Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
808/16.5T8VCT
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
DECISÃO ADMINISTRATIVA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: I. Em processo de contra-ordenação laboral, a decisão da autoridade administrativa é susceptível de impugnação judicial, a qual, apresentada, embora, àquela, é enviada para o Ministério Público, que, nos termos do art. 37.º do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social, “torna sempre presentes os autos ao juiz, com indicação dos respectivos elementos de prova, valendo este acto como acusação.”
II. Assim, valendo o acto como acusação, se aquela decisão for omissa quanto a factos, não se lhe deve aplicar o regime legal supletivo vigente para a sentença que omita a fundamentação.
III. Nessa medida, considerando-se a decisão administrativa / acusação manifestamente infundada, deve o juiz decidir o arquivamento do processo mediante despacho a que se refere o art. 39.º, n.ºs 1, 2 e 3 do mencionado regime processual.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

A arguida B., S.A. veio interpor recurso de impugnação judicial da decisão da AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO que lhe aplicou onze coimas de € 700,00 cada uma, a que fez corresponder a coima única de € 4.400,00 (sendo solidariamente responsável C.), pela prática de onze contra-ordenações p.p. no art. 521.º, n.ºs 2 e 3 do Código do Trabalho, por referência à Cláusula 37.ª, n.º 1, do CCT celebrado entre a ARESP e a FESHOT (BTE 36/98), estando ainda obrigada a pagar a quantia de € 870,55 às trabalhadoras aí referidas e € 339,91 à Segurança Social.
O recurso foi decidido mediante simples despacho, com o acordo do Ministério Público e da arguida, tendo esta sido absolvida da prática das contra-ordenações de que vinha acusada.
Inconformado, veio o Ministério Público interpor recurso de tal decisão, invocando a necessidade de melhoria da aplicação do direito e de promoção da uniformização da jurisprudência, ao abrigo do disposto no art. 49.º, n.º 2 do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, formulando as seguintes conclusões:
«1. O Mmo. Juiz absolveu a arguida da prática das contra-ordenações de que se encontrava acusada, por entender que a decisão administrativa não contem factualidade suficiente que integre o elemento objectivo dessas contra-ordenações, como impõe o art. 25º nº 1 da Lei nº 107/2009.
2. Concordamos, tal como o Mmo. Juiz bem fundamenta, que a decisão administrativa, não contem a descrição de factos suficientes que permitam imputar à arguida as contra-ordenações pelas quais foi condenada.
3. Porém, a consequência da falta de requisitos da decisão administrativa não é a absolvição da arguida, mas a nulidade dessa decisão, nos termos do art. 379º nº1, al. a) CPP, aplicável por força dos arts. 60º da Lei nº 107/2009 de 14/09 e 41º do DL nº 433/82 de 27/10, com a consequente devolução dos autos à ACT para elaboração de nova decisão e subsequente tramitação – art. 122º, nº 2 CPP.
4. Neste sentido Ac. TRL de 19/01/2013, Proc. 854/11.5TAPDL.L1-5, Ac. TRL de 28/04/2004, Proc. nº 1947/2004-3, Ac. TRE de 22/04/2010, Proc. 2826/08.8TBSTR.E1, in www.dgsi.pt.»
A arguida apresentou resposta ao recurso do Ministério Público, pugnando pela sua improcedência.
Tendo os autos subido a este Tribunal da Relação, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, pelos fundamentos constantes deste.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir em conferência.

2. Objecto do recurso

De acordo com o art. 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi art. 50.º, n.º 4, do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim, a questão a decidir é a de saber se a insuficiência de factos imputados ao arguido na decisão administrativa determina a sua absolvição ou a nulidade daquela decisão com a consequente devolução dos autos à ACT para colmatar o vício.
Previamente, importa apreciar a admissibilidade do recurso nos termos do n.º 2 do art. 49.º do mencionado regime processual, uma vez que o mesmo não é admissível nos termos gerais constantes do n.º 1, em virtude do valor de todas e cada uma das coimas parcelares que foram aplicadas à arguida pela ACT.

3. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados na decisão recorrida nos seguintes termos:
1 – A arguida é uma sociedade que se dedica a prestar serviços de refeições e tem local de trabalho, entre outros, no Hospital…, em ….
2 – No dia 7 de Abril de 2015, a arguida tinha ao seu serviço as onze trabalhadoras identificadas no documento de fls. 18, as quais efectuaram a sua prestação laboral nos dias aí referidos (documento que aqui se dá por integralmente reproduzido).
3 – A arguida procedeu ao pagamento do trabalho prestado por aquelas suas funcionárias naqueles feriados com um acréscimo de 100%.
4 – As citadas trabalhadoras encontravam-se inscritas no Sindicato de Hotelaria do Norte.

4. Apreciação do recurso

4.1. Como se disse, importa apreciar a admissibilidade do recurso nos termos do n.º 2 do art. 49.º do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social, uma vez que o mesmo não é admissível nos termos gerais constantes do n.º 1, em virtude do valor de todas e cada uma das coimas parcelares que foram aplicadas à arguida pela ACT.
Diz-se naquela norma que, “para além dos casos enunciados no número anterior, pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.”
Acrescenta o art. 50.º que, nestes casos, o requerimento segue junto ao recurso, antecedendo-o (n.º 2), e que a decisão sobre o requerimento constitui questão prévia, que é resolvida por despacho fundamentado do tribunal, equivalendo o seu indeferimento à retirada do recurso (n.º 3).
Importa, assim, que este tribunal profira essa decisão, isto é, sobre o requerimento do Ministério Público a requerer a aceitação do recurso com base no disposto no art. 49.º, n.º 2.
Como explica Abílio Neto (Código de Processo do Trabalho Anotado, Lisboa, Janeiro 2010, p. 357), “[o] recurso da decisão pode assumir-se como “manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito” quando, por ex., verse uma questão que seja objecto de soluções desencontradas por parte da doutrina, ou de relevante incidência prática, ou quando seja objecto de tratamento diversificado pela jurisprudência. De todo o modo, trata-se de um conceito aberto, cuja aplicação em concreto dependerá, em larga escala, do discurso argumentativo utilizado.”
Nas palavras de António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Processo do Trabalho, Coimbra, 2010, pp. 169-170), “[o] n.º 2 atribui à Relação poderes de uniformização que, no âmbito do processo penal, pertence em exclusivo ao Supremo Tribunal de Justiça.
Trata-se de uma fórmula destinada a tutelar interesses de ordem pública, da estabilidade da aplicação da lei ou da igualdade dos cidadãos que poderiam ser afectados nos casos em que a decisão não satisfizesse alguma das condições referidas no n.º 1.”
No caso em apreço, o tribunal recorrido absolveu a arguida da prática das contra-ordenações de que se encontrava acusada, por entender que a decisão administrativa não contém a descrição de factos suficientes para preencher o tipo objectivo daquelas, nos termos exigidos pelo art. 25.º n.º 1 do regime processual já mencionado.
O Recorrente insurge-se contra tal entendimento e sustenta que a consequência jurídica da falta de requisitos da decisão administrativa não é a absolvição da arguida mas a nulidade dessa decisão, nos termos do art. 379.º n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, aplicável por força dos arts. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, e 41.º do DL n.º 433/82, de 27/10, com a consequente devolução dos autos à ACT para elaboração de nova decisão e subsequente tramitação, tendo em conta o art. 122.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Invoca nesse sentido o Acórdão da Relação de Lisboa de 19/01/2013 (Proc. n.º 854/11.5TAPDL.L1-5), o Ac. da Relação de Lisboa de 28/04/2004 (Proc. n.º 1947/2004-3) e o Acórdão da Relação de Évora de 22/04/2010 (Proc. n.º 2826/08.8TBSTR.E1), disponíveis em www.dgsi.pt.
Conclui o Ministério Público que o entendimento do Mmo. Juiz a quo é contrário à jurisprudência dos tribunais superiores e, atentas as consequências do mesmo, pondo termo ao processo com a absolvição da arguida, em vez de determinar a devolução dos autos à autoridade administrativa para sanação do vício e ulterior tramitação, a busca da verdade material e a realização da justiça justificam a admissão do recurso nos termos do citado art. 49.º, n.º 2.
Na esteira das considerações já tecidas, e de acordo com o que refere Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Univ. Cat. Editora, 2011, p. 303), pode assentar-se nos seguintes termos:
- a melhoria da aplicação do direito supõe que:
a) a questão jurídica seja relevante para a decisão da causa;
