Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1000/20.0T8VCT-A.G2
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
DECISÃO SURPRESA
PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DO CASO JULGADO
DOCUMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A força vinculativa do caso julgado só pode ser afastada nos casos excepcionais em que o próprio legislador ordinário previu a possibilidade de não vigorar o princípio da intangibilidade do caso julgado, tal como acontece nos casos de admissão do recurso extraordinário de revisão previsto no art. 696º do CPC.
II – O recurso extraordinário de revisão faculta a quem tenha definitivamente ficado vencido na causa a possibilidade de a reabrir mediante a invocação de fundamentos taxativamente previstos no art. 696º do CPC, as quais se referem à actividade material do juiz, à situação das partes, à formação do material probatório e à preterição do caso julgado.
III – Na primeira fase da tramitação do recurso de revisão – a fase rescindente –, verifica-se se existe ou não fundamento para a revisão, mantendo-se ou revogando-se, em consonância, a decisão recorrida. Na eventualidade do recurso ser julgado provido, segue-se a fase rescisória em que se procede à ressuscitação da instância (expurgada da falsidade que a inquinou) em que se produziu o caso julgado e se julga a mesma acção, mantendo-se intocáveis a causa de pedir, o pedido, os sujeitos e o valor da causa.
IV – O fundamento previsto na al. c) do art. 696º do CPC refere-se a um documento escrito dotado de força probatória plena que seja suficiente para, por si só (alheando-se assim da margem de apreciação do julgador – trata-se de um julgamento produzido pela lei, embora com reflexo na matéria de facto), destruir a prova em que se fundou a decisão.
V – Constitui documento escrito autêntico (cfr. arts. 362º, 363º, 369º e 370º do CC), dotado de força probatória plena (cfr. art. 371º do CC), relatório do INMLCF com o resultado de exclusão do A. da paternidade da R., na sequência de testes de ADN a que ambos voluntariamente se submeteram.
VI – Tal documento, só por si, tem força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença que se pretende rever, que declarou ser o A. o progenitor da R.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

J. M. instaurou recurso de revisão (1) contra A. M. e o MP, peticionando que seja revogada in totum a sentença de 26-11-1982 e substituída por outra que declare não ser ele o progenitor de A. M., com as consequen­tes alterações no registo civil.
Para tanto, invoca a alínea c) do art. 696° CPC, alegando que o progresso cientifico alcançado após a data da decisão per­mite determinar com rigor a paternidade e que no processo censurado não fo­ram efectuados exames, sendo estes então, falíveis e inidóneos para apu­ramento da verdade. Em Agosto de 2019, o A. e a R. A. M. submeteram-se a testes de ADN com re­sultado de probabilidade zero de geração por banda do A. E em Dezembro desse ano repetiram, também por iniciativa própria, os exames no INML, so­brevindo relatório datado de 27-01-2020, com o resultado de exclusão do A. da paternidade da R. O caso julgado deve ceder perante o pessoalíssimo direito fun­damental à verdade biológica.

Recebido liminarmente o recurso, foram os recorridos notificados nos termos do nº 2 do art. 699º do CPC.

O recorrido MP respondeu, entendendo ser o recurso tempestivo [art. 697º/2, c) do CPC] e enquadrar-se na previsão do art. 696º, c) do mesmo diploma legal, devendo os autos prosseguir nos termos regulados no art. 700º do CPC.

Na sua resposta, a recorrida A. M. informou que não pretendia oferecer qualquer resposta, renunciando ao prazo que para o efeito lhe havia sido concedido.

Posteriormente foram ouvidos o recorrente e a recorrida, bem como as testemunhas por aquele arroladas, D. M. e M. A., seus irmãos, que tiveram conhecimento do pro­cesso em 1982 e da ligação sentimental.

No final, foi proferida sentença, que decidiu indeferir o recurso de revisão e que, para melhor elucidação, se passa a transcrever:
§ I
J. M. instaurou recurso de revisão contra A. M. e contra o Estado, concluindo com a seguinte pretensão:
Seja revogada in totum a sentença de 26/11/82 e substituída por outra que declare não ser ele o progenitor de A. M., com as consequen­tes alterações no registo civil.
Sustenta-se o A na alínea c) do artigo 696° CPC: apresentação de documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não pudesse ter feito uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
O progresso cientifico alcançado após a data da decisão per­mite determinar com rigor a paternidade. No processo censurado não fo­ram efectuados exames, sendo estes então, falíveis e inidóneos para apu­ramento da verdade.
Em Agosto de 2019, A e R submeteram-se a testes de ADN com re­sultado de probabilidade zero de geração por banda do A. E em Dezembro desse ano repetiram, também por iniciativa própria, os exames no IML, so­brevindo relatório datado de 27/1/2020, com o resultado de exclusão do A da paternidade da R.
O caso julgado deve ceder perante o pessoalíssimo direito fun­damental à verdade biológica.
Respondeu o MP.
A. M. informou pretender não oferecer resposta.
Foi ouvida e também J. M.. E as testemunhas por este arroladas, D. M. e M. A., seus irmãos, que tiveram conhecimento do pro­cesso em 1982 e da ligação sentimental.
§ II
Como fundamento para ser dado provimento ao recurso, J. M. traz a exposição que se repete - no mais relevante - de seguida.
a. Em 17 de Julho de 1981, C. J. deu à luz A. M..
b. Do assento de nascimento de A. M. não constava a identificação do progenitor.
c. Em consequência, foi instaurado processo de averiguação oficiosa.
d. Aí se concluindo estar indiciado ser J. M. o autor da gravidez.
e. Ouvida C. J., declarou esta: o pai da menor é J. M. ... acedeu a com ele manter relações ... que se repetiram.
f. Ouvido, em 20/11/1981, João declarou negar terminantemente a paternidade de A. M. ... manteve relações de cópula ... duas ou três vezes ... a mesma estava já grávida de um indivíduo que trabalhava em Espanha.
g. Contestou a PI da investigação, alegando ser falso o respectivo teor.
h. Alegou já estar a progenitora desflorada.
i. Anteriormente andava com diversos homens.
j. E todos informaram João de que ela era mulher fácil.
k. Pelo que podia não ser ele o progenitor.
l. À data, os testes de sangue e de ADN eram altamente falíveis.
m. O MP não requereu a efectivação de exames de sangue.
n. Consta da decisão: as respostas positivas ... basearam-se ... nos depoimentos das testemunhas indicadas pelo autor ... por motivo de vizinhança e convivência com a mãe da menor ... o que consta das cartas ... escritas à mãe da menor pelo réu.
o. A sentença enferma de manifesto erro de julgamento.
p. E dela consta: uma vez que, durante esse período ... só com o réu manteve relações sexuais de cópula, tem de se concluir que a menor é fruto de tais relações, que é fi­lha do réu.
q. As testemunhas foram parciais.
r. Está cientificamente demonstrado que o recorrente não é o progenitor de A. M..
s. Nunca a reconheceu como filha.
t. Só em Agosto de 2019 veio a conhecê-la.
u. E reiterou não ser dela progenitor.
v. Submeteram-se ambos, em laboratório privado a exame de ADN em Agosto de 2019.
w. Deste resultando (relatório de 14/08/2019) que J. M. está excluído como pai biológico da criança testada ... a probabilidade é 0% ... o laboratório não assume respon­sabilidade por informação incorrecta.
x. E submeteram-se a segundo exame, em Dezembro de 2019, no IML, que forneceu relatório a 27/112020.
y. E deste constando: J. M. ... é excluído da paternidade de A. M..
z. Donde resulta - atenta a presente fiabilidade dos exames de ADN - enfermar a decisão recorrida de mani­festo erro de julgamento.
aa. Tendo para este concorrido o MP, então autor, por, podendo (e devendo) não haver requerido a realização de exames de sangue.
bb. A verdade biológica prevalece sobre a certeza e segurança jurídica.
cc. A não revogação da decisão infectaria de inconstitucionalidade a decisão do presente recurso.
dd. Em 1982 os exames de ADN eram altamente falíveis.
ee. A e R submeteram-se a exames de ADN em Agosto de 2019.
ff. Daí resultando relatório datado de 14/8/2019, com probabilidade de paternidade igual a zero.
gg. Efectuaram novos exames em Dezembro de 2019 e o relatório subsequente, datado de 27/1/2020 deu como resul­tado que o A é excluído da paternidade da R.
§III
Dos autos de investigação extrai-se:
a) A - de Julho de 1981 nasceu A. M., sendo registada apenas como filha de C. J., de 19 anos de idade.
b) A acção ordinária foi instaurada a 11 de Fevereiro de 1982, sendo R J. M..
c) C. J. nasceu em -/12/1961.
d) J. M. nasceu em -/1/1962.
e) J. M. constituiu ir mandatário e contestou.
f) Do teor da contestação: Nunca teve namoro com a mãe de A. M. ... teve relações de sexo, uma só vez e em Ja­neiro ... C. J. ... andava com diversos homens ... em in­timidade ... pode não ser o pai ... deve ... ser julgada im­procedente.
g) Da tréplica: Vários foram os homens que, durante o período legal ... tiveram relações sexuais de cópula com a mãe da menor.
h) Elaborado o questionário, o MP arrolou 5 testemunhas e J. M. arrolou 5 testemunhas, não propondo qualquer outro meio de prova. Juntaram um e outro, correspondência e uma foto.
i) As testemunhas arroladas por J. M. foram ouvidas, em Novembro de 1982.
j) A 17 de Novembro foi lido o acórdão das respostas ao questionário, que não mereceu reclamação, prescindindo as partes de alegações de direito.
k) Foram considerados os depoimentos das testemunhas arroladas pelo A e as cartas. As arroladas pelo R não foram referidas.
l) Foi dado como provado: a relação de namoro, a conjugação repetida, em Janeiro e Fevereiro e a exclusivida­de no período legal.
m) A decisão data de 26 de Novembro de 1982. Sustentada no trato conjugal entre C. J. e J. M. e com nenhum outro homem, declarou J. M. como progenitor de A. M..
§ IV
Foram ponderados o teor da acção de investigação, as declara­ções de J. M. e de A. M., indicando terem-se conhecido no ano passado e submetido a testes e os depoimentos de D. M. e M. A., irmãos do A e com memória do processo em Ponte de Lima.
O recurso de revisão deu entrada a 2 de Março de 2020.
Pretende J. M. ser excluído da condição de progenitor de A. M., atribuindo à decisão da comarca de Ponte de Lima, datada de 26 de Novembro de 1982, erro clamoroso.
A revisão é facultada nos estritos limites do artigo 696º CPC e não está sujeita ao limite dos cinco anos, art. 697º n.2 CPC. Invoca J. M. a alínea c) do artigo 696° CPC: apresentação de documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não pudesse ter feito uso, no processo em foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para mo­dificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
O documento invocado por J. M. é relatório subsequente a exa­mes de ADN. O relatório de 14 de Agosto de 2019 e o relatório de 27 de Janeiro de 2020, o primeiro de entidade privada e o segundo do Instituto de Medicina Legal e que será mais fiável no entender do recorrente, ambos concluindo pela exclusão de J. M. da geração de A. M..
A decisão enfermará de erro manifesto por ser pouca a fiabi­lidade dos exames de ADN à data e por o MP não haver requerido a reali­zação de exames de sangue.
No caso, ainda não foi produzida prova pericial, cabendo às partes propô-la, não se procedendo à respectiva efectivação sem que o tribunal a determine (art. 467º CPC). O relatório de exames efectuados es­pontaneamente pelas partes não é propriamente meio de prova documental, antes o resultado dos exames privados e estranhos ao processo, indepen­dentemente da maior ou menor credibilidade da entidade que os realizou.
A admitir-se o relatório pericial como documento (ac RP 31/10/2006, CJ XXXI, IV, p.187) estaria esgotado, à data da propositura do re­curso de revisão o prazo de 60 dias facultado pelo artigo 697º n.2 c) CPC, atendendo a que os primeiros exames foram efectuados em Agosto de 2019 e o correspondente relatório data de dia 14 desse mês.
A afirmação de que a alta fiabilidade dos exames de ADN foi alcançada só posteriormente à decisão agora censurada é consensual. To­davia, não é aceitável que o então R, patrocinado na acção ordinária da comarca de Ponte de Lima, não tenha podido fazer uso dos meios de prova científicos adequados à defesa da sua posição.
Arrolou testemunhas, que não terão contribuído para formar a convicção do tribunal e não propôs prova pericial, tal como o não fez o então A, o MP (63 PI) e podia tê-lo feito, sem que existisse obstáculo, ainda mais, clamorosamente injusto, ao uso de tal meio de prova. Eventualmente descreu da força probatória dos exames de ADN, todavia, para o que inte­ressava (excluir-se da imputada intervenção na geração de A. M. e afirmar a verdade biológica) bastavam-lhe os exames que já então eram realizados sucedidamente no IML.
O artigo 1801º CC, na redacção do DL 496/77, admite a realização dos exames de sangue e quaisquer outros cientificamente comprovados para a prova relativamente à filiação. Para atribui-la e para afastá-la.
No primeiro caso, "oferecem menor segurança", todavia, tais "exames podem, com grande segurança, afastar a ... paternidade imputada a certa pessoa" (A. Varela, Código Civil Anotado, V, Coimbra Editora, 1995, p.32).
Em 1984, constatava-se já que "o número de exames ... tem vindo a crescer progressivamente ... é possível atingir uma probabilidade de ex­cluir 96 indivíduos em cada 100 … A eficiência do sistema HLA ... associado aos sistemas ... levaria a excluir 99,94% ... dos indivíduos, (Lesseps Reys, Comunicação na 7'" sessão da Soe. Ciências Médicas de Lisboa, 24 de Abril de 1984).
"o valor dos testes serológicos para exclusão da paternidade é inquestionado ... A exclusão da paternidade obtém-se com uma certeza quase total" (Guilherme da Fonseca, Estabelecimento da Filiação, Almedina, Coimbra 1991, p.16 e 17).
"Nas décadas de 70 e 80 ... o recurso a exames serológicos e à prova da exclusão da paternidade começou a ser aplicado nos tribunais ... permitiam excluir determinado indivíduo da paternidade de uma criança ... " (Susana Costa, As Práticas dos Tribunais no Acesso ao Teste da Pater­nidade, p. 101, in Testes de Paternidade, CICS, U. Minho, Húmus, 2012).
O argumento de J. M. quanto à existência de obstáculo intrans­ponível à tutela do seu desiderato à verdade biológica no processo da comarca de Ponte de Lima é infundado. Era corrente, no início da década de 80, o recurso à prova pericial nos IML e os exames eram já fiáveis quanto ao poder de exclusão do indigitado progenitor, podendo deles ter feito uso.
Não se encontra nos limites estreitos da faculdade de revisão qualquer atropelo à lei fundamental.
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Decisão
Indeferimos o solicitado recurso de revisão.
Custas pelo recorrente.
Valor: € 30.000,01.
VC, 2020-12-31
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Inconformado com essa sentença, apresentou o recorrente J. M. recurso de apelação contra a mesma.
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Notificada das alegações de recurso, a recorrida A. M. informou que não pretendia oferecer qualquer resposta, renunciando ao prazo que para o efeito lhe havia sido concedido para as contra-alegações.
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Foram apresentadas contra-alegações pelo recorrido MP, referindo que, embora não tivesse interposto recurso, se lhe afigura assistir razão ao recorrente, donde ter dado por reproduzidas as suas alegações e salientando que a sentença recorrida contraria o princípio acolhido na nossa ordem jurídica na sequência da reforma legislativa de 1977, isto é, que a paternidade jurídica coincide com a paternidade biológica. Pugna, pois, pelo provimento do recurso extraordinário de revisão da sentença proferida pelo extinto Tribunal Judicial de Ponte de Lima em 26/11/1982, declarando-se que o J. M. não é pai da A. M., com as legais consequências.
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O Exmº Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto.
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Por acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 15 de Abril de 2021 foi anulada a sentença, nos seguintes termos:

a) Anular a sentença apelada, devendo os autos baixar ao Tribunal de 1ª instância, para aí ser cumprido o contraditório relativamente à questão da idoneidade e tempestividade do documento junto com o requerimento e que constituía o seu fundamento; após, caso não existam novas diligências a realizar, deverá ser proferida nova sentença, que elenque os factos provados e não provados, bem como a fundamentação quanto a eles;
b) Declarar prejudicado o conhecimento da última questão colocada no recurso, quanto à reapreciação da decisão de mérito da acção.”.
Tendo os autos regressado à 1ª instância.
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Foi cumprido o decidido contraditório, tendo-se pronunciado o recorrente e o MP.
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Posteriormente, em 12-07-2021, foi proferido o seguinte despacho:

Notifique as partes para, querendo, se pronunciarem sobre eventuais novas diligências a realizar.
A fim de evitar eventual surpresa na decisão a proferir adverte-se o A e R do seguinte:
- Admite-se como verdadeiro o conteúdo factual da douta PI, excluindo aquilo que seja de natureza conclusiva, designadamente: manifesto erro, testemunhas parciais, cientificamente demonstrado. E o teor dos autos de investigação, juntos aos presentes.
- A aceitação de relatórios de exames de adn como equivalentes a documentos e a imposição legal de prazo para aproveitamento daqueles.
- A ausência de qualquer contradição entre a aceitação da alegada diminuta confiança nos exames de adn (à data da investigação) e a fiabilidade de outros testes, então de uso corrente, para a finalidade do então R. (a exclusão).
- A não adesão à doutrina exposta pelo A de que a verdade biológica impere e prevaleça sempre.”.

Apenas o recorrente o fez, em 20-07-2021, terminando nos seguintes termos:
Termos em que,
Sem prescindir da idoneidade, tempestividade e valor probatório da Certidão do Relatório de 27/01/2020 da perícia consistente na análise do ADN do Recorrente e da Recorrida realizada pelo INMLCF, requer a V. Exa. seja ordenada a realização de novo e idêntico exame, preferencialmente na mesma Entidade Pública de referência, INMLCF.”.

Em 22-09-2021, foi proferido o seguinte despacho:
Solicitada realização de exames: aos restantes intervenientes, a fim de poderem pronunciar-se.”.

O MP não se opôs à realização dos exames requeridos, em vista que lhe foi aberta em 27-09-2021 e a recorrida, por e-mail enviado em 4-10-2021, disponibilizou-se para “fazer um novo teste de paternidade”, pedindo que se tal fosse possível, em virtude de ambos viverem no estrangeiro, a marcação tivesse lugar numa sexta ou segunda feira, sendo avisada com antecedência.

Aberta conclusão nos autos, por despacho de 25-10-2021, foi indeferida, por extemporaneidade (cfr. art. 701º do CPC) a requerida realização de exame ao ADN do Recorrente J. M. e da Recorrida A. M., seguindo-se a prolação de nova sentença, que decidiu indeferir o recurso de revisão e que, para melhor elucidação, se passa a transcrever:

J. M. instaurou recurso de revisão contra A. M. e contra o Estado, formulando o seguinte pedido:
Seja revogada in totum a sentença de 26/11/82 e substituída por outra que declare não ser ele o progenitor de A. M., com as consequen­tes alterações no registo civil.
Sustenta-se o R.te na alínea c) do artigo 696° CPC: apresentação de documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não pudesse ter feito uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
Segundo ele:
O progresso cientifico alcançado após a data da decisão (comarca de Ponte de Lima) per­mite determinar com rigor a paternidade. No processo de investigação censurado não fo­ram efectuados exames, sendo estes então, falíveis e inidóneos para apu­ramento da verdade.
Em Agosto de 2019, A e R submeteram-se a testes de ADN com re­sultado de probabilidade zero de geração por banda do A. E em Dezembro desse ano repetiram, também por iniciativa própria, os exames no IML, so­brevindo relatório datado de 27/1/2020, com o resultado de exclusão do A da paternidade da R.
O caso julgado deve ceder perante o pessoalíssimo direito fun­damental à verdade biológica.
Respondeu o MP.
A. M. informou pretender não oferecer resposta.
Foram ouvidos R.da e R.te. E as testemunhas por este arroladas, D. M. e M. A., seus irmãos, que tiveram conhecimento do pro­cesso tramitado em Ponte de Lima.
O tribunal é competente e nada obsta à apreciação da causa. Interessa apurar a existência de fundamento para a revogação da sentença de 1982 (Ponte de Lima) verificando a alegada impossibilidade do R.te fazer uso no processo de Ponte de Lima “de documento algum que … por si só, houvesse de ser considerado suficiente para obstar ao proferimento da decisão ora revidenda”. A ter sucesso, seguir-se-ão as diligências em ordem à declaração da ausência do vínculo de paternidade

