Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
421/14.1IDBRG.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DA SENTENÇA
INSUFICIÊNCIA PARA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REENVIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - O vício da nulidade da sentença por omissão de pronúncia prende-se com o incumprimento do dever de resolver todas as «questões» submetidas à apreciação do tribunal, exceptuando aquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela solução dada a outra, verificando-se, pois, quando o tribunal deixa de decidir uma questão que faz parte do objecto do processo, definido, em primeira linha, pela acusação/pronúncia e pela contestação, mas também pelos factos que resultarem da discussão da causa (julgamento), sem prejuízo do preceituado nos artigos 358º e 359º do CPP, desde que sejam relevantes para a decisão a proferir, mais concretamente, para a resolução das questões elencadas no nº 2 do artigo 368º do CPP e, no caso de se concluir pela condenação do arguido, para decidir sobre a determinação da espécie e medida da pena a aplicar.
II - Ora, no caso, o alegado vício (omissão de pronúncia) não afecta a decisão recorrida porque, na parte da sua fundamentação respeitante à determinação da medida da pena e sua substituição (suspensão) esta questão é defrontada com base num juízo de prognose de razoabilidade da condição prevista no artigo 14.º, n.º 1, do RGIT – o pagamento ao Estado das prestações tributárias em causa –, tendo em conta as quantias que o arguido auferia mensalmente.

III - Porém, nessa fundamentação já nada se diz quanto ao estado de insolvência do arguido, entretanto declarada, nomeadamente sobre a repercussão de tal declaração no seu rendimento efectivamente disponível, para poder aferir da razoabilidade da satisfação daquela condição legal, em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 51º do C. Penal e a doutrina plasmada pelo AUJ n.º 8/2012 (Diário da República 1.ª Série A, de 12-09-2012).

IV - Portanto, sendo a matéria de facto provada insuficiente para fundamentar a decisão de direito, em virtude de o tribunal não ter investigado toda a que para o efeito relevaria, a sentença sofre, sim, do vício previsto no art. 410º, nº 2, al. a) do CPP.

V - A correcção desse vício implica sempre uma decisão sobre matéria de facto, a levar a cabo nos termos do artigo 426º, nºs 1 e 2, quer pelo próprio tribunal de recurso com jurisdição em matéria de facto, ou, tal não sendo possível, pelo tribunal reenviado para o efeito. No caso, desde logo porque não houve impugnação ampla da matéria de facto pela via do erro de julgamento (art. 412º), torna-se impossível proceder à sua sanação, impondo-se o reenvio do processo para novo julgamento, restrito ao supra referido segmento, a real situação económica do arguido, e, bem entendido, à questão de direito por ela repercutida, nomeadamente a da medida de substituição, reabrindo-se, pois, por inteiro, todas as questões relacionadas com a determinação da pena.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

No identificado processo, da Instância Local, Secção Criminal de Braga, da Comarca de Braga, os arguidos X – Restauração e Hotelaria, S.A, Y Lda., e António, foram julgados e condenados por sentença proferida e depositada a 28/2/2018, como autores materiais, cada uma das duas primeiras, de um crime de abuso de confiança fiscal, e o terceiro, como autor de dois desses crimes, p. e p., pelos arts. 7º, 105º, nº 1, 2, 4 e 5 do RGIT e 30º, nº 2 do C. Penal, nas penas de 150 de (cento e cinquenta) e 300 (trezentos) dias à taxa diária de € 5, e de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução condicionada ao pagamento ao Estado da quantia em dívida a título de Imposto sobre o Valor Acrescentado no prazo de 2 (dois) anos contados sobre o trânsito em julgado da decisão e 180 (cento e oitenta) de multa, à taxa diária de € 10 (dez), respectivamente.

Inconformado, o arguido António interpôs recurso, insurgindo-se contra a medida das penas que lhe foram aplicadas, designadamente a pena de dois anos de prisão [suspensa na sua execução com a obrigação de liquidar as quantias em dívida], dizendo que foi declarado insolvente, o que implica que tenha de entregar ao fiduciário todo o rendimento que exceda o que lhe foi fixado como indispensável, encontrando-se impedido de proceder à afectação de qualquer rendimento com vista ao pagamento da obrigação a que foi condenado. Sustentou ainda, que tal medida constitui uma imposição de cumprimento impossível e completamente desprovida dos mais elementares critérios de razoabilidade, violando o disposto no art. 14º, nº 1 do RGIT e 51º, nº 2 do C. Penal, pugnando pela substituição da medida, nomeadamente por trabalho a favor da comunidade e por uma pena de multa inferior à determinada, mediante a formulação, na sua motivação, das seguintes conclusões:

