Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2411/19.9T9VCT.G1
Relator: JÚLIO PINTO
Descritores: CRIME DE OFENSA A ORGANISMO
SERVIÇO OU PESSOA COLECTIVA
REJEIÇÃO DA ACUSAÇÃO
ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – O artigo 187.º do Código Penal tutela a ofensa ao crédito, ao prestígio ou à confiança de uma determinada pessoa colectiva, valores que, em bom rigor, não se incluem no bem jurídico protegido pela difamação e pela injúria.
II – O tipo objectivo deste crime preenche-se com a afirmação ou propalação de “factos inverídicos”, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança, não abarcando a imputação de “juízos de valor” ofensivos.
III – A acusação manifestamente infundada é aquela que, nos seus próprios termos, não tem condições de viabilidade, o que acontece quando for inequívoco e incontroverso que os factos nela descritos não constituem crime.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

- No processo comum singular n.º 2411/19.9T9VCT, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Juízo Local Criminal J1, foi proferida acusação particular pela assistente “X – Worldwide, S.A.”, na qual imputa a D. O. a prática de um crime de ofensa a organismo ou pessoa coletiva, p. e p. pelo art. 187º do CP, agravado por força do art. 183º do mesmo diploma legal.
- Essa acusação particular mereceu acompanhamento por parte do Ministério Público – art. 285º, nº 4, do CPP.
- Recebidos os autos no tribunal, para julgamento do arguido D. O., em processo comum singular, foi o processo remetido à distribuição.
- Proferido o despacho de saneamento a que alude o art. 311º, do CPP, foi a acusação particular rejeitada, ao abrigo do disposto no artigo 311.º, nº 2 alínea a) e 3 alínea d) C P Penal, por a factualidade na mesma alegada não constituir crime.
*
- Inconformada com o assim decidido, interpôs recurso a assistente, pedindo a revogação de tal despacho e a sua substituição por outro que receba a acusação pública deduzida, sustentando conclusões que se passam a transcrever:

“(…)
II - CONCLUSÕES
a. A assistente, X – Worldwide, S.A, ora recorrente, deduziu acusação particular e pedido de indemnização civil contra o arguido, D. O., na qualidade de Presidente da Associação Angolana dos Direitos do Consumidor, imputando-lhe a prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo art.° 187. ° do Código Penal (doravante CP), agravado por força do art.º 183º do CP.
b. A referida acusação foi acompanhada pelo Ministério Público.
c. Acontece, porém, que o tribunal a quo, de forma inesperada e sem mais, decidiu rejeitar a acusação deduzida e pedido de indemnização civil pela recorrente por manifestamente infundada de harmonia com as disposições conjugadas do art.º 311º, n.º 2, al. a) e al. d) do CPP.
d. Com efeito, salvo o devido respeito por opinião contrária, a recorrente não concorda com o teor do despacho, designadamente as apreciações jurídicas que do mesmo constam, notoriamente erradas, pelo que o presente recurso tem como objecto toda a matéria de direito e de facto, nos termos do art.º 410.º do CPP.
e. O tribunal a quo entendeu que, no que toca ao tipo legal de crime enquadrável na factualidade carreada aos autos face ao teor da acusação em causa, “(…) verifica-se que, salvo o sempre devido respeito por opinião diversa, os factos na mesma alegados não configuram a prática de crime.”
f. A recorrente discorda da apreciação incorreta e desproporcionalidade levada a cabo pelo tribunal a quo que, além de notoriamente errada, foi formada sem possibilitar à recorrente, designadamente o exercício dos princípios do contraditório e do acusatório, que se traduz num pré-julgamento, na medida em que, ignorando a prova oferecida pela recorrente, se exime à observação e discussão da mesma em audiência de julgamento.
g. Ao contrário do que dita o despacho ora em crise, a acusação particular deduzida pela recorrente possui factos demonstrativos de uma conduta tipificadora do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187.º, agravado por força do art.º 183.º do Código Penal, não podendo o tribunal a quo extrapolar as suas funções e considerar a acusação manifestamente infundada, fazendo juízos de valor sobre os factos ali descritos.
h. A não se fazer a subsunção legal dos factos in casu à lei consignada no art. 183º do CP, sempre se dirá que esta disposição legal configura afinal “lei morta”.
i. E como tal, deveria tribunal recorrido ter recebido a acusação particular, que obteve o acompanhamento pelo Ministério Público e ter designado hora e data da audiência de discussão e julgamento.
j. Não o tendo feito, a decisão ora recorrida violou expressamente os artigos 187.º e 183.º do CP, o art.º 32.º n.º 5 da CRP e o art.º 311.º do CPP.
k. Aliás, como afirma o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-11-2009 “A acusação só deve ser considerada manifestamente infundada, e consequentemente rejeitada, com base na al. d) do n.º 3 do art.º 311.º do CPP, quando resultar evidente, que os factos nela descritos, mesmo que porventura viessem a ser provados, não preenchem qualquer tipo legal de crime.” (negrito e sublinhado nosso).
l. Apesar de, ao sanear o processo (cfr. art.º 311.º do CPP) os poderes do juiz permitirem-lhe pronunciar-se sobre nulidades e sobre questões prévias ou incidentais que obstam à apreciação do mérito da causa, a rejeição da acusação, por manifestamente infundada (n.s 2 e 3 daquele preceito), no caso de se entender pela inexistência do crime, só deve ocorrer em casos limite e claramente inequívocos e incontroversos.
m. A este propósito, recordemos o que decide o acórdão da Relação de Lisboa, de 15-09-2011, proc. 3769/08.0TASNT.L1, 9ª Secção: “Mas se o juiz faz uma interpretação jurídica dos factos, divergente de quem deduziu a acusação seguindo uma das seguidas na jurisprudência, e rejeita a acusação, por entender não existir o crime (cfr. art.º 348º do CP), está a violar aquele princípio do acusatório. (…)” (sublinhado e negrito nosso) E continua: “ Ao rejeitar a acusação neste quadro, fazendo uma opção jurídico-substantiva, o juiz está a formular um pré-juízo ao julgamento sobre o objecto e mérito da causa. Em suma, naquela fase de saneamento, o juiz não pode fazer uma opção jurisprudencial na apreciação que faz dos factos vertidos na acusação.” (sublinhado e negrito nosso). Também no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 09-02-2011, proc. n.º 329/09.2PBAGH.L1, 3ª Secção, e a propósito dos Poderes do juiz do julgamento – cfr. artº 311º do CPP.
n. De notar que in casu, nos termos do disposto no art.º 285.º, n.º 4 do CPP, a 11-05-2020 o Ministério Público, proferiu despacho (ref.ª citius 45320154), no qual considerou que “Os factos em causa nos presentes autos são passíveis de consubstanciar, para além do mais, a prática pelo arguido D. O., na qualidade de Presidente da Associação Angolana dos Direitos do Consumidor de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo art.º 187.º, n.º 1 e 183., ambos do Código Penal.” (negrito nosso).
o. No identificado despacho o Ministério Público “(…) entende que foram recolhidos indícios suficientes da verificação do crime e do seu agente.” (negrito nosso). A reforçar a verificação de indícios suficientes, por despacho, com conclusão datada de 22-05-2020, com ref. citius 45358737, o Ministério Público “(…) acompanha a douta acusação particular deduzida pela assistente X Worldwide SA (…) a qual dá aqui por integralmente reproduzida.” (negrito nosso).
p. Atento o exposto, não podia a Meritíssima Juíza, na oportunidade processual contemplada no art.º 311.º do CPP, formular um juízo inverso e, em consequência, afirmar a nulidade do processo por considerar que o que é imputado ao arguido não configura crime.
q. Desde logo, porque os factos descritos na acusação particular, ao contrário do decidido no despacho recorrido, sustentam e corporizam o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo art.º 187º do CPP.
r. In casu, o comunicado do arguido extravasa claramente o carácter informativo que lhe devia ser ínsito, com o intuito de, através do mesmo, tornar a pessoa da recorrente passível de descrédito na opinião pública, conformando, por isso, o seu conteúdo, uma ofensa à credibilidade e consideração da recorrente prevista e punível pelo artigo 187.º do CPP.
s. A informação prestada pelo arguido não se conteve dentro dos limites da necessidade de informar, bem como dos fins éticos-sociais do direito de informar. Até porque o conteúdo do comunicado, sendo falso, tem um carácter (des)informativo no sentido do perjúrio.
t. O comportamento ofensivo perpetrado pelo arguido consubstanciado no teor do comunicado, tal como foi concretizado e difundido (porque bem sabia o arguido que o estava a divulgar perante a comunicação social, meio veloz para a propagação da informação), não teve por base a realização de interesses legítimos.
u. O arguido não poderia (nem pode) fazer prova da verdade das especulações/insinuações constantes do comunicado que fez, nem tinha fundamento sério para, em boa fé, as reputar por verdadeiras.
v. Porém, o direito ao bom nome e reputação é um direito fundamental de idêntico valor e tal como a liberdade de expressão está previsto na nossa Constituição, no art.º 26.º, bem como no art.º 70.º do Código Civil.
w. Atento a entidade que emitiu o comunicado, Presidente de uma Associação dos Direitos do Consumidor, que supostamente labora em prol e nome da defesa dos mesmos, jamais se poderá considerar tal comunicado como um conjunto de opiniões, de juízos de valor ou formulação de meros juízos, alicerçado na liberdade de expressão, desde logo, porque este tipo de Associações detêm um peso absolutamente relevante na sociedade, tendo os seus comunicados e publicações suma importância nas escolhas dos consumidores. Pelo que, os consumidores acreditam na veracidade desses comunicados, levando-os a adquirir ou não adquirir determinados produtos, a creditar as empresas, produtos e marcas defendidos por essas instituições.
x. In casu, as informações difundidas, os factos levados a público pelo arguido são falsos e ferem o bom nome comercial da recorrente, os seus produtos, a sua marca.
y. Além do mais, a “opinião informativa” do arguido destaca-se de um comum cidadão quer pelo cargo que ocupa, quer por, no uso do mesmo, ter sido dito junto da imprensa, num comunicado oficial e sem qualquer base probatória.
z. Pelo que, esta “opinião informativa” necessariamente tem um impacto negativo junto do alegado corrupto e não pode ser considerado pela justiça como mera opinião, porquanto e com a projeção em causa, estaríamos a permitir que a liberdade de expressão justificasse tudo. Mas, a liberdade de expressão não pode justificar tudo. Não pode justificar condutas ilegítimas, que ao abrigo dessa liberdade valide opiniões ofensivas e que merecem a tutela penal e difunda factos inverídicos sobre a recorrente com o intuito de ofender a credibilidade, prestígio e confiança da assistente. O que foi conseguido.
aa. O que decorre da acusação particular? Art.º 5.º (primeiro e segundo) da acusação particular: o arguido difundiu um comunicado dirigido a vários meios de comunicação social em que denunciou que as fraldas produzidas e vendidas pela recorrente, com a marca X não continham a data de validade e não ofereciam a segurança desejada e o seu uso poderia colocar em risco a saúde de quem as utilizadas. Tal afirmação configura um facto. E um facto inverídico. O Tribunal a quo, no despacho ora em crise, analisou este facto entendendo-o, sem base probatória, como verídico (!?), ou seja, apenas pelo facto de as fraldas da X não possuírem data de validade já toda a afirmação do arguido se demonstra, para o tribunal a quo, como verdadeira (!?). E se é, efetivamente certo que a recorrente não tem nos seus packs datas de validade do produto também é verdade que a análise do julgador foi redutora e castradora, impedindo a recorrente de produzir prova para demonstrar que não existe obrigatoriedade em existir data de validade nas embalagens de fraldas de criança (!) e que, ainda assim, a assistente incluiu na embalagem o PAO – Opening after opening de 12 meses após abertura. Ou seja, as fraldas apenas podem ser usadas até 12 meses após a sua abertura – fato que o tribunal a quo desconsiderou e não permitiu produzir prova.
bb. Daí que, andou mal o tribunal ao decidir de forma tão imponderada, desprezando os mais elementares princípios que presidem o ordenamento penal.
cc. Além disso, sempre se dirá que o comunicado não se referia apenas e só à questão da validade das fraldas, foi mais amplo e mais contundente no desaconselhamento do uso das fraldas da marca X, pois estas, segundo o arguido, representariam um risco para a saúde e segurança do seu utilizador. Esta alegação vã e geral é ainda mais gravosa se atendermos ao facto de que nela nada diz propriamente quanto às concretas características da fralda que possa atentar contra a segurança e saúde dos utilizadores, mas diz o suficiente para o consumidor considerar algo grave e dissuasor da sua aquisição. Esta “opinião” do arguido de que as fraldas X são perigosas não se prede unicamente com o tema da validade, e ainda assim, o despacho recorrido não lhe deu o valor ofensivo que efetivamente teve, desonrando a qualidade e segurança de uma fralda produzida para ser premium e líder de mercado pela sua qualidade.
dd. Art.º 6º da acusação particular em que o tribunal a quo decide que não se refere sequer à pessoa da sociedade da assistente, esta suposição é totalmente especulativa. Isto porque, quando o arguido afirma que as fraldas em Angola eram embaladas em condições inóspitas, em no chão de terra, acondicionadas ou armazenadas em locais frequentemente habitados por ratos, baratas, gatos e outras pestes imaginárias, está a incluir na propalação todas as sociedades e marcas de fraldas mencionadas no comunicado, que inclui a recorrente. Portanto, o leitor/ouvinte do comunicado, tal como foi proferido, não será jamais capaz de individualizar quais marcas corresponde a que alegação, dado que, na imputação de tais defeitos às fraldas entra também o nome da X. Tais afirmações configuram, pois, factos que são inverídicos e que a recorrente repudia veemente, não tendo tido, porém, capacidade para se defender em contraditório, repondo a verdade.
ee. Art.s 7º, 8º, 9º, 10º e 13º da acusação particular, são várias as acusações infundadas e falsas de que a ora recorrente foi alvo: o arguido dirige-se à assistente, ora recorrente como elefante que tem o bojo para o enriquecimento fácil, não pairando sobre si sensibilidade humana; apontando que colocava a saúde pública em causa e estimulavam o mercado informal; sinalizando os produtos da assistente como não oferecendo a segurança desejada, ao mesmo tempo, desaconselhando a sua aquisição; assistente acusando-a dos crimes de contrafação e fraude nas vendas.
ff. Tudo imputações que configuram factos inverídicos.
gg. De notar que não estamos perante imputações/afirmações ingénuas, mas sim perante a prolação de factos falsos ofensivos da reputação, da notoriedade e do bom nome da assistente que demovem o consumidor de adquirir estas fraldas e, consequentemente, optar por outras alternativas. O hiato temporal em que este comunicado (com teor criminoso) ocorre também não será um acaso, dado que, se tratou do período imediatamente a seguir à entrada da marca X no mercado angolano e na aposta da assistente em laga divulgação e publicidade dos seus artigos (televisiva, radiofónica, revistas, outdoors etc)
hh. As afirmações proferidas pelo arguido depreciam sobremaneira a assistente e são claramente atentatórias da credibilidade, do prestígio, da segurança e da confiança da recorrente. Bem sabia o arguido que a sua conduta era susceptível de pôr em causa, como efetivamente pôs, esse prestígio, crédito e confiança da recorrente em vários mercados e perante vários clientes, pares, fornecedores etc, colocando em causa a sua empresa, a sua marca, a qualidade do seu produto.
ii. É imputado ao arguido, a prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo art.º 187º do CP, agravado por força do art.º 183º do CP. Neste caso, o tipo objectivo do ilícito consiste na difusão de factos inverídicos sobre organismo, serviço, ou pessoa colectiva que sejam susceptíveis de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança destas entidades, não tendo o agente fundamento para, em boa-fé, reputar tais factos como verdadeiros. Abrigam-se, assim, neste tipo três elementos essenciais, a saber: afirmação ou propalação de factos inverídicos; esses precisos factos mostrarem-se capazes de ofender a credibilidade; prestígio ou a confiança de organismo ou serviço que exerça autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação; não ter o agente fundamento para, em boa fé, reputar de verdadeiros os factos inverídicos.
jj. Quanto ao elemento subjectivo o presente tipo legal basta-se com o dolo genérico e a conduta do agente preencherá o elemento subjectivo do tipo legal de crime em apreço na medida em que este, ao afirmar os factos inverídicos saiba que não tem fundamento para reputar tais factos como verdadeiros - elemento intelectual do dolo enquanto conhecimento da realidade fáctica -, querendo – elemento volitivo do dolo enquanto vontade de praticar o facto típico.
kk. Ora, percorrida a acusação particular apresentada pela assistente, ora recorrente, verifica-se com facilidade que da mesma se fez constar, no essencial, o comunicado emitido pelo arguido e da mesma emergiram as razões acusatórias pelas quais a assistente se considera ofendida pela falsidade das graves imputações difundidas. Ficaram, portanto, alegados os factos que, uma vez provados em sede própria (audiência de julgamento), fundamentariam a condenação do arguido, provando-se o alegado na acusação particular, seria suficiente para que este viesse a ser condenado.
ll. Verificam-se os pressupostos objetivos de que depende a sujeição do arguido, na qualidade de Presidente da Associação Angolana dos Direitos do Consumidor, a julgamento pelo crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva p. e p. pelo artigo 187.º, agravado por força do art.º 183º do Código Penal. O Tribunal a quo inverteu por completo o preceituado no artigo 117.º do CPP e art.º 311º do CP, violando-os. Além disso, violou expressamente os artigos 187.º e 183.º do CP e os artigos 32.º, n.º 5 e 26.º, n. º1 da CRP.

