Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
297/19.2T8PTL-A.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: ALTERAÇÃO OU AMPLIAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
ARTICULADO SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I É admissível a alteração ou ampliação da causa de pedir com base na alegação de factos supervenientes.
II Dos artºs. 265º, nº. 1, 588º e 611º, nºs. 1 e 2, do C.P.C., resultam as seguintes possibilidades:
-alteração ou ampliação da causa de pedir em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor, devendo ser apresentada a aceitação da confissão em 10 dias e simultaneamente ou nos 10 dias seguintes apresentada a alteração ou ampliação;
-se a alteração ou ampliação implicarem a alegação de factos novos supervenientes, deve ser apresentada nos prazos previstos no artº. 588º, consequência ou não de confissão;
-porém se o facto que serve de fundamento à alteração ou ampliação é alegado pelo réu em sede de impugnação indireta, esse facto nem serve para fundamentar essa alteração ou ampliação, nem pode ser atendido ao abrigo da superveniência prevista no artº. 588º do C.P.C..
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO.

Os presentes autos de ação declarativa foram propostos por B. J., solteiro, maior, contribuinte n.º ………, residente na Rua … Ponte de Lima contra Banco ... SA, NIPC ……… com sede na Rua … Lisboa e Banco ... Seguros – companhia de seguros de vida SA, NIPC ………, com sede na -rua … Lisboa.

Trata-se de uma ação de condenação, com base em incumprimento contratual, pedindo o A. que:
-sejam o Réu e a Ré solidariamente condenados a pagar ao Autor a quantia de 18.100,79€ (dezoito mil e cem euros e setenta e nove cêntimos), a título de indemnização por violação dos deveres contratuais e legais previstos no código de valores mobiliários e na apólice individual, sendo:
• 7.040,24€ (sete mil e quarenta euros e vinte e quatro cêntimos) de capital,
• 8.060,55€ (oito mil e sessenta euros e cinquenta e cinco cêntimos) de retorno do investimento, calculado à taxa de 3,50%,
• indemnização pelos danos morais no valor de 3.000,00€ (três mil euros);
-tudo acrescido de juros de mora à taxa legal calculados desde a data de vencimento do investimento (27 de Março de 2017) até efectivo e integral pagamento;
-caso assim não se entenda, sejam as RR condenadas e pagar solidariamente ao Autor a quantia de 3.000,00€ (três mil euros) a título de indemnização, acrescida de juros à taxa legal desde a citação e até efectivo e integral pagamento e seja a segunda Ré condenada a pagar ao Autor, a indemnização global no valor de 15.100,79€ (quinze mil e cem euros e setenta e nove cêntimos) por violação dos deveres contratuais e legais previstos no código de valores mobiliários e na apólice individual, sendo 7.040,24€ de capital, 8.060,55€ de retorno de investimento, calculado à taxa de 3,50% e ainda os juros de mora calculados desde a data de vencimento do investimento (27 de Março de 2017) até efectivo e integral pagamento sem prejuízo do peticionado quanto à condenação das Rés pela indemnização por danos morais, no valor de 3.000,00€ (três mil euros); deverá a segunda Ré ser condenada a pagar ao Autor a quantia de 11.719,00€ (onze mil setecentos e dezanove euros), sendo 7.040,24€ (sete mil e quarenta euros e vinte e quatro cêntimos) de capital e 4.678,76€ (quatro mil seiscentos e setenta e oito euros e setenta e seis cêntimos) que corresponderia 103,975% do valor recuperado, se tivesse sido peticionado o reembolso antecipado, tudo acrescido de juros calculados à taxa legal desde a data de vencimento dos investimentos e até efectivo e integral pagamento;
-ainda sem prescindir, mas se por mera hipótese se entender não ser admissível qualquer dos pedidos supra formulados, sempre deverá a segunda Ré ser condenada a restituir ao autor a quantia de 1.477,74€ (mil quatrocentos e setenta e sete euros e setenta e quatro cêntimos) correspondente à diferença de peso dos activos, conforme indicado na carta de 4 de Janeiro de 2018, acrescida dos juros de mora à taxa legal contados desde a data de vencimento do investimento e até efectivo e integral pagamento.

Para o efeito, e destacando apenas o que interessa para a decisão em apreço neste recurso, alega em síntese que:

