Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1275/14.3T8CHV.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) Há que distinguir entre exceção de caso julgado e autoridade de caso julgado;
2) A autoridade de caso julgado visa a tutela do prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objeto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta;
3) A autoridade de caso julgado não exige, assim, a coexistência da tríplice identidade prevista no artigo 581º do NCPC;
4) A força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) José Joaquim Teixeira de Melo veio intentar ação com processo comum contra Luís Jorge Lopes Gomes e mulher Maria Manuela Silva Morais Gomes, onde conclui pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada e, por via dela:
a) Que se declare que os demandantes são donos e legítimos proprietários do prédio identificado nos artigos 1 e 2 da p.i.;
b) Condenar-se os demandados a reconhecer e respeitar esse direito;
c) Declarar-se que os demandados são donos e legítimos proprietários do prédio identificado nos artigos 16 e 17 da p.i.;
d) Condenar-se os demandados a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio, confinante com os dos demandantes;
e) Fixar-se a linha divisória que estabelece os limites dos prédios confinantes pertencentes aos demandantes e demandados.
f) Condenar-se os demandados em custas, procuradoria e tudo o mais que for de lei.
Os réus Luís Jorge Lopes Gomes e Maria Manuela Silva Morais Gomes apresentaram contestação onde concluem dever a exceção de caso julgado ser julgada procedente, por provada e, por via disso absolvidos os réus dos pedidos e a ação ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se os réus dos pedidos, com as consequências legais.
O autor José Joaquim Teixeira de Melo apresentou resposta onde entende dever a exceção invocada ser julgada improcedente, concluindo-se como na pi.
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B) Realizou-se audiência prévia e foi proferido despacho saneador, onde se decidiu quanto à exceção dilatória de caso julgado:
a) Julgar improcedente a exceção dilatória do caso julgado invocada pelos réus;
b) Julgar verificada a exceção perentória processual imprópria da autoridade do caso julgado, julgando-se, consequentemente, a presente ação totalmente improcedente e absolvendo-se os réus do peticionado pelo autor.
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C) Inconformado, o autor José Joaquim Teixeira de Melo, veio interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 162).
Nas alegações de recurso do autor José Joaquim Teixeira de Melo, são formuladas as seguintes conclusões:
1ª No presente processo, não se verifica caso julgado e não se verifica “autoridade do caso julgado”.
2ª Entenda-se que a decisão proferida no âmbito do Processo nº 1145/12.0TBCHV, emerge de uma ação de condenação para reivindicar a propriedade por parte do Dte. e por atos praticados pelo Ddo., e
3ª Como daquele processo se vê, o ali Ddo. em reconvenção, pediu o reconhecimento da propriedade do seu prédio, prédio que ali descreveu, não merecendo por parte do Reconvindo, ali Dte. qualquer contestação.
4ª Como se colhe da decisão ora em crise, sempre se vê com verdade, que o problema da “autoridade do caso julgado” não é matéria que se possa ter como assente, seja na teoria ou na prática processual tendo como meta o processo em decisão.
5ª Certo é que – no caso em apreciação – o Tribunal “a quo” não pode, salvo melhor entendimento ir além da decisão tomada num processo anterior, sob pena de se coartar o fim de um qualquer outro processo posterior ao primeiro que serve de instrumento para a descoberta da verdade e a concretização da real natureza do direito, seja, do direito do particular enquanto sujeito processual, o aqui Recorrente, e
6ª Sob pena de haver uma certa “denegação de justiça”,
7ª E dando-se primazia ao direito processual em detrimento do direito substantivo e à realidade da vida.
8ª A decisão ora em crise, tomada como se vê, faz nascer uma qualquer “res nullia” para uma porção de terreno que respeita formalmente todos os elementos da sua propriedade (e posse) e tem existência material.
9ª O direito adjetivo, não pode, salvo melhor opinião, ir além da existência do direito material – porque este o real, aquele que é exercido pelo seu sujeito, no caso o aqui recorrente face ao seu prédio.
10ª Por isso, salvo melhor opinião, a decisão ora em crise julgou mal, violando o disposto nos artigos 576º, 579º e 619º, 621º todos do CPC,
11ª O processo deve prosseguir em ordem à determinação da existência do prédio e a sua demarcação, com vista à clarificação do direito do recorrente.
12ª Pelo que, além de não se verificar caso julgado, também não se verifica “autoridade do caso julgado”.
Termina entendendo dever o presente (recurso) ser recebido e depois de analisado, ser revogada a decisão ora em crise, ordenando-se o prosseguimento do processo e até final.