Nestes termos e nos melhores de direito e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente revogar-se o despacho recorrido substituindo-se por outro que que admita a acusação particular deduzida a fls.., na parte em que imputa ao arguido a prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva p. e p. nos termos do art.º 187.º, e 183.º do Código Penal, e que designe dia, hora e local para a audiência.
Assim, farão V.ª Exas. a habitual justiça.»
*
- O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: (transcrição)
“(…)
«CONCLUSÕES

1. Não se conformando com o douto despacho que rejeitou a acusação particular, proferido ao abrigo do artigo 311.º do Código de Processo Penal, o qual rejeitou a acusação por si deduzida, por ser manifestamente infundada, uma vez que os factos imputados não constituem crime, nos termos do disposto no artigo 311.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, alínea d), do Código de Processo Penal, veio a Assistente apresentar recurso, por discordar dos fundamentos jurídicos invocados, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito.
2. No caso sub judice, tendo no horizonte o disposto nos artigos 403.º, n.º 1 e 412.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Penal, a questão suscitada consiste em saber se a acusação particular deduzida pela assistente, por crime de ofensa a pessoa coletiva, previsto e punido pelo artigo 187.º, n.º 1 e 2, al. a) do Código Penal, contem os requisitos legais para ser submetida a julgamento.
3. Discordando do despacho recorrido, diz a assistente/recorrente que a factualidade imputada na acusação particular preenche, claramente, os elementos do tipo legal do crime de ofensa a organismo público, não padecendo a acusação dos vícios que lhe foram imputados pelo Tribunal a quo.
4. Ora, como é sabido, o tipo legal de crime é conformado pelos elementos constitutivos objetivos e subjetivos.
5. No caso vertente, entendeu a Mmª Juíza a quo que o elemento objetivo do crime de ofensa a pessoa coletiva não está completo, por ausência de factos dele integradores.
6. O tipo objetivo do ilícito previsto no artigo 187.º do Código Penal consiste na: a) difusão de factos inverídicos sobre organismo, serviço, ou pessoa coletiva; b) que sejam suscetíveis de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança destas entidades; não tendo o agente fundamento para, em boa-fé, reputar tais factos como verdadeiros.
7. No que se refere ao seu elemento subjetivo, o crime é essencialmente doloso, bastando, para uma plena imputação subjetiva, o mero dolo eventual, como resulta da conjugação do artigo 14.º com o artigo 187.º n.º 1, ambos do Código Penal.
8. Permitindo-nos mudar o nosso entendimento, anteriormente manifestado no despacho que acompanhou a acusação particular, da análise profícua do douto despacho aqui em crise, e, sempre salvaguardando melhor opinião, não se descortina qualquer violação de normas e princípios, designadamente o disposto nos artigos 187.º, n.ºs 1 e 2, als. a) agravado por força do artigo 183º, nº 1, al. b), ambos do Código Penal, atenta a fundamentação de facto e de direito, bem como a diversa e extensa doutrina e jurisprudência elencada no mesmo.
9. Na verdade, não poderíamos estar mais de acordo com a douta fundamentação, a qual subscrevemos na íntegra, pois que, contrariamente ao que refere a Assistente na sua motivação de recurso, a Mma. Juíza a quo não efetuou um pré-julgamento da douta acusação particular.
10. Quanto ao invocado pela recorrente, nomeadamente que não lhe foi dada a oportunidade de fazer prova sobre se os factos que constam nos arts. 5º (o primeiro) e 8º da mesma, da douta acusação particular, nomeadamente se os mesmos são ou não verídicos, ou seja, a denuncia de que as fraldas produzidas e vendidas pela assistente em Angola, com a marca X ‘não continham data de validade’, é a própria assistente que afirma que as fraldas que comercializa não têm de facto data da validade (cfr. arts.26º e 32º da acusação particular), pelo que a conclusão não pode deixar de ser, senão uma: a imputação feita pelo arguido não é inverídica.
11. Acresce que alega a recorrente que as expressões utilizadas pelo arguido, nos arts. 5º (o segundo), 7º, 9º e 10º da douta acusação particular, são factos e não meros juízos de valor.
12. Contudo, não podemos concordar com o entendimento da recorrente, pois que as referidas expressões não passam, efetivamente, de juízos de valor, opiniões emitidas pelo arguido.
13. Face à argumentação expendida, não nos restam quaisquer dúvidas que in casu a Mma. Juíza fez a correta aplicação da lei ao proferir o douto despacho, inexistindo qualquer censura jurídico-penal.»
*
. Subidos os autos a este Tribunal o Exma. Sr.ª Procuradora Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:
“(…)
2. DO MÉRITO DO RECURSO:

Cumpre antes de mais averiguar se se verifica a exceção peremptória extintiva da prescrição já que a sua procedência faz precludir a apreciação do preenchimento dos elementos típicos do crime em questão que é punido come em questão.

Para o efeito cumpre antes de mais chamar à colação o disposto no art. 118.º, do C.Penal, «1 - O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos:

a) 15 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 10 anos ou dos crimes previstos nos artigos 335º,372º,373º,374º,374-A, 375º,nº1,377º,nº1, 379º,nº1, 382º,383º e 384º, do Código Penal, 16º,17º,18º e 19º, da Lei nº34/87 de 16 de julho, alterada pelas Leis nºs108/2001, de 28 de novembro, 30/2008, de 10 de julho, 41/2010, de 3 de setembro, 4/2011, de 16 de fevereiro, e 4/2013, de 14 de janeiro, 7º,8º e 9º da Lei nº20/2008, de 21 de abril, 8º,9º,10º e 11º da Lei 50/2007, de 31 de agosto e ainda do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção;
b) Dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos, mas que não exceda dez anos;
c) Cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos;
d) Dois anos, nos casos restantes.
2 - Para efeito do disposto no número anterior, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes.
3. (…)
4. Quando a lei estabelecer para qualquer crime, em alternativa, pena de prisão ou multa, só a primeira é considerada para efeito do disposto neste artigo.
5. (…)”

Dispondo o art. 119.º, n.º 1, do mesmo diploma, que o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
Por sua vez, o art 120º, nº1, al. b), do C.Penal, sob a epígrafe “suspensão da prescrição”, estabelece no que aqui pode importar que a prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que “o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo”

Por fim, impõe-se fazer referencia ao nº 1 do art. 121, do C.Penal que dispõe que a prescrição do procedimento criminal interrompe-se:
“(…)
a) Com a constituição de arguido;
b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo;
c) Com a declaração de contumácia;
d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido.
Regressando ao caso vertente, temos que resulta incontrovertido que atenta a moldura penal do ilícito imputado ao denunciado na acusação, o prazo de prescrição é de 2 anos (cfr. art. 118º,nº1,al.d)).
Prazo esse que se iniciou na data da consumação do ilícito, ou seja da data em que foi difundido o comunicado de cariz difamatória- 9 de Abril de 2019-
No decurso do inquérito o denunciado não foi interrogado nem constituído como arguido. E, não assumiu essa qualidade com a notificação da acusação pois residindo em Angola não foi notificado por carta rogatória, como deveria ter sido, mas sim por carta registada com A/R não constando nos autos o comprovativo, devidamente assinado da receção da notificação
E assim, não dispondo os autos de causas suspensiva e/ou interruptivas da prescrição do procedimento criminal nos termos das disposições supra referidas, e não obstante a entrada em vigor da Lei nº1-A/2020, de 19 de março (posteriormente alterada pela Lei nº 4-A/2020, de 6 de Abril). que veio aprovar medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e doença COVID-19, impõe-se concluir que o procedimento pelo crime imputado ao denunciado D. O. já se encontra prescrito
Termos em que somos de parecer que deverá ser declarado prescrito o procedimento criminal, o que prejudica o conhecimento do mérito do presente recurso.»
*
- Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP.
*
- Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO

Sendo entendimento pacífico que o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, no caso presente, atentas as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, a questão a decidir consiste em saber se a acusação particular, rejeitada pelo despacho recorrido, é manifestamente infundada, por os factos nela descritos não constituírem crime, o que é pressuposto da sua rejeição ao abrigo do art. 311º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. d), do Código de Processo Penal, ou se viola o disposto neste artigo e no art. 187.º, nº 1, do CP.

É o seguinte o teor do despacho recorrido: (transcrição)

«A fls.145 e ss. a assistente “X - Worldwide, S.A.” deduziu acusação particular contra o arguido D. O., na qualidade de Presidente da Associação Angolana dos Direitos do Consumidor, imputando-lhe a prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo art.187º do C.P., agravado por força do art.183º do C.P..

Ali se alega, para além do mais, que:
“5º
No dia 09 de abril de 2019 o arguido difundiu um comunicado dirigido a várias agências noticiosas e meios de comunicação social, através do qual denunciou que as fraldas produzidas e vendidas pela assistente em Angola, com a marca X, além de outras imputações, muitas delas ambíguas, não continham data de validade.