- é titular de uma conta no 1ª R. e que no ano de 2012 um dos seus colaboradores sugeriu-lhe que fizesse umas aplicações de parte dos seus rendimentos num produto denominado “Rendimento trimestral Fevereiro 2012”, que seria uma apólice de seguro ligado a um fundo de investimento, denominado Instrumento de captação de Aforro estruturado (ICAE), com duas componentes, um depósito a prazo e o investimento em obrigações, na proporção de até 70% em depósito a Prazo do Banco ... e até 30% de obrigações da X T. (cfr. até ao artigo 9º da p.i.); mais assegurou que o investimento era praticamente tão seguro como um depósito a prazo, até porque sabia que o Autor nunca tinha investido em produtos com risco associado; e assegurou ao Autor que o tipo de produtos em causa vivia um período de grande valorização, que o risco associado era praticamente nulo (cfr. até artigo 14º); o A. confiou e fez o investimento nos termos que consta dos artigos 16º a 19º;
- no âmbito das mencionadas apólices a segunda Ré obrigou-se a durante o prazo de investimento, pautar-se, relativamente ás políticas de investimento e na aplicação do Fundo de investimento por uma gestão sã e prudente; mais se comprometeu a prosseguir objetivos de prudência, risco e rentabilidade, procurando evitar risco de perdas e aplicar rigorosos critérios de segurança, não obstante o risco do investimento recair sobre o Autor (cfr até 22º da p.i.).
- sucede que o A., dos 45.000,00€ que investiu, recebeu apenas 37.959,75€, verificando-se uma perda de 7.040,24€ de capital, e da totalidade do retorno respetivo (cfr. até 25º);
- ao Autor, foi dito, antes da contratação das apólices que parte dos ativos representativos do fundo de investimento eram compostos por obrigações da T., o que deu ao Autor a convicção da segurança do investimento, tal como lhe foi transmitido pelo colaborador bancário –cfr. artigos 26º e 27º;
- em meados de 2016 o A. teve acesso a informações relativas a investimentos feitos por bancos Portugueses, entre os quais o Banco ..., relacionados com a T., com indicação de que eram investimentos altamente expostos, mas associado aos Produtos T. Internacional Finance (XIF); contatado o gestor, este disse-lhe que o seu produto era da X mas consultada a 2ª R. esta disse que o seu produto era da XIF (cfr. até 34º);
- o A. pediu o reembolso do produto junto do 1º R. e foi-lhe dito que não podia (até 37º);
- em janeiro de 2017 face à situação, a 2ª R. disse-lhe que não se preocupasse, que tudo seria resolvido (até 39º);
- nenhuma das Rés informou o Autor que a entidade emitente das obrigações foi alterada, pois quando o Autor investiu, informou o gestor que apenas o fazia por se tratarem de obrigações X T., empresa com um rating elevado –artigo 51º; se por mera hipótese imaginasse que tal circunstância poderia ser alterada, não teria em momento algum investido no produto –artigo 52º; ora, em março de 2014 a emitente das obrigações deixou de ser a X T. e passou a ser T. International Finance (XIF) –artigo 53º; e em 2015, já havia indicadores de que o rating da XIF, havia alterado e de que passou a ser um produto altamente exposto -54º; acresce que, foi possibilitado, sensivelmente entre Junho e Outubro de 2015 o reembolso antecipado das obrigações/cupões da XIF, facto do qual o Autor nunca foi informado -55º;
- o Autor, dirigiu-se várias vezes à Agência do Banco ..., manifestando preocupação e questionando se não poderia dar instrução de reembolso antecipado das suas obrigações, (porém nessa altura já tinha decorrido o prazo de antecipação concedido, do qual não tomou conhecimento atempadamente); e foi-lhe dito que não tinha poder de decisão, que só a segunda Ré poderia pedir o reembolso antecipado; foi-lhe dito que as informações veiculadas pela segunda Ré eram de que não pretendia pedir o reembolso (cfr. até 60º) (…).
Fundamente o seu pedido na violação dos ditos deveres de informação.
Contestaram os R.R., pedindo a sua absolvição.

Diz o 1º R. em suma que:

- em 31 de janeiro de 2012, o AUTOR subscreveu quatro propostas de apólices de um seguro financeiro estruturado do tipo unit-linked, mais concretamente um seguro ligado ao Fundo de Investimento Rendimento Trimestral Fevereiro 2012 (o FUNDO); o A. realizou tal investimento, no montante total de € 45.000,00, de forma livre e esclarecida e bem ciente do risco que comportava;
-sucede que não tem razão o A. porque, além do mais e para o que aqui interessa, o emitente das obrigações que compunham o Fundo de Investimento associado ao seguro subscrito pelo A. nunca se alterou; o A. nunca teve qualquer direito a reembolso antecipado das obrigações desde logo porque não detinha quaisquer obrigações X (pelo menos ao abrigo do produto financeiro em causa nos presentes autos); não houve qualquer substituição do emitente das obrigações que compunham, em parte, o FUNDO; o que sucedeu foi que, em 2014, com o negócio entre o Grupo X e a Y, a emitente foi integrada no Grupo Y, desde logo porque todo o Grupo X foi integrado no Grupo Y; só mais tarde, com a posterior restruturação do Grupo Y, é que as obrigações perderam parte do seu valor de mercado (mas nem sequer perderam todo o valor);
- assim, os 30% a que se refere a p.i. respeitam a obrigações do Grupo T., com o ISIN ………, não se aceitando a menção “X T.” – expressão que inexiste no contexto dos autos);
- e reitera que não é verdade, como alega o A., que tenha havido alteração de emitente das obrigações que compunham o Fundo; é que as obrigações que compunham o activo do Fundo Autónomo de Investimento afecto ao seguro subscrito pelo A. eram obrigações emitidas pela XIF, empresa do Grupo X, e garantidas pela T. SGPS, S.A, holding do Grupo X; eram pois obrigações da T. International Finance (XIF), na qualidade de emitente, e obrigações da T. SGPS, S.A., na qualidade de garante.
Mais diz e com relevo para os autos que “As obrigações estavam, de resto, identificadas nas apólices pelo seu ISIN (sigla de International Securities Identification Number)(4), um número que identifica o exacto valor mobiliário e que funciona como um seu “bilhete de identidade”.
*
Na data designada para audiência prévia veio o A. apresentar articulado superveniente em que alega:

-resulta confessado na contestação apresentada pelo Réu Banco ..., nomeadamente nos artigos 127 a 135, o que não mais poderá ser retirado que as obrigações que compunham o activo do fundo autónomo de investimento sempre foram XIF; ou seja, confessa o Réu que nunca houve alteração de emitente; tal facto, não era de todo do conhecimento do Autor, pois que o mesmo estava convicto que existiu efectivamente alteração do emitente, como aliás decorre da sua petição inicial; se tivesse sabido, de tal facto no momento da contratação, nunca teria subscrito o produto em causa, aliás o mesmo confessa na petição inicial que só subscreveu o produto por ser X T. e não uma das empresas do grupo, como é, ou era, a XIF; ambos os Réus ocultaram ao autor tal informação, a Ré Seguradora, não tinha essa indicação clara nos documentos e o réu Banco ... nunca informou o Autor que as obrigações eram XIF; o Réu Banco ..., ao apresentar e incentivar o Autor a contratar aquele produto, ocultou deliberada e conscientemente que as acções não eram da X T., pois, sabia identificar os códigos ISIN, constantes das apólices, já os clientes não possuem conhecimentos para isso, ainda que tenham formação superior, e o Autor não fazia, como não faz, a mínima ideia do que os mesmos significam e obviamente confiou no que lhe foi transmitido; tal facto foi determinante na decisão do Autor de contratar o produto que lhe foi sugerido.

Conclui o A. dizendo na parte relativa aos pedidos, além do mais, que devem:

“Serem o Réu e a Ré solidariamente condenados a pagar ao Autor a quantia de 18.100,79€ (dezoito mil e cem euros e setenta e nove cêntimos), a título de indemnização por violação dos deveres pré contratuais, contratuais, e legais previstos no código de valores mobiliários e na apólice individual.