II
Os factos
1º. Em 17 de Julho de 1981, C. J. deu à luz A. M.. 1
2º. Do assento de nascimento de A. M. não constava a identificação do progenitor. 2
3º. Em consequência, foi instaurado processo de averiguação oficiosa. 3
4º. Aí se concluindo: De harmonia com os elementos recolhidos … afigura-se-nos que há utilidade na propositura de uma acção de investigação de paternidade contra J. M. … já que tudo indica ter sido ele o autor da gravidez da mãe da menor A. M.. 4
5º. O Mmº juiz deu assentimento à instauração da acção de investigação. 5
6º. Ouvida C. J. nos autos de averiguação, declarou: O pai da menor é um J. M., solteiro, carpinteiro e residente na freguesia de … no mês de Novembro de 1980 … conheceu o indigitado pai e desde logo iniciou com ele relações de namoro … que era público e notório … foram estreitando os laços de amor e amizade … de tal modo que e face às reiteradas promessas de casamento daquele, a declarante acedeu a com ele manter relações sexuais de cópula nos primeiros dias … de Janeiro de 1981. Relações essas que se repetiram por diversas vezes durante esse mesmo mês, bem assim como no mês de Fevereiro, período em que segundo pensa, já andava grávida … disse ainda que as relações de namoro se prolongaram até ao dia 3 de Março de 1981, tendo este … conhecimento de que andava grávida, data em que deixou de aparecer à declarante. Que a sua filha nasceu com 7 meses. 6
7º. Ouvido, em 20/11/1981, J. M. declarou: Nega terminantemente a paternidade que lhe é imputada. Reconhece, no entanto, que em Dezembro de 1980 iniciou relações de namoro com a mãe da menor, que se prolongaram até ao mês de Fevereiro de 1981, data em que teve conhecimento que a mesma estava grávida de um indivíduo que trabalhava em Espanha. Que nesse mesmo mês de Fevereiro de 1981, bem como em fins de Janeiro de 1981, o declarante manteve relações sexuais de cópula com a mãe da menor duas ou três vezes. 7
8º. Contestou J. M. a acção de investigação, alegando ser falso o teor da PI. 15
9º. Alegou J. M. que: em Janeiro de 1980 já estava desflorada. 16
10º. E: quando esta lhe afirmou que estava grávida dele, o R até porque tinha tido acto de sexo, admitiu que assim fosse e até, de certo modo se deixou enlear e emocionalmente prender pela C. J.. 17
11º. E: C. J. não tinha nem tem fama de mulher séria e honesta e de comportamento exemplar. 18
12º. E: tinha fama de mulher leviana que andava com diversos homens … E esta fama … vinha de há mais de um ano em relação à época em que o R com ela teve relações. 19
13º. E: Todos lhe disseram que o comportamento sexual da C. J. não era exemplar, que ela era fácil, que conhecia vários homens em intimidade. 20
14º. E: o R não é ou, pelo menos, atento o … comportamento sexual de C. J. que sempre teve contactos íntimos com outros homens, pode não ser o pai. 21
15º. O MP não requereu a efectivação de exames de sangue. 24
16º. Consta da decisão: as respostas positivas … basearam-se … nos depoimentos das testemunhas indicadas pelo autor … por motivo de vizinhança e convivência com a mãe da menor … atendeu-se ainda ao que consta das cartas … escritas à mãe da menor pelo réu. 27
17º. Consta da sentença: uma vez que, durante esse período … só com o réu manteve relações sexuais de cópula, tem de se concluir que a menor é fruto de tais relações, que é filha do réu. 34
18º. O tribunal declarou que: A. M. … é filha do réu J. M.. 36
19º. J. M. nunca reconheceu nem tratou A. M. como filha. 44
20º. E só em Agosto de 2019 veio a conhecê-la. 47
21º. E reiterou não ser dela progenitor. 51
22º. Submeteram-se ambos, J. M. e A. M., a exame de ADN em laboratório privado, em Agosto de 2019. 52
23º. Deste resultando (relatório de 14/08/2019) que J. M. está excluído como pai biológico da criança testada … a probabilidade é 0%. … o laboratório não assume responsabilidade por informação incorrecta. 54
24º. E submeteram-se a segundo exame, em Dezembro de 2019, no IML, que forneceu relatório a 27/1/2020. 60
25º. E deste constando: J. M. … é excluído da paternidade de A. M.. 61
26º. A acção ordinária foi instaurada a 11 de Fevereiro de 1982, sendo R J. M..
27º. C. J. nasceu em -/12/1961.
28º. J. M. nasceu em -/1/1962.
29º. J. M. constituiu il mandatário e contestou.
30º. Do teor da contestação: Nunca teve namoro com a mãe de A. M. … teve relações de sexo, uma só vez e em Janeiro … C. J. … andava com diversos homens … em intimidade … pode não ser o pai … deve … ser julgada improcedente.
31º. Da tréplica: Vários foram os homens que, durante o período legal … tiveram relações sexuais de cópula com a mãe da menor.
32º. Elaborado o questionário, o MP arrolou 5 testemunhas e J. M. arrolou 5 testemunhas. Juntaram um e outro, correspondência e uma foto.
33º. As testemunhas arroladas por J. M. foram ouvidas, em Novembro de 1982.
34º. A 17 de Novembro foi lido o acórdão das respostas ao questionário, que não mereceu reclamação, prescindindo as partes de alegações de direito.
35º. Foram aí considerados os depoimentos das testemunhas arroladas pelo A e as cartas. As arroladas pelo R não foram referidas.
36º. Foi dado como provado: a relação de namoro, a conjugação sexual repetida, em Janeiro e Fevereiro e a exclusividade no período legal.
37º. A decisão data de 26 de Novembro de 1982. Sustentada no trato sexual entre C. J. e J. M. e com nenhum outro homem, declarou J. M. como progenitor de A. M.. A decisão transitou sem oposição.

III
Motivação
Foram ponderados o teor da acção ordinária de investigação de paternidade, apensada aos presentes e onde foi proferida a decisão visada, dela se extraindo o elencado de 26º a 37º.
O conteúdo do articulado de J. M. indicado de 1º a 25º é também sustentado no teor da acção de investigação.
Foram considerados a certidão de nascimento e os relatórios dos exames juntos aos presentes e os depoimentos de J. M., A. M. e dos irmãos daquele, D. M. e M. A., ainda com alguma memória do processo de Ponte de Lima. A e R esclareceram só se haverem conhecido há pouco e haverem acordado submeter-se a testes.
Quanto a eventual parcialidade, inconsistência e proximidade das testemunhas ouvidas em 1982 à família de C. J., não existem factos que permitam acompanhar as conclusões do R.te, nem esclarecimentos foram trazidos a tal propósito. O motivo do MP não haver solicitado a realização de exames em 1982 não foi esclarecido, tal como não foi o alegado dever de o fazer. Quanto a depoimentos prestados por testemunhas de ouvi dizer também nada ficou esclarecido. Não existem factos que permitam seguir a conclusão da existência de erro de julgamento na comarca de Ponte de Lima.

IV
Fundamentação
O recurso de revisão deu entrada a 2 de Março de 2020.
Pretende J. M. ser excluído da condição de progenitor de A. M., atribuindo à decisão da comarca de Ponte de Lima, datada de 26 de Novembro de 1982, erro clamoroso.
A revisão é facultada nos estritos limites do artigo 696º CPC e não está sujeita ao limite dos cinco anos, art. 697º n.2 CPC.
Invoca J. M. a alínea c) do artigo 696° CPC: apresentação de documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não pudesse ter feito uso, no processo em foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para mo­dificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
O documento invocado por J. M. é relatório subsequente a exa­mes de ADN. O relatório de 14 de Agosto de 2019 e o relatório de 27 de Janeiro de 2020, o primeiro de entidade privada e o segundo do Instituto de Medicina Legal e que será mais fiável no entender do recorrente, ambos concluindo pela exclusão de J. M. da geração de A. M..
A decisão enfermaria de erro manifesto por ser pouca a fiabi­lidade dos exames de ADN à data e por o MP não haver requerido a reali­zação de exames de sangue.
Atendendo ao teor da acção ordinária, a prova proposta pelo A (MP) foi favoravelmente ponderada, enquanto as testemunhas arroladas por J. M. ou não lograram crédito ou não confirmaram a alegação do então R, que atribuía a C. J. pluralidade de relações com múltiplos homens, fama de leviana e conhecimento generalizado do estilo de vida daquela (11º-14º). Contra o que suporia, J. M. não reclamou das respostas aos quesitos e não reagiu contra a decisão desfavorável, de Novembro de 1982, conformando-se com a mesma. E não chegou, tal como o MP, a propor prova pericial.
Não é compreensível o conformismo de J. M., ainda mais quando invoca especiais debilidades na sustentação da decisão (testemunhas de ouvi dizer, parcialidade, inconsistência, proximidade a uma das partes, manifesto erro). Descontando casos excepcionais, é no processo que a parte tem de colocar todo o esforço em defesa da respectiva posição, por não existir segunda oportunidade.
Esta é facultada em termos muito estreitos (art. 696º CPC). No caso, se se apresentar documento bastante para fundar a reversão e que a parte não conhecesse ou de que não pudesse ter feito uso na acção de investigação.
O relatório dos exames de ADN não corresponde propriamente a documento, sendo habitualmente o resultado de prova pericial e esta é produzida no decurso da causa, não antes desta, e é-o por determinação do tribunal (art. 467º CPC).
Admitindo-se o relatório como documento para efeito do artigo 696º CPC (RP ac. 30-10-2006, CJ XXXI.IV.187) temos que recordar que o primeiro foi obtido por J. M. em Agosto de 2019 e que desde então até ao início dos presentes se esgotaram os sessenta dias concedidos por lei (art. 697º n.2 CPC).
J. M. atribui ao A na acção de investigação (MP) contributo por omissão, para o que chama manifesto erro de julgamento (PI 63) por não haver solicitado a realização de exames. O argumento trazido para a pretendida revogação é, todavia, o da imprestabilidade dos exames à data da decisão censurada. Não é de aceitar a ideia da inutilidade da referida prova pericial, sendo antes de acompanhar o lamento do R.te pela omissão daquela. Falta que o próprio podia evitar, bastando-lhe ser ele a requerer a realização de exames. Não os de uso vulgar no presente, mas os que eram correntes na ocasião (1982).
A afirmação de que a alta fiabilidade dos exames de ADN foi alcançada só posteriormente à decisão censurada é consensual. Todavia, não é aceitável a afirmação de que o então R, devidamente patrocinado na acção ordinária da comarca de Ponte de Lima, não tenha podido fazer uso dos meios de prova científicos adequados ao sustento da sua posição.
Arrolou testemunhas, que não terão contribuído para formar a convicção do tribunal e não propôs prova pericial, tal como o não fez o então A, o MP, e podia tê-lo feito, sem que existisse obstáculo, ainda mais clamorosamente injusto, ao uso de tal meio de prova. Eventualmente descreu da força probatória dos exames de ADN, todavia, para o que lhe interessava (excluir-se da imputada intervenção na geração de A. M.) bastavam os exames que já então eram realizados sucedidamente no IML.
O artigo 1801º CC, na redacção do DL 496/77, admite a realização dos exames de sangue e quaisquer outros cientificamente comprovados para a prova relativamente à filiação. Para atribui-la e para afastá-la. No primeiro caso, “oferecem menor segurança”, todavia, tais “exames podem, com grande segurança, afastar a … paternidade imputada a certa pessoa” (A. Varela, Código Civil Anotado, V, Coimbra Editora, 1995, p.32).
Em 1984, constatava-se já que “o número de exames … tem vindo a crescer progressivamente … é possível atingir uma probabilidade de excluir 96 indivíduos em cada 100 … A eficiência do sistema HLA … associado aos sistemas … levaria a excluir 99,94% … dos indivíduos, (Lesseps Reys, Comunicação na 7ª sessão da Soc. Ciências Médicas de Lisboa, 24 de Abril de 1984).
“O valor dos testes serológicos para exclusão da paternidade é inquestionado … A exclusão da paternidade obtém-se com uma certeza quase total” (Guilherme da Fonseca, Estabelecimento da Filiação, Almedina, Coimbra 1991, p.16 e 17).
“Nas décadas de 70 e 80 … o recurso a exames serológicos e à prova da exclusão da paternidade começou a ser aplicado nos tribunais … permitiam excluir determinado indivíduo da paternidade de uma criança” (Susana Costa, As Práticas dos Tribunais no Acesso ao Teste da Paternidade, p. 101, in Testes de Paternidade, CICS, U. Minho, Húmus, 2012).
O argumento de J. M. quanto à existência de obstáculo intransponível à tutela do seu desiderato à verdade biológica no processo da comarca de Ponte de Lima é infundado. Era já corrente, no início da década de 80, o recurso à prova pericial nos IML e os exames eram já fiáveis quanto ao poder de exclusão do indigitado progenitor, podendo deles, sem especial diligência, ter feito uso em 1982, bastando-lhe ter pedido a respectiva realização.
Não se encontra nos limites estreitos da faculdade de revisão qualquer atropelo à lei fundamental. A ofensa à CRP vem atribuída pelo recorrente a obstáculos ao estabelecimento da verdade biológica, entendendo que esta deve prevalecer irrestritamente. Sucede a cada passo – apesar da eminência do direito à identidade e ao conhecimento das origens e da paternidade – a cedência dos resultados periciais perante obstáculos como os que identifica o R.te, designadamente o esgotamento de prazo. Recorda-se a propósito o ac. TC n.401/2011 quanto à não desconformidade com a lei fundamental de prazo de caducidade, persistindo em tal doutrina até ao presente e o ac. STJ de 28-05-2015: “violação do direito à identidade pessoal … questão já foi suscitada diversas vezes perante o T. Constitucional e foi apreciada sempre no sentido negativo … Da jurisprudência do Tribunal decorre que, para que os prazos de caducidade das acções de investigação … respeitem o princípio da proporcionalidade, eles têm de deixar aos titulares do direito a … uma real e efectiva possibilidade de exercer o direito de investigação. Pode considerar-se, aliás, ser esse o conteúdo essencial do direito em causa, e não um suposto direito a investigar ad aeternum as referidas relações de filiação”.
Real e efectiva possibilidade de exercer o direito ao esclarecimento da verdade biológica teve J. M. na acção de investigação, bastando-lhe para tanto haver litigado com o mínimo de diligência.
Decisão
Consideramos improcedente a pedida revogação da sentença de 26 de Novembro de 1982.
Custas pelo recorrente.
Valor: € 30.000,01
2021-10-22
*