Nessa comunicação, o arguido denunciou que as marcas das fraldas identificadas no Comunicado, que incluía a marca X fabricada e comercializada pela assistente, não ofereciam a segurança desejada e o seu uso poderia colocar em risco a saúde de quem as utilizava.

Mais afirmava o arguido que as fraldas em Angola eram embaladas em condições inóspitas “no chão de terra”, acondicionadas ou armazenadas em locais frequentemente habitados por ratos, baratas, gatos e outras pestes imaginárias.

Igualmente acrescentava o comunicado que as fraldas da assistente e do grupo de empresas elencado, a ele se dirigindo como (…) elefante que tinha o bojo para o enriquecimento fácil e que não pairavam sobre si a sensibilidade humana (…), colocavam a saúde pública em causa e estimulavam o mercado informal.

Além disso, o arguido difundiu também que, especificamente a fralda X, não dispunha de data de validade.

Terminava a arguido o comunicado difundindo que as marcas das fraldas enunciadas no comunicado, onde incluiu as fraldas produzidas pela assistente, eram produtos que não ofereciam a segurança desejada e apelava a sociedade em geral a abster-se de comprar as marcas das fraldas descartáveis denunciadas, tanto nas grandes superfícies como no mercado informal, sob pena de colocarem em risco a saúde de quem as usasse.
10º
O arguido, neste comunicado, ainda acusou a assistente, sem prova nem contraditório, dos crimes de contrafação e fraude nas vendas.” (negritos nossos).
O Digno Magistrado do Mº.Pº. acompanhou a acusação particular deduzida, nos moldes de fls.157 e s. (com a correcção do lapso de escrita indicado no requerimento que antecede – cfr.ref.8674, de 20-5).
Nos termos do art.187º, nº.1 do C.P. “Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias”.
Como se escreve no Ac.R.E. de 24-9-13 (in www.dgsi.pt): “(…) comete este tipo legal de crime quem afirmar ou propalar factos que não correspondam à realidade, e que, de um ponto de vista objectivo, sejam capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança de uma pessoa colectiva, organismo, corporação ou serviço, não podendo o agente do crime ter fundamento para, em boa fé, reputar como verdadeiros os factos inverídicos.
Quanto ao elemento subjectivo do crime, mostra-se necessário que o agente actue a título de dolo, em qualquer uma das suas modalidades (directo, necessário ou eventual).
Escalpelizando, sumariamente, os elementos objectivos do crime em análise, verificamos, desde logo, que o tipo legal exige a afirmação ou propalação de factos inverídicos.
Ao invés do que sucede nos crimes de difamação e de injúria (em que o tipo legal abrange não só a imputação de factos, mas também a formulação de juízos ofensivos da honra ou da consideração), o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, apenas contempla a afirmação ou propalação de factos inverídicos (não se incluindo, pois, no tipo legal de crime em causa, a formulação de meros juízos).
Por outras palavras: nos crimes de difamação e de injúria o legislador equipara a formulação de um juízo desonroso à imputação desonrosa de um facto, mas essa equiparação não é feita no crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço.
O bem jurídico protegido neste tipo legal de crime não é (propriamente) a honra, vista enquanto interesse essencialmente intrínseco e inerente à dignidade da pessoa, mas antes a credibilidade dos entes colectivos enumerados no artigo 187º do Código Penal.
Para a verificação do crime em referência é ainda necessário que o agente, ao afirmar ou propalar factos inverídicos, o faça sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar como verdadeiros.
(…) os elementos constitutivos do crime são, quer a inveracidade da imputação (restrita a factos), quer a falta de fundamento, por parte do agente, para, em boa fé, os reputar como verdadeiros.
Fora da previsão do tipo legal de crime em causa fica a afirmação ou propalação de factos verídicos (apesar de susceptíveis de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança), bem como a afirmação ou propalação de factos ofensivos de outros valores ou interesses (não atinentes à credibilidade, ao prestígio ou à confiança), e fora da previsão do tipo legal em análise fica também a exteriorização de meras palavras ou expressões que, bem vistas as coisas, mais não são do que a formulação de opiniões ou de juízos de valor (ainda que ofensivos) – sublinhado nosso.
Desde logo, e à luz destes considerandos, cumpre salientar que a liberdade de expressão (e de opinião, em assuntos sociais e políticos, como é o caso posto nestes autos) constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática (caracterizada, necessariamente, pelo pluralismo, pela tolerância, pela discussão de ideias e pelo espírito de abertura).
Uma das manifestações dessa liberdade de expressão é, precisamente, o direito que cada cidadão tem de divulgar a sua opinião e de exercer o direito de crítica, sobretudo em assuntos de interesse colectivo (de interesse para a comunidade).
Aliás, e conforme disposto no artigo 37º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”.
É evidente que o exercício dos direitos de crítica e de defesa dos interesses da comunidade pode criar situações de conflito com bens jurídicos como o da honra (ou bom nome) de alguém, ou como o da credibilidade de certa instituição (situação em discussão nestes autos).
Porém, o conflito que possa existir no concreto exercício desses direitos (a liberdade de expressão, por um lado, e o direito ao bom nome ou à credibilidade, por outro) tem de ser resolvido com a ponderação dos interesses em confronto em cada caso concreto, sacrificando, no mínimo possível, cada um deles; ou seja, tal conflito tem de ser resolvido fazendo intervir critérios de proporcionalidade, de necessidade e de adequação, e salvaguardando sempre o núcleo essencial dos preceitos constitucionais que consagram cada um desses direitos em conflito”.
E sumaria-se no Ac.R.L. de 10-1-18 (in www.dgsi.pt): “O bem jurídico protegido no crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva não é (propriamente) a honra, vista enquanto interesse essencialmente intrínseco e inerente à dignidade da pessoa, mas antes a credibilidade dos entes colectivos enumerados no artº 187° do Código Penal.
A emissão de juízos de valor sobre uma pessoa colectiva, ainda que negativos ou até em termos que seriam ofensivos para uma pessoa singular, não tem tutela penal, face ao bem jurídico protegido pela norma” – sublinhado nosso.
Mais recentemente, escreveu-se no Ac.R.P., de 6-5-20 (também no sítio www.dgsi.pt), que: “Contrariamente às pessoas singulares, os agentes passivos deste tipo de crime - organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação – não têm honra, por se tratar de uma característica própria de pessoas singulares. No entanto, têm um outro bem jurídico, de natureza heterogénea, que é expressamente protegido pela incriminação da conduta tipificada na norma acima reproduzida: a credibilidade, o prestígio e a confiança. Procurando sintetizar numa única expressão, o seu bom nome.
Conforme resulta do tipo legal de crime acima enunciado, para que constitua crime, a conduta do agente tem de consistir na afirmação ou propalação de factos inverídicos que se mostrem capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança de organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação.
E, no recentíssimo acórdão da mesma Relação do Porto, de 12-5-21 (igualmente in www.dgsi.pt), pode ler-se: “(…) ao nível da ação típica, isto é, da conduta que preencha o tipo objetivo do crime, a lei exige que o facto inverídico afirmado ou propalado seja portador de uma capacidade de provocar aquela ofensa ao bem jurídico, que seja idóneo a ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos às entidades referidas no tipo de ilícito”.
Confronte-se ainda, a propósito deste tipo de crime, entre outros, Acs. R.P. de 11-9-13 e de 26-2-14, e Acs. R.L. de 5-4-16 e 14-3-19, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Ora, analisada a acusação particular deduzida, mormente os segmentos realçados a negrito e transcritos supra, verifica-se que, salvo o sempre devido respeito por opinião diversa, os factos na mesma alegados não configuram a prática de crime.
Na verdade, arredada, nos termos literais do próprio dispositivo legal, a possibilidade de configurarem a tipicidade objectiva do crime de ofensa a pessoa colectiva as imputações de “juízos de valor”, as meras opiniões ou “pareceres”, podemos ter como assente que o alegado nos arts.5º (o segundo), 7º, 9º e 10º da acusação particular, não releva.
Por outro lado, o alegado no art.6º da acusação não se refere sequer à pessoa da sociedade assistente (aliás, nem ali tal se alega).
E, do alegado na acusação particular, resta então, em termos objectivos, para o pretendido preenchimento do tipo objectivo, o que consta nos arts.5º (o primeiro) e 8º da mesma, ou seja, a denuncia de que as fraldas produzidas e vendidas pela assistente em Angola, com a marca X, “não continham data de validade”, tendo, segundo o alegado, o arguido difundido que, especificamente a fralda X, “não dispunha de data de validade”.