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Pelos apelados Luís Jorge Lopes Gomes e Maria Manuela Morais Gomes foi apresentada resposta onde entendem dever o presente recurso ser julgado improcedente, negando-se provimento ao mesmo e confirmando-se a decisão recorrida.
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E) Foram colhidos os vistos legais.
F) As questões a decidir na apelação são as de saber:
1) Se se verifica a exceção de autoridade de caso julgado;
2) SE deverá ser alterada decisão recorrida.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Considera-se provada a seguinte matéria de facto:
1. O autor José Joaquim Teixeira de Melo intentou ação com processo comum, na forma sumária contra Luís Jorge Gomes e Maria Manuela Gomes, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves, sob o nº 1145/12.0TBCHV, onde conclui pedindo a condenação dos réus a restituírem o prédio rústico denominado “Poças” terra de cultivo e touça, sito na freguesia de Águas Frias, concelho de Chaves, inscrito na matriz predial sob o artigo 5877 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 01022, registado a favor do demandante e pagarem a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença, fundamentando-se ainda na aquisição do prédio por usucapião e alegando que o seu referidos prédio vem sendo ocupado pelos réus.
2. Nessa ação foi proferida sentença, transitada em julgado, que decidiu julgar a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolver os réus do pedido.
3. Na presente ação o autor José Joaquim Teixeira de Melo intentou ação com processo comum, contra os mesmos réus Luís Jorge Gomes e Maria Manuela Gomes onde conclui pedindo:
a) Que se declare que os demandantes são donos e legítimos proprietários do prédio identificado nos artigos 1 e 2 da p.i.;
b) Condenar-se os demandados a reconhecer e respeitar esse direito;
c) Declarar-se que os demandados são donos e legítimos proprietários do prédio identificado nos artigos 16 e 17 da p.i.;
d) Condenar-se os demandados a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio, confinante com os dos demandantes;
e) Fixar-se a linha divisória que estabelece os limites dos prédios confinantes pertencentes aos demandantes e demandados.
4. Ainda nessa ação deu-se como provado que a EN 103 divide o prédio do autor do prédio dos réus, ficando o prédio do autor na parte de baixo da estrada e o prédio dos réus da parte de cima.
5. Nesta ação, o prédio em questão referido em 3, a), é um prédio rústico denominado “Poças”, terra de cultivo e touça, sito na freguesia de Águas Frias e concelho de Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o número 01022 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 5877.
6. O autor baseia o seu invocado direito na presunção derivada do registo a seu favor e, subsidiariamente, na usucapião.
7. Foi proferida sentença nesta ação onde se decidiu julgar improcedente a exceção dilatória do caso julgado invocada pelos réus e julgar verificada a exceção perentória processual imprópria da autoridade do caso julgado, julgando-se, consequentemente, a presente ação totalmente improcedente e absolvendo-se os réus do peticionado pelo autor.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) Importa apurar se, como se decidiu no tribunal a quo, se verifica a autoridade de caso julgado.
Conforme já se escreveu nos Acórdãos desta Relação de Guimarães de 15/12/2009, na apelação nº 341/08.9TCGMR, disponível em www.dgsi.pt, de 18/09/2012, na apelação nº 236/11.9TBGMR.G1, e de 05/04/2011, proferido na apelação nº 5719/06.0TBBRG.G1, “a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação, nos termos dos artigos 668º (615º NCPC) (causas de nulidade da sentença) e 669º (616º NCPC) (esclarecimentos ou reforma da sentença) - artigo 677º do Código de Processo Civil (628º NCPC).
Esta noção refere-se ao caso julgado material, enquanto no caso julgado formal se trata da repetição de qualquer questão sobre a relação processual dentro do mesmo processo (cfr. Prof. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, pág. 308).
“Tanto o caso julgado material, como o caso julgado formal, pressupõem o trânsito em julgado da decisão.
O caso julgado material cobre a decisão proferida sobre o fundo ou mérito da causa, enquanto o caso julgado formal aproveita às decisões sobre as questões de carácter processual.
O caso julgado material tem força obrigatória, não só dentro do processo em que a decisão é proferida, mas principalmente fora dele.
A força e a autoridade atribuídas à decisão transitada em julgado, quer ela se refira à relação processual, quer sobretudo quando respeita à relação material litigada, visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida mais tarde, em termos diferentes, por outro ou pelo mesmo tribunal.