Notificados os R.R. ao abrigo do disposto no artº. 588º, nº. 4, C.P.C., veio o 1º R. opôr-se alegando que: O A. alega que houve uma alteração do emitente, que não foi comunicada; o 1.º R. nega esse facto, dizendo que nunca houve alteração do emitente, tendo o emitente sido sempre o mesmo. Por isso, no seu articulado superveniente, vem o A. alterar a sua causa de pedir; nos termos do articulado superveniente, a causa de pedir não é já a omissão de um facto posterior à decisão de investimento (alteração do emitente) mas antes a violação deveres de informação anteriores ao investimento (informação sobre o produto adquirido); o A. diz agora que os RÉUS o induziram em erro relativamente ao objeto do negócio, que o Autora pensava ser X T. mas era, afinal, T. International Finance; mais diz que esta alteração não é admissível, porque:
-não há confissão, mas negação do articulado pelo A.; nem esse facto em causa é próprio do R., e de que possa dispor;
-a aceitação da suposta confissão seria extemporânea porque não foi apresentada em articulado nos 10 dias seguintes à contestação do 1º R.;
-a ser tida como confissão, teria de ser aceite toda a matéria em causa, ou seja, quando o RÉU declara que o emitente das obrigações sempre foi a XIF também declara que as obrigações eram garantidas pela T. SGPS, S.A., e, nessa medida, eram obrigações do Grupo X; como consequência, a confissão na parte em que é favorável ao Réu tem como consequência a inversão do ónus da prova.

O articulado superveniente também não é admissível porque:

-o A. funda a admissibilidade do seu articulado superveniente na alegada superveniência subjetiva, ou seja, de que o seu conhecimento do facto constitutivo do direito era superveniente; sucede que por carta de 4/2/2018 o A. foi informado do facto em causa, logo antes da propositura da ação; a ser assente na confissão, tal não colhe, já que a confissão é um meio de prova e não um facto superveniente; acresce que o A. não juntou qualquer meio de prova da superveniência.
*
Sobre a matéria em questão foi proferido despacho que decidiu admitir o articulado superveniente apresentado pelo autor, bem como, a ampliação da causa de pedir aí operada pelo mesmo.
*
Inconformado, veio o R. Banco... S.A. interpor recurso apresentando alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES-

1. O presente recurso tem por objecto o despacho proferido pelo Tribunal a quo que decidiu “admitir o articulado superveniente apresentado pelo autor, bem como, a ampliação da causa de pedir operada pelo mesmo”, em violação da lei aplicável, devendo ser revogado.
2. Em primeiro lugar, o articulado superveniente apresentado pelo AUTOR não é legalmente admissível, porquanto incumpre os pressupostos previstos no artigo 588.º do CPC.
3. O AUTOR alega superveniência subjectiva porquanto o facto «de que as obrigações que compunham o activo do fundo autónomo de investimento sempre foram XIF» foi confessado pelo RÉU e que o AUTOR não tinha, de todo, conhecimento de tal facto (cfr. artigos 1.º a 3.º do articulado superveniente).
4. Contudo, quer na petição inicial, quer no requerimento de resposta às excepções já o AUTOR admitia expressamente ter tido conhecimento que a XIF era, e sempre foi, o emitente das obrigações.
5. Para além disso, a prova junta aos presentes autos pelo próprio AUTOR afasta tal superveniência.
6. Da carta datada de 4 de Janeiro de 2018, junta aos autos pelo Autor, resulta que o AUTOR foi informado que a carteira do Fundo em que havia investido incluía os activos: Banco..., S.A. e T. International Finance B.V (obrigações XIF).
7. Vale isto por dizer que o Autor poderia ter configurado a presente acção, logo desde início, com base nos factos alegados no articulado superveniente.
8. Em segundo lugar, a alteração do pedido e da causa de pedir não é legalmente admissível.
9. De facto, a lei prescreve vários requisitos para a alteração do pedido e da causa de pedir nos n.º 1 e 2 do artigo 265.º do CPC e nenhum estava verificado no presente caso.
10. Primeiro, não houve qualquer confissão do RÉU, ou seja, o RÉU não reconheceu qualquer facto alegado pelo AUTOR que lhe fosse desfavorável.
11. Pelo contrário, o RÉU impugnou o facto essencial à causa de pedir.
12. Perante a alegação do Autor de que o emitente foi alterado, veio o RÉU na Contestação impugnar esse facto, dizendo que o emitente nunca foi alterado: trata-se de absoluta negação do alegado pelo AUTOR.
13. Segundo, a confissão tem de se debruçar sobre determinado facto alegado pelo Autor, o que não é o caso.
14. O facto em causa tem que ver, como vimos, com a alteração (ou não) de emitente e a sua comunicação pelo Réu ao Autor.
15. Se a causa de pedir do Autor se baseia numa alegada alteração de emitente não comunicada (independentemente de não existir dever de a comunicar) é em face desses factos que o Tribunal deveria apurar se a alegação do Réu configura ou não uma confissão.
16. Pelo que o Tribunal a quo não podia era aceitar o facto contrário ao alegado pelo Autor – ou seja, que o emitente não foi alterado - e chegar à conclusão de que há confissão do Réu.
17. Terceiro, nos termos do disposto no artigo 353.º do CPC, a confissão só é eficaz quando feita por pessoa como capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira, o que não é o caso.
18. De facto, o facto pessoal atinente ao Réu que poderia ser alvo de confissão era a comunicação ou prestação de informação sobre o emitente ao Autor e não um facto relacionado com a alteração de emitente.
19. Acresce que, mesmo que se entendesse que teria havido confissão, o que não se concede, sempre se diria que a sua aceitação pelo Réu teria sido extemporânea.
20. Com efeito, a “alegada confissão” teria sido feita pelo RÉU na sua Contestação apresentada em juízo a 9 de Maio de 2019, logo, a aceitação, ainda que por simples requerimento, deveria ter sido efectuada logo no prazo de 10 dias após a suposta confissão, em cumprimento do prazo supletivo previsto no artigo 149.º do CPC.
21. Sendo certo que o AUTOR sempre poderia – e deveria – ter aceite a confissão no requerimento de resposta às excepções apresentado a 13 de Junho de 2019.
22. Não o fez no devido prazo, sibi imputet.
23. Por fim, também a ampliação do pedido formulada pelo AUTOR, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 265.º do CPC, não é admissível e, na verdade, gera a cumulação de pedidos incompatíveis entre si.
24. Primeiro, o novo pedido não é um mero desenvolvimento nem consequência do pedido primitivo; pelo contrário, o pedido ampliado é completamente independente do pedido e assenta em causa de pedir diversa.
25. Segundo, a ampliação do pedido fez com que o pedido se tornasse incompatível em si mesmo.
26. Em bom rigor, o pedido ampliado, tal como configurado pelo Autor na petição inicial e no articulado superveniente é contraditório e incompatível, porque:
a) Ou há responsabilidade por violação de deveres de informação pré-contratuais porque, alegadamente, o Réu, em momento prévio ao investimento, não informou o Autor que o emitente era a XIF (sem conceder);
b) ou há responsabilidade por violação de deveres de informação posteriores ao investimento, porque o emitente foi alterado e o Réu não informou o Autor da alteração (sem conceder).
27. Na verdade, os factos em que assenta o pedido são diametralmente opostos: ou o eminente foi sempre o mesmo e o Réu não informou na data da subscrição; ou o emitente alterou-se, em momento posterior ao investimento, e o Réu não informou da alteração, sendo certo que cada um desses factos gera um tipo de responsabilidade diversa.
28. O pedido ampliado impede a procedência do pedido primitivo já que, em rigor, configura um novo pedido, completamente independente e assente em causa de pedir diversa, e que é contraditório do pedido primitivo.
29. Em face da procedência do presente recurso e da consequente revogação do despacho de admissão do articulado superveniente, deverá tal tema da prova referido na alíena a) do despacho de enunciação dos temas da prova ser eliminado dos temas de prova a produzir.