b) seja questão necessitada de esclarecimento; e
c) seja questão que permita o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a outros casos similares.
- a promoção da uniformidade da jurisprudência não se basta com o simples erro de direito, exigindo-se que o mesmo encerre o perigo de repetição.
Assim, porque nos presentes autos está em causa uma questão jurídica relevante para a decisão do caso, necessitada de esclarecimento na medida em que tem sido objecto de soluções desencontradas da jurisprudência e susceptível de fazer extrair uma regra aplicável a situações similares, este Tribunal da Relação decide aceitar o recurso.
4.2. Vejamos, então, que solução dar a tal questão jurídica, a saber, se a insuficiência de factos imputados ao arguido na decisão administrativa determina a sua absolvição ou a nulidade daquela decisão com a consequente devolução dos autos à autoridade administrativa para colmatar o vício.
A decisão recorrida apreciou e decidiu tal questão nos seguintes termos:
«A arguida vem acusada da prática de onze contra-ordenações p.p. no artº. 521, nºs. 2 e 3, do C. Trabalho, por referência à Cláusula 37, nº. 1, do CCT celebrado entre a ARESP e a FESHOT (BTE 36/98).
Adiante-se, desde já, que a factualidade apurada não permite afirmar que se encontra preenchido o tipo objectivo do ilícito em causa, pelo que se impõe, sem mais, que seja proferida decisão absolutória.
Na realidade, a decisão da autoridade administrativa tem como fundamento primordial a conclusão de que era aplicável às relações laborais em causa a supra referida convenção colectiva de trabalho, por força do princípio da filiação.
Era, por isso, indispensável, que da acusação constasse a factualidade necessária donde resultasse a aplicação desse princípio.
É que, como é sabido, uma determinada regulamentação colectiva só é aplicável quando o trabalhador e a entidade empregadora se encontrem filiadas nas respectivas partes outorgantes ou quando exista um regulamento de extensão.
Com efeito, por força do disposto nos artº. 496, nº. 2, do C. Trabalho, a convenção celebrada por união, federação ou confederação obriga os empregadores e os trabalhadores filiados, respectivamente, em associações de empregadores ou sindicatos representados por aquela organização.
É exactamente a isto que se costuma designar pelo princípio da filiação.
Ora, a ACT, e apenas na proposta de decisão, limitou-se a indicar que as trabalhadoras em causa são filiadas num sindicato que faz parte da Federação que subscreveu o instrumento em análise; mas falta o outro requisito: que a arguida se encontra filiada na confederação que igualmente o subscreveu.
Por outro lado, a arguida havia suscitado na sua resposta a aplicabilidade à situação sub judice do artº 269 do C. trabalho, sendo por isso indispensável saber se se trata ou não de uma empresa não obrigada a suspender o funcionamento em dia feriado.
A decisão administrativa é totalmente omissa quanto a esta matéria, impossibilitando, nessa medida, o tribunal de aquilatar da correcta aplicação da lei.
Acresce que aquela decisão igualmente não indica o período normal de trabalho das trabalhadoras em causa (horário de trabalho e dias de descanso), ficando-se assim sem saber se a prestação laboral ocorreu em dia de descanso ou no cumprimento do horário normal.
O que significa, em conclusão, que não existe factualidade suficiente que permita afirmar que a conduta da arguida preencheu o tipo objectivo da contra-ordenação de que se encontrava acusada, determinando a sua imediata absolvição.
Diga-se, ad latere, que não se ignora a existência de jurisprudência dos tribunais superiores que defende que, nestas situações, se deverá apenas declarar a nulidade da decisão administrativa e remeter o processo à autoridade administrativa para suprir os vícios de que aquela padece (v. Ac. T. R. de Lisboa de 19/2/2013 in www.dgsi.pt). Não podemos, no entanto, e com todo e profundo respeito, concordar com tal posição, pois que não se trata aqui pura e simplesmente do não cumprimento de qualquer formalidade processual que inquina a decisão administrativa, mas antes da ausência de factos suficientes imputados à arguida.
Ora, segundo julgamos, a ausência de factos que permitam imputar a prática de um ilícito só pode ter como consequência a absolvição.»
Quid iuris?
O art. 25.º, n.º 1, alínea a) do já mencionado regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social estabelece que a decisão que aplica a coima e ou as sanções acessórias contém a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas.