Ora, para além de se verificar, da leitura da acusação, que, ao que tudo indica, tal facto é verídico (cfr. v.g. arts.26º e 32º da mesma), ou seja, as fraldas X não tem data de validade (independentemente de apreciar ou avaliar se a deveria, ou não, ter, ou se tal indicação é, ou não, exigida pelo ordenamento jurídico angolano), o certo é que, mesmo que fosse/seja inverídico, surge para nós como evidente e notório que o mesmo certamente não é capaz de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos à pessoa colectiva, aqui assistente.
E, por isso, o que na acusação particular se alega e imputa ao arguido (enquanto presidente de um outro organismo), não configura crime, in casu, o imputado crime do art.187º, nº.1 do C.P..
Em conformidade com o estatuído no art.311º, nºs.2, al.a) e 3, al.d) do C.P.P., recebidos os autos no tribunal, o juiz deve rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada, integrando este conceito, nos termos do último nº. e al. aludidos, a circunstância de os factos não constituírem crime.
Escreveu-se no Ac.R.P. de 15-4-15 (in www.dgsi.pt) que: “Tendo em consideração a estrutura acusatória do nosso processo penal e os corolários desse modelo processual, não nos custa reconhecer razão ao recorrente quando afirma que está vedado ao juiz de julgamento emitir um juízo sobre (in)suficiência de indícios para levar, ou não, o caso a julgamento.
Porém, a questão que aqui se coloca não é essa, mas antes a de saber se a acusação deduzida é, manifestamente, infundada por não constituírem crime os factos imputados ao arguido.
Partilhamos do entendimento de que, deduzida a acusação, o momento azado para conhecer do respectivo mérito é o julgamento e que o princípio do acusatório impõe uma interpretação restritiva do n.º 3 do citado artigo 311.º e, assim, que o juiz de julgamento deve fazer um uso prudente e comedido dos poderes que aí lhe são conferidos, evitando um pré-juízo sobre o bem-fundado da acusação.
Por isso, manifestamente infundada será, apenas, aquela acusação que, patentemente, inequivocamente e de forma incontroversa carece de fundamento, já porque os factos nela descritos não são suficientes para imputar a prática do crime acusado[6], já porque os factos, pura e simplesmente, não são subsumíveis à previsão incriminadora de uma qualquer norma que defina um tipo legal de crime[7].”
E, tomando como boas estas considerações, não podemos deixar de concluir que os factos alegados na acusação particular, nos moldes e conforme supra já exposto, não integram os elementos objectivos do crime do art.187º, nº.1 do C.P., pelo que, sendo inútil fazer prosseguir os autos para, a final, concluir como agora já se conclui, se impõe rejeitar a acusação particular deduzida, por os factos nela alegados não configurarem a prática de crime.
Assim, como decorre do que acabamos de expender, haverá que rejeitar a acusação deduzida, por manifestamente infundada, face à circunstância de os factos nela alegados não constituírem crime.
Um pequeno parêntesis para acrescentar ainda que, mesmo que assim não fosse, sempre teríamos que concluir que a acusação particular deduzida não poderia ser recebida, considerando que, atenta a data dos alegados factos (9-4-2019), a circunstância de o arguido não ter sido formalmente constituído como tal (cfr. art.58º, nº.2 do C.P.P.), nem ter sido regularmente notificado da acusação (cfr. art.113º, nºs.1, al.a) e 10 do C.P.P. – cfr. Ac.R.E., de 5-2-19, in www.dgsi.pt) e o que decorre das disposições conjugadas dos arts.187º, nº.1, 2º, nº.4, 118º, nº.1, al.d), 119º, nº.1, 120º, nº.1, al.b) e 121º, nº.1, als.a) e b) (os dois últimos a contrario), todos do C.P., o procedimento criminal se encontra prescrito (não relevando, em nosso entender e por força do já indicado art.2º, nº.4 do C.P., as suspensões de prazo decretadas no âmbito da L.nº.1-A/20, de 19-3, nas suas respectivas versões e períodos temporais – cfr., a propósito, Acs.R.E., de 23-2-21, R.L., de 9-3-21, e R.P., de 14-4-21, todos in www.dgsi.pt).

Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, de harmonia com as disposições conjugadas do art.311º, nºs.2, al.a) e 3, al.d), do C.P.P., decide-se rejeitar a acusação particular deduzida, por manifestamente infundada.
Custas pela assistente, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.C..»

Decidindo

Dispõe o artigo 311º C P Penal que:
“1. recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer.
2. Se o processo tiver sido remetido par a julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido:
a) de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada;
b) de não aceitar a acusação do assistente ou do MP na parte em que ela representa uma alteração substancial dos factos, nos termos do n.º 1 do artigo 284º e do n.º 4 do artigo 285º, respectivamente.
3. para os efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada:
a) quando não contenha a identificação do arguido;
b) quando não contenha a narração dos factos;
c) se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou
d) se os factos não constituírem crime”.

E, o artigo 187.º C Penal, sob a epígrafe “ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva” que:
“1. quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2. é correspondentemente aplicável o disposto:
a) no artigo 183º e,
b) nos n.ºs 1 e 2 do artigo 186”.

