Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
70/18.5T8VRM.G1
Relator: MARIA DA CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
UTILIDADE
REPETIÇÃO DO ACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora)

I - No âmbito do procedimento cautelar, demonstrado um direito, consubstanciado na elementar probabilidade da sua efetiva existência, a demonstração do perigo da sua insatisfação, traduz-se no fundado receio que a demora natural da tramitação do pleito cause um prejuízo grave e de difícil reparação.

II - Não obstante tenha sido reposta a situação, nem assim se pode afirmar que a providência cautelar ficou destituída de qualquer utilidade, pois que existe a possibilidade e probabilidade da repetição do ato.

III – A não se entender assim, qualquer infrator, em situação análoga, que quisesse “salvar-se” da condenação, bastaria, enquanto estivesse pendente, a reposição da situação que previamente havia, reiteradamente, violado, colocando, desta forma, em crise os princípios da certeza e segurança jurídica.

IV – Não estando afastada a possibilidade de repetição do ato, tal possibilidade demanda a adoção de medidas tendentes a evitar o prejuízo, sendo o mecanismo para acautelar o direito a providencia cautelar requerida.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

(…), intentaram a presente providência cautelar não especificada contra (..) peticionando que sejam os Requeridos condenados a:

1 - A verem declarado e a reconhecerem a posse e o direito de propriedade dos I Requerentes, por si e na dita qualidade, e dos II Requerentes, relativamente aos prédios descritos em 1, a) a c), e 3 a) e b), respectivamente, e a respeitar esse mesmo direito.
2 – A verem declarado e a reconhecer, além da posse, a propriedade dos I Requerentes, por si e na dita qualidade, sobre a(s) água(s) a que se alude nos itens 14 a 19;
3 – A verem ainda declarado e a reconhecerem, a favor dos I Requerentes, por si e na dita qualidade, e dos II Requerentes, respectivamente, do direito à utilização e fruição dessas águas nos prédios descritos em 1, a) a c), e 3 a) e b), no modo, forma e nos períodos ou registos referidos nos itens 25 a 29, 31 e 32 da petição.
4 - A verem declarado e a reconhecerem, a favor dos prédios descritos em 1, a) a c), e 3 a) e b), a servidão de aqueduto a onerar o prédio dos Requeridos, descrito no item 8, al. b), “Leira da …”, desde o lado externo da Poça e contíguo a esta, parte da frente, (norte) e a toda a largura dessa parte da “Leira”, através de um rego com meia cana de cimento, implantado entre dois muretes, no conjunto com cerca de 0,80 m. de largura e cerca de 8 m. de extensão;
5 – A reporem de imediato, na dita poça, o(s) mecanismo(s), com todos os componentes, que regula(m) a circulação e distribuição da água, incluindo o passador, descritos em 25 a 27, aptos para cumprir a função descrita em 26 a 32;
6 – A absterem-se de estorvar, desviar, cortar, tamponar e/ou de impedir, seja de que modo e para que fim for, a circulação da água para e/ou a favor dos prédios dos I e II Requerentes.
7 – A pagarem aos I e II Requerentes, por si e na dita qualidade, por todo o tempo que estiveram e continuarem privados da água a quantia diária de 150,00 € a favor de cada um que, neste momento, 20.4.2018, já ascende, no global, a quantia de 18.300,00 €.
8 – A indemnizarem os I e II Requerentes pelos demais prejuízos, cujas consequências ainda não estão determinadas, a liquidar por sentença.

Subsidiariamente e para o caso de se vir a entender não ser esta a providência a requerer com vista a satisfazer a situação que se pretende acautelar, requerem que se ordene aos Requeridos a restituição e reposição do “status quo ante” de acordo com a providência que ao caso for a julgada adequada, restabelecendo e/ou desobstruindo, além do mais, todos os impedimentos/obstáculos à circulação, utilização e fruição da água, ao acesso e visita ao aqueduto e à Poça, em especial, pela sua parte da frente, incluindo a reposição, em bom estado e em perfeito funcionamento, do mecanismo a que se alude em 26) do r.i e para cumprir a função descrita em 26 a 29 do r.i.

Mais peticionam a condenação dos requeridos a pagarem, em qualquer das situações, a título de sanção pecuniária compulsória, destinada em partes iguais ao Estado e aos Requerentes, por si e nas ditas qualidades, por cada vez e/ou dia em que violem ou se recusem a acatar a decisão que venha a ser proferida, mormente voltem a estorvar, dificultar, desviar, a tamponar e/ou a impedir, por qualquer modo, a circulação da água, como nos moldes/registos descritos em 29, e ao acesso, visita ao aqueduto e à Poça, in casu, pela sua parte da frente do prédio rústico descrito em 8) b), sanção essa que deverá ser fixada em montante não inferior a 7.000,00 €.

Concluem peticionando ainda o decretamento da inversão do contencioso.

Alegam para o efeito, e em síntese, que os primeiros requerentes, são, respetivamente, e pela ordem supra, a mulher e os únicos filhos, genros e nora, de(…) , o qual deixou diversos bens, entre eles, os imóveis e quotas-partes que se descrevem:

a) Prédio urbano, composto por casa de habitação, com seis divisões, e quintal anexo, sito no Lugar de (…), freguesia de (…) concelho de (…), a confrontar(…) , inscrito na matriz predial sob o artigo … e omisso na Conservatória de Registo Predial de ....
b) Prédio rústico, denominado “…”, composto por terreno de mato e pastagem, com a área de, sensivelmente, (há) 0,762000, sito no Lugar de (..), a confrontar do norte (…) inscrito na matriz predial sob o artigo…, e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o Nº (…) e,
c) ½ indivisa do prédio Rústico, denominado “…”, composto por terreno de cultura arvense de sequeiro, com fruteiras e videiras em cordão, sensivelmente com a área de, (ha) 0,312000, sito no Lugar de (…) , a confrontar do norte(…) , inscrito na matriz predial sob o artigo …, e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º … ..

Por sua vez, os segundos requerentes são os únicos donos e legítimos possuidores, entre outros, do prédio urbano composto casa de habitação de rés-do-chão e andar, anexo de rés-do-chão para garagem, rossio e quintal, sito no Lugar (…), a confrontar norte com(…) , inscrito na matriz predial sob o artigo …, e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º … .
b) ½ indivisa do prédio Rústico, denominado “…”, composto por terreno de cultura arvense de sequeiro, com fruteiras e videiras em cordão, sensivelmente com a área de, sensivelmente, (ha) 0,312000, sito no Lugar (…), a confrontar (…) inscrito na matriz predial sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º (…)

A titularidade dos prédios e/ou quotas partes acabados de descrever nos itens 1, a) a c) e 3, b), vieram à posse e propriedade da requerente C. e marido e dos segundos requerentes, respectivamente, por força de escritura pública de habilitações e partilha, outorgada no Cartório Notarial de ... no dia (…) e o prédio descrito em 3 a) veio à posse da segunda requerente e marido por escritura pública de partilha, outorgada no Cartório Notarial de ... no dia (…)

Mais alegam que os Requeridos são os únicos donos e legítimos possuidores, entre outros, do(s) seguintes prédios, in casu, separados e distantes entre si cerca de 150 metros:

a) Prédio urbano, composto por casa de morada, de rés-do-chão e 1.º andar, em pedra (patelas), com seis divisões, e quintal anexo, sito no Lugar de(…) , a confrontar a norte com os (…) inscrito na matriz predial sob o artigo … e omisso na Conservatória do Registo Predial de ... (doc. 11 e 19);
b) Prédio rústico denominado “…”, composto por terreno de pastagem e videiras em cordão, com a área de cerca de (há) 0,161000, sito no (…) , a confrontar do norte com(…) , inscrito na matriz sob o art.º …. e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ….

Os prédios dos requerentes e requeridos confrontam entre si e no prédio denominado “… ”, parte nascente/sul, existe uma Poça de depósito e retenção de água, conhecida, vulgarmente, “… ” ou “…. ”, com profundidade de cerca 1,50 metros e largura de 5 metros e o prédio rústico dos Requeridos, composto por cerca de 4 leiras, em socalcos, encontra-se, no seu lado nascente a uma cota de nível superior à cota onde se situa a Poça e do lado poente/norte a uma cota de nível ligeiramente inferior à cota onde se situa a Poça mas significativamente superior à cota dos prédios descrito nas alíneas a) e c) e de parte do prédio descrito da al. b), do ponto 1 e dos prédios descritos no ponto 3 do r.i14.