Trata-se de acautelar uma necessidade vital de segurança jurídica e de certeza do direito, acima da intenção de defender o prestígio da administração da justiça” (ibidem, pág. 309).
O caso julgado constitui uma exceção dilatória (artigo 494º alínea i) do Código de Processo Civil, anterior à reforma de 2013 – 577º alínea i) NCPC), que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (artigo 493º nº 2 do Código de Processo Civil – 576º nº 2 NCPC).
A exceção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, conforme resulta do artigo 497º do Código de Processo Civil (artigo 580º NCPC).
Quanto aos requisitos do caso julgado (e da litispendência) diz-nos o artigo 498º do Código de Processo Civil (581º NCPC) que:
“1. Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.”
E, diga-se ainda, o que releva para efeitos de apreciação temporal do caso julgado, não é a decisão que se refere ao processo que foi intentado em primeiro lugar, mas a que primeiro transitar em julgado (cfr. artigo 675º nº 1 do Código de Processo Civil – artigo 625º NCPC).
Na sentença recorrida faz-se a distinção entre força de caso julgado e autoridade de caso julgado.
Com efeito, a este propósito, escreveu-se no Acórdão do STJ de 21/03/2013, na revista nº 3210/07.6TCLRS.L1.S1, disponível na base de dados do Ministério da Justiça, no endereço www.dgsi.pt que “…há que ter presente duas realidades bem diversas no que tange aos efeitos do caso julgado.
São essencialmente duas as realidades que se nos deparam no tratamento jurídico das consequências ou efeitos do caso julgado:
a) A exceção dilatória do caso julgado
b) A autoridade do caso julgado…”
E mais adiante, citando o Professor Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 306), refere o citado Acórdão que o fundamento do caso julgado reside no prestígio dos tribunais (considerando que «tal prestígio seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente») e numa razão de certeza ou segurança jurídica («sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa»).
Assim, ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a exceção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objeto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta.
A feliz síntese do acórdão da Relação de Coimbra, de 28-09-2010, de que foi Relator, o Exmº Desembargador Jorge Arcanjo (Pº 392/09.6 TBCVL.S1, in www.dgsi.pt), afigura-se-nos cabalmente adequada ao traçado da fronteira entre estas duas figuras jurídico-processuais, pelo que importa aqui registar a parte do seu sumário, que importa à presente decisão:
I - A exceção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova ação, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objeto e pedido.
II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498° do Código de Processo Civil (581º NCPC)…
Importa jamais olvidar que o caso julgado tem como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, pois como estatui o artº 673º do Código de Processo Civil (621º NCPC), «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga».
Trata-se de um corolário do conhecido princípio dos praxistas enunciado na fórmula latina «tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat».
Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade, como parece ser o caso da maioria jurisprudencial, será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objetiva do caso julgado (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, pg. 174) e, consequentemente, a autoridade deste.”
Por outro lado, refere-se igualmente no Acórdão da Relação de Coimbra de 28/09/2010, na apelação nº 392/09.6TBVCL.C1, disponível em www.dgsi.pt que “o caso julgado material (arts. 671º e 673º do CPC) implica dois efeitos - um negativo e outro positivo – sendo em face deles que se distingue a exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado (cf., para a distinção de ambas as figuras, por ex., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 320, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 384, Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, pág. 576, e “O objeto da sentença e o caso julgado material“, BMJ 325, pág. 171, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, pág. 325, Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Ação Declarativa, pág. 394).
A exceção do caso julgado pressupõe uma tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (arts. 497º e 498º do Código de Processo Civil – 580º e 581º NCPC) e distingue-se da autoridade do caso julgado, onde este se manifesta no seu aspeto positivo.
Definindo o âmbito de aplicação de cada um dos conceitos, refere Teixeira de Sousa - “A exceção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contraria na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira idêntica (...). Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva a repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente (“O objeto da sentença e o caso julgado material”, BMJ 325, pág. 171 e segs.).
A jurisprudência tem acolhido esta distinção (cf., por ex., Ac do STJ de 26/1/94, BMJ 433, pág. 515, Ac RC de 21/1/97, C.J. ano XXII, tomo I, pág.24), sendo que para a autoridade do caso julgado não se exige, segundo entendimento prevalecente, a coexistência da tríplice identidade, prevista no art. 498º do CPC (581º NCPC), (cf., por ex., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág.320, Ac do STJ de 13/2/2007, em www.dgsi.pt, Ac RC de 21/1/97, C.J. ano XXII, tomo I, pág.24, Ac RP de 2/4/98, Ac RC de 27/9/05, em www dgsi.pt).