Importa agora saber se as expressões imputadas ao arguido e em causa nos presentes autos integram desde logo os elementos do tipo objetivo do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva.
«A todos é reconhecido o direito ao bom nome e reputação (cfr. o artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa), o qual “consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra e consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação. Neste sentido, este direito constitui um limite para outros direitos (cfr. o Professor Gomes Canotilho e o Professor Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª edição, 2007, página 180.
Na expressão do Professor Jorge Miranda, in Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2005, página 289, “o direito ao bom nome e à reputação tem um alcance jurídico amplíssimo, situando-se no cerne da ideia de dignidade da pessoa.”.
Por sua vez, o Professor Beleza dos Santos define a honra como “aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale” e a consideração como “aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público” (cfr. Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúrias, in Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3512, páginas 167 e 168).
E, prossegue o mesmo autor, “a honra refere-se ao apreço de cada um por si, à autoavaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou ao menos de o não julgar um valor negativo”.
No entanto, o conceito de ofensa não pode ser um conjunto puramente subjetivo, isto é, não basta que alguém se considere injuriado ou difamado para que a ofensa exista. Determinar se uma expressão é ou não injuriosa/difamatória é uma questão que tem de ser aferida em função do contexto em que foi proferida, bem como do meio social a que pertencem ofendido e arguido, os valores do meio social em que ambos se inserem, etc. (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07 de abril de 2008, relatado pela Senhora Desembargadora Maria Augusta Fernandes no âmbito do processo n.º 71/08 – 1.ª secção, ainda inédito).
O Professor Beleza dos Santos, citando o Professor Jannitti Piromallo (obra citada, página 167), escreve que “os crimes contra a honra ofendem um sujeito, mas não devem ter-se em conta os sentimentos meramente pessoais, senão na medida em que serão objetivamente merecedores de tutela.”.
E prossegue concluindo que “não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais”.
O Professor José de Faria Costa escreve, a propósito, que “o significado das palavras, para mais quando nos movemos no mundo da razão prática, tem um valor de uso. Valor que se aprecia, justamente, no contexto situacional, e que ao deixar intocado o significante ganha ou adquire intencionalidade bem diversa, no momento em que apreciamos o significado”, o que não quer dizer, prossegue o mesmo autor, “que não haja palavras cujo sentido primeiro e último seja tido, por toda a comunidade falante, como ofensivo da honra e consideração” (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, tomo I, página 630) (Cfr. Ac do Trib Rel. Guimarães de 17/12/2020, relator des. Jorge Bispo, in www.dgsi.pt)
A acusação foi rejeitada, por se ter considerado como manifestamente infundada, por se haver entendido que os factos ali descritos não constituem crime.
A propósito da alínea d) do n.º 3 do artigo 311º C P Penal refere Germano Marques da Silva in Curso Proc. Penal, III, 207/8, que, “esta alínea era desnecessária, porque os factos narrados hão-de fundamentar a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e só a podem fundamentar se constituírem crime. Se os factos não constituírem crime verifica-se a inexistência do objecto do processo, tornando-o inexistente e consequentemente não pode prosseguir”.
Crime na noção contida na alínea a) do artigo 1º do C P Penal, é o “conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais”.
Acusação manifestamente infundada é aquela que nos seus próprios termos não tem condições de viabilidade, no entendimento expressivo de Maia Gonçalves, o que acontece nos casos taxativos previstos no n.º 3 do artigo 311º C P Penal.
O fundamento da inexistência de factos na acusação que constituam crime, só pode ser aferido diante do texto da acusação, quando faltem os elementos constitutivos - objectivos e subjectivo - de qualquer ilícito criminal ou quando se trate de conduta penalmente irrelevante, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do C P Penal.
A acusação, sendo formalmente a manifestação da pretensão de que o arguido seja submetido a julgamento pela prática de determinado crime e por ele condenado, constitui o pressuposto indispensável da fase de julgamento, por ela se definindo e fixando o objeto deste último. (Germano Marques da Silva, ob. Cit. p. 113)
Dispõe o art. 283º, n.º 3, al. b), do CPP, que a acusação contém, sob pena de nulidade, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, …”.
Trata-se de uma imposição decorrente do princípio do acusatório e que surge como forma de assegurar ao arguido todas as garantias de defesa, em respeito pelo art. 32º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
O atual modelo, vigente desde o Código de Processo Penal de 1987, aprovado pelo DL n.º 78/87, de 17 de fevereiro, estrutura-se no referido princípio do acusatório, embora mitigado com uma vertente investigatória, tendo, nessa parte, a respetiva autorização legislativa sido concedida com o sentido e extensão de estabelecimento da máxima acusatoriedade do processo penal, temperada com o princípio da investigação judicial. (Cf. art. 2º, n.º 2, 4), da Lei n.º 43/86, de 26 de setembro (autorização legislativa em matéria de processo penal).
Um dos traços estruturais do princípio acusatório consiste na clara distinção entre, por um lado, a entidade que tem a seu cargo uma fase investigatória e, se for o caso, sustenta uma acusação, e, por outro lado, uma entidade distinta que julga, em audiência pública e contraditória, os factos objeto dessa acusação.
A reforma operada pela Lei n.º 59/98 de 25 de agosto, introduziu determinadas alterações que vieram reforçar esse modelo, nomeadamente explicitando as funções dos vários sujeitos processuais, afastando várias dúvidas e divergências jurisprudenciais, como sucedeu com o aditamento do citado n.º 3 do art. 311º, do CPP.
Com esta alteração, prevendo, de modo claro e taxativo, as quatro situações que podem levar à conclusão de se estar perante uma acusação manifestamente infundada, pressuposto da sua rejeição, impediu-se que o juiz, ao proferir o referido despacho de saneamento do processo, previsto no art. 311º, tenha um papel equivalente ao do sujeito processual que deduziu a acusação, fazendo um juízo sobre a suficiência ou insuficiência de indícios que a sustentam.
Tal alteração fez caducar a jurisprudência anteriormente fixada pelo assento n.º 4/93 (De 27-02-1993, publicado no Diário da República - I Série-A, N.º 72 - 26-03-1993), segundo a qual “[a] alínea a) do n.º 2 do artigo 311.º do Código de Processo Penal inclui a rejeição da acusação por manifesta insuficiência de prova indiciária.”
É hoje incontroverso que, no momento processual a que se refere o art. 311º, o juiz não pode decidir do mérito da acusação por via da sindicância, da avaliação da suficiência dos indícios efetuada pelo Ministério Público ou pelo assistente.
Da referida estrutura acusatória do processo penal decorre que impende sobre o acusador a exposição total dos factos e do crime que imputa ao arguido, cabendo-lhe, assim, a iniciativa de definir o objeto do processo. E, nesta tarefa, não pode ser ajudado nem corrigido pelo juiz, enquanto terceiro imparcial e supra partes, sob pena de violação do modelo acusatório estruturante do processo penal.
Assim, os poderes do juiz sobre a acusação, antes do julgamento, são limitadíssimos, confinando-se à valoração jurídica dos factos tidos como suficientemente indiciados pelo acusador, mas, ainda assim, com uma margem de atuação bastante restrita, uma vez que apenas a pode rejeitar quando for manifestamente infundada, ou seja, quando for inequívoco e incontroverso que os factos nela descritos não constituem crime. (Ac. RG, de 7/12/2020, citado)
Em causa está, pois, a previsão da al. d) do n.º 3 do art. 311º, ou seja, os factos descritos na acusação não constituírem crime, o que se traduz numa das quatro situações em que a mesma é manifestamente infundada e, por isso, o juiz pode rejeitá-la sem violar o princípio do acusatório.
Trata-se, pois, de saber se a acusação não merece ser discutida, ou seja, se não há razões para a sujeitar a um debate público e contraditório em julgamento, o que, como vimos, implica a feitura de um juízo inequívoco e incontroverso sobre a própria atipicidade da conduta nela imputada ao arguido.
Apreciar se os factos descritos na acusação – concretamente se as expressões proferidas pelo arguido, e difundidas pela imprensa -, são suscetíveis de integrar a factualidade típica, a previsão do tipo legal do artigo 187º, nº 1, do CP.

Da subsunção dos factos ao Direito.

Na decisão recorrida concluiu-se que não consubstancia a prática do crime de ofensa a pessoa coletiva o ato de o arguido, no dia 09 de abril de 2019 ter divulgado num comunicado, dirigido a várias agências noticiosas e meios de comunicação social, através do qual denunciou:

5 “que as fraldas produzidas e vendidas pela assistente em Angola, com a marca X, além de outras imputações, muitas delas ambíguas, não continham data de validade”;
5 “que as marcas das fraldas identificadas no Comunicado, que incluía a marca X fabricada e comercializada pela assistente, não ofereciam a segurança desejada e o seu uso poderia colocar em risco a saúde de quem as utilizava”;
6 “que as fraldas em Angola eram embaladas em condições inóspitas “no chão de terra”, acondicionadas ou armazenadas em locais frequentemente habitados por ratos, baratas, gatos e outras pestes imaginárias”;
7 “que as fraldas da assistente e do grupo de empresas elencado, a ele se dirigindo como (…) elefante que tinha o bojo para o enriquecimento fácil e que não pairavam sobre si a sensibilidade humana (…), colocavam a saúde pública em causa e estimulavam o mercado informal”;
8 Além disso, o arguido difundiu também que, “especificamente a fralda X, não dispunha de data de validade”
9 Terminava a arguido o comunicado difundindo “que as marcas das fraldas enunciadas no comunicado, onde incluiu as fraldas produzidas pela assistente, eram produtos que não ofereciam a segurança desejada e apelava a sociedade em geral a abster-se de comprar as marcas das fraldas descartáveis denunciadas, tanto nas grandes superfícies como no mercado informal, sob pena de colocarem em risco a saúde de quem as usasse”;
10 “ainda acusou a assistente, sem prova nem contraditório, dos crimes de contrafação e fraude nas vendas.”
Tendo chegado a essa conclusão por considerar que os factos imputados ao arguido não configuram a tipicidade objetiva do crime de ofensa a pessoa coletiva, por considerar tratarem-se de juízos de valor, meras opiniões ou pareceres, concretamente o alegado sob os números 5 (o segundo), 7, 9 e 10 da acusação particular.
Restaria, pois, como passíveis de preencher o tipo objetivo do ilícito em questão, as expressões que constam nos números 5 (o primeiro) e 8 dessa acusação, ou seja, a afirmação de que as fraldas produzidas e vendidas pela assistente em Angola, com a marca X, “não continham data de validade”, que, especificamente a fralda X, “não dispunha de data de validade”.
E, no que à difusão desta afirmação concerne, o tribunal recorrido considerou; “para além de se verificar, da leitura da acusação, que, ao que tudo indica, tal facto é verídico (cfr. v.g. arts.26º e 32º da mesma), ou seja, as fraldas X não tem data de validade (independentemente de apreciar ou avaliar se a deveria, ou não, ter, ou se tal indicação é, ou não, exigida pelo ordenamento jurídico angolano), o certo é que, mesmo que fosse/seja inverídico, surge para nós como evidente e notório que o mesmo certamente não é capaz de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos à pessoa coletiva, aqui assistente.”
Mais se entendeu que, se porventura tais factos pudessem configurar a prática do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, previsto no artigo 187º do Código Penal, o que não é concedido, nessa situação, no entanto, não seria legalmente admissível o procedimento criminal, por se encontrar prescrito.
Prescrição que é também suscitada pelo MP, no seu parecer.