Alegam ainda que no prédio “…”, lado sul, junto do topo nascente, dos primeiros Requerentes, existe uma nascente de água que dista cerca de 15 metros do prédio rústico dos Requeridos, lado sul deste, e sensivelmente 50 metros do outro prédio rústico dos primeiros Requerentes, denominado “…”, (considerando o lado nascente deste).

Por seu turno na “…”, sentido sul/norte, existe outra nascente de água, paralela e a cerca de 10 metros da anterior, que também escoa na dita poça, existindo ainda outra nascente de água na dita “…”, imediatamente abaixo da primeira nascente e a cerca de 5 metros desta, in casu, praticamente contígua à dita poça.

As águas das nascentes, correm desde as ditas nascentes, a “céu aberto”, através de regos com cerca de 20 a 30 cm. de largura e 20 a 30 cm de profundidade e seguem/fluem, na parte inicial da sua extensão, na orientação sul/norte, em direcção à mencionada Poça e ligeiramente abaixo desta, existe ainda um espaço, contíguo a uma rocha, de grande volume, a partir do qual se encontra um rego a céu aberto onde, por sinal, principalmente nas ocasiões de maiores chuvas, as águas, então excedentes, se concentram e percorrem, a partir daí, parte do prédio “… ”, e o prédio dos segundos Requerentes, em maior parte desse percurso, através de tubagem subterrânea e, no sobrante, se esvaem para o Rio.

Em 2003 a Poça, na altura ainda em terra batida, e parte da parede em pedra (no lado nascente em rocha) consolidada ao longo de mais de 30 a 50 anos, foi objecto de obras que se materializaram na construção e revestimento em cimento/betão de parte das paredes e numa pequena de parte da base (solo), respeitando, sensivelmente, a mesma área que tinha até então, obras estas custeadas pela Requerente C. e marido pela II Requerente e marido, , E OUTROS , este, por sinal, que executou as ditas obras, os quais, então, usavam parte das águas captadas na Poça nos termos definidos nos pontos 29 e 30 do r.i.

A primeira Requerente C. e marido e a segunda Requerente S. e marido (que, tal como os primeiros as usavam e usam para consumo doméstico nas respectivas casas de habitação), suportaram maior montante que os demais devido ao seu direito às águas, mas também, à maior amplitude da utilização/fruição.

Entre o lado externo da Poça, parte da frente desta, (norte) e o prédio dos Requeridos, “… ”, existem dois muretes em blocos, com cerca de 20 a 30 cm. cada, relativamente à cota do solo, que formam um rego, com meia cana de cimento, de igual dimensão e profundidade, no conjunto com cerca de 80 cm de largura x 5 metros, que se prolonga a toda a largura da poça e imediatamente contíguo a essa faixa, compreendida pelo dito rego, encontra-se, como se infere da descrição supra, uma das leiras, a do topo (atento sentido norte/sul), do prédio dos Requeridos, item 8 b) a parcela de terreno do lado esquerdo dividida por rede). Na parede da frente inferior da dita Poça existem duas aberturas, em forma de quadrado, cada com cerca de 30 cm., ambas tapadas com um sistema mecânico, de ferro, composto por uma tampa no lado interno, a toda a largura e altura, e uma barra em ferro no lado externo, (com cerca de 10 x 35 cm), interligadas por um ferro que as atravessa, em forma de parafuso, através do qual, com uma outra peça metálica, que acoplam, se regula, comprimindo e descomprimindo, a abertura e fecho da água, que os locais denominam, grosso modo, ao conjunto, de “vozanheira”.

Mais alegam que no dia de carnaval, 13.2.2018, a água deixou de correr para o prédio dos Requerentes, tudo indicando, que os requeridos a haviam obstruído e/ou desviado, pois o requerido marido já o havia ameaçado, inclusive à primeira Requerente C., dando a entender, à semelhança e na continuidade do que já havia propalado em Setembro de 2017, (por aparente má relação com o marido da segunda Requerente), que não precisavam da água de lima.

No dia 13.2.2018, constataram que o requerido marido havia cortado a ligação e passagem da água, junto à dita Poça, para o prédio dos Requerentes, aproveitando-a ele mesmo – desde então -, tendo, inclusive, retirado todas as peças que compunham a dita “vozanheira”, das quais se apropriou e fez suas, deixando apenas no local os tubos soltos. Já antes deste episódio, no dia 28.1.2018, o requerido marido, retirou a ligação dos tubos, junto à poça, que conduziam a água para os prédios destes, incluindo a casa de habitação e o passador, do qual também se apropriou, que permitia a ligação e regulação da água para os ditos prédios.

Tal situação, além de impedir o abastecimento e consumo de água, regular e habitual, nas casas de habitação onde vivem, respectivamente, as Requerentes C. e M. I., bem como os segundos Requerentes e o funcionamento normal do aquecimento, privando, em especial, a I Requerente C. –pessoa doente - do conforto e bem-estar, está e vai implicar outras consequências, também muito graves, impedindo o cultivo dos prédios rústicos, de onde extraiam batata, feijão, cebola, cenoura e silagem para alimento dos seus animais, colocando, assim, também em risco tal cultivo.

Os Requeridos, abusivamente, passaram a servir-se e aproveitar eles próprios, e em exclusivo, da água desviando-a, ao que tudo indica, para rega do seu prédio e outros fins e, em parte, esvaindo-a, pelo rego, para o rio Cávado, sendo visível no terreno do seu prédio mangueiras, (de uma polegada), com as quais, encaminhavam/conduziam a água pelo seu prédio, “….”.

Mais alegam que em resultado do comportamento dos Requeridos, os Requerentes estão a sofrer relevantes danos patrimoniais, em especial resultantes da privação da água, o que lhes confere o direito de lhes exigir, por todo o tempo que estiveram e continuarem a estar privados da mesma, a quantia diária, a favor de cada, desde 13.2.2018, 150,00 €, que, neste momento, 20.4.2018, já ascende, no global, a quantia de 18.300,00 €.

Os requerentes, em especial, (…) , têm sofrido inquietude e sérios incómodos, embora a primeira Requerente, C., em maior grau, para mais, pessoa com cerca de ¾ de século e que, por força do sucedido, se sente muito perturbada, com perda de sono, nervosa, ansiosa e com crises de choro frequentes.

Concluem, pedindo o decretamento da providência e o decretamento da inversão do contencioso.

Citados os requeridos deduziram oposição alegando para o efeito e, em síntese, que são donos e legítimos proprietários do prédio rústico denominado “…”, adquirido por compra em 11 de Agosto de 2008, sendo que tal prédio fazia parte da herança aberta por óbito dos avós do requerido marido. Por via desta aquisição os requeridos adquiriram ainda o direito à água proveniente das (…), a qual era utilizada do pôr do sol de sábado ao pôr do sol de domingo, no período de rega compreendido este desde o 1.º dia do mês de Junho até ao dia 1 de Outubro.

Os requeridos adquiriram ainda por contrato verbal a (…) pelo preço de 120,00€ a parte que esta detinha sobre referida água, ou seja meio dia, às sextas-feiras (manhã ou tarde), alternados, a cada oito dias.

Pese embora os requerentes aleguem que a (…) se situe no prédio de sua propriedade, o certo é que tal não corresponde à verdade, uma vez que a poça se situa no prédio rústico denominado (…), propriedade dos requeridos.

Mais alegam que os requerentes imputam aos requeridos um comportamento lesivo do seu direito sobre a água, quando na verdade são os próprios que fazem um aproveitamento abusivo da água em causa, na medida em que utilizam a água não só para fins agrícolas, mas também para uso doméstico como aliás o confessam. Na verdade aquando das obras de melhoramento da poça, colocaram tubos em plástico na parede que serve de represa da poça, mais concretamente na saída da “vozanheira”, a fim de fazerem um uso diário e a qualquer hora, violando o direito dos demais consortes.

Os requerentes ao não pretenderam retirar a “vozanheira” nos meses de lima, ou seja, nos meses de Inverno, fazem com que a água fique represada na poça e facilmente extravase a capacidade de armazenamento da mesma, fazendo com que transborde o muro ou a parede da poça e caia em cascata para o prédio dos requeridos, destruindo todas e quaisquer culturas que nele se encontrem.

Concluem, pela improcedência da presente providência cautelar, por falta de verificação dos respectivos pressupostos, alegando que os requerentes pretendem uma tutela definitiva através da mesma, opondo-se igualmente ao decretamento da inversão do contencioso.

Realizada a audiência final, foi proferida decisão que por falta do requisito do periculum in mora, julgou a providência cautelar não especificada improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu os requeridos do peticionado.