Termina pedindo a procedência do recurso de apelação, com a revogação da decisão recorrida e desentranhamento do articulado superveniente. E ainda e consequentemente com a eliminação dos temas da prova do que se refere a “conhecimento pelo réu Banco ..., S.A. que era condição do investimento realizado pelo autor ser a X T. a emitente das obrigações” anteriormente selecionado pelo Tribunal.
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O A. apresentou contra-alegações, constando as seguintes
-CONCLUSÕES-

1. O Recorrido nunca disse nos seus articulados, não saber que as obrigações eram XIF, mas só disso tomou conhecimento, em meados de 2016, quando surgem as notícias sobre a Y e a T. e falam sobre as alterações de emitente das obrigações, nas quais o próprio Banco ... havia investido; porém, o recorrido, sempre ficou convencido, até pelos esclarecimentos que lhe foram prestados, que o produto em que investiu era composto ab initio por obrigações T. e que essas sofreram, tal como noticiado, alteração de emitente, para a XIF, pelo que não poderia configurar a acção com base num facto que ele próprio desconhecia.
2. o Recorrido, ao aperceber-se, já em 2016 que o investimento que fez estava canalizado em obrigações XIF (mas sempre no pressuposto que não o eram inicialmente) procurou diligenciar junto do banco para uma das soluções que estavam a ser veiculadas, nos media.
3. Ora, quando o Recorrente assume, confessa, que o emitente foi sempre a XIF, obviamente há um dado novo no processo que carece de ser alegado pelo Recorrido em seu beneficio e que muda obviamente a configuração da acção.
4. Até porque o Recorrido sempre referiu que contratou por achar ser o emitente das obrigações a T. e se por mera hipótese soubesse que era a T. Internacional Finance não tinha sequer contratado.
5. Mesmo quando o funcionário do banco lhe disse que as obrigações não eram T., o Recorrido, não colocou a hipótese de nunca terem sido, aliás esse facto nos parece discorrer de forma clara da petição inicial, nos artigos 47.º, 51.º a 53.º, 66.º, 79 e 6.º do articulado de resposta às exceções.
6. O Recorrido não tenta emendar coisa nenhuma, pretende sim, carrear para os autos factos essenciais à boa decisão da causa e cujo conhecimento advém da contestação apresentada pelo Recorrente.
7. No âmbito da contestação apresentada, a par da impugnação, o Recorrente alega vários factos, um facto, é uma realidade pré-jurídica, que cria modifica ou extingue os direitos e as obrigações, os factos são objecto de prova por documentos, testemunhas, perícias, confissão.
8. Se é certo que o Recorrente nega absolutamente o alegado pelo Recorrido, certo é também, que confessa um facto que o favorece. Cf acórdão da Relação do Porto de 18.05.2017.
9. O alegado no artigo 10.º tem de ser interpretado no contexto quer da petição inicial, quer no que vem alegado no próprio articulado de resposta às excepções e, tal alegação, vem na sequência da (convicta) alteração do emitente e não no facto de o Recorrido já saber que o emitente sempre foi a XIF, porque não é isso que resulta dos indicados articulados.
10.O articulado é apresentado em tempo, a prova decorre dos próprios autos, pois o articulado superveniente é oferecido na audiência prévia quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao seu encerramento.
11.Eo Recorrido, após aceitar a confissão da Recorrente e não após a alegação da matéria que consubstancia a confissão, tinha dez dias para apresentar o articulado superveniente, o que fez.
12.Pelo que, cremos, não tinha o recorrido de apresentar o articulado superveniente e nem aceitar a confissão no momento em que respondeu às excepções porque apenas foi notificado para aquele fim exclusivo.
13.De resto, remetemos para o despacho recorrido, que deve manter-se.

Termina dizendo que deverá improceder o recurso apresentado e manter-se o despacho de que se recorre.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.
Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se:
-o articulado superveniente apresentado pelo A. é admissível, bem como a operada “ampliação da causa de pedir”.
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III MATÉRIA A CONSIDERAR.

A matéria a considerar é a que consta do relatório “supra” e que por isso não se vê necessidade de aqui reproduzir, passando apenas a acrescentar-se a motivação do tribunal recorrido para melhor alcance da questão.

