Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3549/21.8T8VNF.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
HOMOLOGAÇÃO PLANO PAGAMENTOS
APLICAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO ART. 212.º
N.º 2 DO CIRE AO PEAP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da responsabilidade do Relator - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

1- Quer pelo elemento gramatical do art. 222º-F, n.ºs 3 e 5, quer pelo elemento histórico do art. 17º-F, n.º 3 (que corresponde ao atual vigente n.º 5 desse art. 17º-F) aplicável ao PER, quer pelo elemento teleológico que subjaz à norma contida no art. 212º, n.º 1, todos do CIRE, o regime jurídico previsto nesse art. 212º, n.º 2, que procede à delimitação negativa do direito de voto que assiste aos credores do devedor, é aplicável ao PEAP.
2- A não homologação do plano de pagamento aprovado por maioria dos credores do devedor, requerente de PEAP, com fundamento no art. 216º, n.º 1 do CIRE, não é oficiosa, mas tem de ser requerida pelos interessados (devedor, credor, sócio, associado ou membro do devedor) ao tribunal, e o deferimento desse pedido está dependente da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais cumulativos: a) o requerente não ser proponente do plano aprovado pela maioria dos credores do devedor; b) o requerente votar contra a deliberação de aprovação desse plano; e c) no próprio voto negativo, na ata de abertura de votos a que alude o n.º 4 do art. 222º-F, ou em requerimento autónomo, a apresentar no prazo de dez dias, a que alude o n.º 2 do mesmo art. 222º-F, alegue factos e circunstâncias que sejam demonstrativas, em termos plausíveis, que se verifica um dos fundamentos de recusa da homologação do plano previstos nas als. a) e b), do n.º 1 do art. 216º.
3- Assim, para que o tribunal possa recusar a homologação do plano de pagamento a solicitação dos interessados, nos termos do art. 216º do CIRE, não basta o simples voto negativo do credor.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

F. C. e mulher, M. C., residentes na Travessa …, concelho de Barcelos, instauraram a presente ação especial para acordo de pagamento, alegando, em síntese, que, para auxiliarem os filhos nas atividades destes, exercida através de sociedades, e a fim de permitirem a viabilização económica dessas sociedades, aceitaram ser seus avalistas e dar os prédios da sua propriedade de hipoteca às entidades bancárias financiadoras; acontece que fruto do estado de crise financeira, as referidas sociedades começaram a registar incumprimentos no pagamento das suas responsabilidades, o que degenerou na propositura de ações judiciais (que identificam) contra os requerentes, na qualidade de avalistas; não obstante, os requerentes reúnem condições para recuperar, porquanto, os seus ativos imobiliários são superiores ao passivo, estão empenhados em angariar fundos para obviar às suas obrigações e existe disponibilidade dos seus credores em encetarem negociações tendentes a concluir um acordo conducente à revitalização dos requerentes, por meio da aprovação de um plano de pagamento.
Juntaram, entre outros documentos, certidões de nascimento e de casamento, declaração subscrita pelos próprios e pela credora “Cooperativa Agrícola de ..., CRL”, em que manifestam ser sua vontade encetarem negociações conducentes à elaboração de um acordo de pagamento, e lista das ações de cobrança de dívida que pendem contra os requerentes.
Finalmente, requerem que seja nomeado administrador judicial provisório o Senhor Dr. F. J., que melhor identificam.
Por despacho proferido em 24/06/2021, a 1ª Instância proferiu despacho de admissão do presente processo, em que nomeou como administrador judicial provisório o Senhor Dr. F. J., que declarou aceitar essa nomeação.
Em 20/07/2021, o administrador judicial provisório apresentou a lista provisória de créditos, a qual não foi objeto de impugnação.
Por requerimento entrado em juízo em 24/09/2014, os requerentes e o administrador de insolvência requereram a prorrogação do prazo para concluir as negociações em curso, pelo período de um mês.