Inconformados vieram os Requerentes interpor recurso da decisão, terminando com as seguintes conclusões:

1.ª A douta Sentença do Tribunal a quo apresenta algumas incorrecções, cuja rectificação e/ou reforma se impõe, incongruências/desconexões e omissão de fundamentação, que coloca em crise, não só o decidido como a segurança e a certeza jurídica, princípios basilares de um Estado de Direito.
2.ª As contradições entre a matéria de facto provada e não provada, de certo modo, não só anunciam como reflectem um percurso, iter, descontextualizado, como que construído/formado em momentos, ritmos e convicções diferentes. Apesar disso, face à prova produzida, alicerçada em prova documental, pericial, inspecção judicial, testemunhal, e em pleno exercício do contraditório (sem prejuízo do depoimento de parte do Requerido marido), por uma questão de justiça, celeridade e economia processual, que se impõe ao processo judicial, não podia ser outro desfecho senão o decretamento procedência da Providência Cautelar.

Dos factos indiciariamente provados

3.ª Do que resulta dos factos indiciariamente provados infere-se, desde logo, senão incorrecções, erros de julgamento da matéria de facto, entre eles, item 30 dos factos provados, onde refere que “Desde há mais de 1, 15, 20, 30, 50 e 100 anos, que os requerentes e requeridos por si e antepossuidores...”, ocorrendo que a palavra “requeridos” foi introduzida certamente por lapso, pois não resulta da p.i., da oposição ao requerimento de providência cautelar, sequer, da produção de prova, que os requeridos, por si e antepossuidores, utilizam a água da referida poça com tal hiato temporal, como, aliás, se infere e/ou extrai do item 27 dos factos provados, que limita tal hiato a cerca de 10 anos, daí que se imponha a correcção/rectificação, em lugar próprio.

Dos factos não demonstrados

4.ª Foi produzida prova bastante que contraria a decisão do Tribunal a quo e que impunha que fosse dado como provada a matéria descrita na parte decisória que os insere e/ou descreve como “factos não demonstrados”, o que se extrai, além do mais, quer das motivações quer da matéria indiciariamente provada.

4.1 Quanto a alínea a):

4.1.1 - Conforme resulta do Relatório Pericial, as casas de habitação dos Requerentes são abastecidas por “Água de nascentes diversas situadas fora do âmbito desta perícia; e a Água da supra referida poça quando a das primeiras citadas não é bastante para o consumo e necessidades pretendidos.”, sendo certo que o próprio Tribunal a quo expressamente refere que os Requerentes provaram que não têm outra forma de abastecimento de água, pois não têm ligação à rede pública, nos itens 25 e 29 dos factos indiciariamente provados.
4.1.2 - O tribunal a quo, na motivação, expressa que foi valorado, sem que o tenha feito devidamente, as declarações da Requerente (…) que, além do mais, referiu que “o requerido no dia de Carnaval retirou a vozanheira e o passador, tendo os requerentes ficado sem água na habitação, admitindo que utilizam, quer no período de rega, quer no período de lima a água da poça para as respetivas habitações, uma vez que a que provem das outras nascentes que abastecem as casas não é suficiente”, e da testemunha (…) , que “referiu ainda que quer a sua avó quer a sua tia S. utilizam a água da poça para fins domésticos, uma vez que a proveniente de outras nascentes e que abastece as casas não é suficiente.”
4.1.3 - Não é despiciendo o motivo que levou o Tribunal a quo a dar como provado, além dos referidos, os itens 31 , 32 e 34, ou seja, se os Requerentes, por acção do Requerido, ficaram sem água é, por si só, sinal que não tinham, como não têm, outra forma de abastecimento de água senão as ditas nascentes como – diga-se ainda - nem têm que ter pois as referidas nascentes são, pese embora divididas através da Poça da (…) , com os restantes consortes para rega, propriedade sua, (vide itens 13, 14 e 15 dos factos indiciariamente provados),
4.1.4 – pelo que, dúvidas não restam, quanto a esta alínea dos factos não demonstrados, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.

4.2 - Quanto às alíneas c) e d)

4.2.1 - O Tribunal a quo refere erradamente que os Requerentes não lograram provar que, nas circunstâncias descritas em 32 dos factos indiciariamente provados, o requerido marido aproveitou a água da poça, o que ainda hoje sucede, e fez sua a “vozanheira” e ainda que, nas circunstâncias descritas em 31, o requerido marido apropriou-se do passador que permitia a ligação e regulação da água para os prédios dos requerentes, olvidando em absoluto a matéria do item 38 dos factos indiciariamente provados, que descreve que o Requerido repôs no dia 1.06.2018 a “vozanheira” e o passador de ligação e regulação de água da Poça da … para o prédio dos Requerentes.
4.2.2 - Não se se afigura aceitável ou compreensível que o Tribunal a quo entenda que o Requerido tenha colocado as peças que compunham a “vozanheira e o passador de água e, por outro lado, que deles não tivesse retirado e/ou se apropriado, tanto mais que o próprio Requerido o confessa e, aliás, se extrai das motivações do Tribunal a quo, quando expressa que “a convicção do Tribunal quanto à factualidade dada como provada sob os pontos 5), 6), 9) a 38) formou-se, para além dos factos admitidos por acordo das partes decorrente da falta de impugnação e da confissão dos factos que lhe são desfavoráveis quer nos articulados da causa, quer no depoimento de parte do requerido...”
4.2.3 – Ficou provado e resulta ainda das declarações da Requerente … , “que o requerido no dia de Carnaval retirou a vozanheira e o passador, tendo os requerentes ficado sem água na habitação...”, e dos depoimentos da testemunha … , consorte das águas da Poça da … , que “...teve conhecimento da conduta do requerido, tendo-se deslocado à Poça e verificado que tinha sido retirada a “vozanheira” e da testemunha …. “que no domingo de Carnaval faltou água em casa e foi ele próprio ver a Poça tendo constatado que haviam sido retiradas as mangueiras. Disse à avó o que se passava e esta telefonou ao requerido que lhe disse que ia retirar a “vozanheira”, tendo-a retirado nesse dia.”
4.2.4 – Os Requerentes, não só lograram provar os factos dos itens 31 e 32, como provaram que foi o Requerido quem retirou e fez sua – pelo menos até ao dia 1 de Junho de 2018 - a dita “vozanheira” e o passador de água, tendo ainda o Tribunal a quo dado como provado que os Requerentes ficaram sem água, por acção do Requerido, conforme consta dos itens 31 a 34 dos factos provados.
4.2.5 – pelo que, também quanto a esta alínea dos factos não demonstrados, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, impondo-se, como sucede com a alínea que a antecede, que se dê tal matéria como provada.

4.3 - Quanto à alínea e)

4.3.1 – Provando-se que o Requerido, conforme resulta da própria convicção do Tribunal a quo, cortou a ligação de água para o prédio dos Requerentes, (vide itens 31, 32, 33 e 34), e que estes não têm outra fonte que abasteça, suficientemente, as suas habitações, ao declarar esta alínea e) como não provada, o Tribunal a quo volta a entrar em contradição, pois que, além do mais, resulta das regras da experiência comum e do normal acontecer que, faltando água, além de impedir o abastecimento e consumo da regular e habitual, impede o funcionamento do sistema de aquecimento na casa de habitação e o cultivo dos prédios rústicos, de onde extraiam batata, feijão, cebola, cenoura e silagem para alimento dos seus animais.
4.3.2 – Também sobre esta alínea dos factos não demonstrados, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, impondo-se que se dê como provada.

4.4 - Quanto à alínea f)

4.4.1 – O Tribunal a quo faz errada interpretação da prova produzida, pois, ficou provado que o Requerido extraiu, abusivamente, a água da Poça e a derivou para um tanque que construíra no seu prédio, “Leira da … ”, como resulta, além do mais, da mui douta perícia, na resposta ao 1.º quesito apresentado pelos Requeridos: (…) “O perito confirma a existência de um rego de encaminhamento de águas no prédio supra referido, com início na “Poça da … ” e que se prolonga até desaguar junto de um tanque de retenção de água sito em prédio contíguo ao mesmo como se pode verificar nas fotografias A e B.”.
4.4.2 – Caso contrário, tendo em conta que o Requerido só tem direito à água para rega e com as limitações referidas no item 27 dos factos indiciariamente provados, não se vislumbra outro motivo para a existência do referido tanque senão o de represar mais água do que aquela a que tem direito.
4.3.2 – Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, impondo-se que se dê como provada.