«A. O Arguido e as sociedades arguidas passam por sérias dificuldades financeiras.
B. O Arguido (juntamente com a sua mulher) foi declarado insolvente e tal resultou provado na sentença recorrida.
C. A circunstância de o arguido ter sido declarado insolvente implica que o ora Recorrente – por determinação de sentença judicial – seja obrigado(!) a entregar ao fiduciário nomeado todo o rendimento que exceda o que foi fixado como indispensável.
D. Pelo que se encontra ainda hoje impedido de proceder à afectação de qualquer rendimento, com vista ao pagamento da obrigação a que foi condenado pelo tribunal a quo.
E. Caso contrário, tal implicaria uma ostensiva violação do decretado no aludido processo de insolvência.
F. Pelo que o Arguido se encontra, não só factual, mas mesmo juridicamente, impedido de cumprir a obrigação de pagamento a que foi condenado.
G. Ainda que o total do rendimento do arguido, no montante de €3.000,00 mensais, estivesse totalmente disponível, afigura-se manifestamente impossível o pagamento do valor a que o Arguido foi condenado: €142.461,65, em dois anos.
H. Valor que, a ser pago naquele período temporal, se traduziria, com base num simples cálculo aritmético, numa média mensal de € 6.000,00 (seis mil euros).
I. Assim sendo, não se afigura congruente a condenação a pena de prisão suspensa, com a condição de pagamento de um valor que o Arguido se encontra factual e legalmente impossibilitado de pagar, atenta a manifesta impossibilidade do cumprimento da condição suspensiva.
J. A manter-se a referida suspensão, naqueles termos, verifica-se na realidade uma condenação efectiva com o seu início protelado.
K. Ora, de acordo com o disposto no artigo 51.º/2 do CP, os deveres impostos para a suspensão não podem representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoável.
L. In casu, o dever imposto ao ora Recorrente constitui uma imposição de cumprimento impossível e completamente desprovida dos mais elementares critérios de razoabilidade.
M. A falta de ponderação evidenciada, e consequente contradição entre a matéria de facto provada e a decisão, parece resultar da inobservância da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão uniformizador 8/2012, de 12.09.2012.
N. Concretamente pela não realização do “juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia” (sublinhado nosso).
O. Apesar referido o Ac. de Uniformização de Jurisprudência 8/2012, não foi, na prática, o mesmo tido em conta.
P. A sentença recorrida ao consignar uma obrigação cujo cumprimento implica uma actuação factual susceptível de consubstanciar a prática de um crime não pode senão ser nula e, nessa sequência, de nenhum efeito.
Q. Por outro lado, na sequência do que se vinha dizendo, a condenação, do ora Recorrente, a dois anos de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com a condição de pagar o valor total de €142.461,65, viola frontalmente o disposto no artigo 14.º/1 do RGIT, devidamente interpretada pelo referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 8/2012.
R. Mais, viola o disposto no artigo 51.º/2 do CP.
S. No presente caso, ou bem que o Arguido se encontra insolvente, ou bem que tem a capacidade e a possibilidade legal de liquidar uma média de € 6.000,00 por mês, o que se vislumbra de impossível cumprimento.
T. Reconhecendo o Tribunal a insolvência do Arguido, não se compreende como é que, em simultâneo, condiciona a suspensão da pena ao pagamento de € 142.461,65, em dois anos!
U. A suspensão decretada é contrária à Lei, nomeadamente quanto ao estatuído no artigo 51º/2 do CP.
V. Concluindo-se pela impossibilidade do cumprimento, não deverá haver lugar à imposição da condição.
W. Acresce no entanto que, de acordo com o artigo 409.º do CPP, o Tribunal de recurso não poderá, pura e simplesmente, excluir a suspensão da pena de prisão, transformando-a em pena de prisão efectiva, sob pena de violar a proibição de reformatio in pejus, princípio segundo o qual se impõe a proibição de agravar as sanções constantes da decisão recorrida.
X. Antes deveria o tribunal a quo ter procurado e aceitado uma das alternativas por que passou na sua sentença, atendendo-a como elegível para sanar a manifesta impossibilidade de o arguido cumprir com o pagamento dos referidos impostos, num período máximo de dois anos.
Y. Alternativa essa que seria a sua substituição da pena aplicada (de dois anos) por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do Art.º 58º do CP, que sempre realizaria de forma adequada e suficiente, atentas as circunstâncias constantes da sentença recorrida a favor do arguido, as finalidades da punição.
Z. A sentença recorrida diz não se ter atendido a tal possibilidade pelo facto de o arguido não a ter aceitado, sem que, em boa verdade, em momento algum do processo, tal lhe tenha sido questionado.
AA. Não pode o silêncio do arguido acerca da possibilidade da prestação de trabalho a favor da comunidade ser entendido como uma recusa ou manifestação de indisponibilidade para a mesma.
AB. A sentença proferida, ao condenar o Arguido a uma pena privativa da liberdade – ainda que suspensa – evidenciou uma excessiva severidade que a lei, patentemente, não cauciona.
AC. A Pena aplicada revela uma total desadequação às suas finalidades gerais e especiais.
AD. Sempre o legislador deu primazia à aplicação de penas não privativas da liberdade, contanto que estas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
AE. Sendo a liberdade, um dos mais caros e preservados direitos do nosso ordenamento jurídico (previsto nos artigos 1.º e 27.º da CRP; 1.º, 3.º e 9.º da DUDH; 9.º do PIDCP, 5.º da CEDH e 6.º da CDFUE).
AF. Constituindo a pena de prisão a ultima ratio da política criminal, consoante decorre do artigo 70.º do CP.
AG. O Arguido confessou, integralmente e sem reservas, a prática dos factos que lhe foram imputados.
AH. O Arguido, reagindo à situação financeira débil das sociedades que geria, sempre se apoiou na ideia e na vontade de recuperar o estado financeiro das mesmas e de manter a subsistência do negócio e assegurar o pagamento aos seus trabalhadores, algo que, por si só, não se afigura censurável.
AI. O Recorrente celebrou acordo de pagamento com os Serviços de Finanças, o qual visou o pagamento dos valores em dívida e que, tanto quanto pôde, cumpriu.
AJ. Devendo merecer toda a benevolência do Tribunal, entenda-se, da Justiça.
AK. Devia o Tribunal a quo ter relevado que o aqui Recorrente é pessoa idónea, respeitada e altamente empreendedora e profissionalmente inserida.
AL. Como descrito no relatório social o Arguido garante o sustento do seu agregado familiar.
AM. Mostrando-se assim substancialmente atenuadas as necessidades de prevenção geral e especial.
AN. Elementos a que, na sentença recorrida, não foi dada a devida importância.
AO. Ademais, a prisão efectiva do Arguido é susceptível a provocar um efeito contraproducente na vida e na personalidade daquele, que se encontra perfeitamente inserido, como se demonstrou.
AP. A prestação de trabalho a favor da comunidade em substituição da pena aplicada, prevista no artigo 58.º do CP, seria, por todo o exposto, mais do que justificada, amplamente recomendável.
AQ. Não pode ver o Arguido ser-lhe negada esta possibilidade, descurada na sentença recorrida, por não ter dado o seu consentimento para a mesma quando não foi interpelado para tal.
AR. Sem prejuízo do já concluído, sempre a medida de pena de dois anos será excessiva, porquanto a sentença não ponderou o conjunto variado de elementos de carácter atenuante supramencionado.
AS. A qualificação do dolo do Arguido como dolo directo é manifestamente desadequada.
AT. O dolo não será directo, mas sim necessário (artigo 14.º/2 do CP).
AU. Decorre do exposto que a pena é manifestamente desproporcional em relação aos factos dados como provados, atento o conjunto de atenuantes que, salvo o devido respeito, não foram tidas em consideração pelo tribunal recorrido.
AV. A ter em consideração todos os factores de determinação da pena em termos de culpa e prevenção especial, bem como o regime de atenuação especial da pena, esta deveria ser manifestamente inferior.
AW. A multa aplicada ao aqui Recorrente demonstra-se clamorosamente desajustada porquanto tudo o que vem alegado supra para a medida da pena, valerá certamente para a multa e, especialmente, tendo em conta que o ora Recorrente se encontra insolvente e apenas recebe o estritamente necessário para a sua sobrevivência.».

O recurso foi regularmente admitido.