O n.º 4 da mesma disposição legal excepciona desta obrigatoriedade de descrição da factualidade provada os casos em que o arguido não tenha exercido o direito de defesa nos termos do n.º 2 do art. 17.º e do n.º 1 do art. 18.º, situação que, no caso concreto, não se verifica.
Assim, e não se discutindo que efectivamente ocorre a omissão em referência, como resulta do teor do próprio recurso e também do parecer do Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, importa que se decida qual a consequência jurídica daí decorrente.
A lei não contém resposta expressa a esta questão.
Certo é, contudo, que a decisão da autoridade administrativa é susceptível de impugnação judicial, a qual, apresentada, embora, àquela, é enviada para o Ministério Público, que, nos termos do art. 37.º do diploma referido, “torna sempre presentes os autos ao juiz, com indicação dos respectivos elementos de prova, valendo este acto como acusação.”
Note-se que a doutrina admite que o Ministério Público possa, nesta fase, optar pela não apresentação dos autos em juízo, mas, se optar pela apresentação, e uma vez que tal acto fica a valer como acusação, não parece que se lhe deva aplicar o regime legal da sentença que omita a fundamentação, constante das normas conjugadas dos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, aplicável supletivamente por força do disposto no art. 60.º do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social e no art. 41.º, n.º 1 do regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27/10.
Na verdade, em presença da distinta natureza de cada um dos actos, não podem ser equivalentes as consequências jurídicas a extrair de um e outro.
Ora, se o acto que está em causa é a acusação, o que se deve aplicar supletivamente é o art. 311.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, nos termos do qual a acusação deverá ser rejeitada se o presidente a considerar manifestamente infundada, isto é – esclarece o n.º 3, alínea b) –, quando não contenha a narração dos factos.
Analisando a questão, diz-se no Acórdão desta Relação de Guimarães de 19 de Maio de 2016, proferido no âmbito do Processo n.º 4302/15.3T8VCT.G1, em que foi Relatora Manuela Fialho e Adjunta a ora Relatora (ainda não publicado):
“António Beça Pereira escreve que em caso de inobservância, na decisão condenatória da autoridade administrativa de algum dos requisitos elencados no nº 1 do Artº 58º do DL 433/82 (que equivale ao Artº 25º da lei das contraordenações laborais), “não se deverá aplicar, subsidiariamente, o disposto no Artº 379º do Código de Processo Penal (nulidades da sentença), uma vez que se o arguido interpuser recurso da decisão condenatória, esta, nos termos do Artº 62º/1 converter-se-á em acusação”, rejeitando também a possibilidade de aplicação do regime de nulidades da acusação “visto que, se não for interposto recurso da decisão condenatória, esta não chega a assumir a natureza de acusação” (Regime Geral das Contraordenações e Coimas, 10ª Ed., Almedina, 153).
Ao nível dos tribunais superiores, Supremo Tribunal de Justiça incluído, não tem havido uniformidade de posições.
Assim, no Acórdão de 21/12/2006, decidiu-que que a sanção para o incumprimento da alínea b) do nº 1 do Artº 58º do RGCO é a nulidade da decisão impugnada, nos termos do Artº 283º/3, 374º/2 e 379º/1-a) do CPP, aplicável subsidiariamente, nulidade que é sanável e pode ser suprida pela autoridade que inicialmente tramita o processo (06P3201, www.dgsi.pt).
Mas, no Ac. de 10/01/2007, o STJ decidiu que a consequência da falta dos elementos essenciais que constituem a centralidade da própria decisão – sem o que nem pode ser considerada decisão em sentido processual e material – tem de ser encontrada no sistema de normas aplicável, se não direta, por remissão ou aplicação supletiva. Deste modo, a falta de base factual da decisão da entidade administrativa equivale a uma acusação que não contém factos, com a consequente impossibilidade de seguimento processual – Artº 311º/2-a) do CPP, subsidiariamente aplicável – e absolvição da arguida (06P2829, www.dgsi.pt).
Neste mesmo sentido parece apontar o acórdão proferido por esta Relação, em 6/01/2014, segundo o qual regulando o Artº 58 do Regime Geral da Contraordenações, de forma completa, os requisitos a que deve obedecer a decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, não é subsidiariamente aplicável ao processo por contraordenação o disposto no art. 374 do CPP para a sentença penal. Havendo impugnação da decisão administrativa, esta, por força da norma do Artº 62 nº 1 do RGCO, converte-se em acusação, no momento em que o Ministério Público torna os autos presentes ao juiz. Sendo assim, para que o processo prossiga, essencial é que tal decisão contenha os requisitos mínimos duma acusação: identifique o arguido; narre os factos imputados (dessa forma delimitando o objeto do processo); e indique as disposições legais violadas, as sanções aplicáveis e as provas (Procº 720/13.0TBFLG, www.dgsi.pt). Ou o Ac. da RE de 21/05/2013, no qual se decidiu que a decisão da autoridade administrativa não é nenhuma sentença, nem se rege pelas obrigações de forma e conteúdo descritas no Artº 374º do CPP (Procº 1284/12.7TBPTM, www.dgsi.pt).