4.5 - Quanto à alínea g) “Os requeridos, passaram a servir-se e aproveitar eles próprios, e em exclusivo, da água oriunda das referidas nascentes, desviando-a para rega do seu prédio e outros fins e, em parte, esvaindo-a, pelo rego, para o rio Cávado.”
4.5.1 - Não obstante o que resulta das citadas declarações das testemunhas, bastante para dar como provada a presente alínea, infere-se ainda da douta Sentença, itens 31 a 34 que o Requerido marido retirou os tubos que conduziam a água para os prédios dos Requerentes, não se descortinando, atenta a contextualização da matéria em discussão e as regras da experiência comum e do normal acontecer, outro propósito senão o de cortar e/ou retirar a água aos Requerentes, para, daí, servir-se e aproveitar da água das referidas nascentes, direito que bem sabia não lhe assistir.
4.5.2 – Deve, como tal, ser dada como provada esta matéria.
5.ª Mesmo que assim se não entenda, a providência reúne todas as condições, de facto e de direito, para ser decretada, salientando-se, com todo o respeito, que a conjugação do que se deu como provado no item 38 com a dita matéria não provada demonstra um iter artificial, insustentável e infundado, como que a justificar, sem fundamento muito menos sólido e válido, a composição de um conjunto de “factos”, numa arrumação frágil, rumo à sua improcedência.
6.ª O Tribunal a quo entendeu não se encontrarem reunidos todos os pressupostos de que depende a procedência do procedimento cautelar comum, previstos no artigo 362.º do Código de Processo Civil, contudo, não só não o fundamenta como evidencia distanciamento e errada apreciação e valoração da prova produzida.
7.ª Não obstante, sem que se afigure tê-lo em devida conta, sustenta, ao que se infere, a sua “tese” no mui douto Acórdão da RG de 21.09.2017 que expressa no seu sumário: “I. O procedimento cautelar não se confunde, quanto à sua natureza, regras e objecto, com a acção adequada a reconhecer um direito, a prevenir/reparar a sua violação ou a realizá-lo coercivamente. II. Naquele, não podem ser formulados, apreciados e decididos pedidos próprios de uma acção declarativa. III. São pressupostos da providência cautelar não especificada:

a) Probabilidade séria (“fumus boni juris”), embora colhida a partir de análise sumária (“summaria cognitio”) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor; b) Fundado e suficiente receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável (“periculum in mora”) a tal direito (portanto, que a lesão não se tenha consumado); c) Concreta adequação (ou potencialidade) da providência (como medida de tutela provisória) para remover a situação de lesão eminente e assegurar a efectividade do direito ameaçado; d) Não existência na lei de outro tipo de providência específica que o acautele (princípio da legalidade das formas processuais); e) Que o prejuízo dela resultante para o requerido não exceda consideravelmente o dano que o requerente através dela pretende evitar.”
8.ª No caso sub judice, da prova produzida, resulta claro que houve e há uma probabilidade séria, (“fumus boni juris”), de o direito invocado e a acautelar existir, aliás, tal resulta, além do mais, dos factos indiciariamente provados, (“summaria cognitio”), e não é outra a convicção do Tribunal a quo quanto a este ponto, pois refere na “fundamentação de direito” que “Na verdade, ainda que os requerentes tenham logrado provar – ainda que indiciariamente os direitos de que se arrogam – direito de propriedade sobre os prédios em causa; direito de propriedade das águas e direito de servidão e aqueduto”.
9.ª Quanto ao requisito, (“periculum in mora”), entendeu o Tribunal a quo, mais uma vez erradamente, que não se verifica, referindo, e tão só, “o certo é que não lograram provar, desde logo, o periculum in mora”, sem se debruçar, discernir ou o fundamentar, apenas valorando e com ênfase o vertido no já referenciado item 38, que “A “vozanheira” e o passador de ligação e regulação de água da Poça da ... para os prédios dos requerentes foi reposta pelo requerido no dia 01 de Junho de 2018.”
10.ª Resulta, além do mais, dos factos indiciariamente provados que no dia de Carnaval – 13.2.2018 – a água deixou de correr para o prédio dos Requerentes, tendo constatado que o requerido marido havia cortado a ligação e passagem de água; antes de tal situação, concretamente no dia 28.1.2018, pela manhã, o Requerido marido, retirou a ligação dos tubos junto à poça que conduziam a água para os prédios dos requerentes, incluindo para a casa de habitação; confrontado sobre o sucedido, referiu que também ia retirar as mangueiras; foi ainda alertado de que a primeira requerente tinha a caldeira de aquecimento ligada e que a falta de água podia “rebentar” a mesma, ao que o mesmo respondeu, dizendo, “meta outra”. (Vide itens 31 a 34).
11.ª Todas estas situações, provocadas pelo Requerido, não se firmaram num só episódio mas em vários e sucessivos e, pelo menos indiciariamente, com uma motivação, invasora e ilegal, que se prolongou e anuncia prolongar-se no tempo, e que se impõe fazer respeitar e acautelar.
12.ª O Requerido só repôs o equipamento mecânico no dia 01 de junho de 2018, permitindo que a água seguisse o seu curso, quando a providência cautelar já se encontrava pendente, e cerca de 13 dias após ter tido conhecimento de que contra ele tinha sido instaurada e fê-lo precisamente para fazer “transparecer” a ideia de que fora reposta a normalidade - no que parece ter tido algum acolhimento do tribunal a quo – dissimulando os propósitos fraudulentos, entre eles, senão o da apropriação da água, a sua distribuição a seu bel-prazer, num claro gesto de imposição de poder e imposição dos seus “costumes”.
13.ª Com o actual desfecho da providência cautelar, pese embora a matéria de facto provada, o Requerido como que fica “legitimado”, e de modo impune, para repetir, quiçá com consequências bem mais gravosas, tais comportamentos, sujeitando os Requerentes aos seus impulsos e vontades e a um ciclo vicioso de ações judiciais,
14.ª Sendo certo que resulta da decisão do Tribunal a quo, que o sentido e o alcance da providência cautelar não especificada fique destituído de qualquer utilidade, pois, qualquer infractor, em situação análoga, que quisesse “salvar-se” da condenação, bastaria, enquanto estivesse pendente, a reposição da situação que previamente havia violado, colocando, desta forma, em crise os princípios da certeza e segurança jurídica.
15.ª Abstraindo da não inversão do contencioso – apesar do tribunal o poder ter decretado - o perigo da demora de uma decisão da ação principal existe e existirá sempre e enquanto o Requerido puder, impunemente, usar/cortar/desviar a água (bem essencial) e enquanto não houver decisão judicial que o proíba.
15.ª O facto de o Requerido marido ter reposto, pelo menos em parte, a situação a que deu causa, - a “vozanheira” e o passador de ligação e regulação da água da Poça da …. para os prédios dos Requerente -, não significa que o periculum in mora tenha deixado de existir como indica o Tribunal a quo, pois os sucessivos comportamentos do Requerido no corte e condução da água da dita Poça só foram “travados” pelo facto de se encontrar pendente a providência cautelar.
16.ª Não obstante já se terem concretizados alguns danos, o perigo de novo corte/privação da água, pelo que resulta, além do mais, dos factos indiciariamente provados, é iminente e, salvo o devido respeito por melhor opinião, não vislumbram os Requerentes outro mecanismo para acautelar os seus direitos senão a providência cautelar comum, sob o risco de continuação e repetição dos actos.
17.ª Citando o mui douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de21.09.2017, “A situação de perigo deve apresentar-se como de ocorrência iminente ou em curso (desde que possam prevenir-se ainda novos danos ou o agravamento dos entretanto já ocorridos). “Estão, pois, fora da protecção concedida ao abrigo do procedimento cautelar comum as lesões de direitos já inteiramente consumadas, ainda que se trate de lesões graves. Porém, já nada obsta a que, relativamente a lesões continuadas ou repetidas, seja proferida decisão que previna a continuação ou a repetição de actos lesivos, v. g em casos de lesões no direito de personalidade...” A condição é que, trate-se de lesão iminente e que ainda não produziu danos ou de lesão consumada mas cuja persistência, continuação ou repetição se apresenta como suscetível de gerar novos danos ainda preveníeis, sempre, além das demais características, o receio daqueles ou destes devendo apresentar-se como fundado, “com objectividade e distanciamento, a seriedade e a actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo.”
18.ª Quanto ao requisito da concreta adequação pelo que se acabou de explicar, resulta claro que a providência cautelar, dado o perigo da demora e, pelo menos, a concreta aparência da existência do direito a acautelar, é adequada para assegurar a efetividade do direito ameaçado, não vislumbrando, os Requerentes, nesta fase, outro mecanismo para acautelar o seu direito, sendo certo que sobre os restantes requisitos, - [alíneas d) e e) do mui douto Acórdão] - o primeiro é reconhecido pelo Tribunal a quo, “a providência adequada neste caso é a providência cautelar não especificada”, e o segundo resulta, além do mais, dos factos indiciariamente provados, que o prejuízo da presente providência cautelar para o requerido não só não excede o dano que os requerentes através desta pretendem evitar como é nulo, (itens 1 a 38).
19.ª Posto isto, porque preenchidos todos os requisitos da providencia cautelar não especificada, deve ser decretada, assim prevenindo e impedindo, além do mais, os requeridos de estorvar, desviar, cortar, tamponar e/ou de impedir, seja de que modo e para que fim for, a circulação da água para e/ou a favor dos prédios dos I e II Requerentes, (Vide item 6 do pedido do requerimento inicial),
20.ª Pelo que, a sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou, entre outras, as normas jurídicas contidas nos artigos, 1305.º, 1306.º, 1251.º a 1263.º, 1287.º a 1297.º, 1314.º, 1315.º, 1344.º, 1386.º, n.º 1 al. a), 1389.º, 1390.º, 1400.º, 1547.º, 1563.º, al a) e b), 483.º, 562.º, 563.º, 564.º, 566.º, 490.º, 496.º, 497.º, n.º1 e 70.º, todos do Código Civil; art.º 7.º Código do Registo Predial e artigos 362.º, 363.º, 365.º e 368.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
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Foram apresentadas contra-alegações, pugnando os Recorridos pela manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).