O Ministério Público, junto da 1ª instância, respondeu ao recurso, dizendo que nas penas aplicadas ao arguido foram ponderadas todas as suas condições económicas e sociais e nesse juízo de ponderação concluiu-se, e bem, que este tinha possibilidades de devolver as quantias em dívida, acrescentando que, caso no futuro se venha a verificar que o mesmo não consegue devolver toda a quantia, mas que fez um esforço sério para a cumprir, tal não significa por si só, ao contrário do que o mesmo alega, a revogação automática da suspensão, na medida em que terá de ser feito todo um novo juízo de prognose e consoante o comportamento assumido pelo arguido, averiguar das causas do incumprimento e da culpabilidade ou não do arguido, nesse incumprimento.
Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procuradora-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso, remetendo para o alegado em 1ª Instância.

Foi cumprido o disposto no nº 2, do art. 417º, do CPP.
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
*
II- Fundamentação

Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no presente recurso suscitam-se as questões de saber se:

- as nulidades da sentença por omissão de pronúncia e contradição entre a matéria de facto e a decisão;
- a violação da Jurisprudência fixada no AFJ do STJ 8/2012 e do disposto nos arts. 14º, nº 1 do RGIT e 51, nº 2 do C. Penal.

Importa apreciar as enunciadas questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados na decisão recorrida e considerações atinentes à determinação da sanção (transcrição):

a) A sociedade arguida Y, LDA., tinha a sua sede, na data da prática dos factos, na Avenida …, em Braga;
b) Desde 20/2/2015 a sociedade arguida Y, LDA., passou a ter a sua sede na Rua …, Funchal;
c) A sociedade arguida Y, LDA., encontra-se registada em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas na atividade de “pastelarias e casa de chá”, com o CAE …, tendo como competente o Serviço de Finanças 1 e está enquadrada para efeitos do Imposto sobre o Valor Acrescentado – adiante designado pela sigla I.V.A. – no regime normal de periodicidade trimestral;
d) Não obstante C. M. figurar como sócio gerente da sociedade arguida, no período em causa nos presentes autos era o arguido ANTÓNIO o gerente de facto da sociedade arguida, sendo este quem geria e administrava a sociedade, tomando todas as decisões respeitantes ao seu funcionamento;
e) A sociedade arguida Y, LDA., realizou operações tributáveis, tendo procedido, nos termos dos artigos 19.º a 26.º e 78.º do Código do I.V.A., ao apuramento do I.V.A. e ao envio das declarações periódicas referidas no artigo 41.º do Código do I.V.A., mas não entregou, simultaneamente, com cada uma das referidas declarações periódicas, a prestação tributária necessária para satisfazer o imposto exigível, conforme quadro que se segue:

Período a que respeita a infração
Montante do I.V.A. apurado)
Percentagem de I.V.A. recebido
Data limite de pagamento
Imposto pago após notificação p. no art. 105.º, n.º 4, b), do R.G.I.T.
1.º Trimestre de 2014
52853,88€
100%
16-5-2014
211,47€
2.º Trimestre de 2014
33200,16€
100%
18-8-2014
0€
3.º Trimestre de 2014
56407,61€
100%
17-11-2014
0€

f) Não obstante, o arguido ANTÓNIO, em representação da sociedade arguida, decidiu não entregar, juntamente com as declarações periódicas, os referidos montantes de I.V.A., que recebeu nas percentagens supra referidas, quer no prazo para cumprimento de cada uma das obrigações supra indicado, quer nos 90 dias subsequentes, quer nos 30 dias contados da notificação para pagamento do imposto em dívida, juros compensatórios e valor mínimo da coima, notificados que foram pessoalmente, quer o arguido pessoa singular, enquanto tal, quer o legal representante da sociedade arguida, nos termos do disposto no artigo 105º, n.º 4, alínea b), do R.G.I.T., assim se apropriando, gerindo e utilizando, os ditos montantes de I.V.A. em proveito da sociedade arguida;
g) O arguido ANTÓNIO, ao proceder pelo sobredito modo, atuou sempre livre, deliberada e conscientemente, em nome e no interesse da sociedade arguida, lesando patrimonialmente o Estado – Administração Fiscal nos montantes supra referidos, que recebeu e reteve por título não translativo da propriedade, apropriando-se deles e integrando-os no giro económico normal da sociedade arguida, com esse mesmo propósito e em obediência ao mesmo desígnio, quando bem sabia que tais montantes não lhe pertenciam e que estava obrigado a proceder à respetiva entrega nos Cofres da Fazenda Pública, como podia e devia, deste modo invertendo o título de posse em relação aos montantes em dinheiro que efetivamente recebeu e reteve;
h) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei;
i) A sociedade arguida Y, LDA., passou dificuldades económicas na data da prática dos factos supra descritos;

Do processo comum singular n.º 258/14.8IDBRG (421/14.1IDBRG-A)