Inconformado com essa sentença, apresentou o recorrente J. M. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

A. Vem o presente Recurso interposto da Sentença com a referência citius 47545451, proferida em 22/10/2021 nos autos do Processo de Recurso Extraordinário de Revisão de Sentença supra identificado, que julgou improcedente a pretensão aí formulada, por entender o Tribunal recorrido, além do mais, que “Real e efetiva possibilidade de exercer o direito ao esclarecimento da verdade biológica teve J. M. na acção de investigação, bastando-lhe para tanto haver litigado com o mínimo de diligência” e “O relatório dos exames de adn não corresponde propriamente a documento, sendo habitualmente o resultado de prova pericial e esta é produzida no decurso da causa, não antes desta, e é-o por determinação do tribunal (art. 467º CPC).
B. Não se conforma o Recorrente com a Decisão proferida e com a fundamentação da matéria de facto, que impugna, transcrita nas alíneas a) a r) do nº 1 do ponto A. das Alegações que antecedem e aqui se dá por reproduzida e integrada (fls. 5 a 9 supra).
C. Em consequência do proferimento do douto Acórdão de 15/04/2021 que revogou a Sentença proferida nos presentes autos em 31/12/2020, o Mmº Juiz a quo proferiu o Despacho ref. 47034978, de 08/06/2021, no qual ordenou “Notifique as partes e o MP a fim de poderem pronunciar-se relativamente à questão da idoneidade e tempestividade do documento junto com o requerimento e que constituía o seu fundamento.
D. Em cumprimento do ordenado, o Recorrente pronunciou-se de forma exaustiva através do seu Requerimento com a ref. citius 39147923, de 12/06/2021, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado.
E. O mui Digno Representante do Ministério Público pronunciou-se em 17/06/2021 sobre os citados Despacho e Requerimento do Recorrente dizendo que “Concorda com o teor do articulado (ref.ª 39147923) apresentado por J. M. relativamente à questão em apreço (idoneidade e tempestividade do documento), o qual, com a devida vénia e por razões de brevidade, dá aqui por reproduzido.
F. Em 12/07/2021, o Mmº Juiz a quo proferiu o Despacho com a ref. 47219548 de fls..., no qual consignou:
Notifique as partes para, querendo, se pronunciarem sobre eventuais novas diligências a realizar.
A fim de evitar eventual surpresa na decisão a proferir adverte-se o A e R do seguinte:
- Admite-se como verdadeiro o conteúdo factual da douta PI, excluindo aquilo que seja de natureza conclusiva, designadamente: manifesto erro, testemunhas parciais, cientificamente demonstrado. E o teor dos autos de investigação, juntos aos presentes.
- A aceitação de relatórios de exames de adn como equivalentes a documentos e a imposição legal de prazo para aproveitamento daqueles.
- A ausência de qualquer contradição entre a aceitação da alegada diminuta confiança nos exames de adn (à data da investigação) e a fiabilidade de outros testes, então de uso corrente, para a finalidade do então R. (a exclusão).
- A não adesão à doutrina exposta pelo A de que a verdade biológica impere e prevaleça sempre.” (Negrito e sublinhado nossos).
G. Pese embora no citado Despacho de 12/07/2021 o Mmº Juiz a quo haver consignado “A aceitação de relatórios de exames de adn como equivalentes a documentos”, nenhuma referência fez à norma do art. 696º, alínea c), do Código de Processo Civil, inculcando a ideia de que mantinha nos seus precisos termos o que havia vertido na revogada Sentença de 31/12/2020, designadamente “O relatório de exames efectuados espontaneamente pelas partes não é propriamente meio de prova documental, antes o resultado dos exames privados e estranhos ao processo, independentemente da maior ou menor credibilidade da entidade que os realizou.” (Negrito e sublinhado nossos).
H. Em face do teor do supra transcrito douto Despacho de 12/07/2021, o Recorrente, através do seu Requerimento com a ref. citius 39508211, de 20/07/2021, que aqui se dá por reproduzido e integrado, expôs e requereu, além do mais, o seguinte:
“... e pese embora a convicção do Recorrente, aliás estribada na lei e na Jurisprudência, de que aqueloutro entendimento é absolutamente incorreto e contra legem, tal como profusamente demonstrado nas preditas Alegações de Recurso de Apelação (cfr. douto Acórdão do TRP de 05/10/2015, Processo nº 402/12.0TTVNG-A.P1) impõe-se, para que dúvida alguma subsista ou para que défice algum de atividade probatória hajam de ser apontados, a realização de novo exame pericial ao ADN do Recorrente, pretenso progenitor, e da Recorrida, pretensa filha, com vista a, mais uma, demonstração científica da absoluta impossibilidade de aqueles serem, respetivamente, pai e filha.” (Cfr. item nº 5 do citado Requerimento), formulando a final o pedido consistente em “Sem prescindir da idoneidade, tempestividade e valor probatório da Certidão do Relatório de 27/01/2020 da perícia consistente na análise do ADN do Recorrente e da Recorrida realizada pelo INMLCF, requer a V. Exa. seja ordenada a realização de novo e idêntico exame, preferencialmente na mesma Entidade Pública de referência, INMLCF.” (Sublinhado nosso).
I. Notificada a Recorrida A. M. do teor do sobredito Despacho de 12/07/2021 e do Requerimento do Recorrente de 20/07/2021, viria a mesma, através do e-mail de fls... que aos autos enviou em 03/10/2021, a informar de que “me encontro disponível para fazer um novo teste de paternidade, uma vez que tanto eu como o sr. J. M. habitamos no estrangeiro, peço se for possível que marque para uma sexta ou numa segunda feira e avisem com antecedência.
J. Até à data de proferimento da Sentença recorrida, o Mmº Juiz a quo, não apreciou e decidiu o supra transcrito pedido formulado no Requerimento de 20/07/2021, tendo, para surpresa do Recorrente, e com fundamentação de facto e de Direito que temos por incorreta, consignado na Sentença recorrida que i)A produção de prova destinada a fundamentar a 2ª parte do pedido (a declaração de não ser o progenitor) terá interesse apenas ultrapassada a primeira fase do recurso de revisão, com a pretendida revogação da decisão da comarca de Ponte de Lima (art. 701º CPC)”; ii)O relatório dos exames de adn não corresponde propriamente a documento...” (Cfr. 2º parágrafo de fls. 8 da Sentença). “Não atendemos ao requerido (seja ordenada a realização de novo e idêntico exame)” [cfr. fls. 1 in principio da Sentença]. - (Negrito e destaque nossos).
K. Tendo o Mmº Juiz a quo consignado na revogada Sentença de 31/12/2020 que “ainda não foi produzida prova pericial, cabendo às partes propô-la, não se procedendo à respectiva efectivação sem que o tribunal a determine”, e atento o teor do sobredito Despacho de 12/07/2021, mais não restaria ao Recorrente senão requerer, aliás com a anuência da Recorrida A. M., a sujeição de ambos a nova perícia de análise ao ADN a ordenar pelo Tribunal e a realizar pela Entidade que o Mmº Juiz designasse, tal como avulta do citado Requerimento de 20/7/2021. (Cfr. douto Ac. STJ de 02/06/2016 - Proc. nº 13262/14.7T8LSB-A.L1.S1 e douto Ac. do TRP de 05/10/2015 -. Proc. nº 402/12.0TTVNG-A.P1).
L. Surpreende, pois, que na Sentença ora recorrida, o Mmº Juiz a quo haja indeferido a requerida perícia a realizar por Entidade a designar pelo Tribunal, tendo nela incorretamente consignado que:
A produção de prova destinada a fundamentar a 2ª parte do pedido (a declaração de não ser o progenitor) terá interesse apenas ultrapassada a primeira fase do recurso de revisão, com a pretendida revogação da decisão da comarca de Ponte de Lima (art. 701º CPC)... e “O documento invocado por J. M. é relatório subsequente a exames de ADN. O relatório de 14 de Agosto de 2019 e o relatório de 27 de Janeiro de 2020, o primeiro de entidade privada e o segundo do Instituto de Medicina Legal e que será mais fiável no entender do recorrente, ambos concluindo pela exclusão de J. M. da geração de A. M..” (Cfr. fls. 7 da Sentença, §4º), e “O relatório dos exames de adn não corresponde propriamente a documento, sendo habitualmente o resultado de prova pericial e esta é produzida no decurso da causa, não antes desta, e é-o por determinação do tribunal (art. 467º CPC).
M. Salvo o devido respeito, labora o Mmº Juiz a quo em manifesto erro ao considerar que “A produção de prova destinada a fundamentar a 2ª parte do pedido (a declaração de não ser o progenitor) terá interesse apenas ultrapassada a primeira fase do recurso de revisão, com a pretendida revogação da decisão da comarca de Ponte de Lima (art. 701º CPC)” e “O relatório dos exames de adn não corresponde propriamente a documento, sendo habitualmente o resultado de prova pericial e esta é produzida no decurso da causa, não antes desta, e é-o por determinação do tribunal (art. 467º CPC).
N. De onde decorre não só a errada conclusão de que o predito Relatório do INMLCF “será mais fiável no entender do recorrente”, como a não diferenciação do valor e força probatória do documento particular repleto de reservas consistente no Relatório sem data “reportado a 14/08/2019” (Cfr. Doc. nº 2 junto com o Requerimento de interposição de Recurso de Revisão) elaborado pelo laboratório “Teste de ADN” e do documento autêntico consistente na Certidão do Relatório de 27/01/2020 elaborado pelo Ente Público Instituto Nacional de Medicina Legal. (Cfr. Ac. do STJ de 02/06/2016, supracitado, e Ac. TRP de 05/10/2015, Proc. nº 402/12.0TTVNG-A.P1, infra citado).
O. Atenta a suposta e pelo Mmº Juiz a quo vincada imprescindibilidade da realização de perícia ao ADN do Recorrente e da Recorrida, a ordenar pelo Tribunal, e tendo aquele na sequência do citado Despacho proferido em 12/07/2021, expressamente formulado tal Requerimento, a que anuiu a Recorrida, a coartação de tal meio de prova consubstancia uma nulidade, que se traduz em decisão-surpresa, por violação do direito à produção de prova, ao exercício do contraditório e à tutela jurisdicional efetiva, esta com assento no art. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa. (Cfr. douto Acórdão de 23/03/2020 proferido nos autos do Processo nº 392/14.4T8CHV-A.G1.S1).
P. O segmento da Sentença recorrida consistente em “A produção de prova destinada a fundamentar a 2ª parte do pedido (a declaração de não ser o progenitor) terá interesse apenas ultrapassada a primeira fase do recurso de revisão, com a pretendida revogação da decisão da comarca de Ponte de Lima (art. 701º CPC). Não atendemos ao requerido (seja ordenada a realização de novo e idêntico exame” está em contradição com o Despacho proferido em 12/07/2021 no qual o Mmº Juiz a quo consignou, além do mais, “Notifique as partes para, querendo, se pronunciarem sobre eventuais novas diligências a realizar” e “A aceitação de relatórios de exames de adn como equivalentes a documentos
Q. Em face do que dispõem os arts. 701º, nº 1, alínea a), 696º, alínea c) e 698º, nº 2, todos do Código de Processo Civil, afigura-se incorreto o supra transcrito entendimento do Tribunal recorrido, desde logo porque in casu não é aplicável a norma do art. 700º, nrs. 1 e 2, do mesmo diploma legal, e a Certidão do Relatório do INMLCF de 27/01/2020 junta com o Requerimento de interposição de Recurso de Revisão sob Doc. nº 3, tem força probatória plena, dispensando, assim, quaisquer outras “diligências absolutamente indispensáveis.
R. O segmento da Sentença recorrida consistente em “Foram considerados a certidão de nascimento e os relatórios dos exames juntos aos presentes e os depoimentos de J. M., A. M. e dos irmãos daquele, D. M. e M. A., ainda com alguma memória do processo de Ponte de Lima. A e R esclareceram só se haverem conhecido há pouco tempo e haverem acordado submeter-se a testes” está em contradição com a fundamentação da Sentença, porquanto, como desta avulta, o Tribunal recorrido entende que “O relatório dos exames de adn não corresponde propriamente a documento” e, por maioria de razão, segundo tal entendimento, não corresponde ao documento a que aludem os arts. 696º, alínea c) e 698º, nº 2, do Código de Processo Civil.
S. Pese embora, no modesto entendimento do Recorrente, o interposto Recurso de Revisão da Sentença proferida em 26/11/1982 assentar essencialmente no Relatório de 27/01/2020 do INMLCF junto sob Doc. nº 3 com o Requerimento de interposição que daquele é o pilar fundamental, ao ter o Tribunal recorrido apreciado criticamente a prova produzida nos autos da Ação de Investigação da Paternidade haveria também de, por identidade de razão, apreciar criticamente a prova testemunhal e as declarações do Recorrente e da Recorrida em sede de Audiência de Julgamento de 12/10/2020, sem que o haja feito, o que inquina a Sentença Recorrida do vício de défice ou insuficiência de fundamentação.
T. A apreciação crítica da prova testemunhal e das declarações do Recorrente e da Recorrida transcritas a fls. 20 a 33, e sintetizadas a fls. 48 a 51 das Alegações que antecedem, conjugadas com o teor e força probatória plena da Certidão do Relatório elaborado pelo INMLCF de 27/01/2020, junto com o Requerimento de interposição de Recurso de Revisão, que no modesto entendimento do Recorrente até dispensava qualquer outro tipo de atividade probatória, nomeadamente inquirição de testemunhas, impunha o proferimento de Decisão diametralmente oposta à que se encontra vertida na Sentença recorrida, rectius procedência do Recurso e consequente revogação da Sentença revidenda.
U. O Recurso de Revisão de Sentença apresentado em 02/03/2020 e instruído com os pertinentes documentos, maxime a Certidão do Relatório do INMLCF de 27/01/2020, foi-o tempestivamente, falecendo razão ao Mmº Juiz a quo quando na Sentença recorrida consignou que “O documento invocado por J. M. é relatório subsequente a exames de ADN. O relatório de 14 de Agosto de 2019 e o relatório de 27 de Janeiro de 2020, o primeiro de entidade privada e o segundo do Instituto de Medicina Legal e que será mais fiável no entender do recorrente, ambos concluindo pela exclusão de J. M. da geração de A. M..” (Cfr. parágrafo 4º de fls. 7 da Sentença).
V. Em linha com o que se acha alegado nos itens 55. a 58. do Requerimento de interposição de Recurso de Revisão, manifesto é que o Relatório sem data, que reporta à recolha de amostras em 14/08/2019, elaborado pelo laboratório “Teste de ADN” não tem qualquer virtualidade probatória, nomeadamente para efeitos judiciais, sendo óbvia a sua total insuficiência e inidoneidade em face do que dispõe o art. 696º, alínea c) do CPC, atento o teor da “Nota” inscrita em pé de página do mesmo consistente em:
Nota: Como as amostras não foram recolhidas sob um processo devidamente documentado (custódia documental) e o laboratório não pode verificar a origem das amostras, estes resultados poderão não ser defensáveis em tribunal para o estabelecimento da paternidade do outro processo legal. Os nomes das pessoas em teste que constam no relatório foram fornecidos pelo cliente e não podem ser verificados. O laboratório não assume responsabilidade por informação incorreta ou incompleta.
Baseado nas amostras recebidas das partes em teste, em que as identidades não podem ser verificadas, o diretor do laboratório declara que os dados genéticos estão corretos. Reportado a 14/08/2019.” (Negrito, sublinhado e destaque nossos).
W. Ao invés do documento particular, sem qualquer valor ou virtualidade probatória atentas as reservas no mesmo apostas, consistente no Relatório sem data que reporta a recolha das amostras a 14/08/2019, elaborado pelo laboratório privado denominado “Teste de ADN”, junto com o Requerimento de interposição de Recurso de Revisão sob Doc. nº 2, o Relatório elaborado pelo INMLCF em 27/01/2020 cuja Certidão instruiu aquele Requerimento sob Doc. nº 3, é um documento autêntico, emanado de uma Entidade Pública de referência, de reconhecido mérito e, consequentemente, dotado de força probatória plena, reunindo todos os requisitos formais e legais que a lei exige do documento referido nos arts. 696º, alínea c) e 698º, nº 2, do Código de Processo Civil.
X. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, a citada Certidão do Relatório pericial do INMLCF de 27/01/2020 encerra em si a força probatória plena que o conforma com as exigências probatórias que o legislador impôs ao documento referido nos citados arts. 696º, alínea c) e 698, nº 2, do CPC, sendo por si só suficiente para destruir os efeitos da Sentença revidenda proferida em 26/11/1982, não dependendo a sua valoração da livre apreciação do Tribunal [art. 607º, nº 5 do CPC]. (Cfr. inter alia o supracitado douto Acórdão do STJ de 02/06/2016, citado a fls. 35 e 39 a 41 das Alegações que antecedem).
Y. Dispõe o art. 1º, nº 3, do Decreto-Lei nº 166/2012, de 31 de julho que “No âmbito da sua missão e atribuições, o INMLCF, I.P., tem natureza de laboratório do Estado e é considerado instituição nacional de referência.
Z. Nos termos do art. 3º, nº 2, alínea i) do supracitado diploma legal, enquadra-se no âmbito das atribuições do INMLCF, I.P. “prestar serviços a entidades públicas e privadas, bem como aos particulares, em domínios que envolvam a aplicação de conhecimentos médico-legais e de outras ciências forenses.” (Negrito e sublinhado nossos).