No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões do Recurso interposto são as seguintes:

- Se deve ser modificada a decisão sobre a matéria de facto;
- Se deve ser alterada a subsunção jurídica de molde a considerar verificado o requisito do periculum in mora e decretar a providência na parte respeitante a prevenir e impedir os requeridos de estorvar, desviar, cortar, tamponar e/ou de impedir, seja de que modo e para que fim for, a circulação da água para e/ou a favor dos prédios dos I e II Requerentes, conforme pedido formulado em 6) do requerimento inicial.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos

3.2.1. Factos Provados

Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:

1) Os primeiros requerentes, (…) , são a viúva e únicos filhos, respectivamente de(…) , (doc. 1 a 7), o qual deixou diversos bens, entre eles, os seguinte imóveis e quotas-partes que se descrevem:

a)- O prédio urbano composto por casa de habitação, com seis divisões, e quintal anexo, sito no (…) a confrontar a norte com(…) , inscrito na matriz predial sob o artigo … e omisso na Conservatória de Registo Predial de (…) ;
b)- Prédio rústico, denominado “…”, composto por terreno de mato e pastagem, com a área de, sensivelmente, (há) 0,762000, sito no Lugar de (…) a confrontar do norte com(…) , inscrito na matriz predial sob o artigo …, e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º (…) (doc. 8, 12 a 13) e,
c) ½ indivisa do prédio Rústico, denominado “…”, composto por terreno de cultura arvense de sequeiro, com fruteiras e videiras em cordão, sensivelmente com a área de 0,312000 (ha), sito no Lugar de (…) a confrontar do(…) , inscrito na matriz predial sob o artigo …, e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º …
2) Os prédios referidos em 1 a) a c) encontram-se inscritos na matriz e registo predial, em nome de (…) – cabeça de Casal da herança de, e a favor dos requerentes, respectivamente, por sucessão hereditária sem determinação de parte ou direito.
3) O prédio urbano composto casa de habitação de rés-do-chão e andar, anexo de rés-do-chão para garagem, rossio e quintal, sito no (…) a confrontar norte com (…) , inscrito na matriz predial sob o artigo …, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º (…) , encontra-se registado a favor de (…) e marido, (…) ;
4) A ½ indivisa do prédio rústico, denominado “…”, composto por terreno de cultura arvense de sequeiro, com fruteiras e videiras em cordão, sensivelmente com a área de, sensivelmente, (há) 0,312000, sito no Lugar de (…) a confrontar norte com (…) , inscrito na matriz predial sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º (…) , encontra-se registado a favor de (…) e marido, (…) .
5) O prédio descrito em 1), al. a) constitui a casa de morada das Requerentes, (…) , onde também vive um neto da primeira, e o prédio descrito em 3) pertence aos segundos Requerentes, (…) , e marido, constituindo, de igual modo, a sua casa de morada.
6) Desde há mais de 10, 15, 20, 50 e 100 anos os primeiros e segundos requerentes, por si e antepossuidores estão no uso, gozo e fruição dos prédios com a composição que se refere supra, o que vêm fazendo em nome próprio, como verdadeiros donos e na convicção de que só a eles lhes pertence, habitando as casas e cultivando os terrenos, plantando e colhendo os seus frutos, ininterruptamente, à vista e com conhecimento de toda a gente, com exclusão de outrem e sem qualquer oposição de quem quer que seja.
7) O prédio urbano, composto por casa de morada, de rés-do-chão e 1.º andar, em pedra (patelas), com seis divisões, e quintal anexo, sito no(…) , a confrontar a norte com os(…) , inscrito na matriz predial sob o artigo … e omisso na Conservatória do Registo Predial de ..., encontra-se inscrito a favor dos requeridos;
8) O prédio rústico denominado “… ”, composto por terreno de pastagem e videiras em cordão, com a área de cerca de (ha) 0,161000, sito no Lugar de(…) , a confrontar do norte com(…) , inscrito na matriz sob o art.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … encontra-se registado a favor dos requeridos, por compra.
9) Os prédios identificados em 1 a) e c), 3) e 4) confrontam entre si e, o prédio descrito em 8) confronta a sul e Poente com os primeiros Requerentes, mais precisamente com o prédio denominado “…” na parte inferior deste (norte e nascente).
10) Os prédios rústicos identificados em 1), als.a) e c), 4) e 8) situam-se numa encosta com uma topografia em valados e socalcos e afectos, essencialmente, à cultura hortícola, arvense e pastorícia, embora o componham carvalhos, castanheiros, videiras e (outras) árvores de fruto.
11) O prédio rústico descrito em 8) composto por cerca de 4 leiras, em socalcos, encontra-se, no seu lado nascente a uma cota de nível superior à cota onde se situa a Poça e do lado poente/norte a uma cota de nível ligeiramente inferior à cota onde se situa a Poça, mas significativamente superior à cota dos prédios identificados em 1) a) e c) e de parte do prédio identificado em 1) al. b) e dos prédios descritos em 3) e 4).
12) No prédio denominado “…” existe uma Poça de depósito e retenção de água, conhecida, vulgarmente, “…” ou “Poça do …”, com profundidade de cerca 1,50 metros e largura de 5 metros
13) No prédio “…”, lado sul, junto do topo nascente, existe uma nascente (1) de água que dista cerca de 15 metros do prédio referido em 8), lado sul deste, e cerca de 50 metros do prédio rústico denominado “…”.
14) Na “…”, sentido sul/norte, existe outra nascente de água (2), paralela e a cerca de 10 metros da anterior, que também escoa na dita poça (2), sendo o uso/utilização/fruição e consumo.
15) Existe ainda outra nascente de água (3) no prédio “…”, imediatamente abaixo da primeira (1) nascente e a cerca de 5 metros desta, in casu, praticamente contígua à poça referida em 12).
16) As águas das nascentes, descritas em 13) a 15) correm desde as ditas nascentes, a “céu aberto”, através de regos com cerca de 20 a 30 cm. de largura e 20 a 30 cm. de profundidade e seguem/fluem, na parte inicial da sua extensão, na orientação sul/norte, em direcção à Poça descrita em 12).
17) Ligeiramente abaixo da Poça, existe ainda um espaço, contíguo a uma rocha, de grande volume, designado como 4.º ponto, a partir do qual se encontra um rego a céu aberto onde, principalmente nas ocasiões de maiores chuvas, as águas, então excedentes, se concentram e percorrem, a partir daí, parte do prédio “…” e o prédio dos segundos requerentes, em maior parte desse percurso, através de tubagem subterrânea e, no sobrante, se esvaem para o Rio.
18) Em 2003 a Poça, na altura ainda em terra batida, e parte da parede em pedra (no lado nascente em rocha), consolidada ao longo de mais de 30 a 50 anos, foi objecto de obras que se materializaram na construção e revestimento em cimento/betão de parte das paredes e numa pequena de parte da base (solo), respeitando, sensivelmente, a mesma área que tinha até então.
19) As obras referidas em 18) foram custeadas pela requerente(…) , sendo este quem executou as obras, os quais, então, usavam parte das águas captadas na Poça.
20) A requerente C. e marido e a requerente S. e marido suportaram maior montante que os demais consortes devido ao seu direito às águas mas, também, à maior amplitude da utilização/fruição.
21) Entre o lado externo da Poça, parte da frente desta, (norte) e as “…”, existem dois muretes em blocos, com cerca de 20 a 30 cm. cada, relativamente à cota do solo, que formam um rego, com meia cana de cimento, de igual dimensão e profundidade, no conjunto com cerca de 80 cm. de largura x 5 metros, que se prolonga a toda a largura da poça.
22) Imediatamente contíguo a essa faixa, compreendida pelo dito rego, encontra-se, uma das leiras, a do topo (atento sentido norte/sul), do prédio referido em 8).
23) Na parede da frente inferior da dita Poça existem duas aberturas, em forma de quadrado, cada com cerca de 30 cm., ambas tapadas com um sistema mecânico, de ferro, composto por uma tampa no lado interno, a toda a largura e altura, e uma barra em ferro no lado externo, (com cerca de 10 x 35 cm), interligadas por um ferro que as atravessa, em forma de parafuso, através do qual, com uma outra peça metálica, que acoplam, se regula, comprimindo e descomprimindo, a abertura e fecho da água, conjunto esse denominado, de “vozanheira”.
24) A abertura do lado esquerdo, especificamente, tem a função e é usada, com sistema mecânico semelhante – mas funcionando como comporta - para impedir que a água, principalmente em ocasiões de fortes chuvas, transborde as margens do limite superior das paredes da Poça, as descalce as terras, desgastando os valados, sendo, por conseguinte, regulada e, quando excedente, conduzida através do rego acabado de descrever (junto à dita rocha).
25) Na abertura do lado direito estava acoplado um tubo em plástico (tubo 1), pertencente aos primeiros requerentes, com 1 polegada que, ainda compreendido na área do primeiro murete, deriva para a direita, em forma de L, ao qual está fixado um passador (redondo), com uma ligação e derivação, em forma de i grego, (“Y”), a cerca de 20 cm. da saída do tubo, à qual é acoplado outro (tubo 2), pertencente aos Requerentes, com o seguinte percurso/orientação:

- 1 – tubo 1, até ao 4.º ponto (rocha descrita em…), onde se situa a dita rocha, e daqui, através da Sorte e Leira do … e da Leiras da … até à casa de habitação descrita em 1), al. a);
- 2 - tubo 2, até sensivelmente ao 4.º ponto (rocha descrita…), a cerca de 5 metros da dita rocha, que ladeia, atravessa a parte superior do prédio descrito em 8) juntando-se a um outro tubo, pertencente a (…) (tubo 3), cujo terreno propriedade deste também atravessa, bem como o caminho público, desta feita, de modo subterrâneo, até à casa de habitação dos segundos requerentes.
26) A partir dessa abertura, a água corre através dos tubos descritos em 26) e outro tubo 4 (tubo 4), pertencente aos requeridos a favor do prédio “Leiras da …”, que é acoplado adiante do “Y grego”, para uso como água de rega, limitado a parte das ditas águas, no período compreendido entre 1 de Junho a 01 de Outubro, aos Domingos e metade de sexta-feira, alternado com os segundos requerentes.
27) As águas dessas nascentes desde há mais de 70 anos e com o decorrer do tempo com maior amplitude a favor dos primeiros Requerentes, foi sempre regulada, utilizada e fruída por estes e pelos segundos requerentes, e também utilizada por (…) e, desde há cerca de 10 anos, pelos requeridos, após aquisição das “Leiras da (…) ”, nos seguintes termos:

a. Como água de rega: De 1 de Junho a 01 de Outubro:
- De segunda-feira, desde o pôr-do-sol, até ao pôr-do-sol de quarta-feira, a favor dos primeiros e segundos requerentes, que a partilham entre si;
- De quarta-feira desde o pôr-do-sol até quinta-feira até ao pôr-do-sol, a favor de A. F.;
- De quinta-feira, desde o pôr-do-sol, até ao meio dia de sexta, a favor dos II Requerentes, alternado com os Requeridos semana a semana;
- Sexta-feira, durante ½ dia, a favor dos segundos requerentes e requeridos, alternadamente;
- Desde o pôr-do-sol de sexta até ao pôr-do-sol de sábado a favor dos primeiros requerentes que alterna com os segundos requerentes semana a semana;
- De sábado desde o pôr-do-sol até domingo ao pôr-do-sol a favor dos Requeridos;
- De domingo desde pôr-do-sol até segunda ao pôr-do-sol a favor de C. A..
b. Como água de lima:
- De 1 de Janeiro a 31 de Maio e de 1 de Setembro a 31 de Dezembro: Durante 24 horas, a favor dos primeiros e segundos requerentes.
28) Desde há mais de 1, 10, 15, 20, 50, 100 e 200 anos, que a(s) dita(s) água(s) nasce(m) e corre(m) da forma descrita, atravessando os ditos prédios, originalmente através de regos a céu aberto e, mais tarde, desde 2003, pelos ditos tubos, sendo …, dessa forma, desde há mais de 40 anos, e, no caso dos primeiros e segundos requerentes, gradualmente com maior amplitude, aproveitada para regar e limar os seus prédios rústicos e consumo nos prédios urbanos, inclusive para satisfação das necessidades mais elementares, como cozinhar, lavar louça, tomar banho,
29) As casas de habitação mencionadas em 1), al. a e 3), al. a) não são servidos por rede pública.
30) Desde há mais de 1, 15, 20, 30, 50 e 100 anos, que os requerentes e requeridos por si e antepossuidores, utilizam a água referida poça que serve os prédios dos requerentes, nos períodos referidos em 26), com a condução inclusive, por intermédio de parte da “Leira da …” e, na convicção de exercerem um direito próprio delas retirando benefícios, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja.
31) No dia de carnaval de 2018 - 13.2.2018 - a água deixou de correr para os prédios dos requerentes, tendo constatado que o requerido marido havia cortado a ligação e passagem da água, junto à dita Poça, para o prédio dos requerentes e retirado todas as peças que compunham a dita “vozanheira”, deixando apenas no local os tubos soltos.
32) Antes do referido em 32), no dia 28.1.2018, pela manhã, o Requerido marido, retirou a ligação dos tubos, junto à poça, que conduziam a água para os prédios dos requerentes incluindo a casa de habitação.
33) Confrontado o Requerido sobre o sucedido, referiu que também ia retirar as mangueiras.
34) Foi alertado que a primeira requerente tinha a caldeira de aquecimento ligada, na casa de habitação, e a falta de água podia “rebentar” a caldeira, ao que o mesmo, respondeu, dizendo, “meta outra”.
35) Por volta de meados de Outubro de 2017, o Requerido marido, construtor de profissão, tentou extrair água num prédio pertencente a terceiro e a favor deste, a cerca de 500 metros do local em discussão, com a realização de um poço, junto a um veio de água que corria e servia um prédio de (…) , dono do Restaurante local “…”.
36) A requerente C. sentiu-se perturbada, nervosa, ansiosa.
37) Após a realização das obras referidas em18) os requerentes passaram a utilizar a água proveniente da Poça da … para uso diário.
- O Tribunal considerou ainda o seguinte facto que resultou da discussão da causa:
38) A “vozanheira” e o passador de ligação e regulação da água da Poça da … para os prédios dos requerentes foi reposta pelo requerido no dia 01 de Junho de 2018.
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3.1.2. Factos Não Provados

Inversamente, foi dada como indiciaramente não demonstrada a seguinte factualidade:

a) Os requerentes não têm outra forma de abastecimento de água para os seus prédios, uma vez que estes não têm ligação à rede pública de abastecimento de água.
c) Nas circunstâncias descritas em 32, o requerido marido aproveitou a água da poça o que ainda hoje sucede e fez sua a “vozanheira”;
d) Nas circunstâncias descritas em 31), o requerido marido apropriou-se do passador que permitia a ligação e regulação da água para os prédios dos requerentes.
e) A situação vertida em 34) além de impedir o abastecimento e consumo de água, regular e habitual, nas casas de habitação dos requerentes e o funcionamento normal do aquecimento está e vai implicar outras consequências, impedindo o cultivo dos prédios rústicos, de onde extraiam batata, feijão, cebola, cenoura e silagem para alimento dos seus animais, colocando, assim, também em risco tal cultivo.
f) O requerido marido foi advertido por diversas vezes durante o Verão de (2017) para retirar uns tubos ia a colocando na poça, por cima da parede, frente desta, através dos quais extraia a água, derivando-a, para um tanque (com cerca de 4 x 4 metros, e 1,50 m. de profundidade) que construíra na dita “Leira da ...”, a cerca de 20 metros da Poça.
g) Em consequência do descrito em 35), foi cortado durante um período a água que abastecia a casa de habitação do mesmo.
g) Os requeridos, passaram a servir-se e aproveitar eles próprios, e em exclusivo, da água oriunda das referidas nascentes, desviando-a para rega do seu prédio e outros fins e, em parte, esvaindo-a, pelo rego, para o rio Cávado.
h) As requerentes C., M. I., S. e M. M., têm sofrido inquietude e sérios incómodos.
i) A requerente C. sente perda de sono e tem crises de choro frequentes.
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3.2. O Direito

3.2.1. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto

Nos termos do artigo 662º, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Incumbe à Relação, como se pode ler no acórdão deste Tribunal de 7.4.2016 (disponível em www.dgsi.pt), “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.