j) A sociedade arguida X – RESTAURAÇÃO E HOTELARIA, S.A., tem como objeto social “atividades de restauração, pastelaria, padaria, hotelaria e afins”, estando enquadrada para efeitos de I.V.A. no regime normal de periodicidade trimestral;
k) Entre 11 de julho de 2013 e 16 de julho de 2014 o arguido ANTÓNIO foi administrador único da sociedade arguida X – RESTAURAÇÃO E HOTELARIA, S.A.;
i) No exercício da sua atividade, durante o 3.º trimestre de 2013 a sociedade arguida X – RESTAURAÇÃO E HOTELARIA, S.A., por intermédio do arguido ANTÓNIO, cobrou e recebeu de clientes importâncias a título de I.V.A., que acresceram aos preços das mercadorias transacionadas ou dos serviços prestados;
m) Tais importâncias ascenderam ao montante global de 39153,01€ e foram integralmente recebidas até ao prazo legal de pagamento – 15 de novembro de 2013;
n ) Não obstante, o arguido ANTÓNIO, em representação da sociedade arguida, decidiu não entregar, juntamente com a declaração periódica, o referido montante de I.V.A., quer no prazo para cumprimento supra indicado, quer nos 90 dias subsequentes, quer nos 30 dias contados da notificação para pagamento do imposto em dívida, juros compensatórios e valor mínimo da coima, notificados que foram pessoalmente, quer o arguido pessoa singular, enquanto tal, quer na qualidade de legal representante da sociedade arguida, nos termos do disposto no artigo 105º, n.º 4, alínea b), do R.G.I.T., assim se apropriando, gerindo e utilizando, o dito montante de I.V.A. em proveito da sociedade arguida;
o) O arguido ANTÓNIO, ao proceder pelo sobredito modo, atuou sempre livre, deliberada e conscientemente, em nome e no interesse da sociedade arguida, lesando patrimonialmente o Estado – Administração Fiscal no montante supra referido, que recebeu e reteve por título não translativo da propriedade, apropriando-se dele e integrando-o no giro económico normal da sociedade arguida, com esse mesmo propósito e em obediência ao mesmo desígnio, quando bem sabia que tal montante não lhe pertencia e que estava obrigado a proceder à respetiva entrega nos Cofres da Fazenda Pública, como podia e devia;
p) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei;
q) No ano de 2013 e para efeitos de I.R.C., a sociedade arguida Y, LDA., declarou um lucro tributável de 37768,02€;
r) No ano de 2014 e para efeitos de I.R.C., a sociedade arguida Y, LDA., declarou um prejuízo fiscal de 397783,40€;
s) Foi instaurado o Processo Especial de Revitalização n.º 47/14.0TYVNG do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 1, tendo sido recusada a homologação do plano especial de revitalização relativamente à sociedade arguida X – RESTAURAÇÃO E HOTELARIA, S.A.;
t) O processo de socialização do arguido ANTÓNIO decorreu no seio da sua família de origem, com adequados níveis de coesão e solidariedade entre os seus elementos;
u) O arguido usufruiu de uma situação socioeconómica elevada, sendo os progenitores proprietários de indústrias metalúrgicas e têxtil;
v) O percurso escolar mostrou-se equilibrado até à conclusão do 12.º ano de escolaridade, aos 18 anos de idade;
w) Cumpriu o serviço militar obrigatório durante 2 anos e aos 20 anos iniciou o percurso profissional, em colaboração com os progenitores nas empresas da família - Grupo S., S.A.;
x) Cerca de 4 anos depois constituiu uma sociedade com a primeira esposa, no setor da comercialização de artigos para noivas;
y) Manteve esta atividade durante 5 anos, a qual veio a cessar na sequência do processo de divórcio;
z) A partir de 2008, o arguido foi constituindo novas empresas direcionadas para o fabrico de artigos de puericultura (carrinhos e cadeiras auto para bebé);
aa) Até 2013 o arguido exerceu a atividade profissional como gerente das empresas de que era sócio, posteriormente, as empresas evidenciaram sérias dificuldades financeiras na sequência da falência de três dos principais clientes e encerraram atividade;
bb) As suas empresas foram declaradas insolventes e em 27/05/2014, por decisão proferida no processo n.º 2898/14.6TBBRG, Braga- Instância Local – Sec- Cível – J1, foi declarada a insolvência pessoal do arguido e da sua esposa;
cc) O arguido ANTÓNIO contraiu o primeiro matrimónio aos 27 anos de idade e desta relação nasceram dois filhos, atualmente com 23 e 19 anos de idade;
dd) O arguido separou-se 5 anos depois, tendo vivenciado um processo de divórcio longo e desgastante, tanto ao nível emocional como financeiro, culminando com a perda das empresas e de algum do seu património pessoal;
ee) Posteriormente encetou nova relação afetiva, pouco duradoura, tendo nascido uma filha atualmente com 14 anos, da qual tem a guarda partilhada;
ff) Em 2009 o arguido contraiu matrimónio com atual esposa de quem tem uma filha atualmente com 4 anos de idade;
gg) Ao longo dos tempos, apesar das vicissitudes do processo de divórcio, o arguido beneficiou sempre de uma situação económica abastada;
hh) As suas rotinas estavam centradas no exercício da atividade profissional e na convivência com a família e amigos;
ii) À data dos factos que desencadearam o presente processo, o arguido constituía agregado com esposa e quatro filhos, duas menores de idade;
jj) Uma das filhas integra o agregado alternadamente, uma vez que o arguido tem a guarda partilhada e o filho mais velho, entretanto, integrou o agregado da avó paterna;
kk) O agregado residiu até janeiro 2016 em habitação própria, uma moradia unifamiliar com boas condições de habitabilidade e inserida numa zona favorecida da periferia urbana da cidade de Braga;
ii) Entretanto, perdeu a habitação para a entidade bancária e, desde então, o arguido e o seu agregado fixaram residência numa habitação arrendada;
mm) Trata-se de uma habitação com boas condições de habitabilidade, inserida num condomínio fechado, sito na zona balnear de Fão, concelho de Esposende;
nn) A dinâmica familiar e conjugal foi descrita como funcional e afetivamente gratificante, beneficiando o arguido de incondicional apoio da estrutura familiar restrita;
oo) Na data dos factos, o arguido exercia funções de gerente de facto da sociedade arguida no sector da restauração, pastelaria e confeitaria;
pp) O arguido retomou a gestão de facto da exploração dos espaços comerciais em início de 2017, entretanto atribuídos à sociedade DM, Lda., propriedade da sua filha mais velha;
qq) O arguido não tem um vencimento atribuído, sendo compensado com uma verba de cerca de 1.500€ mensais a título de ajudas de custo, montante com o qual assegura a subsistência do seu agregado familiar, ao que acresce uma renda de exploração dum dos restaurantes no valor de 1.500€ mensais;
rr) Apresenta como principais despesas a renda da habitação no valor mensal de 1.000€, acrescida de cerca de 160€ mensais a título de despesas correntes com a manutenção da habitação, 445€ referente às mensalidade dos estabelecimentos de ensino que duas das filhas frequentam, e 200€ de pensão de alimentos relativa a uma filha;
ss) Atualmente, o arguido centra todo o seu quotidiano na gestão de facto dos cinco espaços comerciais da sociedade em nome da filha mais velha;
tt) A título de lazer privilegia a convivência com ao núcleo familiar restrito e a prática de pesca desportiva;
uu)Nada consta do certificado de registo criminal da sociedade arguida X – RESTAURAÇÃO E HOTELARIA, S.A.;
vv) Nada consta do certificado de registo criminal da sociedade arguida Y, LDA.;
ww) No âmbito do processo comum coletivo n.º 4332/04.0TDRT da Instância Central do Porto – 1.ª Secção Criminal – J3 da Comarca do Porto, por acórdão datado de 20 de março de 2012, transitado em julgado no dia 23 de maio de 2013, relativamente a factos praticados no ano de 2004, o arguido foi condenado na pena única de 04 (quatro) anos de prisão, suspensa por igual período, na condição de proceder em igual período ao pagamento da quantia de 148000,00€ (cento e quarenta e oito mil Euros) ao Banco B, S.A., acrescida de juros moratórios, contados à taxa legal, desde 6/2/2004 e até integral pagamento, pela prática de dois crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo artigo 256.º, n.ºs 1 e 3, do C.P., e de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), ambos do C.P..
xx) No âmbito do processo comum singular n.º 229/13.1IDBRG do Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 2, por sentença datada de 14 de outubro de 2015, transitada em julgado no dia 13 de novembro de 2015, relativamente a factos praticadas no dia 21 de janeiro de 2013, o arguido foi condenado na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, a 06,00€ (seis Euros) por dia, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.º 1, do R.G.I.T.;
yy) A pena de multa supra referida foi declarada extinta pelo seu pagamento;
zz) No âmbito do processo comum singular n.º 1166/13.5TABRG do Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 2, por sentença datada de 22 de outubro de 2015, transitada em julgado no dia 23 de novembro de 2015, relativamente a factos praticados no dia 13 de julho de 2012, o arguido foi condenado na pena de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa, a 15,00€ (quinze Euros) por dia, pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea d), do C.P.;
aaa) A pena de multa supra referida foi declarada extinta pelo seu pagamento;
bbb) No âmbito do processo comum singular n.º 2117/13.2TABRG do Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 3, por sentença datada de 8 de janeiro de 2016, transitada em julgado no dia 8 de fevereiro de 2016, relativamente a factos praticados no dia 17 de julho de 2012, o arguido foi condenado na pena de 210 (duzentos e dez) dias de multa, a 05,00€ (cinco Euros) por dia, pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea d), do C.P.;
ccc) A pena de multa supra referida foi declarada extinta pelo seu pagamento;
ddd) No âmbito do processo comum singular n.º 3193/13.3IDPRT do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 2, por sentença datada de 23 de fevereiro de 2017, transitada em julgado no dia 27 de março de 2017, relativamente a factos praticados no dia 15 de fevereiro de 2013, o arguido foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.º 1, do R.G.I.T., tendo sido dispensado de pena.
*
Determinação da Sanção.