Vejamos.
Todo o recurso tem subjacente a operação de subsunção dos factos descritos na acusação particular ao tipo legal de crime de ofensas a organismo, serviço ou pessoa coletiva.
Assim.
O artigo 187.º C Penal foi introduzido na Reforma operada pelo Decreto Lei 48/95 de 15MAR, colocando-se fim à controvérsia a que se vinha assistindo sobre a questão de saber se as pessoas coletivas podiam ou não ser sujeito passivo de crimes contra a honra.
Como consta da ata n.º 25 da Comissão Revisora do C Penal de 1995, “visa o tipo legal previsto no artigo 187º C Penal criminalizar acções (os rumores) não atentatórios da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de uma determinada pessoa colectiva, valores que não se incluem em rigor no bem jurídico protegido pela difamação ou pela injúria”.
A norma do artigo 187º pressupõe, desde logo, a afirmação ou a propalação de factos.
Se, afirmar significa, desde logo, declarar com firmeza; dizer algo assumindo o carácter de verdade do que é dito; asseverar, sustentar, do mesmo modo, propalar, significa divulgar, espalhar, reiterar, apregoar, cfr dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
O n.º 2 do artigo 187º C Penal - que prevê e pune o novel crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva - espelha uma norma de remissão interna, o que vale por dizer que manda aplicar, de maneira correspondente, as normas contidas no artigo 183º e ainda as que se sedimentam nos n.ºs 1 e 2 do artigo 186º, nas palavras precisas do Prof. Faria Costa in Comentário Conimbricense.
O legislador consagrou no n.º 2 do artigo 187º uma determinação de correspondência, o que permite afastar aquilo que se considera inaplicável perante uma rigorosa análise de teleologia da norma, (ibidem).
Como já referimos, face ao princípio do acusatório, no momento processual regulado no art. 311º, o tribunal só pode rejeitar a acusação com o fundamento invocado no despacho recorrido quando a factualidade nela descrita não consubstancia de forma inequívoca qualquer conduta criminalmente tipificada.
É entendimento jurisprudencial pacífico que esse juízo tem de assentar numa constatação objetivamente inequívoca, evidente e incontroversa da inexistência de factos que sustentam a imputação efetuada. Cf., entre outros, os acórdãos do TRP de 21-10-2015 (processo n.º 658/14.3GAVFR.P1) e de 11-07-2012 (processo n.º 1087/11.6PCMTS.P1), do TRE de 15-10-2013 (processo n.º 321/12.0TDEVR.E1) e do TRL de 07-12-2010 (processo n.º 475/08.0TAAGH.L1-59, todos disponíveis em www.dgsi.pt
Debrucemo-nos, então, sobre os juízos de valor e o tipo do artigo 187.º C Penal.
Ademais e decisivamente, a anteceder tal género de apreciação, atinente à objetividade das expressões, ao contrário do que exige o tipo em questão, a maioria das expressões proferidas e difundidas em apreciação, não encerram em si, quaisquer factos mas, tão só, se traduzem em juízos de valor que a norma em causa não prevê, como forma de cometimento do ilícito.
Se em sede de difamação tanto importa, pois, fazer uma imputação desonrosa de um facto, ”fulano tirou-me a carteira”, como formular um juízo, de igual sorte, desonroso, “fulano é um ladrão” e se em sede de injúria tanto basta a imputação do mesmo facto ou a afirmação da palavra, já no âmbito da ofensa a pessoa coletiva, apenas releva a imputação de factos.
Donde, ressalta um evidente interesse, real e efetivo na distinção (tarefa, as mais das vezes, plena de dificuldades) entre facto, por um lado, juízo e palavras, por outro.
A noção de facto constitui, assim, agora o ponto nuclear, no conhecimento da relevância jurídico-criminal da conduta do arguido.

A propósito da distinção facto versus juízo, refere o Prof. Faria Costa in Comentário Conimbricense:
“facto é o que se traduz naquilo que é ou que acontece, na medida em que se considera como um dado real da existência, facto é um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, um juízo de existência.
Um facto é um elemento da realidade, traduzível na alteração dessa mesma realidade, cuja existência é incontestável, que tem um tempo e um espaço precisos, distinguindo-se, neste sentido, dos acontecimentos, que são também factos, mas que se expressam por conjunto de ações que se protelam no tempo.
Por sua vez, o juízo, independentemente dos domínios em que pode operar (juízos psicológico, lógico, axiológico, jurídico) deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa a existência de uma ideia ou de uma coisa, mas ao seu valor”.

No caso concreto, como bem se refere na decisão recorrida, as expressões proferidas e utilizadas nas notícias difundidas, constituem juízos de valor, cfr. da acusação particular os acima apontados factos vertidos sob os números 5 (a marca X fabricada e comercializada pela assistente, não ofereciam a segurança desejada e o seu uso poderia colocar em risco a saúde de quem as utilizava), 7 (as fraldas da assistente e do grupo de empresas elencado, a ele se dirigindo como (…) elefante que tinha o bojo para o enriquecimento fácil e que não pairavam sobre si a sensibilidade humana (…), colocavam a saúde pública em causa e estimulavam o mercado informal), 9 (as marcas das fraldas enunciadas no comunicado, onde incluiu as fraldas produzidas pela assistente, eram produtos que não ofereciam a segurança desejada e apelava a sociedade em geral a abster-se de comprar as marcas das fraldas descartáveis) e 10 (ainda acusou a assistente, sem prova nem contraditório, dos crimes de contrafação e fraude nas vendas).
Daqui se conclui que, relativamente a estes pontos, seguramente, não estamos na presença, da imputação de factos, mas fundamentalmente, perante a formulação de juízos de valor, sobre a imagem, o produto da assistente, entre outros, e sua qualidade, bem como tecendo juízos sobre a atuação, e intenção, daquela assistente, fazendo-o na qualidade de Presidente da Associação Angolana dos Direitos do Consumidor.
O que nos pontos aludidos foi escrito não contém qualquer elemento de descrição/narração de realidade factual.
O que foi, sempre, invariavelmente, feito, foi a formulação de um quadro de juízos de valor, não concretizados com a descrição de factos, “pedaços da vida real” - não se afirmando, ou propalando factos, modo, via, instrumento, de todo, não previsto, no tipo legal do artigo 187º do CP.
E, no que concerne às afirmações vertidas nos pontos 5 (as fraldas produzidas e vendidas pela assistente em Angola, com a marca X, além de outras imputações, muitas delas ambíguas, não continham data de validade) e 8 (difundiu também que, especificamente a fralda X, não dispunha de data de validade) nada nos autos indica, antes pelo contrário, que as mesmas correspondam à propalação de factos inverídicos. Sendo certo que o pressuposto da falta de veracidade das afirmações constitui um dos elementos do tipo objetivo do ilícito.
Como bem se salienta no despacho recorrido, é a própria assistente quem admite que as fraldas que transaciona em Angola não estão dotadas de data de validade para utilização.