Apesar disso, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova, essa operação não pode nunca olvidar os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.

Os Recorrentes consideram incorretamente julgados os seguintes factos:

- facto provado 30º, deve ser retirada a palavra “requeridos” que foi introduzida certamente por lapso;
- deveriam ter sido dados como provados os factos constantes dos pontos a), c), d), e), f) e g).

Quanto à retificação pretendida e que tem por objeto a redação do facto 30º, cremos assistir razão aos Recorrentes, devendo ser retirada a palavra “requeridos” que foi introduzida certamente por lapso.

Com efeito, tal não resulta do requerimento inicial, da oposição ou da produção de prova efetuada, desvirtuando a introdução da palavra “requeridos” o próprio sentido do facto.

Assim, neste ponto, a redação deverá ser:

“30) Desde há mais de 1, 15, 20, 30, 50 e 100 anos, que os requerentes, por si e antepossuidores, utilizam a água da referida poça que serve os prédios dos requerentes, nos períodos referidos em 26), com a condução inclusive, por intermédio de parte da “Leira da … ” e, na convicção de exercerem um direito próprio delas retirando benefícios, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja”.

Quanto à modificação da matéria de facto propriamente dita, vejamos se assiste razão aos Requerentes.

Começaremos por ter presente a motivação constante da decisão recorrida:

O Tribunal fundou a sua convicção, para toda a matéria ponderada, indiciariamente provada e não provada, no teor dos documentos juntos aos autos, relatório pericial de fls. 126 a 141, inspecção judicial ao local em litígio (na presença do Sr. Perito o qual prestou os esclarecimentos solicitados pelas partes; não se procedeu ao registo fotográfico, por acordo das partes, atento o facto do relatório pericial já incluir tais registos), depoimento de parte do requerido marido, declarações de parte da requerente, (…) e os depoimentos das testemunhas inquiridas, tudo analisado, conjugado e valorado de acordo com as regras da experiência comum.

Assim o Tribunal valorou as certidões das escrituras públicas de habilitação de herdeiros e partilhas, que constituem fls. 39 verso a 51, relativamente aos bens imóveis objeto das mesmas e suas características, cuja autenticidade não foi posta em causa.

O Tribunal valorou igualmente as certidões de casamento, nascimento e óbito que constituem fls. 19 a 28.

As certidões do registo predial e matriciais que constituem fls.23-24, 56-60 e 61 dos autos confirmam não só as descrições, com a composição, área e confrontações declaradas, relativamente aos prédios mencionados em 1), 3) e 8), e inscrições materiais, na competente Conservatória e Serviço de Finanças.

A convicção do Tribunal quanto à factualidade dada como provada sob os pontos 5), 6), 9) a 38) formou-se, para além dos factos admitidos por acordo das partes decorrente da falta de impugnação e da confissão dos factos que lhe são desfavoráveis quer nos articulados da causa, quer no depoimento de parte do requerido – cf. assentada constante da acta - na conjugação da documentação que constitui os autos, designadamente dos registos fotográficos, com os depoimentos das testemunhas, a percepção directamente obtida na inspecção judicial ao local, o relatório pericial e as regras da normalidade e da experiência comum.

A requerente (…) nas suas declarações descreveu, no essencial o alegado na petição inicial, quanto à composição e localização dos prédios, pertencentes aos requerentes e requeridos, localização e características da Poça da …, bem como das obras de melhoramento de que foi alvo em 2003, modo de captação, represamento, condução e aproveitamento das águas provenientes das nascentes existentes nas Leiras do … e armazenadas na Poça da …, modo de utilização da referida água.

Confirmou ainda as obras que foram realizadas na poça no ano de 2003 e os motivos pelos quais foi colocada a vozanheira (maior aproveitamento e rentabilização da água), referindo que foram os seus pais e a sua tia S. quem suportaram a maior quota parte da despesa, uma vez que faziam um uso maior da água.

Mais referiu que o requerido no dia de Carnaval retirou a vozanheira e o passador, tendo os requerentes, ficado sem água na habitação, admitindo que utilizam, quer no período de rega, quer no período de lima a água da poça para as respectivas habitações, uma vez que a que provem das outras nascentes que abastecem as casas não é suficiente. Mais referiu que foi alertado para esta situação e para o facto da caldeira do aquecimento poder “rebentar”, porém o mesmo referiu que colocassem outra caldeira. Esclareceu que a vozanheira e o passador foram integralmente repostos no dia 01 de Junho de 2018, tendo o período de rega decorrido dentro da normalidade.

Por seu turno a testemunha (…), trolha, residente em ..., referiu ser “consorte” das águas da Poça da …, acrescentando que o giro da água sempre foi respeitado, esclarecendo que só tem água no período de rega, não tendo, nem nunca teve no período de lima. Confirmou que executou as obras de melhoramento da poça da … em 2003 e teve conhecimento da conduta da requerida, tendo-se deslocado à Poça e verificado que tinha sido retirada a “vozanheira”.

A testemunha (…), sobrinho das requerentes … e … e primo dos restantes, referiu conhecer bem os prédios em causa, que as tias usavam a água da poça, quer no período de rega (dividindo com os restantes consortes), quer no período de lima. Mais referiu que ouviu dizer que o requerido queria a água de lima, acrescentando que no tempo em que ia para a Poça, a água não era utilizada para consumo doméstico.

A testemunha (…) , filho da requerente, (…) e neto da requerente, (…) confirmou que no domingo de Carnaval faltou água em casa e foi ele próprio ver a Poça tendo constatado que haviam sido retiradas as mangueiras. Disse à avó o que se passava e esta telefonou ao requerido que lhe disse que ia retirar a “vozanheira”, tendo-a retirado nesse dia. Mais referiu que a sua avó sentiu-se nervosa, ansiosa e perturbada face ao comportamento do requerido.

Referiu ainda que quer a sua avó quer a sua tia … utilizam a água da poça para fins domésticos, uma vez que a proveniente de outras nascentes e que abastece as casas não é suficiente.
A testemunha (…), confirmou no essencial o vertido em 35).
As testemunhas (…), referiram, no essencial, conhecer a Poça da (…) e o modo de utilização da água pelos respectivos consortes, acrescentando que, segundo afirmaram recordar-se a água era utilizada somente para rega e lima e não para o consumo doméstico, admitindo, no entanto, que não raras vezes as pessoas utilizavam as águas para consumo doméstico.
Por último a testemunha (…) referiu que já beneficiou da água da Poça da …, tinha ½ dia de água, mas já há muitos anos que a cedeu à sua irmã … , esclarecendo que somente tinha água no período de rega.

No que concerne aos factos indiciariamente não provados os mesmos foram assim considerados, face à ausência de prova sobre os mesmos, por quem lhe incumbia segundo as regras de distribuição do ónus da prova, neste caso os requerentes”.

Pois bem.

Dos depoimentos prestados e da demais prova produzida como é o caso do relatório pericial, não restam dúvidas que os Requerentes utilizam a água em questão para uso doméstico nas suas habitações. Foi, aliás, tal uso que determinou a realização das obras na Poça em 2003 e também a razão por que os Requerentes suportaram um maior montante que os demais consortes devido não só ao seu direito às águas mas, também, à maior amplitude da utilização/fruição das mesmas (facto provado nº20).

Também resultou demonstrado que as casas de habitação dos Requerentes são abastecidas por água de nascentes diversas e pela água da referida poça quando a dessas nascentes não é bastante para o consumo e necessidades pretendidas. Tal é que claramente resulta da prova pericial e das declarações da requerente (…), confirmadas pelo depoimento das demais testemunhas, com destaque para o depoimento de (…) , que referiu que quer a sua avó quer a sua tia … utilizam a água da poça para fins domésticos, uma vez que a proveniente de outras nascentes e que abastece as casas não é suficiente.

Acresce que, da conjugação da factualidade dada como provada sob os nºs 25, 29, 31, 32, 34 e 37 extrai-se que os Requerentes não têm outra forma de abastecimento de água, pois não têm ligação à rede pública.