«A conduta praticada pelo arguido ANTÓNIO, no que se refere à sociedade Y, LDA., é abstratamente punível com pena de prisão de um a cinco anos (cfr. o artigo 105.º, n.ºs 1 e 5, do R.G.I.T.).
Cabe agora proceder à determinação da pena de prisão em que o arguido pessoa singular deverá ser condenado.
A determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, nos termos dos artigos 13.º e 3.º, alínea a), ambos do R.G.I.T., far-se-á de acordo com as disposições aplicáveis do C.P. e considerando, sempre que possível, o prejuízo sofrido pela Fazenda Nacional.

Segundo o artigo 71.º, n.º 1, do C.P., a determinação da medida da pena deverá ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Qual a função que cabe à culpa e à prevenção no processo unitário de medida da pena?
A prevenção geral positiva fornece-nos uma “moldura de prevenção”: o limite máximo é constituído pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias; abaixo desse ponto ótimo, outros existem em que aquela tutela é efetivamente consistente e onde a pena ainda desempenha a sua função primordial.

Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos -, podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia ótima de proteção de bens jurídicos.
A medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. A função desta consiste numa incondicional proibição do excesso, ou seja, “a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas” (cfr. o Professor Jorge de Figueiredo Dias, in Consequências Jurídicas do Crime, página 230). O limite máximo de pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, sob pena de pôr em causa a dignitas humana do delinquente (cfr. o artigo 40.º, n.º 2, do C.P.).

Estabelecida a forma como se relacionam a culpa e a prevenção no processo de determinação concreta da pena e qual a função que uma e outra cumprem naquele processo, importa eleger a totalidade das circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a culpa e para a prevenção. A esta tarefa chama o Professor Figueiredo Dias, in Consequências..., página 232, “a determinação do substracto da medida da pena e àquelas circunstâncias os factores de medida da pena”.

Na prossecução desta tarefa é o juiz auxiliado pelo artigo 71.º, n.º 2, do C.P., o qual, depois de estabelecer que aquele atenderá, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, enumera, de forma exemplificativa, alguns dos mais importantes fatores de medida da pena de carácter geral, isto é, que podem ser tomados em consideração relativamente a qualquer disposição da Parte Especial do C.P..
A favor do arguido importa ponderar as seguintes circunstâncias: -trabalhar; -o pagamento, ainda que parcial, do I.V.A. em dívida; -a sua confissão livre, integral e sem reservas;

Contra o arguido importa considerar as seguintes circunstâncias: -as elevadas exigências de prevenção geral, tendo em conta que é cada vez maior o número de crimes desta natureza julgado nesta Comarca de Braga; -a elevada ilicitude da sua conduta, atentando no valor concreto da prestação tributária que não foi entregue ao Estado, mas antes integrada no património da sociedade arguida; -a intensidade do seu dolo – na forma direta; -a falta de regularização da totalidade das quantias em dívida a título de capital e demais acréscimos legais até à presente data; -os seus antecedentes criminais.
Ponderados todos estes elementos, com a convicção de que assim será conseguida a sua plena ressocialização, entendo adequado fixar a pena de 02 (dois) anos de prisão.
A pena de prisão supra determinada não pode ser substituída por pena de multa (cfr. o artigo 43.º, a contrario, do C.P.), não pode ser cumprida em regime de permanência na habitação (cfr. o artigo 44.º, a contrario, do C.P.), não pode ser cumprida em dias livres (cfr. o artigo 45.º, a contrario, do C.P.) e não pode ser cumprida em regime de semidetenção (cfr. o artigo 46.º, a contrario, do C.P.).

Mais entendo que a substituição da pena de prisão concretamente fixada pela prestação de trabalho a favor da comunidade não é igualmente possível, porquanto o arguido não prestou consentimento nesse sentido e, por outro lado, tal forma de cumprimento não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. o artigo 58.º, a contrario, do C.P.).

Resta a possibilidade de suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido nos termos dos artigos 50.º e ss do C.P.

Ensina o Professor Jorge de Figueiredo Dias que “pressuposto material da aplicação material do instituto (suspensão da execução da pena) é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente” (in Consequências Jurídicas…, páginas 342 e 343. No fundo, aquilo que H. Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal – Parte General, 4.ª Edição, 1993, pp. 758 e segs., chama um “prognóstico social favorável”).

Com efeito, nos termos do artigo 50.º do C.P., o Tribunal suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se fizer um prognóstico favorável baseado na personalidade do agente, nas condições da sua vida, na sua conduta anterior e posterior ao facto e nas circunstâncias do mesmo.
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes.

Sucede que o artigo 14.º, n.º 1, do R.G.I.T., estatui que “a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.”.

Ora, o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência no seguinte sentido: “No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.” (cfr. o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2012, publicado no Diário da República 1.ª Série A, de 24/10/2012).