Neste contexto, pode distinguir-se ambos os institutos da seguinte forma:
A exceção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova ação, pressupondo uma total identidade entre ambas as causas;
A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica).”
Conforme se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 15/10/2015, proferido no processo nº 3910/08.3TBGMR-B.G1, relatado pelo Desembargador Fernando Fernandes de Freitas, “sobre o âmbito do caso julgado material, refere o Ac. do S.T.J. de 21/03/2013, ser entendimento dominante “que a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado – vd., por todos, Ac. do STJ de 12.07.2011, processo 129/07.4.TBPST.S1, www.dgsi.pt.
Como diz Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 579), citado no referido Acórdão do STJ, “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.» (in Proc.º 3210/07.6TCLRS.L1.S1, Cons.º Álvaro Rodrigues, ut www.dgsi.pt).
Sob outra perspetiva decidiu o S.T.J. no Ac. de 03/02/2011: “1. Num recurso fundado em violação do caso julgado, tem necessariamente o Tribunal «ad quem» de começar por determinar qual é – segundo os critérios interpretativos que devem ser utilizados para determinar o sentido de uma sentença – o âmbito possível de tal operação interpretativa, excluindo aqueles sentidos normativos que extravasem o âmbito consentido a uma atividade interpretativa, levando a alcançar e imputar-lhe sentidos decisórios que a sentença interpretada manifestamente não pode comportar. 2. Sendo as decisões judiciais atos formais, - amplamente regulamentados pela lei de processo e implicando uma «objetivação» da composição de interesses nelas contida – tem de se aplicar à respetiva interpretação a regra fundamental segundo a qual não pode a sentença valer com um sentido que não tenha no documento ou escrito que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.” (in Proc.º 190-A/1999.E1.S1, Cons.º Lopes do Rego, ut www.dgsi.pt).
Já anteriormente se tinha pronunciado neste sentido o Ac. do S.T.J. de 28/01/1997, decidindo: “I – A sentença proferida em processo judicial constitui um verdadeiro ato jurídico, a que se aplicam as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos. II – A interpretação da sentença exige que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva, fatores básicos da sua estrutura. III – Embora o objeto da interpretação seja a própria sentença, nessa tarefa há que ter em conta, ainda, outras circunstâncias, mesmo que posteriores, que funcionam como meios auxiliares de interpretação, na medida em que daí se possa retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar” (in C.J., Acs. do S.T.J., tomo I, págs. 83-85. De resto, também o Ac. do mesmo S.T.J. de 9/05/1996 refere não ser de excluir que “se possa recorrer à parte motivatória da sentença para reconstruir e fixar o verdadeiro conteúdo da decisão” - in C.J., Acs. do S.T.J., ano IV, tomo II págs. 55-56).”
Aplicando a doutrina exposta ao caso em análise dir-se-á que bem andou o tribunal a quo em decidir nos termos em que o fez.
Com efeito, naquela ação nº 1145/12.0TBCHV estava a em causa a reivindicação do prédio dos autores, enquanto na presente ação está em causa a demarcação do prédio do autor e o dos réus.
Ora, como é sabido, para que haja lugar à demarcação é necessário que os prédios sejam confinantes, que pertençam a proprietários distintos e que as estremas sejam incertas ou duvidosas (cfr. Acórdão do STJ de 26/09/2000, BMJ 499º/294).
É certo que demarcação não é sinónimo de reivindicação porém, esta pressupõe aquela.
Resultando dos fundamentos daquela decisão que a EN 103 divide o prédio do autor do prédio dos réus, ficando o prédio do autor na parte de baixo da estrada e o prédio dos réus da parte de cima, não pode deixar de se verificar a exceção referida de autoridade de caso julgado, uma vez que a não contiguidade dos prédios já resulta, como se viu, daquela ação e, como tal, não é lícito, agora, ultrapassar tal questão.
Pelo exposto, sem necessidade de ulteriores considerações, resulta que a apelação terá de improceder e, em consequência, ser confirmada a douta decisão recorrida.
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D) Em conclusão:
1) Há que distinguir entre exceção de caso julgado e autoridade de caso julgado;
2) A autoridade de caso julgado visa a tutela do prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objeto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta;
3) A autoridade de caso julgado não exige, assim, a coexistência da tríplice identidade prevista no artigo 581º do NCPC;
4) A força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
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Guimarães, 25/05/2016