Assim, pronunciou-se no despacho recorrido nos seguintes termos:

“(…) Estipula o n.º 1 do artigo 588.º do Código de Processo Civil que “os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão”.
O articulado superveniente visa permitir que a sentença a proferir corresponda o mais aproximadamente possível à situação existente no momento do encerramento da discussão (cfr. artigo 611.º do Código de Processo Civil) e serve apenas para carrear para os autos os factos essenciais/constitutivos do direito alegado a que alude o artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, devendo, ao invés, ser liminarmente rejeitado, por inútil, caso se socorra a parte do mesmo para a alegação de factos instrumentais, na medida em que não carecem os mesmos de ser alegados para que possam ser considerados pelo Juiz (cfr. n.º 2, do citado artigo 5.º).
Por outro lado, nos termos do n.º 2 do aludido artigo 588.º “dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência”.
In casu, alegou inicialmente o autor, além do mais, que quando realizou o investimento financeiro em questão nos autos, informou o gestor que apenas o fazia por se tratarem de obrigações da X T., mais alegando que em Março de 2014 a emitente das obrigações deixou de ser a X T. e passou a ser a T. Internacional Finance (XIF), circunstância que caso tivesse sido do conhecimento do autor o teria levado a não realizar o aludido investimento.
Na contestação que apresentou, alegou o réu Banco ..., S.A. que o emitente das obrigações, ao contrário do alegado na petição inicial, sempre foi a XIF, nunca tendo havido alteração do emitente das obrigações em causa.
São precisamente estes os factos que o autor pretende vir agora alegar, em sede de articulado superveniente.
Ora, os factos em questão (atinentes à entidade emitente das obrigações nas quais foi realizado o investimento pelo autor), são inequivocamente modificativos do direito indemnizatório de que se arroga titular o autor, na medida em que se revelam susceptíveis de consubstanciar a violação pelos réus dos deveres pré-contratuais a que estavam adstritos, grosso modo, o dever de informar o autor acerca do produto financeiro no qual estava a investir, factos estes que não foram inicialmente alegados pelo autor na petição inicial, na qual fundou o peticionado (apenas) na violação pelos réus de deveres contratuais.
Por conseguinte, a alegação pelo autor destes novos factos modifica, ampliando, a causa de pedir na qual fundou os pedidos que formulou nestes autos (sendo certo que, não obstante os novos factos alegados, continua também a fundar-se o peticionado na violação pelos réus de deveres contratuais).
Acresce que, ao contrário do que propugna o réu Banco ..., S.A., a ampliação da causa de pedir pretendida pelo autor, afigura-se perfeitamente admissível, ao abrigo do disposto no artigo 265.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Com efeito, estipula o predito normativo que “Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação”.
Defende o réu Banco ..., S.A. que nenhuma confissão fez na contestação que apresentou, todavia, a nosso ver, sem razão.
Na verdade, alegando o autor na petição inicial que apresentou, que apenas realizou o investimento financeiro em questão nos autos porque se tratavam de obrigações da X T. e que caso soubesse da possibilidade de alteração da entidade emitente das obrigações para a XIF, não teria em momento algum investido no produto, afigura-se-nos inequívoco que, ao alegar o réu Banco ..., S.A. que o emitente das aludidas obrigações sempre foi a XIF, está inequivocamente a reconhecer, na perspetiva do autor, a realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (cfr. artigo 352.º do Código Civil), na medida em que admite que o emitente das preditas obrigações nunca foi a X T., conforme estaria o autor (na sua versão dos factos) convencido.
Concluímos, assim, que veio a ampliação da causa de pedir pretendida pelo autor na sequência de confissão feita pelo réu Banco ..., S.A., sem prejuízo de não poder desassociar-se tal confissão, dos demais factos invocados pelo réu sobre a mesma matéria, designadamente, de que a XIF era do Grupo X e quanto à alegada garantia de que beneficiariam as obrigações em questão por parte da T., SGPS, holding do Grupo X, sendo certo que sempre assistirá ao autor a possibilidade de provar a inexactidão destas afirmações (cfr. artigo 360.º do Código Civil).
Relativamente à demonstração da superveniência, in casu, do conhecimento pelo autor dos factos em apreço, parece-nos que resulta a mesma indubitável em face da mera leitura dos factos que compõem a causa de pedir inserta na petição inicial apresentada pelo autor, não se vislumbrando qualquer razão lógica para que o autor, caso tivesse conhecimento dos factos em causa em momento anterior à da apresentação pelo réu Banco ..., S.A. da sua contestação, não os tivesse desde logo alegado no seu articulado inicial, tanto mais quando lhe são os mesmos favoráveis ante a versão dos factos que apresentou, pelo que se nos afigura inútil a produção de qualquer outra prova no sentido da dita superveniência.
No que tange, por fim, à tempestividade quer da ampliação da causa de pedir, quer do articulado superveniente através do qual veio o autor proceder à predita ampliação, aceitando a confissão pelo réu Banco ..., S.A. dos factos que compõem tal ampliação da causa de pedir, concluímos, em face do supra exposto e da conjugação do disposto nos artigos 265.º, n.º 1, e 588.º, n.º 3, alínea a), ambos do Código de Processo Civil, que se revelam ambas perfeitamente tempestivas. (…)”
***
IV O MÉRITO DO RECURSO.

Quer o tribunal “a quo”, quer o recorrente, seguiram um determinado percurso quanto à apreciação das possibilidades de admissão do articulado e da ampliação da causa de pedir, analisando as diversas figuras em aplicação, que também neste recurso iremos analisar.
Conforme dispõe o artº. 5º do C.P.C., às partes impõe-se o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas –nº. 1.Para além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, e os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções –nº. 2.
Face ao disposto no artº. 552º, nº. 1, d), do C.P.C., a petição inicial é o articulado no qual o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação.
E face ao disposto no artº. 572º, b) e c), do mesmo C.P.C., na contestação o réu expõe as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor e os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, se for o caso. O artº. 573º do C.P.C. consagra o princípio da concentração que por sua vez implica o princípio da preclusão, impondo que a defesa deve ser deduzida na contestação e que depois desta só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, que a lei expressamente admita passado esse momento ou de que se deva conhecer oficiosamente.
A lei processual contudo prevê uma possibilidade de desvio a estas regras, consagrando o articulado superveniente para factos superveniente relativamente àqueles momentos temporais.