Ora, da matéria de facto provada resulta inequívoco que o arguido se encontra em condições presentes para proceder ao pagamento das prestações tributárias em causa nos presentes autos, quer total, quer parcialmente, tendo em conta que aufere a quantia mensal de 1500,00€, a título de ajuda de custos, bem como a quantia de 1500,00€ a título de renda de exploração de um estabelecimento, pelo que, em obediência ao supra referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e respetiva fundamentação, entendo que ainda é possível fazer um juízo de prognose favorável ao arguido determinante da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos termos legais supra citados, assim se afastando a sua aplicação efetiva.

Assim, decido suspender a pena de prisão aplicada ao arguido pelo prazo de 02 (dois) anos, nos termos do artigo 50.º, n.º 5, do C.P., condicionando a suspensão da pena ao pagamento ao Estado do montante de I.V.A. cuja entrega se encontra em falta relativa ao 1.º, 2.º e 3.º trimestre de 2014, o qual deverá ser efetuado no prazo de 02 (dois) anos contados sobre o trânsito em julgado da presente decisão, disso ficando o arguido obrigado a fazer prova nos autos.

No que se refere à sociedade X - RESTAURAÇÃO E HOTELARIA, S.A., a conduta praticada pelo arguido ANTÓNIO é abstratamente punível com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias (cfr. o artigo 105.º, n.º 1, do R.G.I.T.).

Nos termos do artigo 70.º do C.P., “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
O artigo 40.º do C.P. estabelece a proteção de bens jurídicos e a reinserção do agente na sociedade como as finalidades da aplicação de uma pena.

A necessidade de proteção de bens jurídicos traduz-se “na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma infringida” (cfr. o Professor Jorge de Figueiredo Dias, in Consequências Jurídicas do Crime, 1993, página 228). Trata-se da chamada prevenção geral positiva ou de integração e que decorre do princípio político-criminal básico da necessidade da pena consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

No presente caso, não obstante o elevado número de crimes desta natureza praticado nesta comarca, tendo em conta o montante envolvido, entendo suficiente a aplicação de uma pena de multa para realizar o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.

Uma vez que o C.P. adotou o sistema dos dias-de-multa, a fixação da medida concreta da pena de multa, nos termos do artigo 47.º, n.ºs 1 e 2, do C.P., cinde-se em dois momentos:

1 .num primeiro momento, determinam-se os dias de multa, atendendo aos critérios estabelecidos no artigo 71.º, n.º 1, do C.P., ou seja em função da culpa e das exigências de prevenção;
2. num segundo momento, procede-se à determinação do quantitativo diário da pena de multa, a fixar em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

Em primeiro lugar, importa proceder à determinação do número de dias de multa em que o arguido deverá ser condenado.

Segundo o artigo 71.º, n.º 1, do C.P., a determinação da medida da pena deverá ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Qual a função que cabe à culpa e à prevenção no processo unitário de medida da pena ?
A prevenção geral positiva fornece-nos uma “moldura de prevenção”: o limite máximo é constituído pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias; abaixo desse ponto ótimo, outros existem em que aquela tutela é efetivamente consistente e onde a pena ainda desempenha a sua função primordial.

Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos -, podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.

Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia ótima de proteção de bens jurídicos.

A medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. A função desta consiste numa incondicional proibição do excesso, ou seja, “a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas” (cfr. o Professor Jorge de Figueiredo Dias, in Consequências..., página 230). O limite máximo de pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, sob pena de pôr em causa a dignitas humana do delinquente (cfr. o artigo 40.º, n.º 2, do C.P.).

Estabelecida a forma como se relacionam a culpa e a prevenção no processo de determinação concreta da pena e qual a função que uma e outra cumprem naquele processo, importa eleger a totalidade das circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a culpa e para a prevenção. A esta tarefa chama o Professor Jorge de Figueiredo Dias, in Consequências..., página 232, “a determinação do substracto da medida da pena e àquelas circunstâncias os factores de medida da pena”.

Na prossecução desta tarefa é o juiz auxiliado pelo artigo 71.º, n.º 2, do C.P., o qual, depois de estabelecer que aquele atenderá, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, enumera, de forma exemplificativa, alguns dos mais importantes fatores de medida da pena de carácter geral, isto é, que podem ser tomados em consideração relativamente a qualquer disposição da Parte Especial do C.P..
A favor do arguido importa ponderar as seguintes circunstâncias: - trabalhar, sendo o sustento do agregado familiar em que se insere; -a confissão livre, integral e sem reservas;
Contra o arguido importa considerar as seguintes circunstâncias: -a ilicitude da sua conduta, atentando no valor da quantia que não foi entregue ao Estado, mas antes integrada no património da sociedade arguida;- a intensidade do seu dolo – na forma direta; - as elevadas exigências de prevenção geral, tendo em conta o elevado número de crimes desta natureza praticados nesta comarca de Braga; - a falta de regularização da totalidade da quantia em dívida a título de capital e demais acréscimos legais até à presente data; - os antecedentes criminais do arguido.

Assim, ponderando todas as razões acima avançadas e com vista a conseguir a plena ressocialização do arguido, entendo adequado fixar a pena de multa em 180 (cento e oitenta) dias.».
A favor do arguido importa ponderar as seguintes circunstâncias: -trabalhar; -o pagamento, ainda que parcial, do I.V.A. em dívida; -a sua confissão livre, integral e sem reservas;
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Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

O arguido António invoca que a decisão recorrida não fez qualquer ponderação quanto à sua incapacidade para pagar a quantia condicionante da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, verificando-se assim, a sua nulidade por omissão de pronúncia.
Na concretização de tal alegação sustenta que foi declarado insolvente encontrando-se impedido de proceder à afectação de qualquer rendimento, com vista ao pagamento da obrigação a que foi condenado pelo tribunal de 1ª instância e que, não obstante se ter dado como provado que está insolvente, não se atendeu a esta situação, em sede de suspensão da execução da pena, opinando que, com essa decorrência, também se verifica o vício da contradição entre a matéria de facto e a decisão.

Vejamos.

A nulidade da sentença por omissão de pronúncia sucede quando o tribunal deixa de decidir uma questão que faz parte do objecto do processo levado ao julgamento. Este objecto é definido em primeira linha pela acusação/pronúncia e pela contestação, mas também pode ser alargado pelos factos que resultarem da discussão da causa (julgamento), sem prejuízo do preceituado nos artigos 358º e 359º do CPP, desde que sejam relevantes para a decisão a proferir e, mais concretamente, para a resolução das questões elencadas no nº 2 do artigo 368º do CPP e, no caso de se concluir, pela condenação do arguido, para decidir sobre a determinação da espécie e medida da pena a aplicar.
Tal vício prende-se com o incumprimento do dever de resolver todas as «questões» submetidas à apreciação do tribunal, exceptuando aquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela solução dada a outra, verificando-se, pois, quando tenha ocorrido ausência de decisão (1).

