dos riscos próprios do contrato não pode justificar a resolução ou revisão por onerosidade excessiva, pois que, a aplicação financeira em discussão nos autos é inequivocamente um instrumento financeiro aleatório uma vez que se trata de um negócio em que alguns dos seus efeitos não são possíveis de determinar no momento em que o mesmo foi celebrado.

E assim sendo, bem se concluiu nessa decisão, no sentido de que o Autor, pessoa com profunda e vasta experiência de vida, que dispunha de formação académica superior e era advogado do Banco, ora Ré, há mais de 30 anos, com quem mantinha e mantém uma estreita relação de confiança, e que por essa razão terá depositado confiança nas suas decisões de proceder a investimentos com a Ré, e que o terá levado, em 2008, celebrar com ela um contrato em que visou precisamente negociar em parte numa certeza (retorno do capital e uma taxa de juro fixa e) e noutra parte sobre aquela incerteza, fazendo desta a verdadeira causa e objecto negociais.

E fê-lo, indubitavelmente, como investimento com uma margem de segurança, decorrente do retorno do capital e uma taxa de juro fixa, embora também com algum grau de risco, isto é, alguma, mas reduzida álea, já que não era possível um controle absoluto, na medida em que a fixação do rendimento global do investimento ficava na dependência de factores que, se conhecidos no seu processo de fixação, não o eram, no entanto, no seu concreto valor, além, como é óbvio, de absolutamente incontroláveis.

E, evidentemente, possuindo, como efectivamente possuía, conhecimento destes aspectos ou factores de determinabilidade do rendimento do investimento que efectuou, dúvidas se nos não afiguram que possam existir de que, quando investiu, o Recorrente, sabia e quis correr os riscos que, de facto, correu, embora, e como é evidente, tenha investido convencido e na expectativa e de ganhar, sendo certo que, se soubesse que o risco existente se consumaria em insucesso, como é evidente, e à semelhança do que sucederia com qualquer pessoa normal e de são entendimento, não teria investido.

E se actuou, como actuou, seguramente no convencimento de que poderia ganhar, e ganhar razoavelmente, apenas pode extrair uma tal conclusão, na sequência da análise e avaliação que terá efectuado das características do produto financeiro e dos diversos factores implicados, quer, como sempre se faz, ao nível do seu histórico, se já o tiver, bem como, das perspectivas de mercado, no que, incontornavelmente, terá também entrado em linha de conta uma projectada estabilidade ou projecção de evolução positiva das taxas de juros, eventualmente até esbatedora de uma qualquer, mesmo que ténue, expectativa de uma evolução menos positiva do mundo financeiro, que eventualmente na ocasião se pudesse fazer, como, efectivamente, se veio a consumar.

E assim sendo, incontroverso resulta que, tendo o Recorrente pleno conhecimento e consciência da possibilidade de o seu investimento lhe proporcionar um ganho não concretamente determinável, e que poderia variar entre um rentabilidade considerável e um ganho de substancial e menor valor, que não tem como correspectivo um maior ou menor ganho para a Ré, a qual apenas se comprometeu ao retorno do capital, acrescido de uma taxa de juro fixa, que, por sua vez, acresceria à taxa de juro Euribor, sujeita às flutuações dos mercados financeiros, as variações desta última taxa, e, designadamente, a sua abrupta decida, não pode ser considerada como um factor extraordinário ou imprevisível, mas antes como um risco normal, próprio e subjacente do contrato celebrado.

Isto porque, como se diz na decisão recorrida, o objecto principal neste contrato, que também foi determinante da vontade do Autor em contratar terá siso a taxa indexante, ou seja, uma determinante de risco, uma vez que havendo consequências que são conhecidas e seguras para ambas as partes, e que eram o reembolso do capital e a taxa de juro fixa, tinham plena consciência, as duas partes, de que a taxa indexante – a mais importante para o Autor - era variável, sendo inconverso que este risco era também objecto do próprio contrato.

Não exigindo a lei que se esteja perante um acontecimento imprevisível, mas tão somente que a alteração das coisas seja imprevisível, haverá imprevisibilidade quando se tenha iniciado o acontecimento e não seja previsível o desenvolvimento futuro, ou seja, haverá alteração das circunstâncias em que as partes alicerçaram a decisão de contratar se a alteração, mesmo entrando na esfera da álea [risco] contratual, é de tal modo considerável que exceda a margem razoável do risco próprio do contrato, em medida que as partes não se tenham representado e ponham gravemente em causa o equilíbrio contratual.

Na situação vertente, e como se conclui na decisão recorrida, o contrato foi celebrado no pressuposto de que a taxa indexante poderia oscilar para baixo para cima ou manter-se, considerando-se tolerável a descida ocorrida da taxa indexante, podendo assim concluir-se que não houve uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias que constituíram a base negocial que seja profundamente injusta para o cliente da instituição financeira e que seja contrária à boa-fé na execução do contrato e que tenha provocado uma acentuado desequilíbrio contratual.

Improcede, assim, e na íntegra a presente apelação.

Sumário – artigo 667, nº 3, do C.P.C..

I- Em conformidade com o disposto no art. 3º al. a), do Decreto – Lei 446/85, de 25/10, o regime previsto neste diploma legal não se aplica a cláusulas típicas aprovadas pelo legislador, logo, e designadamente, a todas aquelas situações em que a possibilidade de o Banco resgatar o capital antes do período de vigência do contrato, resulte de uma norma aprovada pelo legislador.

II- Sempre que uma cláusula ius variandi genérico, ao abrigo do qual podem ser modificadas, nomeadamente, datas de vencimento e pagamentos, a forma de determinados actos, o local e tempo de cumprimento, entre outros aspectos, conste do contrato celebrado com o consumidor, mas não cumpra os requisitos previstos na lei, ela será nula, aplicando-se o regime supletivo e não podendo, por isso, o banco alterar unilateralmente a disciplina contratual.

III- Todavia, e sem prejuízo da declaração da nulidade de uma tal cláusula, nunca daí poderia decorrer a anulação de um contrato de aquisição de um produto financeiro, com a consequente destruição de todos os seus efeitos, e a decorrente restituição do valor investido.

IV- A alteração anormal das circunstâncias prevista no artigo 437º, nº 1, do Código Civil, pressupõe imprevisibilidade e excepcionalidade de factos supervenientes, que causem manifesto desequilíbrio das prestações recíprocas dos contraentes, alterando o quadro negocial existente à data, quer dos preliminares, quer da conclusão do negócio.

V- Essa situação não se verifica quando constituiu objecto principal do contrato uma determinante de risco, consistente numa taxa de juros indexante variável, sujeita às flutuações dos mercados financeiros, e, designadamente, quando se verifique a sua abrupta descida, uma vez que essa descida não pode ser considerada como um factor extraordinário ou imprevisível, mas antes como um risco normal, próprio e subjacente do contrato celebrado.

VI- Os riscos próprios do contrato funcionam como requisito negativo da aplicação do instituto da alteração das circunstâncias, obstando ao direito de resolução ou de modificação do contrato, funcionando, assim, este último instituto, subsidiariamente com relação às regras da distribuição do risco, cessando a sua aplicação sempre que exista uma regra que atribua aquele risco a alguma das partes.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Apelante.

Guimarães, 14/05/2014

Jorge Teixeira

Manuel Bargado

Helena Melo