AA. Estabelece o artº 5º, nº 5, alínea a) do sobredito diploma legal que “Sem prejuízo das competências que lhe forem conferidas por lei ou nele delegadas ou subdelegadas, compete ao conselho diretivo: a) Definir as diretrizes que devem orientar a organização e funcionamento do INMLCF, I.P., com vista à realização do seu objeto e à prossecução das suas atribuições;
BB. Consequentemente, ao invés do que considerou o Mmº Juiz a quo, a Certidão emitida em 24/02/2020 pela Exma. Diretora do INMLCF subscritora da mesma, referente ao denominado Relatório Pericial de 27/01/2020, junta com o Requerimento de interposição de Recurso de Revisão de Sentença sob Doc. nº 3, constitui um documento autêntico com força probatória plena (arts. 369º, nº 1, 370º, nº 1 e 371º, nº 1, todos do Código Civil, conjugados com o art. 1º, nº 1, do DL nº 166/2012, de 31 de julho) e cuja valoração, percute-se, não depende da livre apreciação do Mmº Juiz a quo, impondo-se ex lege. (art. 607º, nº 5, do CPC).
CC. Tal como com toda a clareza consta do supracitado douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 02/06/2016 “V - O fundamento previsto na al. c) do art. 696.º do NCPC refere-se a um documento escrito dotado de força probatória plena que seja suficiente para, por si só (alheando-se assim da margem de apreciação do julgador – trata-se de um julgamento produzido pela lei, embora com reflexo na matéria de facto), destruir a prova em que se fundou a decisão” e “VIII - As diligências a que se refere o n.º 1 do art. 700.º do NCPC reportam-se à previsão das als. b), d) e g) do art. 696.º do mesmo diploma e apenas têm lugar na fase rescindente, não se impondo, pois, a sua realização oficiosa.
DD. Mais se lê no citado Acórdão, citando Alberto dos Reis: “o documento há-de ser tal, que por si só tenha força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença; quer dizer, o documento deve impor um estado de facto diverso daquele em que a sentença assentou” – Alberto dos Reis “in” Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, página 356.” e “Dito doutro modo “estamos, em suma, no patamar da prova legal e vinculada – da prova plena – à qual é, em absoluto alheio qualquer tipo de julgamento de facto produzido pelo julgador, à luz da sua liberdade de apreciação (…). O julgamento – quanto ao pertinente documento – se bem que com reflexo no facto, é de direito, produzido pela própria lei” – Brites Lameiras “in” Notas Práticas ao Regime dos Recurso em Processo Civil, 2ª edição, página 295.
EE. Ao ter o Mmº Juiz a quo vertido na Sentença recorrida que i)Descontando casos excecionais, é no processo que a parte tem de colocar todo o esforço em defesa da respectiva posição, por não existir segunda oportunidade. Esta é facultada em termos muito estreitos (art. 696º CPC). No caso, se se apresentar documento bastante para fundar a reversão e que a parte não conhecesse ou de que não pudesse ter feito uso na acção de investigação”; e ii)Real e efectiva possibilidade de exercer o direito ao esclarecimento da verdade biológica teve J. M. na acção de investigação, bastando-lhe para tanto haver litigado com o mínimo de diligência” faz o mesmo uma incorreta interpretação e errada aplicação, nomeadamente das normas dos arts. 1801º do Código Civil e 696º, alínea c) do Código de Processo Civil.
FF. Inexiste disposição legal alguma que, tal como se extrai da fundamentação da Sentença recorrida, faça depender a procedência do Recurso de Revisão de Sentença proferida nos autos da Ação de Investigação da Paternidade da sujeição, nesses autos, do progenitor a exames de sangue e outros métodos científicos, mormente no longínquo ano de 1982, bem assim como dependência alguma existe do esgotamento dos eventuais meios recursórios possíveis naquela Ação.
GG. Consabidamente, os denominados exames de sangue não apresentavam no ano de 1982 o grau de fiabilidade que hoje os caraterizam e cujos resultados se situam, agora, tangencialmente na linha da certeza científica absoluta, sendo que na Sentença recorrida o Mmº Juiz a quo cita Doutrina que considera ser de 96% o grau de fiabilidade desses exames àquela data.
HH. Em termos de rigor científico próximo da certeza absoluta, o grau de falibilidade de 4% dos exames de sangue é monstruoso e situa-se a “anos-luz” da certeza praticamente absoluta que os exames de ADN permitem nos tempos hodiernos alcançar, sobretudo a partir do ano 2000 e, em especial, a partir do ano de 2010. (Cfr. literatura citada a fls. 7 e 8 do Requerimento de interposição de recurso de revisão).
II. O segmento da Sentença consistente em “A afirmação de que a alta fiabilidade dos exames de ADN foi alcançada só posteriormente à decisão agora censurada é consensual” está em contradição com o segmento da mesma consistente em “Era já corrente, no início da década de 80, o recurso à prova pericial nos IML e os exames eram já fiáveis quanto ao poder de exclusão do indigitado progenitor, podendo deles, sem especial diligência, ter feito uso em 1982, bastando-lhe ter pedido a respectiva realização.” (Cfr. fls. 9 in fine da Sentença, sendo nossos o negrito e sublinhado).
JJ. Impende sobre o Recorrente o ónus (arts. 342º, nº 1 do Código Civil e 698º, nº 2, do CPC) de apresentação do documento a que se referem os arts. 696º, alínea c) e 698º, nº 2, ambos do CPC, juntamente com o Requerimento de interposição de Recurso de Revisão de Sentença e não, como parece ser entendimento do Mmº Juiz a quo, dever tal documento, in casu Relatório pericial, ser obtido na pendência dos autos, designadamente por via da realização de perícia a ordenar pelo Tribunal. (Cfr. supracitados doutos Acórdãos do STJ de 02/06/2016 e do TRP de 05/10/2015).
KK. Salvo melhor entendimento, apenas ao abrigo do disposto no art. 7º, nº 4, do Código de Processo Civil, e verificados os respetivos pressupostos, seria de admitir que, ante dificuldade séria ou absoluta impossibilidade do Recorrente instruir o Requerimento de interposição do Recurso de Revisão de Sentença com a Certidão do documento referido no art. 696º, alínea c) do mesmo diploma legal, houvesse de requerer ao Tribunal a quo que fossem ordenadas as necessárias diligências com vista à sua obtenção.
LL. Com todo o respeito, que é muito, não vislumbra o Recorrente que o resultado da perícia a que se refere o Relatório do INMLCF de 27/01/2020 houvesse de ser diferentemente valorado se aquela tivesse, porventura, sido ordenada pelo Tribunal recorrido; o INMLCF é uma Entidade Pública, aliás de referência, de reconhecido mérito e o Recorrente estava obrigado a apresentar com o Requerimento de interposição de Recurso de Revisão um documento com força probatória tal que “por si só” fosse suficiente para destruir os efeitos da Sentença revidenda. (Cfr. supracitados doutos Acórdãos do STJ de 02/06/2016 e do TRP de 05/10/2015).
MM. A norma do art. 696º, alínea c) do Código de Processo faculta ao Réu na Ação de Investigação da Paternidade o direito de, a todo o tempo, interpor Recurso de Revisão da Sentença na mesma proferida, conquanto com o Requerimento de interposição apresente documento de que não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, e que por si só seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável, in casu a revogação da predita Sentença de 26/11/1982.
NN. O inciso “de que não tivesse podido fazer uso” deverá ser interpretado no sentido de que o documento em que o Recorrente sustenta as suas pretensões recursórias de revisão da Sentença deverá ter o caráter de novidade, ou seja, não existente ou absolutamente desconhecido à data de proferimento da Sentença revidenda.
OO. Conforme douto entendimento do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra vertido no Acórdão de 02/12/2014 proferido nos autos do Processo nº 536/2002.C1-A (citado a fls. 34 a 36 do Requerimento de interposição de Recurso de Revisão) “O documento atendível como fundamento da decisão transitada em julgado nos termos estabelecidos na al. c) do art. 771.º (696º NCPC), terá de preencher, cumulativamente, o requisito da novidade e o requisito da suficiência. A novidade significa que o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão em causa, seja porque não existia, seja porque existindo, a parte não pôde socorrer-se dele e a suficiência significa que o documento implica uma modificação dessa decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
PP. O inciso “que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida” constante da parte final da alínea c) do art. 696º do CPC, deverá ser interpretado no sentido que lhe foi conferido pelo citado douto Acórdão do TRC de 02/12/2014 ao considerar que “Não se verifica o requisito da suficiência se o teor do documento apresentado não infirma, por si só, os fundamentos da decisão a rever, subsistindo antes, perante eles, o fundamento em que e sustentou o juízo decisório...
QQ. Relativamente à prevalência do pessoalíssimo direito do Recorrente (e da Recorrida) ao conhecimento da identidade genética e da verdade biológica, tal como resulta da conjugação dos preceitos Constitucionais ínsitos nos arts. 16º e 26º, nrs. 1 e 3, da Constituição da República, sobre a autoridade do caso julgado da Sentença revidenda, que perante o supracitado Relatório do INMLCF de 27/01/2020 deverá ceder, tem-se pronunciado os Tribunais Superiores, designadamente o Supremo Tribunal de Justiça que no seu douto Acórdão proferido em 14/05/2019 (citado a fls. 22 do Requerimento de interposição de Recurso de Revisão) considerou que “III - No estádio actual do desenvolvimento científico em que os exames de DNA permitem obter uma quase certeza da paternidade, sectores muito significativos da doutrina e da jurisprudência, bem como a evolução legislativa em áreas relacionadas com os direitos de personalidade e o direito comparado apontam para a ausência de outros valores ou direitos que sobrelevem o direito pessoalíssimo “de conhecer e de ver reconhecida a verdade biológica da filiação, a ascendência e marca genética de cada pessoa.
RR. Em idêntico sentido se pronunciou o mesmo Superior Tribunal no seu douto Acórdão proferido em 07/03/2019 nos autos do Processo nº 749/17.9T8GRD.C1.S1 ao considerar que “Não há dúvida que qualquer restrição imposta pelo princípio da força vinculativa do caso julgado, plasmado no nº 3 do art. 282º da CRP, ao direito de investigar livremente a paternidade não deixa de conflituar com o direito à identidade pessoal, consagrado no art. 26º da CRP, e, consequentemente, de introduzir um factor de desequilíbrio e de compressão entre os diferentes interesses protegidos por cada uma das referidas normas, pelo que urge estabelecer entre eles uma relação equilibrada.
SS. No douto Acórdão proferido em 07/03/2019 nos autos do Processo nº 749/17.9T8GRD.C1.S1, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que:
Temos, assim, por seguro que, no domínio do direito processual civil, impera o princípio da intangibilidade do caso julgado que, no dizer de Manuel de Andrade (2), «consiste em a definição dada à relação jurídica controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão».
E, por outro lado, que esta força vinculativa do caso julgado só pode ser afastada nos casos excecionais em que a imposição do caso julgado acarreta uma compressão intolerável, ou excessiva, de direitos com particular proteção constitucional e em que, constatado determinado circunstancialismo e ante o preceituado no art. 18º, nº 2 da CRP, o próprio legislador ordinário previu a possibilidade de não vigorar o princípio da intangibilidade do caso julgado, tal como acontece nos casos de admissão do recurso extraordinário de revisão previsto no art. 696º do CPC.” (Negrito e sublinhado nossos).
TT. No douto Acórdão de 24/05/2012, proferido nos autos do Processo nº 69/09.2TBMUR.P1.S1, o Supremo Tribunal de Justiça considerou, além do mais, que:
(…) Constituindo a paternidade um elemento individualizador e referenciador de cada pessoa, não só no plano pessoal como no social, razão pela qual o reconhecimento da paternidade integra indubitavelmente uma das manifestações do direito à identidade pessoal. Não custando reconhecer, como ainda se pode ler na fundamentação do acórdão do TC nº 23/06, que, «saber quem se é remete logo (pelo menos também) para saber quais são os antecedentes, onde estão as raízes familiares, geográficos e culturais, e também genéticas (cfr., aliás, também a referência a uma identidade genética, que o artigo 26.º, nº 3 da Constituição considera constitucionalmente relevante). Tal aspecto da personalidade - a historicidade pessoal (3) - implica, pois, a existência de meios legais para a demonstração dos vínculos biológicos em causa (…) bem como o reconhecimento jurídico desses vínculos.
Com efeito, a identidade pessoal é aquilo que caracteriza cada pessoa enquanto unidade individualizada que se diferencia de todas as outras pessoas por uma determinada vivência pessoal.
Incluindo a mesma os vínculos de filiação, existindo um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento, desde logo, da paternidade».
Crendo-se estar adquirido a consagração na Constituição, como dimensão do direito à identidade pessoal, previsto no citado art. 26.º, n.º 1, o direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da paternidade (bem como da maternidade, que ora não está em causa), incluindo o direito à identidade pessoal, além do mais, o direito ao conhecimento das próprias raízes, a paternidade constitui um elemento individualizador e referenciador de cada pessoa, não só no plano pessoal como no social, razão pela qual o reconhecimento da paternidade integra indubitavelmente uma das manifestações do direito à identidade pessoal” (Negrito nosso).
UU. Em idêntico sentido se pronunciou o mesmo Superior Tribunal através do douto Acórdão proferido em 06/09/2011 nos autos do Processo nº 1167/10.5TBPTL.S1, em cujo sumário se lê, além do mais que “III - Estando em causa direitos de raiz e feição absoluta, a regra será a não restrição dos direitos fundamentais, a menos que estejam em causa ou possam interferir no exercício desses direitos outros valores de “rango” constitucional que justifiquem a regulação por via legislativa.
VV. Salvo o devido respeito, enferma de manifesto erro de interpretação das normas legais e Constitucionais, nomeadamente dos arts. 16º, nº 1, 18º, nº 2, 20º, nrs. 1 e 4, 26, nrs. nº 1 e 3, e 282º, nº 3, o segmento da Sentença recorrida consistente em “Não se encontra nos limites estreitos da faculdade de revisão qualquer atropelo à lei fundamental.” (Cfr., inter alia, doutos Acórdãos do STJ de 14/05/2019 - Proc. nº 1731/16.9T8CSC.L1.S1; de 15/02/2018 - Proc. nº 2344/15.8T8BCL.G1.S1; de 17/03/2019 - Proc. nº 749/17.9T8GRD.C1.S1; de 31/01/2017 - Proc. nº 440/12.2TBBCL.G1.S1; de 13/12/2017 - Proc. nº 2178/04.5TVLSB-E.L1.S1, todos citados a fls. 22 a 28 do Requerimento de interposição de Recurso de Revisão, e bem assim Ac. do TRG de 09/05/2019 - Proc. nº 1431/17.2T8VRL.G1, citado a fls. 28 a 30 da predita peça processual).
WW. Não obstante a força do caso julgado, e o denominado princípio da sua intangibilidade, o direito de conhecer e ver reconhecida a verdade biológica, como direito pessoalíssimo, deve prevalecer, sobrepondo-se à força vinculativa do caso julgado. (Art. 18º, nº 2, da CRP). [Cfr. doutos Acórdãos do STJ de: 03/07/2021 - Proc. nº 749/17.9T8GRD.C1.S1, citado a fls. 37 e 38 supra; de 14/05/2019 - Proc. nº 1731/16.9T8CSC.L1.S1; de 31/01/2017 - Proc. nº 440/12.2TBBCL.G1.S1; e do TRG de 09/05/2019 - Proc. nº 1431/17.2T8VRL.G1].
XX. Tal douto entendimento, ancorado também na melhor e mais atualizada Doutrina, demonstra à saciedade o clamoroso erro de julgamento e inconstitucionalidade de que enferma a Sentença recorrida que ora se invoca para os devidos e legais efeitos.
YY. Neste sentido, citamos, por todos, os seguintes doutos Acórdãos:
Do Supremo Tribunal de Justiça:
- Ac. de 14/05/2019, proferido nos autos do Processo nº 1731/16.9T8CSC.L1.S1;
- Ac. de 15/02/2018, proferido nos autos do Processo nº 2344/15.8T8BCL.G1.S2;
- Ac. de 07/03/2019, proferido nos autos do Processo nº 749/17.9T8GRD.C1.S1;
- Ac. de 31/01/2017, proferido nos autos do Processo nº 440/12.2TBBCL.G1.S1;
- Ac. de 13/12/2017, proferido nos autos do Processo nº 2178/04.5TVLSB-E.L1.S1
Do Tribunal da Relação de Guimarães:
- Ac. de 09/05/2019, proferido nos autos do Processo nº 1431/17.2T8VRL.G1;
Do Tribunal da Relação de Lisboa:
- Ac. de 26/10/2017, proferido nos autos do Processo nº 6797-12.8TBALM.L1.8
ZZ. Com o proferimento da Sentença recorrida, o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorretamente o Direito e, em consequência violou, inter alia, as seguintes normas legais e Constitucionais:
a) Do Código de Processo Civil: Arts. 3º, nº 3, 6º, nº 1, 411º, 467º, 607º, nrs. 3, 4 e 5, 696º, alínea c), 697º, nrs. 2, alínea c) e 5, e 698º, nº 2, 701º, nº 1, alínea a) [renumerada pela Lei nº 117/2019, de 13 de setembro].
b) Do Código Civil: Arts. 70º, nº 1, 342º, 369º, nrs. 1 e 2, 370º, nº 1, 371º, nº 1, 372º, nº 1, e 1801º;
c) Da Constituição da República Portuguesa: Arts. 16º, 18º, 20º, nrs. 1 e 4, 25º, nº 1, 26º, nrs. 1 e 3, e 282º, nº 3.
d) Da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Art. 6º.
e) Do Decreto-Lei nº 166/2012, de 31 de julho: Arts. . 3º, nº 2, alínea i) e 5º, nº 5, alínea a).