Donde, o facto não demonstrado sob a alínea a), deverá considerar-se indiciariamente provado.

Consequentemente, demonstrado resulta que o corte da ligação e passagem da água para o prédio dos Requerentes impediu o abastecimento e consumo regular e habitual nas suas casas de habitação.

A demais factualidade impugnada já não resultou demonstrada, não se podendo afirmar que da circunstância de ter retirado a “vozanheira” e o passador de ligação da água, quiseram os Requeridos apropriar-se destes equipamentos e que de igual modo passaram a servir-se e aproveitar eles próprios, e em exclusivo, da água oriunda das referidas nascentes, desviando-a para rega do seu prédio e outros fins.

Em suma, assiste razão aos Recorrentes quanto à alienas a) e parte da e), mas já não quanto à demais factualidade não demonstrada.

Pelo exposto, à matéria de facto provada deverão ser acrescentados os seguintes factos (que serão excluídos do elenco dos factos não demonstrados):

39) Os requerentes não têm outra forma de abastecimento de água para os seus prédios, uma vez que estes não têm ligação à rede pública de abastecimento de água.
40) O corte da ligação e passagem da água para o prédio dos Requerentes impediu o abastecimento e consumo regular e habitual nas suas casas de habitação.
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3.2.2. Da subsunção jurídica

Entendeu o Tribunal a quo que, no caso, não se verificava o requisito do “periculum in mora” e, consequentemente, julgou improcedente o procedimento cautelar.

Fundamentou-se da seguinte forma:

“Tendo em consideração a factualidade indiciariamente provada acabada de expôr e atentos os requisitos previstos no artigo 366.º do NCPC, resulta à saciedade que os mesmos não se encontram preenchidos.

Na verdade, ainda que os requerentes tenham logrado provar - ainda que indiciariamente os direito de que se arrogam – direito de propriedade sobre os prédios em causa; direito de propriedade das águas e direito de servidão de aqueduto, o certo é que não lograram provar, desde logo, o periculum in mora.

Na verdade, os requerentes, através do presente procedimento cautelar pretendem uma tutela definitiva da sua situação. Veja-se, desde logo os pedidos formulados no petitório, próprios de uma típica acção declarativa. A este propósito veja-se o acórdão da Relação de Guimarães, de 21.09.2017, disponível em www.dgsi.pt “O procedimento cautelar não se confunde, quanto à sua natureza, regras e objecto, com a acção adequada a reconhecer um direito, a prevenir/reparar a sua violação ou a realizá-lo coercivamente. Naquele, não podem ser formulados, apreciados e decididos pedidos próprios de uma acção declarativa.”

Aliás, diga-se ainda que aquando da produção de prova testemunhal a situação estava já reposta e só mesmo a relutância dos requerentes impediu a obtenção de uma solução de consenso nos presentes autos, derivada do facto dos segundos requerentes não aceitarem o facto do requerido ter igualmente direito, no período de rega, a uma manhã ou tarde de água às sextas feiras, alternada com aqueles, adquirido, ainda que verbalmente, e que estes, actualmente colocam em dúvida.

Neste segmento deverá o presente procedimento cautelar ser julgado improcedente, ficando prejudicada a apreciação dos pedidos respeitantes à indemnização por danos e à fixação de sanção pecuniária compulsória.”

Vamos, então, deter-nos sobre este requisito do periculum in mora, já que em causa não está o direito dos Requerentes.

Demonstrado um direito, consubstanciado na elementar probabilidade da sua efetiva existência, a demonstração do perigo da sua insatisfação, traduz-se no fundado receio que a demora natural da tramitação do pleito cause um prejuízo grave e de difícil reparação. Não é, pois, qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória. Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm essa virtualidade – neste sentido, Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, pag. 101.

Por outro lado, a situação de perigo deve apresentar-se como de ocorrência iminente ou em curso e, neste caso, desde que possam prevenir-se ainda novos danos ou o agravamento dos entretanto já ocorridos. Extrai-se daqui que estão fora do âmbito de proteção de um procedimento cautelar as lesões de direitos já inteiramente consumadas, ainda que se trate de lesões graves, porém, como adianta Abrantes Geraldes, “já nada obsta a que, relativamente a lesões continuadas ou repetidas, seja proferida decisão que previna a continuação ou a repetição de actos lesivos” – obra e local citado.

O cariz excecional de um procedimento cautelar, dada a sua natureza indiciária e provisoria, obriga a que seja usado apenas em situações de urgência e verdadeira necessidade, e só mesmo quando a ação de que é dependente não possa, atempadamente, apreciar e tutelar o pedido do interessado. Pretende-se, em suma, que a tutela cautelar, por natureza provisória e sumária e dotada de menores garantias de segurança quanto ao preenchimento dos requisitos de facto e de direito, fique reservada para situações em que se anuncie o perigo de ocorrência daquelas lesões decorrente da tramitação do processo principal.

Revertendo ao caso sub judice, ressalta da factualidade apurada que no dia de Carnaval (13.2.2018) a água deixou de correr para o prédio dos Requerentes, tendo estes constatado que o Requerido marido havia cortado a ligação e passagem de água; antes de tal situação, concretamente no dia 28.1.2018, o Requerido marido, retirou a ligação dos tubos junto à poça que conduziam a água para os prédios dos Requerentes, incluindo para a casa de habitação; confrontado sobre o sucedido, referiu que também ia retirar as mangueiras; foi ainda alertado de que a primeira Requerente tinha a caldeira de aquecimento ligada e que a falta de água podia “rebentar” a mesma, ao que o mesmo respondeu, dizendo, “meta outra” (factos 31 a 34).

Os Requerentes usam a água para fins domésticos e não têm outra forma de abastecimento de água para os seus prédios, uma vez que estes não têm ligação à rede pública de abastecimento de água. A atuação dos Requeridos, impediu o abastecimento e consumo de água, regular e habitual, nas casas de habitação dos Requerentes.

É certo que o Requerido repôs o equipamento mecânico permitindo que a água seguisse o seu curso, mas fê-lo quando a providência cautelar já se encontrava pendente e após ter tido conhecimento de que contra ele tinha sido instaurada.

Evidencia-se ainda que nada nos autos permite inferir que o ato não se venha a repetir. Desde logo, desconhece-se a razão por que o Requerido marido, afinal, resolveu repor o equipamento mecânico que confessadamente retirou da Poça, impedindo a passagem da água.

Não obstante tenha sido reposta a situação, nem assim se pode afirmar que a providência cautelar ficou destituída de qualquer utilidade, pois que existe a possibilidade e probabilidade da repetição do ato.

Apresenta-se, ressalvado o devido respeito, legitima a conclusão extraída pelos Recorrentes quando avançam que assim qualquer infrator, em situação análoga, que quisesse “salvar-se” da condenação, bastaria, enquanto estivesse pendente, a reposição da situação que previamente havia, reiteradamente, violado, colocando, desta forma, em crise os princípios da certeza e segurança jurídica. (…) O perigo da demora de uma decisão da ação principal existe e existirá sempre e enquanto o Requerido puder, impunemente, usar/cortar/desviar a água e enquanto não houver decisão judicial que o proíba.

Não está afastada a possibilidade de repetição do ato pelos Requeridos.

Tal possibilidade, demanda a adoção de medidas tendentes a evitar o prejuízo cujo conteúdo em face dos antecedentes verificados já se conhece.

Porque assim, a possibilidade de repetição do ato apresenta-se como suscetível de gerar novos danos ainda preveníveis, sendo o receio fundado, em termos sérios e objetivos, sendo o mecanismo para acautelar o direito dos Requerentes a providencia cautelar requerida sob o ponto VI do seu pedido.

Em conclusão, assiste aos Requerentes a faculdade de acautelarem o seu direito à água, pedindo a condenação dos Requeridos, até à decisão da ação principal, de se absterem de estorvar, desviar, cortar, tamponar e/ou de impedir, seja de que modo e para que fim for, a circulação da água para e/ou a favor dos prédios dos I e II Requerentes.

Termos em que, nesta parte, procede a apelação.
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IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida que se substitui por outra que julgando parcialmente procedente o procedimento cautelar determina que os Requeridos se abstenham de estorvar, desviar, cortar, tamponar e/ou de impedir, seja de que modo e para que fim for, a circulação da água para e/ou a favor dos prédios dos I e II Requerentes.
No mais peticionado absolvem-se os Requeridos.
Custas da apelação pelos Requeridos e da instância por ambas as partes na proporção de metade.
Guimarães, 9 de Maio de 2019

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes
2º Adj. - Des. Heitor Gonçalves