Dispõe o art. 588º, do CPC, que:

“1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3 - O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;
b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
4 - O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
5 - As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.
6 - Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º”.

Conforme bem refere o tribunal recorrido, a possibilidade de apresentação de articulado superveniente está diretamente relacionada com o disposto no artº. 611º, nºs. 1 e 2, do C.P.C., que consagra que a sentença deva ser atual, tomando em consideração todos os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito produzidos até ao encerramento da discussão, desde que, segundo o direito substantivo aplicável, eles influam na existência ou conteúdo da relação controvertida. Desde logo porém estabelece a ressalva da verificação das condições em que pode ser alterada a causa de pedir –artºs. 264º e 265º do C.P.C.-, ou do respeito pelas restrições previstas noutras disposições legais, o que se entende estar a referir-se ao respeito pelo disposto no artº. 588º do C.P.C., além doutros (cfr. António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, “Código de Processo Civil Anotado, Vol I, pag. 732).
Conforme decorre do artº. 588º, nº. 2, citado, a superveniência factual tanto pode ser objetiva, como subjetiva. Ocorre a superveniência objetiva quando os factos têm lugar após o decurso do prazo para a apresentação dos articulados. Verifica-se a superveniência subjetiva quando os factos ocorreram em momento anterior ao prazo para a apresentação dos articulados, mas a parte só deles teve conhecimento posteriormente, sendo que, neste caso, tem de ser efetuada a prova da superveniência.
Do exposto decorre que o articulado superveniente é rejeitado se for extemporâneo ou se os factos aí alegados não interessarem à decisão da causa (do ponto de vista de quem o vem alegar, acrescentamos nós).
Face à ressalva do artº. 611º, nº. 1, citado, esta matéria chama outra à aplicação.
O artº. 260º do C.P.C., estabelece o princípio da estabilidade da instância dizendo que “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”. Com ele deve ser conjugado o artº. 564º, b), do C.P.C., que estatui que a citação do réu produz, além do mais, o efeito de tornar estáveis os elementos essenciais da causa, nos termos do artigo 260.º
Do exposto decorre que após a citação do réu a modificação dos elementos subjetivos –partes da ação- e objetivos –a causa de pedir e o pedido- só pode ter ocorrer nos casos em que a lei a consente e o seu exercício depende da verificação dos requisitos que a lei impõe, ainda que, uma vez preenchidos os requisitos dos casos legais de modificação, o direito processual de operar essas modificações se assuma como um direito potestativo cujo exercício depende somente da vontade do interessado –cfr. Ac. da Rel. do Porto de 5/5/2016 (www.dgsi.pt).
A modificação dos da causa de pedir e pedido pode ter lugar por acordo das partes ou sem acordo, conforme previsto nos artºs. 264º e 265º do C.P.C..
Restringindo ao que interessa ao caso, segundo o artº. 265º, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor. O pedido pode ser reduzido em qualquer altura e pode ainda ser ampliado até ao encerramento da discussão em 1ª instância desde que a ampliação seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

A causa de pedir é o ato ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, direito que não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um ato ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir – o ato ou facto jurídico concreto em que o autor se baseia para formular o seu pedido, de que emerge o direito que se propõe fazer declarar –cfr., entre muitos outros, José Alberto dos Reis, “Comentário ao CPC”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pag. 369 e 374 e seg.; Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pags. 110 e seg.; Antunes Varela, e Outros, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1984, pags. 232 e segs. e J. Lebre de Freitas, “CPC Anotado”, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pags. 321 e seg..