TERMOS EM QUE, e nos mais de direito, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, deverá ser dado total provimento ao presente Recurso e, em consequência, ser revogada a Sentença recorrida, substituindo-a por douto Acórdão que, revogando também a Sentença proferida em 26/11/1982 nos autos principais de Ação de Investigação da Paternidade, declare que a Recorrida A. M. não é filha do Recorrente J. M. e, consequentemente, não é este o seu pai biológico.
Tudo com as legais consequências.
Decidindo nesta conformidade, farão Vossas Excelências a costumada e sã JUSTIÇA!
*
Foram apresentadas contra-alegações pelo recorrido MP, referindo que, embora não tivesse interposto recurso, se lhe afigura assistir razão ao recorrente, donde ter dado por reproduzidas as suas alegações e salientando que a sentença recorrida contraria o princípio acolhido na nossa ordem jurídica na sequência da reforma legislativa de 1977, isto é, que a paternidade jurídica coincide com a paternidade biológica. Pugna, pois, pelo provimento do recurso extraordinário de revisão da sentença proferida pelo extinto Tribunal Judicial de Ponte de Lima em 26/11/1982, declarando-se que o J. M. não é pai da A. M., com as legais consequências.
*
O Exmº Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto.
*
Foram facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos.
*
Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
*
2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende que:

I - se declare nula a decisão recorrida, por constituir uma “decisão-surpresa”;
II - se reaprecie a decisão de mérito da acção, que enferma de erro de julgamento.
*
3 – OS FACTOS

São os que constam da sentença recorrida supra transcrita.
*
4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

I) Da nulidade da sentença, por constituir uma “decisão-surpresa”

Entende o recorrente ser nula a sentença recorrida, que constituiu uma decisão surpresa, constando da alínea O. das suas conclusões de recurso que “Atenta a suposta e pelo Mmº Juiz a quo vincada imprescindibilidade da realização de perícia ao ADN do Recorrente e da Recorrida, a ordenar pelo Tribunal, e tendo aquele na sequência do citado Despacho proferido em 12/07/2021, expressamente formulado tal Requerimento, a que anuiu a Recorrida, a coartação de tal meio de prova consubstancia uma nulidade (…)”.
Quid iuris?

Tanto quanto se percebe, o apelante insurge-se contra a sentença, que constituirá decisão-surpresa, porquanto o Mmº Juiz, tendo considerado ser imprescindível para a decisão da causa a realização de perícia de ADN do recorrente e recorrida, apesar de tal meio de prova ter sido requerido por ele e a ele ter aderido a recorrida, foi, após indeferimento, proferida sentença sem a sua realização.
Ora, tendo-se o Mmº Juiz a quo pronunciado sobre o requerimento do recorrente, o desacordo deste relativamente ao despacho que indeferiu o requerido meio de prova, sendo susceptível de recurso e quanto a ele se tendo insurgido no recurso, não torna nula a sentença recorrida por constituir uma decisão-surpresa.
Veja-se que o despacho supra transcrito de 12-07-2021, “A fim de evitar eventual surpresa na decisão a proferir”, já advertia “o A e R” para se pronunciarem, querendo, relativamente a determinados entendimentos do Tribunal a quo, o que levou o recorrente, em resposta, a referir não vislumbrar “vir a ser surpreendido pela Sentença a proferir”, em face desses entendimentos e ao já decidido na “anterior e revogada Sentença”.
Como observa LEBRE DE FREITAS (4) a consagração do princípio da proibição das decisões surpresa, resulta de uma conceção moderna e mais ampla do princípio do contraditório,“[…]com origem na garantia constitucional do Rechtiches Gehör germânico, entendido com uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.
O princípio do contraditório no plano das questões de direito exige que antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie (5).
Conforme resulta do regime legal, o juiz deve fazer cumprir o princípio do contraditório em relação às questões de direito, mesmo de conhecimento oficioso, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade.
Pretende-se, por esta via, evitar a formação de “decisões-surpresa”, ou seja, decisões sobre questões de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente sem que tenham sido previamente consideradas pelas partes.
Logo, tendo sido plenamente cumprido o contraditório, inexiste, assim, qualquer decisão surpresa.
*
II) Da reapreciação da decisão de mérito da acção

Entende o recorrente que a sentença recorrida enferma de um clamoroso erro de julgamento, ao concluir que “Real e efetiva possibilidade de exercer o direito ao esclarecimento da verdade biológica teve J. M. na acção de investigação, bastando-lhe para tanto haver litigado com o mínimo de diligência”, e, tendo o recorrente invocado a alínea c) do artigo 696° do CPC para o recurso de revisão, ao não considerar como documento os relatórios de exame de ADN: “O relatório dos exames de ADN não corresponde propriamente a documento, sendo habitualmente o resultado de prova pericial e esta é produzida no decurso da causa, não antes desta, e é-o por determinação do tribunal (art. 467º CPC)”.
Quid iuris?

São duas as questões que o recorrente questiona e que estiveram na base da improcedência da acção recorrida: a intangibilidade do caso julgado e não estarmos perante um caso excepcional em que é facultada a reversão (art. 696º do CPC), pois não se verifica a invocada alínea c) do art. 696º do CPC, em virtude de pôr em causa a aceitação de relatórios de exames de ADN como equivalentes a documentos.
Ora, não se questionando a intangibilidade do caso julgado e a existência de casos excepcionais em que é facultada a reversão, já se discute a conclusão de que, in casu, Real e efectiva possibilidade de exercer o direito ao esclarecimento da verdade biológica teve J. M. na acção de investigação, bastando-lhe para tanto haver litigado com o mínimo de diligência (é no processo que a parte tem de colocar todo o esforço em defesa da respectiva posição, por não existir segunda oportunidade), bem como que O relatório dos exames de ADN não corresponde propriamente a documento, sendo habitualmente o resultado de prova pericial e esta é produzida no decurso da causa, não antes desta, e é-o por determinação do tribunal (art. 467º CPC).
Com efeito, perante a transitada decisão de 26-11-1982 proferida na acção de investigação de paternidade e que declarou ser J. M. pai de A. M., não está agora em causa a instauração por aquele de uma nova acção com o mesmo objecto, atento que a decisão definitiva nela proferida constitui caso julgado impeditivo da instauração de uma segunda acção, fazendo precludir o direito daquele de, através desta nova acção e com recurso a novos meios de prova, impugnar a paternidade judicialmente estabelecida. Concordando-se, tal como defendido no Ac. do STJ proferido em 7-03-2019 (6), que “A prevalência do princípio da intangibilidade do caso julgado sobre o direito fundamental à verdade biológica e à identidade e integridade pessoal, inferível do artigo 26º, da Constituição da República Portuguesa, decorre da própria opção feita pelo legislador constitucional, plasmada no nº 3 do citado art. 282º, que proclama categoricamente o princípio da ressalva dos “casos julgados”, apenas admitindo as exceções previstas nesta norma, todas elas ligadas ao domínio do direito penal e do direito sancionatório público, e, nessa medida, insuscetíveis de aplicação analógica a outras áreas do ordenamento jurídico.”. Fazendo, pois, aqui sentido dizer, tal como se refere na sentença recorrida, que é no processo que a parte tem de colocar todo o esforço em defesa da respectiva posição, por não existir segunda oportunidade. Valendo tal entendimento para as situações em que o autor não contestou a acção de investigação de paternidade contra ele proposta pelo Ministério Público ou não se empenhou convenientemente.
Como também se disse no supra referido Ac. do STJ de 7-03-2019, “Temos, assim, por seguro que, no domínio do direito processual civil, impera o princípio da intangibilidade do caso julgado que, no dizer de Manuel de Andrade (7), «consiste em a definição dada à relação jurídica controvertida se impor a todos os tribunais ( e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão».
E, por outro lado, que esta força vinculativa do caso julgado só pode ser afastada nos casos excecionais em que a imposição do caso julgado acarreta uma compressão intolerável, ou excessiva, de direitos com particular proteção constitucional e em que, constatado determinado circunstancialismo e ante o preceituado no art. 18º, nº 2 da CRP, o próprio legislador ordinário previu a possibilidade de não vigorar o princípio da intangibilidade do caso julgado, tal como acontece nos casos de admissão do recurso extraordinário de revisão previsto no art. 696º do CPC.
Daí que, fora destes casos, não seja possível, no nosso ordenamento jurídico, à parte que se pretende eximir aos efeitos decorrentes de uma decisão judicial transitada em julgado, desconsiderá-los através da instauração de uma ação objetiva e subjetivamente idêntica à já definitivamente julgada.
É que se assim não fosse, estar-se-ia a permitir que uma decisão posterior pudesse contrariar o sentido de uma decisão anterior ou repetir o conteúdo de uma outra decisão anterior, com manifesto prejuízo para a certeza e segurança das relações jurídicas.
Dito de outro modo e ainda nas palavras de Manuel de Andrade (8)../../daniela.c.matos_st/AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary Internet Files/Content.Outlook/WVXLXVPB/Revista n┬║ 749 17 9T8GRD C1 S1- invest patern - caso julgado- dtos fundamentais- inconst .doc - _ftn22, cairíamos « numa situação de instabilidade jurídica (instabilidade das relações jurídicas) verdadeiramente desastrosa», permitindo-se que « em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por anterior decisão e, portanto, desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados».”.
Ora, o que está aqui em causa é um recurso extraordinário de revisão.
Como já se escreveu (8), “O recurso extraordinário de revisão é um expediente processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas taxativamente invocadas na lei, no artigo 696º do Código de Processo Civil.

Podem agrupar-se em quatro categorias, consoante se referem

1) - à atividade material do juiz;
2) - à situação das partes;
3) - à formação do material instrutório;
4) - à preterição do caso julgado.