Em 27/10/2021, os requerentes juntaram aos autos acordo de pagamento aprovado por maioria dos seus credores, requerendo que fosse publicado anúncio no portal Citius, com as advertências constantes do n.º 2 do art. 222º-F do CIRE, na qual é proposto o seguinte acordo de pagamento:

“A) Estado - Autoridade Tributária e Aduaneira
- Nos termos do estatuído nos nºs. 3, 4, 5 e 6 do art.º 196º do CPPT e do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16/03, os valores em dívida vencerão juros à taxa anual que vier a ser estipulada pela AT, após análise que efetuarão à renúncia dos credores privados e garantias prestadas;
- Nos termos previstos na legislação acima referida, concretamente o n.º 5 do artigo 196.º do CPPT, a quantia exequenda, custas e juros de mora não perdoados, serão liquidados em regime prestacional, concretamente até 5 prestações, não podendo nenhuma delas ser inferior a 01 unidade de conta;
- A primeira prestação vence-se no mês seguinte à data da sentença homologatória do Acordo de Pagamento;
- Manutenção das garantias existentes nos termos do n.º 13, do art.º 199.º do CPPT;

B) Estado - Instituto de Gestão Financeira e Segurança Social

- O pagamento da dívida reconhecida no PEAP em 01 prestação, mensal e sucessiva, com o vencimento da 1.ª prestação a ocorrer no mês seguinte à data de aprovação do acordo de pagamento;
- As ações executivas pendentes para cobrança de dívida à Segurança Social não são extintas mantendo-se suspensas após aprovação e homologação do plano de revitalização até integral cumprimento do plano de pagamento que venha a ser autorizado;
- Taxa de juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas;
- Dispensa de garantias nos termos do artigo 199.º, n.º 13 do CPPT;

C) Créditos Garantidos e Comuns
- Período de carência de capital de 18 meses, iniciados após trânsito em julgado da sentença de homologação do Acordo de Pagamento;
- Pagamento de 100% do capital em dívida em 150 prestações mensais iguais e sucessiva, com início após o decurso do período de carência de capital;
- A primeira prestação terá vencimento no último dia do mês que decorrer o termo do período de carência que é de 18 meses;
- Perdão de juros de mora, juros vencidos e vincendos;
- Manutenção das garantias constituídas, referente à hipoteca sobre os bens”.

Em 09/11/2021, o administrador judicial provisório juntou aos autos o mapa de votação e os votos e, bem assim a ata de abertura destes, em que se vê que os credores Caixa ... e P. J., S.A., votaram contra a aprovação do acordo de pagamento apresentado pelos requerentes.
Por sua vez, os credores Caixa ..., CRL, Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., Cooperativa Agrícola de ..., CRL, e Administração Fiscal votaram favoravelmente à aprovação desse acordo de pagamento.
Na ata de abertura dos votos elaborada pelo administrador judicial provisório lê-se, além do mais, que “(…) tomando em consideração a totalidade de votos emitidos, aferiu-se que os votos emitidos perfazem 100% do total dos credores relacionados com direito de voto, representando os votos favoráveis 61,13% dos votos emitidos, (…). Assim, considerando o disposto na alínea b) do n.º 3 do art. 22º -F do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, a proposta de acordo de pagamento apresentada pelos devedores encontra-se aprovada, por se ter verificado a maioria dos votos emitidos favoravelmente nos termos das disposições legais acima citadas”.

Por sentença proferida em 15/11/2021, a 1ª Instância homologou o plano de pagamento, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art. 222º-F, n.º 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, homologo, por sentença, o acordo de pagamento apresentado pelos devedores, ora junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
*
Custas pelos devedores, nos termos do art. 222º - F, n.º 9, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Fixo à ação o valor de € 5000,01 - art. 301º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.

Inconformada com o assim decidido, a credora P. J., S.A., interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