Considerando que, por força da lei, a decisão da autoridade administrativa remetida a juízo equivale a uma acusação, afigura-se-nos que faltando na mesma o necessário enquadramento fático, não resta senão rejeitá-la.
A questão é se o processo de contraordenação admite a rejeição enquanto tal.
António Beça Pereia manifesta-se em sentido negativo, defendendo que as situações que poderiam dar azo a rejeição da acusação, designadamente por ausência de suporte fáctico, devem, no âmbito deste processo ser tratadas como “irregularidades decorrentes do incumprimento do estabelecido no Artº 58º” (ob. Cit., 185). Porém, é o mesmo autor que admite que, “desde que na decisão condenatória se encontre a “descrição dos factos imputados” ao arguido”, se os mesmos não constituírem crime, no procedimento contraordenacional deverá proferir-se decisão de procedência do recurso.
Não sufragamos aquele entendimento.
Na verdade, a decisão a proferir no âmbito deste processo pode operar por via de despacho ou de sentença, estando aquele reservado aos casos em que o juiz não considere necessária audiência de julgamento sem que haja oposição das partes.
Este seria, pois, o momento adequado a avaliar da questão que nos ocupa, tanto mais que expressamente se admite que o despacho possa ser de arquivamento do processo.
Ultrapassado este momento, resta ajuizar da questão na sentença.
Esta, ou é de condenação ou de absolvição conforme emerge dos Artº 375º e 376º do CPP (subsidiariamente aplicável).
Acresce, como bem alega a Arguida, que caso outra solução fosse encontrada que não fosse a absolvição, como seja a remessa dos autos para a autoridade administrativa autuante, colocar-se-ia a autoridade administrativa numa posição de superioridade relativamente á arguida, facultando-lhe a possibilidade de sanar vícios, acrescentando factos, mesmo aqueles que até agora não tinham sido imputados, o que viola o princípio da igualdade, da confiança e da segurança jurídica.
Assim, bem andou o Tribunal recorrido ao absolver a arguida.”
Retornando ao caso dos autos, verifica-se que a situação é semelhante, com a particularidade de que o mesmo foi decidido pelo tribunal recorrido mediante simples despacho, por ter considerado desnecessária a audiência de julgamento, sem oposição das partes.
Assim, tendo a questão sido apreciada no momento processualmente mais adequado, a decisão que se impunha era mais precisamente a de arquivamento do processo, contudo, sem consequências substanciais.
Em face do exposto, sendo totalmente válida para o caso dos autos a conclusão a que se chegou no âmbito do mencionado recente aresto desta Relação, não se vislumbra fundamento relevante para alterá-la, com a consequente improcedência do recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em:
- aceitar o recurso do Ministério Público, nos termos do art. 49.º, n.º 2 do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social;
- julgar improcedente o recurso, e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
Sem custas.


Guimarães, 30 de Junho de 2016


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(Alda Martins)


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(Sérgio Almeida)


Sumário (elaborado pela Relatora):
I. Em processo de contra-ordenação laboral, a decisão da autoridade administrativa é susceptível de impugnação judicial, a qual, apresentada, embora, àquela, é enviada para o Ministério Público, que, nos termos do art. 37.º do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social, “torna sempre presentes os autos ao juiz, com indicação dos respectivos elementos de prova, valendo este acto como acusação.”
II. Assim, valendo o acto como acusação, se aquela decisão for omissa quanto a factos, não se lhe deve aplicar o regime legal supletivo vigente para a sentença que omita a fundamentação.
III. Nessa medida, considerando-se a decisão administrativa / acusação manifestamente infundada, deve o juiz decidir o arquivamento do processo mediante despacho a que se refere o art. 39.º, n.ºs 1, 2 e 3 do mencionado regime processual.


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(Alda Martins)