Como se sumariou no Ac. da Rel. do Porto de 9/7/2014 (dgsi.pt) , “A causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer, mas só alguns destes factos –os essenciais- é que servem a função de individualização da causa de pedir, sendo esta que interessa à verificação da exceção de caso julgado.” , ou seja, os que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido, ou factos principais: artºs. 552º, nº. 1, d), 5º, nº. 1, 574º, nº. 1, e 581º, nº. 4, todos do C.P.C.).
Diz-se então que a nossa lei processual civil consagrou a teoria da substanciação.
É sabido que a causa de pedir numa ação de responsabilidade civil é complexa e abrange todos os pressupostos dessa responsabilidade civil.
No caso dos autos não é controvertido que a ação tal como configurada pelo A. através da estruturação da causa de pedir evidenciada pelos factos essenciais alegados, é uma ação de responsabilidade civil contratual.
E no caso em apreço, quando se pretende invocar como fundamento dos pedidos o facto da entidade emitente do produto em que o A. investiu ser a XIF “desde o início”, quando na p.i. se alegada que teria havido alteração superveniente da entidade emitente (de X para XIF), estamos necessariamente perante uma alegada superveniência subjetiva pois a emissão do produto em causa nos autos reporta-se a fevereiro de 2012, a ação é de 2019, mas o A. diz que só com a apresentação da contestação do R. recorrente soube que a entidade emitente do produto foi sempre a XIF.
E efetivamente a pronuncia sobre a admissibilidade do articulado não pode deixar de passar pela análise da causa de pedir, já que dúvidas não há que o A. passa a estribar o seu pedido numa outra causa, para além da violação dos deveres de informação quanto
-à alteração da entidade emitente do produto;
-à possibilidade de resgate do produto.
Cremos porém que vir agora, e face ao alegado em contestação, dizer que passa a invocar a falta de informação quanto à entidade emitente do produto ser a XIF desde o início, acrescentando que se o soubesse não teria subscrito o produto (o que remete para o regime do erro do artº. 251º do C.C. e para a responsabilidade pré-contratual conforme artº. 227º, nº. 1, C.C., sem nos preocuparmos aqui com a correta integração da conduta das R.R., designadamente se obrigacional no caso do 1º R., e sem apelo às normas que regem as suas condutas designadamente as do CVM), é algo incompatível com a inicial alegação de alteração superveniente dessa entidade. Não estamos por isso perante uma ampliação da causa de pedir, mas antes perante uma alteração da mesma, nesse segmento –a causa de pedir tem agora um outro fundamento fáctico, incompatível com um outro constante da p.i. (ou se diz que houve alteração, ou se diz que desde o início foi sempre a mesma entidade, pretendendo daí retirar as devidas ilações; está a evidenciar-se uma outra conduta ilícita que substitui aquela).
A introdução da referência que o A. faz no pedido à violação de deveres pré-contratuais não é porém relevante uma vez que o tribunal não está adstrito à qualificação jurídica feita pelas partes e essa introdução não ter qualquer relevância prática, não significando na verdade qualquer alteração ou ampliação do pedido, visto este como o efeito prático jurídico visado (cfr. artº. 5º, nº. 3, C.P.C.). Nessa medida entendemos que não houve verdadeira alteração do pedido e por isso consideramos prejudicadas as razões apresentadas pelo recorrente para a sua inadmissibilidade.
Dispõe o artº. 265º, nº. 1, já citado, que na falta de acordo –sendo este o caso- a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita nos 10 dias a contar da aceitação.
Tem vindo a ser discutida a conjugação do artº. 611º, com os artºs. 265º e 588º, todos do C.P.C., uma vez que este último não coloca os entraves que resultam do outro (além da situação obvia de que o artº. 265º só vale para o demandante e o artº. 588º vale para demandante e demandado). E aceita-se a tese que defende que os factos constitutivos cuja alegação superveniente é permitida tanto podem destinar-se a completar a causa de pedir inicial, como podem implicar uma efetiva alteração ou modificação da causa de pedir –tese de Miguel Teixeira de Sousa, em oposição à tese de Castro Mendes, e Lopes Cardoso, obras citadas no “Código Processo Civil Anotado” de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, pag. 615 e 616 do Vol 2º da 3ª edição, criticamente analisadas por estes autores que aderem à posição de Miguel Teixeira de Sousa. Ou seja, a alteração ou ampliação da causa de pedir é também admissível com base em factos supervenientes.
Mas já assim não é quando o facto em questão faz parte daqueles que o R. pretende alegar a título de impugnação indireta
O A. alega a confissão do 1º R. do facto em causa e de que se quer aproveitar, para fundamentar a possibilidade e tempestividade da sua alegação.
Contudo, e como bem obsta o 1º R., a confissão é um meio de prova; conforme nos diz o artº. 352º do C.C., é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. No caso hipoteticamente estaríamos perante uma confissão processual/judicial espontânea –artºs. 355º, nºs. 1 e 2, e 356º, nº. 1, C.C..
Já Alberto dos Reis, no “Código de Processo Civil”, Anotado, IV, pag. 86, dizia que «A confissão nos articulados consiste em o réu reconhecer, na contestação, como verdadeiros, factos afirmados pelo autor na petição inicial, ou em o autor reconhecer, na réplica, como verdadeiros, factos afirmados pelo Réu, na contestação, ou em o réu reconhecer, na tréplica, factos afirmados pelo autor na réplica».
Situação diversa é a admissão dos factos por acordo, também designada por confissão tácita que resulta do efeito cominatório pleno ou semi-pleno ou do incumprimento do ónus de impugnação especificada.
Cremos que o novo facto trazido pelo 1º R. ao processo não configura uma confissão judicial. Na verdade, o 1º R. o que nos faz na sua contestação é veicular uma diferente realidade, que visa impedir os efeitos pretendidos pelo A.. Trata-se de uma defesa por impugnação indireta ou motivada, conforme tratado no artº. 571º do C.P.C. –cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol 2º, pag.s 557 e 558 da 3ª edição.
Conforme Anselmo de Castro, “Lições de Processo Civil”, Vol II, pag. 342 e 343 da edição de 1966, a impugnação especificada exigida para a relevância da contestação, cumpre-se com a pura e simples negação do facto-negação simples ou rotunda; a negação pode revestir outra forma, pois raro será o caso de a contraparte deixar de justificar a sua negativa, opondo aos factos respetivos outros factos distintivos que se lhe contraponham ou os infirmem, isto é, dando uma versão diversa, quando só assim a sua negativa ganhe consistência e credibilidade.
E dizem ainda Antunes Varela, Bezerra e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pag. 288, e também Artur Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol III, 1982, pag. 213, que, tal como já se dizia antes da reforma do processo civil, que se é mais ou menos intuitivo o conceito de factos modificativos e extintivos, já o conceito de factos impeditivos pode oferecer maior dificuldade na sua definição, especialmente por confronto com a defesa por impugnação em que o réu, não se limitando a negar a verdade dos factos alegados pelo autor, vem dar, ele próprio, a sua versão alternativa do que se passou; é a chamada defesa por impugnação qualificada, ou "a negação motivada”, o que, ainda que contendo aceitação de parte dos factos alegados, envolve sempre negação do facto constitutivo da ação como um todo. Assim, a diferença entre a defesa por impugnação motivada e a defesa por exceção perentória está em que esta, pressupondo e aceitando, ao menos para efeito de raciocínio -já que é cumulável com a defesa por impugnação-, os factos constitutivos alegados pelo autor, acrescenta algo que obsta a que os mesmos produzam o efeito jurídico que lhes seria próprio.
Assim sendo, a alegação do 1º R. de que o emitente do produto é e sempre foi a XIF, o 1º R. está a pretender afastar a versão do A. relativa à alteração do emitente, e por isso não está a confessar nenhum facto que por aquele A. tenha sido alegado e que por isso seja desfavorável ao R. e favorável ao A., mas antes a alegar um facto que, a provar-se, faz precludir a pretensão do A.. Isto porque, além do mais, a sua versão vai mais além desse facto, enquadrando o mesmo em todo um contexto que implica que não tenham sido omitidas informações ao A..
Prejudicadas ficam as razões aduzidas em complemento da não consideração de declaração confessória, como sejam o facto de não se tratar de um facto pessoal do 1º R. –que não resulta do artº. 353º do C.C., sendo que na confissão espontânea não há que averiguar se é facto pessoal ou de que a parte deva ter conhecimento –cfr. artºs. 574º, nºs. 1 e 3, e 587º, do C.P.C., ao contrário do que decorre do disposto no artº. 454º do C.P.C. para o depoimento de parte-, e da falta de cumprimento do prazo de 10 dias para a sua aceitação e para a consequente alteração (ou ampliação se assim se entendesse) da causa de pedir, tal como imposto pelo artº. 265º, nº. 1, C.P.C., sendo que no caso de tal implicar factos supervenientes podia/devia antes ser invocado no momento previsto no artº. 588º do C.P.C., sem prejuízo do requerimento a fazer ao processo no prazo de 10 dias após a alegada confissão no sentido de a aceitar.
Tratando-se por isso de impugnação motivada, esse facto é antes um facto instrumental, e, sendo-o, não pode justificar a utilização de um articulado superveniente para ser “aproveitado” pelo A.. Ele já está no processo, ainda que não estivesse o tribunal podia atender ao mesmo por ser instrumental probatório (artº. 5º, nº. 2, a), C.P.C.), o que não pode é ser fundamento do mérito da ação do ponto de vista da pretensão do A., por a tal obstar a estabilidade da causa de pedir invocada que não pode por esta via ser alterada.
O artº. 588º, nº. 1, abarca factos constitutivos da situação jurídica do autor, ou factos modificativos ou extintivos dessa situação (superveniência objetiva); bem como os factos constitutivos que o autor só conheça depois de apresentado o último articulado, ou factos impeditivos, modificativos ou extintivos que o réu só conheça depois do seu último articulado, embora ocorridos antes (superveniência subjetiva); a parte a quem o facto aproveita pode alega-lo em articulado superveniente e ele será tomado em consideração, se for provado, em sede de sentença ao abrigo do artº. 611º; este apenas não abarca os factos impeditivos de ocorrência superveniente, apenas abrangendo os de conhecimento superveniente (…) –cfr. obra citada de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, págs. 614 e 558 a 560.
O que nos levaria, se não tivéssemos já concluído pela inadmissibilidade do seu aproveitamento pelo A. no caso, para a questão da prova da superveniência.
Ao contrário do que sugere o 1º R. no seu recurso, as menções feitas pelo A. quer na p.i. quer na resposta às exceções e que o 1º R. destaca, não podem ser interpretadas, no contexto dos factos alegados pelo A., no sentido de que este já sabia que a entidade emitente era a XIF; o A. soube a partir de determinado momento que a entidade em causa era a XIF, mas tal não significa que ficasse a saber que era a XIF desde a sua subscrição do produto em 2012 (nem tal não decorre com clareza da carta de 4/1/2018), antes sendo essa versão compatível com o facto de poder pensar que, em momento posterior a 2012, tenha havido “substituição” da entidade emitente –o que é diferente de saber que desde o início, desde a subscrição em 2012, a entidade emitente era a XIF. Neste ponto assistiria razão ao A., se necessária fosse essa análise, não o dispensando contudo de fazer prova do conhecimento superveniente. Ou seja, não decorrendo da leitura das peças que já sabia, também não colhe a evidência de que não sabia, tal como consta do despacho recorrido -veja-se a alegação do 1º R. quanto ao código que acompanha o produto, que serve de seu “bilhete de identidade”, relativamente ao que não basta a mera alegação do A. de que não tinha meios/capacidade de conhecer/interpretar, afirmação que carece de prova que o A. não se dispôs a fazer no articulado que apresentou –nº. 5 do artº. 588º; havendo quem considere a hipótese dessa prova ainda ser feita por imperativo do artº. 411º do C.P.C., opinião que não partilhamos mas que aqui não cumpre aprofundar por não se suscitar.
Posto isto, e independentemente da falta de prova do conhecimento superveniente que o A. não estava dispensado de fazer, o articulado superveniente devia ter sido rejeitado por se não se tratar no caso da alegação de um facto constitutivo do direito do A. que possa ser levado em conta em sede de decisão a proferir, face à necessária conjugação dos artºs. 588º, nº. 1, e 611º, todos do C.P.C..
Em suma: nem a alteração da causa de pedir é permitida pelo artº. 265º do C.P.C.; nem pela conjugação dos artºs. 588º e 611º do mesmo o A. pode vir invocar a seu favor o “facto superveniente”, uma vez que o facto em causa não pode ser configurado e tido como constitutivo do direito do A., e, assim, também este articulado não é admissível.