Dito de outro modo, a omissão de pronúncia constitui um vício da decisão que se consubstancia na violação por parte do julgador dos seus poderes/deveres de cognição, ocorrendo quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que a lei impõe que conheça e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não esteja impedido de se pronunciar.

Retira-se linearmente dos factos provados nos itens bb), pp) e qq), que por decisão proferida em 27/05/2014, no processo n.º 2898/14.6TBBRG, Braga - Instância Local - Sec. Cível - J1, foi declarada a insolvência pessoal do arguido António e da sua esposa, tendo o arguido retomado a gestão de facto da exploração dos espaços comerciais em início de 2017, entretanto atribuídos à sociedade DM, Lda., propriedade da sua filha mais velha e, embora não tendo um vencimento atribuído, é compensado com uma verba de cerca de €1.500 mensais a título de ajudas de custo, montante com o qual assegura a subsistência do seu agregado familiar, ao que acresce uma renda de exploração dum dos restaurantes no valor de € 1.500 mensais.

Por outro lado, se nos debruçarmos sobre a fundamentação da decisão, mais concretamente, da parte respeitante à determinação da medida da pena e sua substituição, nela é feito um juízo de prognose de razoabilidade de pagamento das prestações tributárias em causa, tendo em conta as quantias auferidas mensalmente pelo arguido, mas nada se diz quanto ao seu estado de insolvência, nomeadamente sobre a repercussão de tal declaração no rendimento efectivamente disponível pelo mesmo.

Fica-se sem se saber se, (apenas) implicitamente, teria sido ponderada a situação de insolvência do arguido, mas, sobretudo, importaria apurar se a insolvência foi qualificada como culposa ou fortuita (2) e, a verificar-se esta última situação, se foi requerida e concedida a exoneração do passivo restante e as respectivas condições, para se saber qual a quantia que o arguido se encontra obrigado a entregar ao fiduciário, não obstante a exoneração não abranger os créditos por crimes ou os créditos tributários (3).

Trata-se de factos com relevância para a decisão da causa, designadamente, ao nível da determinação da pena de substituição, tendo em conta a fundamentação plasmada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2012, publicado no Diário da República 1.ª Série A, de 12-09-2012 e aos fins visados pelo legislador, tendo-se ficando aquém do mínimo razoavelmente exigível, em termos factuais, de crucial importância para aquela tomada de decisão.

Na verdade, nos termos do art. 14, nº 1 do RGIT a suspensão da execução da pena aplicada é sempre condicionada ao pagamento dos benefícios indevidamente obtidos e acréscimos legais.

Discutiu-se na jurisprudência se a aplicação automática da subordinação da suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento da quantia em dívida violaria os princípios da igualdade e da proporcionalidade. É, porém, questão já ultrapassada pelo mencionado acórdão de uniformização que fixou a seguinte jurisprudência: «No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.».

Acresce que, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 51º do C. Penal, os deveres impostos para a suspensão da execução da pena não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir, consagra-se, assim, o princípio da razoabilidade, a que tem de obedecer a imposição dos deveres.

De pouco valerá sujeitar a suspensão a um dever económico apenas prima facie imponível de forma cega, automática, se o montante pecuniário daquele e/ou prazo concedido para o seu cumprimento, considerando, sobremaneira, a deficiente condição económica do condenado, permitem antever que este, com grande probabilidade, não o vai observar.

Por sua vez, como se afirma no mencionado acórdão de uniformização de jurisprudência, «Ao decretar-se a imposição da condição deve ter-se uma imagem global do condicionamento, da real dimensão económica do dever imposto, que a opaca fórmula legal de jeito algum deixa transparecer, em que se incluem juros compensatórios e moratórios, com vista à reparação integral, plena, a que pode ser acoplada, caso o juiz o entenda, o montante previsto na segunda parte do n.º 1 do artigo 14.º do RGIT».

Ou seja, na avaliação da opção pela suspensão não podem ser olvidados os condicionalismos inerentes ao agente e se é certo que a impossibilidade de cumprimento não integra os elementos constitutivos do tipo, tal avaliação tem de estar presente no juízo de opção pela substituição.
A questão que se coloca é, então, a de saber qual o vício que corresponde à enunciada omissão.

Ora, não podemos concordar com o arguido/recorrente quando afirma que existe omissão de pronúncia, na medida em que o Sr. Juiz fez um «juízo de prognose de razoabilidade» acerca das suas capacidades económicas para satisfação da condição de suspensão da pena em que foi condenado. O que existe, sim, é uma carência de factos para cabal apuramento da real situação económica presente e futura do arguido, tendo em conta que foi declarada a sua insolvência por força da qual, segundo o mesmo alega, não pode dispor das quantias que foram dadas como provadas na decisão recorrida.

Segundo pensamos, o vício que ocorre é o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nos termos previstos no art. 410º, nº 2, al. a).

Com efeito, de acordo com o enunciado no art. 410º, nº 2, alínea a), do CPP, verifica-se o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando esta seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito, em virtude de o tribunal não ter investigado toda a matéria de facto com interesse para a decisão. A matéria de facto assente pode estar afectada dessa insuficiência tanto quando não permite a subsunção efectuada em termos de imputação de determinado crime, como quando não permite um juízo inteiramente fundamentado sobre a medida e o doseamento da pena, designadamente quanto à opção entre penas não privativas e privativas da liberdade, entre pena de prisão efectiva e penas de substituição desta, ou, ainda, no caso de pena de multa, para a determinação da respectiva taxa.
Este vício só releva se resultar do texto da decisão recorrida, apreciado na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois é um vício da decisão, não do julgamento (4).
Não tendo o Tribunal de 1ª instância procedido à indagação necessária das condições económicas do arguido/recorrente, como podia e devia ter feito, nomeadamente analisando a eventual repercussão da declaração da sua insolvência, a sentença enferma, nesta parte, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (5).