Relativamente a estas afirmações proferidas pelo arguido, e à constante do ponto 6 da acusação, vamos transcrever o que foi exarado no despacho sob escrutínio, com o que concordamos em absoluto:
«Por outro lado, o alegado no art.6º da acusação não se refere sequer à pessoa da sociedade assistente (aliás, nem ali tal se alega).
E, do alegado na acusação particular, resta então, em termos objectivos, para o pretendido preenchimento do tipo objectivo, o que consta nos arts.5º (o primeiro) e 8º da mesma, ou seja, a denuncia de que as fraldas produzidas e vendidas pela assistente em Angola, com a marca X, “não continham data de validade”, tendo, segundo o alegado, o arguido difundido que, especificamente a fralda X, “não dispunha de data de validade”.
Ora, para além de se verificar, da leitura da acusação, que, ao que tudo indica, tal facto é verídico (cfr. v.g. arts.26º e 32º da mesma), ou seja, as fraldas X não tem data de validade (independentemente de apreciar ou avaliar se a deveria, ou não, ter, ou se tal indicação é, ou não, exigida pelo ordenamento jurídico angolano), o certo é que, mesmo que fosse/seja inverídico, surge para nós como evidente e notório que o mesmo certamente não é capaz de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos à pessoa colectiva, aqui assistente.
Donde, também, com este fundamento, não assume a conduta imputada ao arguido dignidade penal, por falta de tipicidade, podendo, então, a assistente, através de outro ramo de direito – o civil – satisfazer perfeita e plenamente – aliás até de maneira sistematicamente mais coerente e eficaz – os seus interesses, em ver ressarcidos os prejuízos que a alegada violação da sua credibilidade, do seu prestígio e confiança, provocou.»
Se a emissão de um juízo de valor e propalação de factos verdadeiros não é suscetível de integrar a factualidade típica, desde logo, com este fundamento – que precede a análise, avaliação e apreciação do sentido, que lhe é dado, com que foi utilizado e que é idóneo a traduzir – nunca por nunca, as expressões utilizadas pelo arguido, se podem traduzir ou ter a virtualidade de integrar o tipo do artigo 187º, nº1, do CP – que é o que aqui está em questão.
Aqui chegados, e com plena aplicação ao crime em causa nos autos, cumpre salientar o seguinte.
O direito ao bom-nome e reputação, com consagração constitucional [artigo 26.° da CRP] conflitua, por vezes, com o princípio constitucional da liberdade de expressão, o qual também tem consagração constitucional.
A Constituição da República Portuguesa reconhece, na categoria dos direitos fundamentais, a liberdade de expressão e informação. No seu art.º 37.° n.º 1, consagra-se: “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”. O que se traduz no direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento.
Este direito tem uma grande amplitude, permitindo que se emitam juízos desfavoráveis, críticas, embora com limites, entre eles o respeito devido à honra e dignidade. Porém, estes direitos ao bom-nome e reputação e à livre expressão, que têm, em princípio, igual valor não podem ser entendidos em termos absolutos e, em caso de conflito, têm de ser harmonizados nas circunstâncias concretas, de acordo com um princípio de concordância prática.
Portanto, a extensão da defesa da honra deve ser analisada num contexto de conflito com outros bens constitucionalmente tutelados.
Do mesmo modo a Declaração Universal dos Direitos do Homem elege como direitos fundamentais, colocando-os no mesmo plano de proteção, a personalidade jurídica (art.º 6º), a honra e reputação (art.º 12º), a liberdade de pensamento (art.º 18º) e de opinião e expressão (19º).
Também na Convenção Europeia dos Direitos do Homem estão protegidas as liberdades de pensamento e consciência (art.º 9º nº 1) e de expressão, compreendendo esta a liberdade de opinião e de transmissão de ideias, que pode, no entanto, ser objeto das restrições necessárias para a proteção da honra alheia (art.º 10º).
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia protege a inviolabilidade da dignidade ser humano (art.º 1º), as liberdades de pensamento e consciência (art.º 10º) e de expressão, opinião e transmissão das ideias (art.º 11º).
Como facilmente também resulta das normas referidas, os direitos fundamentais à dignidade, honra, reputação e bom nome pessoais, por um lado, e à liberdade de opinião e expressão, por outro, têm força jurídica equivalente, o que significa que em muitas situações concretas existirão zonas de conflito ou colisão. E por isso torna-se crucial encontrar os critérios legais que permitam encontrar a solução para essa colisão.
A Constituição não estabelece uma hierarquia de direitos fundamentais nem contém qualquer norma que diretamente resolva as situações de conflito entre eles. Contudo, ao admitir apenas as restrições estritamente necessárias para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art.º 18º nº 2) adota o critério da necessidade, do qual resulta que a limitação ao exercício do direito fundamental só é admissível se tiver em vista a proteção de outro direito fundamental e apenas na medida do estritamente necessário para atingir essa finalidade.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que é direito interno de aplicação direta (foi aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78 de 13 de Outubro, e entrou em vigor em Portugal em 9 de Novembro do mesmo ano, conforme o Aviso publicado no Diário da República de 2 de Janeiro de 1979, tendo em 7 de Abril de 1987 sido publicada a Lei n.º 12/87, que procedeu à eliminação da maioria das reservas feitas em 1978 à Convenção) contém no seu artigo 10º uma regra que nos dá um critério substancialmente distinto de harmonização dos direitos em causa.
De acordo com o que resulta da norma, a liberdade de expressão é um princípio fundamental da sociedade democrática e as restrições legalmente consentidas – como as necessárias para a proteção da honra – constituem exceções que carecem de ser interpretadas de forma estrita. Ou seja, a Convenção dá clara prevalência à liberdade de opinião e expressão, na medida em que considera excecionais as restrições consentidas.” (Cfr. Ac. Relação do Porto, de Porto, 7 de fevereiro de 2018, relatado por Manuel Ramos Soares)
Como vemos, são frequentes as situações em que conflituam o direito à honra e o direito de expressão. Sendo este um direito também erigido à dignidade de direito fundamental (art. 37.º, n.º 1 da Constituição) e não estabelecendo a Constituição da República uma hierarquia dos direitos que tutela, o choque entre o direito à honra e o direito de expressão impõe a sua recíproca compressão, com observância do princípio da proporcionalidade, mas sem que qualquer possa ser objeto de destruição do seu conteúdo essencial (cfr. art. 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).
Trata-se, portanto, de fazer funcionar um princípio da concordância prática em que o respetivo juízo de ponderação abrange, de um lado, a adequação e necessidade do sacrifício de um direito à salvaguarda do outro, e de outro, que a solução concreta seja a que menos afeta e reduz os direitos em causa. Daí que, não raras vezes, no embate entre direito à honra e o direito à expressão se entenda que, para evitar a inutilização deste pela tutela penal daquele, deve recuar a tutela da honra, umas vezes pela atipicidade da conduta, outras pelo funcionamento de causas de exclusão da ilicitude, seja a do art. 31.º, n.º 2, b) do C. Penal, seja a do art. 180.º, n.º 2, a) do mesmo código. (Cfr. Ac. RG citado)
Estes princípios são extensíveis aos direitos em conflito no presente processo, e o arguido, até atenta a qualidade em que se pronunciou, tem o direito de informar, opinar e formular juízos de valor sobre um produto que vai ser colocado no mercado angolano, que a organização a que preside fiscaliza em nome do consumidor.
Face a tudo o exposto, e em resumo, não pode deixar de se manter a decisão recorrida, ainda que, também, com outros argumentos – na consideração de que a ofensa prevista no tipo de crime do artigo 187º, nº 1, do CP, não pode ser cometida, senão pela afirmação ou propalação de factos, estando excluída a possibilidade – prevista para os crimes de difamação e de injúria – de ser cometido através da emissão de juízos de valor ou com palavras ofensivas e, porque aquelas expressões utilizadas pelo arguido que correspondem a afirmações de factos não são inverídicas, não têm, objetivamente, a virtualidade de atingir a esfera jurídica da assistente.
É tempo de concluir, afirmando a falta de fundamento, para o concreto recurso apresentado pela assistente, dado o facto de, decisivamente, a materialidade descrita na acusação particular não constituir crime.
Donde, com este fundamento, sempre estaria a acusação votada ao insucesso.
Cumpre, por fim salientar que tem aqui aplicação o princípio da intervenção mínima do direito penal, ínsito no princípio da fragmentaridade, que afirma que o direito penal constitui a ratio extrema, donde deriva a circunstância de apenas ser previsto como crime o comportamento que atente contra valores fundamentais da vida em sociedade de modo particularmente grave. Ou seja e, dito de outro modo, só determinados comportamentos - os mais graves – são qualificados como crime, sendo o critério de seleção, o da gravidade do facto, não existindo a pretensão de a lei penal abranger todo o sector da vida social.
Entendimento que bastaria, para que no caso concreto, uma vez que os juízos de valor expressos pelo arguido, não cabem no tipo legal do artigo 187º C Penal, e a afirmação proferida tem correspondência com a verdade, para se entender que a conduta do arguido não assume, nesse segmento, dignidade penal, por falta de tipicidade.
De qualquer forma, não assumindo a conduta imputada ao arguido dignidade penal, por falta de tipicidade, poderá, então, a assistente, através de outro ramo de direito – o civil – satisfazer perfeita e plenamente – aliás até de maneira sistematicamente mais coerente e eficaz – os seus interesses, em ver ressarcidos os prejuízos que a alegada violação da sua credibilidade, do seu prestígio e confiança, terá provocado

Por fim, dir-se-á o seguinte:
O crime imputado ao arguido, de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, previsto no art. 187º do CP, , é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.
Nos termos do disposto no art. 118º, nº 1, al. d), do CP, neste tipo de crimes o procedimento criminal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática dos factos tiverem decorrido dois anos.
Os factos em causa nos autos verificaram-se no dia 09 de abril de 2019.
Compulsados os autos constata-se que o denunciado não foi formalmente constituído arguido nos autos, nem regularmente notificado da acusação deduzida, pelo que não se verificou nenhuma causa de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição, conforme resulta do disposto nos artigos 120º, nº 1 al. b) e4 121, nº 1 als. a) e b), do CP.
Tal como se expressa no despacho recorrido, também é nosso entendimento, que a suspensões de prazos processuais decretadas no âmbito da situação pandémica que nos assola, previstas na Lei nº.1-A/20, de 19-3, e subsequentes versões e correspondente períodos temporais, não têm aplicação no caso concreto, pelo facto da sua eventual aplicação resultar um regime que se mostra concretamente mais desfavorável para o denunciado, por força do disposto no art. 2º, nº 4, do CP.

Por fim, dir-se-á o seguinte:
O crime imputado ao arguido, de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, previsto no art. 187º do CP, , é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.
Nos termos do disposto no art. 118º, nº 1, al. d), do CP, neste tipo de crimes o procedimento criminal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática dos factos tiverem decorrido dois anos.
Os factos em causa nos autos verificaram-se no dia 09 de abril de 2019.
Compulsados os autos constata-se que o denunciado não foi formalmente constituído arguido nos autos, nem regularmente notificado da acusação deduzida, pelo que não se verificou nenhuma causa de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição, conforme resulta do disposto nos artigos 120º, nº 1 al. b) e 121º, nº 1 als. a) e b), do CP.
Tal como se expressa no despacho recorrido, também é nosso entendimento que, verificando-se decorrido o prazo de prescrição do procedimento criminal, o que se verifica desde o dia 9/04/2021, com a consequente extinção do procedimento criminal, também por este motivo o tribunal recorrido só poderia rejeitar a acusação, por extinção do procedimento criminal.
*
IV. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
Julgar improcedente o recurso interposto pela assistente “X – Worldwide, S.A.”, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido

Custas a cargo da assistente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs – artigo 515º, nº1 al. b), do CPP.

Notifique
(Texto integralmente elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários (artigo 94º, nº 2 do C. P. Penal).
Guimarães, 21 de março de 2022

Os Juízes Desembargadores

Relator
José Júlio Pinto

1º Adjunto
Pedro Cunha Lopes

Presidente da Secção
Fernando Chaves