Vislumbram-se por isso face aos artigos citados as seguintes possibilidades:

-alteração ou ampliação da causa de pedir em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor, devendo ser apresentada a aceitação da confissão em 10 dias e simultaneamente ou nos 10 dias seguintes apresentada a alteração ou ampliação;
-se a alteração ou ampliação implicarem a alegação de factos novos supervenientes, deve ser apresentada nos prazos previstos no artº. 588º, consequência ou não de confissão;
-porém se o facto que serve de fundamento à alteração ou ampliação é alegado pelo réu em sede de impugnação indireta, esse facto nem serve para fundamentar essa alteração ou ampliação, nem pode ser atendido ao abrigo da superveniência prevista no artº. 588º do C.P.C..
E para terminar diríamos que o “princípio da economia que, ante a instrumentalidade do processo relativamente ao direito material, converge no sentido de que o resultado seja atingido com a maior economia de meios, dirimindo no processo o maior número de litígios” (cfr. Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Andrade e Castro, “Elementos de Direito Processual Civil. Teoria Geral, Princípios e Pressupostos”, 2ª edição, pag. 160), não pode, na nossa opinião, postergar outros princípios de segurança e certeza, preclusão, e mesmo de defesa, visados nas normas processuais. Se o A. pretende fazer uso de nova causa de pedir poderá fazê-lo noutra ação, sem correr o risco de verificação de caso julgado, possibilitando aos R.R., face a essa nova realidade (embora sua conhecida) a alusão a outros factos tendentes a afastar a argumentação que o A. entenda oferecer.
Na procedência da posição veiculada no recurso pelo 1º R., a alínea a) dos temas da prova deve ser consequentemente eliminada.

Posto isto, o recurso deve ser julgado procedente.
***
V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, dar provimento à apelação e revogando o despacho recorrido que admite o articulado superveniente apresentado pelo autor, bem como, a alteração da causa de pedir aí operada pelo mesmo, concluindo pela inadmissibilidade de um e outro, e eliminando a alínea a) dos temas da prova.
Custas do recurso a cargo do recorrido (artº. 527º, nºs. 1 e 2, C.P.C.).
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Guimarães, 22 de outubro de 2020.
*
Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Jorge dos Santos
2º Adjunto: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves

(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)