Não se desconhecem, é certo, os diferentes entendimentos expressos na jurisprudência, no sentido de que, quando o tribunal de 1ª instância decide sem ter ao seu dispor elementos que lhe permitam fundear um juízo sobre a situação económica e financeira do condenado, se impõe a reabertura da audiência para produção de prova suplementar para a determinação da medida da sanção a aplicar, como expressamente prevêem os arts. 369º, nº 2 e 371º do CPP. Foi o que sustentaram os acórdãos da RL de 10-09-2013 (P. 58/12.0PJSNT.L1) e desta Relação de 05-06-2006 (P. 765/05-1) e de 23-02-2015 (P. 218/12.3TAPRG.G1). Identicamente, também o Conselheiro Simas Santos, no voto de vencido lavrado no Ac. do STJ de 29/04/2003 (P. 03P756), se pronunciou pelo seguinte modo: «a meu ver impunha-se a anulação do acórdão e a reabertura da audiência para a determinação da sanção (art. 371º do CPP), a realizar pelo mesmo Tribunal. O reenvio tem por objectivo evitar a repetição do julgamento perante o mesmo Tribunal que já tomou posição anterior sobre a valia da prova produzida. Ora, no caso, trata-se de prova suplementar, ainda não produzida e em relação à qual o tribunal recorrido ainda não assumiu posição».

E também não há unanimidade no perímetro dos que entendem tratar-se do vício da nulidade da sentença, defendendo uns tratar-se da nulidade prevista na al. a) do nº 1 do art. 379º, com referência ao nº 2 do artigo 374º, ambos do CPP (6), e outros de uma omissão de pronúncia, nos termos previstos na al. c) do nº 1 do mesmo preceito (7).

Assim, a verificação do enunciado vício do artigo 410º, nº 2, desencadeia a sua supressão pelo tribunal de recurso, se tal for possível, e, em consequência, a decisão da causa por esse mesmo tribunal ou, na sua impossibilidade, a anulação do julgamento e o reenvio do processo para novo julgamento na totalidade ou para questões concretas identificadas na decisão de reenvio (art. 426º, nº 1).

A correcção desse vício implica sempre uma decisão sobre matéria de facto, a levar a cabo nos termos do artigo 426º, nºs 1 e 2, quer pelo próprio tribunal de recurso com jurisdição em matéria de facto, ou, tal não sendo possível, pelo tribunal reenviado para o efeito (8).

Como anota Paulo Pinto de Albuquerque (9), havendo impugnação da matéria de direito com arguição de vício do art. 410º, nº 2, o tribunal da relação deve verificar se é possível decidir da causa (art. 426º, nº 1,) com os elementos de prova disponíveis no processo que fundamentaram a decisão recorrida [art. 431º, al. a)], excluindo a documentação da prova da audiência. Não sendo aqueles elementos de prova suficientes para sanar o vício (art. 410º, nº 2), o tribunal da relação não pode saná-lo com base na documentação da prova ou na renovação da prova, uma vez que ambas dependem da impugnação da matéria de facto [art. 431º, al. b), e art. 430º, nº 1]. Portanto, não sendo possível sanar o vício previsto no art. 410º, nº 2, com os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre a matéria de facto do tribunal de primeira instância (excluindo a documentação da prova), o tribunal da relação deve ordenar o reenvio do processo.

No caso vertente, não tendo havido impugnação ampla da matéria de facto pela via do erro de julgamento (art. 412º), abrangendo os pontos em que se detecta o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, torna-se impossível proceder à sua sanação, impondo-se o reenvio do processo para novo julgamento, restrito ao supra referido segmento, a real situação económica do arguido/recorrente, e, bem entendido, à questão de direito por ela repercutida, nomeadamente a da medida de substituição, reabrindo-se, pois, todas as questões relacionadas com a determinação da pena (10).

Na procedência desta questão de índole processual fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas (cfr. art. 660º, nº 1 do CPC, aplicável ex-vi artigo 4º do CPP).
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Decisão:

Nos termos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em declarar que a sentença recorrida enferma do vício decisório de insuficiência da matéria de facto e, em consequência, nos termos dos artigos 426º, nº 1, e 426º-A do do Código de Processo Penal, determinar, o reenvio do processo para novo julgamento, restrito à matéria da situação económica do arguido/recorrente, repercutida pela sua situação de insolvência, reabrindo-se todas as questões relacionadas com a determinação da pena.

Sem tributação.
Guimarães, 10/07/2018

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado

1 A expressão «questões», de modo algum, se pode confundir com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que os sujeitos processuais fundam a sua posição na controvérsia, antes se prende, desde logo, com a pretensão punitiva do Estado ou com a de ressarcimento que os demandantes submetam à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir invocadas.
2 Arts. 185º e 186º do CIRE.
3 Art 245º, alíneas c) e d) do CIRE
4 Como enfatiza Maria João Antunes, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro/Março de 1994, p. 121, citada no Ac. da RL de 10-09-2013 (P. 58/12.0PJSNT.L1).
5 No mesmo sentido se pronunciaram, entre outros, os Acs.: do STJ de 6/11/2003 (P. 03P3370), da RL de 10/02/2010 (P. 372/07.6GTALQ.L1-3); desta Relação de 5/06/2006 (P. 765/05-1), de 11/06/2012 (P. 317/11.9GTVCT.G1) e de 02/11/2015, (P. 72/15.3GAFAF.G1); da RC de 05/11/2008 (P. 268/08.4GELSB.C1), de 23/02/2011 (P. 83/09.8PTCTB.C1), de 23-01-2013 (P. 18/09.8TAMMV.C1) e de 21-11-2016 (P. 247/038PBBGC.G1); da RP de 18/11/2009 (P. 12/08.6GDMTS.P1), de 02/12/2010 (P. 397/10.4PBVRL.P1) e de 02/12/2010); da RE de 11/09/ 2012 (P. 109/12.8PALGS.E1) e de 20/11/2012 (P. 186/09.9GELL.E1).
6 Ver entre outros Ac. da RC de 18/05/2011, proc. 113/09.3GBFVN.
7 Entre outros, Acs. da RG 12/03/2012 (p. 485/10.7GCBRG), da RL de 10/01/2013 (p. 905/05.2JFLSB.L1-9) e da RE de 9/01/2018 (p. 222/14.8GCSTR.E1).
8 Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 1357.
9 In Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. actualizada, Universidade Católica Portuguesa, págs. 1163 e 1158.
10 Cf., ainda, o seguinte extracto da fundamentação do citado AUJ do STJ n.º 8/2012: «Nada impede que concluindo o julgador pela impossibilidade de cumprimento, se repondere a hipótese de optar por pena de multa, pois o processo de confeção da pena a aplicar não é um caminho sem retorno, há que avaliar todas as hipóteses e dar um passo atrás, se necessário, encarando todas as soluções jurídicas pertinentes, conforme estabelece o artigo 339.º, n.º 4, do CPP».