Normalmente, a marcha do processo reparte-se por duas fases.
A fase rescindente, que se destina a apreciar o fundamento do recurso, isto é, a reconhecer ou não como verificado o fundamento da revisão, de acordo com uma das situações elencadas no referido artigo 696º, mantendo-se ou revogando-se a decisão contestada.
Se o recurso não for provido, termina então aqui a revisão.
A fase rescisória existe se o recurso for provido, reabrindo-se a anterior instância onde foi produzido o caso julgado, expurgada da falsidade que inquinou aquele e com a finalidade de, agora, uma outra vez, se julgar a mesma ação. Não se trata de uma nova instância, mas do ressuscitar da mesma instância, mantendo-se, pois, quanto ao valor, sujeitos, pedido e causa de pedir.
No caso concreto em apreço, está em causa a terceira categoria de causas da revisão, ou seja, a formação do material instrutório, prevista na alínea c) do citado artigo 696º.
Nos termos do corpo deste artigo e da alínea em questão, “a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando (…) se apresente um documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
Deste normativo, ressalta à evidência que o que está em causa é a existência de um documento e de um documento em sentido estrito, ou seja, de um documento escrito.
Por outro lado e conforme é unânime na doutrina e na jurisprudência, o “documento há-de ser tal, que por si só tenha força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença; quer dizer, o documento deve impor um estado de facto diverso daquele em que a sentença assentou” – Alberto dos Reis “in” Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, página 356.
Dito doutro modo “estamos, em suma, no patamar da prova legal e vinculada – da prova plena – à qual é, em absoluto alheio qualquer tipo de julgamento de facto produzido pelo julgador, à luz da sua liberdade de apreciação (…). O julgamento – quanto ao pertinente documento – se bem que com reflexo no facto, é de direito, produzido pela própria lei” – Brites Lameiras “in” Notas Práticas ao Regime dos Recurso em Processo Civil, 2ª edição, página 295.”.
Vejamos, agora, a outra questão do recurso: o documento invocado pelo recorrente.
Como já supra referido, o recurso de revisão de sentença regulado nos arts. 696º e ss. do CPC é o meio processual destinado a impugnar decisões que já tenham transitado em julgado. Trata-se de um recurso extraordinário, como bem se compreende. Só em situações muito delimitadas é que é possível pôr em causa, o princípio da estabilidade e segurança jurídica inerente ao trânsito em julgado de uma decisão, assentando o recurso de revisão no princípio da justiça material, permitindo a alteração de uma decisão que se encontra errada.
O recorrente requereu ao abrigo do disposto no art. 696º, c) do CPC, a revisão da sentença proferida em 26-11-1982, apresentando como documento o relatório do INMLCF datado de 27-01-2020, com o resultado de exclusão do A. da paternidade da R., na sequência de testes de ADN a que ambos voluntariamente se submeteram.
Como assertivamente refere o recorrente nas suas alegações, trata-se inequivocamente de documento escrito autêntico (cfr. arts. 362º, 363º, 369º e 370º do CC), que faz prova plena dos factos aí atestados pela entidade documentadora (cfr. art. 371º do CC).
Dispõe a al. c) do art. 696º do CPC, que “a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”.

A procedência do pedido de revisão depende assim de três requisitos:

- que se apresente documento novo;
- que a parte não dispusesse nem tivesse conhecimento dele;
- que, por si só, o documento seja suficiente para modificar a decisão em sentido para si mais favorável.

A “novidade” significa que o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão em causa, seja porque ainda não existia, seja porque, existindo, a parte não pôde socorrer-se dele e desde que não tenha podido juntá-lo ao processo por facto que não lhe seja imputável.
In casu, o documento ainda não existia, até porque à data em que a acção foi julgada - princípios dos anos 80 -, ainda não existiam exames de ADN (10), que apenas surgiram em meados da década de 90.
Conforme resulta claramente do texto legal não é qualquer documento que pode fundamentar um recurso de revisão, mas só aquele que por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida, devendo ser suficiente para destruir a prova em que a sentença se fundou. Se o documento, quando relacionado com os demais elementos probatórios produzidos em juízo, não tiver força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença, não há razão para abrir um recurso de revisão (11).
A este propósito veja-se o que afirma Rodrigues Bastos (12) que “não preenche este fundamento a apresentação de documento com interesse para a causa que, relacionado com outros elementos probatórios produzidos em juízo, fosse susceptível de determinar uma decisão mais favorável para o vencido; para servir de fundamento à revisão, é necessário que o documento, além do carácter de superveniência, faça prova de um facto inconciliável com a decisão a rever, isto é, que só por ele se verifique ter esta assentado numa errada averiguação de facto relevante para o julgamento de direito.
Por sua vez Luís Filipe Brites Lameiras (13) que defende que o documento que for junto para fundamentar a revisão tem de possuir “uma força probatória qualificada, auto-suficiente e impossível de destruição – só por si ele é suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável. Estamos em suma, no patamar da prova legal e vinculada – da prova plena – à qual é, em absoluto alheio, qualquer tipo de julgamento de facto produzido pelo julgador, à luz da sua liberdade de apreciação (artº 655º). O julgamento – quanto ao pertinente documento -, se bem com reflexo no facto, é de direito, produzido pela própria lei”.
Quanto à suficiência, o Código de 1939 exigia que o documento tivesse a virtualidade de “destruir” a prova em que a decisão revidenda se havia fundado.
O Código de 1961, e as alterações ulteriores, vieram “aligeirar” esse requisito: - não se exige já que o documento altere radicalmente a situação de facto em que assentou a sentença [acórdão] revidenda, basta que lhe implique uma modificação dessa decisão em sentido mais favorável à parte vencida (14).

Ainda, a propósito da suficiência, no Ac. do STJ de 18-12-2013 (15), entendeu-se que:

O requisito da suficiência tem de ser entendido como exigência de que o documento apresentado disponha de total e completa suficiência probatória, no sentido de que, se esse documento tivesse sido tomado em consideração pelo tribunal que proferiu a decisão revidenda, essa decisão nunca poderia ter sido aquela que foi – e isto sem fazer apelo a outros elementos de prova, sejam eles documentais, testemunhais ou periciais –, por constituir prova plena de um facto inconciliável com a decisão a rever”. Para decidir se um documento é suficiente, “importa colocarmo-nos nas vestes do tribunal que apreciou a factualidade trazida para os autos com vista a saber, se estando na posse desta declaração, a mesma iria alterar o sentido fáctico da decisão. Não se pondo em causa a autenticidade da mesma, outro tanto já não se pode dizer da credibilidade tendo em vista o objectivo que se pretende atingir”.
Alberto dos Reis (Código do Processo Civil Anotado, Vol. VI, pág. 357) também ensina: “O magistrado para julgar se o documento é decisivo, deverá pô-lo em relação com o mérito da causa, deverá proceder ao exame do mérito e indagar qual teria sido o êxito da causa se o documento houvesse sido apresentado. Feito este exame, ou o magistrado se convence de que se o documento estivesse no processo, a sentença teria sido diversa e, neste caso, deve admitir a revogação; ou se convence de que, não obstante a produção do documento, a sentença seria a mesma, porque assenta sobre outras bases e está apoiada em razões independentes do documento – e neste caso deve repelir a revogação” (16).
Tendo o apelante junto relatório do INMLCF datado de 27-01-2020, com o resultado de exclusão do A. da paternidade da R., na sequência de testes de ADN a que ambos voluntariamente se submeteram, é bom de ver que tal documento, só por si, tem força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença que se pretende rever.
Concluímos, assim, relativamente à fase rescindente, que existe fundamento para o recurso ser provido, com a consequente revogação da decisão contestada.
Termos em que será julgado procedente o recurso.
*
5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – A força vinculativa do caso julgado só pode ser afastada nos casos excepcionais em que o próprio legislador ordinário previu a possibilidade de não vigorar o princípio da intangibilidade do caso julgado, tal como acontece nos casos de admissão do recurso extraordinário de revisão previsto no art. 696º do CPC.
II – O recurso extraordinário de revisão faculta a quem tenha definitivamente ficado vencido na causa a possibilidade de a reabrir mediante a invocação de fundamentos taxativamente previstos no art. 696º do CPC, as quais se referem à actividade material do juiz, à situação das partes, à formação do material probatório e à preterição do caso julgado.
III – Na primeira fase da tramitação do recurso de revisão – a fase rescindente –, verifica-se se existe ou não fundamento para a revisão, mantendo-se ou revogando-se, em consonância, a decisão recorrida. Na eventualidade do recurso ser julgado provido, segue-se a fase rescisória em que se procede à ressuscitação da instância (expurgada da falsidade que a inquinou) em que se produziu o caso julgado e se julga a mesma acção, mantendo-se intocáveis a causa de pedir, o pedido, os sujeitos e o valor da causa.
IV – O fundamento previsto na al. c) do art. 696º do CPC refere-se a um documento escrito dotado de força probatória plena que seja suficiente para, por si só (alheando-se assim da margem de apreciação do julgador – trata-se de um julgamento produzido pela lei, embora com reflexo na matéria de facto), destruir a prova em que se fundou a decisão.
V – Constitui documento escrito autêntico (cfr. arts. 362º, 363º, 369º e 370º do CC), dotado de força probatória plena (cfr. art. 371º do CC), relatório do INMLCF com o resultado de exclusão do A. da paternidade da R., na sequência de testes de ADN a que ambos voluntariamente se submeteram.
VI – Tal documento, só por si, tem força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença que se pretende rever, que declarou ser o A. o progenitor da R.
*
6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação procedente e, em consequência, julgar procedente a primeira fase do recurso de revisão – a fase rescindente –, com a consequente revogação da decisão contestada (a sentença de 26 de Novembro de 1982).
Sem custas.
Notifique.
*
Guimarães, 27-01-2022
(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)


1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, V.Castelo – JC Cível – Juiz 4.
2. In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 306.
3. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da Republica Portuguesa Anotada, 3ª ed. Coimbra, 1993, p. 179, falam justamente de um «direito à historicidade pessoal».
4. InIntrodução ao Processo Civil - Conceito e princípios gerais à luz do novo código”, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, Outubro de 2013, pág. 124.
5. Vd JOSÉ LEBRE DE FREITAS, inIntrodução ao Processo Civil - Conceito e princípios gerais à luz do novo código”, ob. cit., pág. 133.
6. In Proc. nº 749/17.9T8GRD.C1.S1 e acessível in www.dgsi.pt.
7. In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 306.
8. Neste sentido, vide, Manuel de Andrade, in, Noções Elementares, Coimbra Editora, 1979, págs. 306 e 318.
9. Cfr. Ac. do STJ de 2-06-2016, proferido no Proc. nº 13262/14.7T8LSB-A.L1.S1 e acessível in www.dgsi.pt.
10. Existindo já exames hematológicos, não existia então qualquer meio de provar cientificamente a paternidade com o grau de certeza com que hoje é possível, com os exames de ADN.
11. Cfr. Ac. da RL de 2-06-2004, proferido no Proc. nº 619/2004-4 e disponível em www.dgsi.pt.
12. Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 3ª ed., pág. 319.
13. Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2008, p.197.
14. Neste sentido, vd. Acórdão do STJ de 17-09-2009, in Proc. nº 09S0318, disponível em www.dgsi.pt.
15. In Proc. nº 3061/03.7TTLSB-B.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt.
16. Cfr. se defende no Ac do STJ de 20-03-2014, in Proc. 2139/06.0TBBRG-G.G1.S1, de onde foi retirado o extracto transcrito.