I. Não pode a ora Recorrente conformar-se com a decisão do Tribunal “a quo” de 15/11/2021 (sentença proferida nos autos com refª Citius 176050393) quanto à “aprovação do Acordo de pagamento (artigo 222º F, n.º 3 do CIRE)”.
II. Ab initio de referir concordar a Recorrente com a douta sentença no que se refere à “Remuneração do Sr. AJP”, isto é, quanto aos pontos I. a V.
III. A nossa discordância com a decisão do Tribunal “a quo” funda-se em aspetos sobre factos e em questões de direito que serviram de fundamento à douta sentença proferida, que aprovou a homologação do Acordo de Pagamento (“Da aprovação do Acordo de Pagamento (artigo 222ºF, n.º 3 do CIRE)”, atendendo à situação manifestamente mais desfavorável que resulta da simples e célere liquidação do ativo.
IV. Na douta sentença foi homologado o plano de pagamento aos credores com recurso ao artigo 222.º-F, n.º 3 CIRE, alínea b) e das alíneas a) e b) n.º 4 do artigo 222º F do CIRE, isto é, in casu votaram todos os credores tendo o Plano “…recolheu o voto favorável de mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, sendo que mais de metade destes correspondem a créditos não subordinados”.
V. Assim sendo, considerou o Tribunal “a quo” estar preenchida a alínea b) do n.º 3 do artigo 222ºF do CIRE, tendo concluído por “O Acordo de pagamento foi aprovado”.
VI. Quanto à “Homologação do Plano” remete o douto Tribunal “a quo” para os artigos 215º e 216º ambos do CIRE, concluindo e tomando como “Decisão”: (…) “…ao abrigo do disposto no art. 22ºF, n.º 5 do CIRE, homologo, por sentença, o acordo de pagamento apresentado pelos devedores, ora junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido”.
VII. Contudo, salvo melhor opinião, a douta sentença é totalmente omissa quanto a outros aspetos de facto e de Direito, que, em nosso entendimento, inquinam a douta sentença.
VIII. Desde logo, sempre se poderia considerar que o preceito legal do artigo 212º, nº2 a) e b) do ClRE não é aplicável ao processo especial de revitalização, mas antes ao plano de insolvência, pois o Dec-Lei 26/2015, de 26/2, introduziu uma nova redação no art. 17º-F, nº3, do CIRE, tendo o legislador expurgado a remissão para o art. 212° do CIRE.
IX. Com efeito, nos termos do n.º 4 do artigo 222.º-I do CIRE é aplicável à homologação do plano de pagamentos o disposto nos artigos 215.º e 216.º do CIRE aplicável à não homologação do plano de insolvência.
X. A douta sentença também fez tábua rasa ao disposto no artigo 216.º n.º 1 alínea a) do CIRE o qual dispõe que o juiz recusa a homologação do plano a pedido de algum credor que demonstre, em termos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, o que é o caso sub judice. (negrito nosso)
XI. Atendendo ao incumprimento contratual ocorrido a 21 de agosto de 2014 (contrato de mútuo com garantia hipotecária n.º ………………….00) e 7 de agosto de 2016 (cartão de crédito n.º ………………….00 de F. R.), o contrato de mútuo e de utilização de cartão de crédito consideram-se resolvidos por incumprimento definitivo, quando ocorre a falta de pagamento de uma ou mais prestações, estando por isso a dívida vencida e sendo exigível desde agosto de 2014 e agosto de 2016, respetivamente.
XII. Ao contrato de mútuo com hipoteca (e de utilização de cartão de crédito) houve alteração das circunstâncias – resolução contratual (artigo 437.º do Código Civil) – atendendo a incumprimento definitivo, por falta de pagamento de uma ou mais prestações (artigos 432º, artigo 1142º e 1150º todos do Código Civil), estando por isso a dívida vencida e sendo exigível.
XIII. Face ao exposto, não existem dúvidas de que o contrato de mútuo celebrado com os Devedores, teve uma modificação por alteração das suas circunstâncias - a sua resolução, não sendo assim, admissível a aplicação do artigo 212º n.º 2 alínea a) e b) do CIRE, para efeitos de votação do plano.
XIV. Atendendo à resolução por incumprimento definitivo de ambos os contratos nunca poderá o credor concordar com a proposta quanto ao pagamento de “Créditos garantidos e Comuns” a qual prevê: carência de capital por 18 meses (após trânsito em julgado de sentença de homologação); pagamento 100% capital em 150 prestações; 1.ª prestação: vencimento último dia do mês (após 18 meses de carência); perdão de juros moratórios vencidos e vincendos e, manutenção das garantias constituídas quanto à hipoteca. (negrito nosso)
XV. Salvo melhor opinião, tal é um prémio (monetário e temporal) aos Devedores incumpridores.
XVI. Pois, a homologação do plano de pagamento implica período de carência de capital de 18 meses (um ano e meio) e pagamento do capital (totalidade dos credores € 307.844,19) de forma faseada em 150 (cento e cinquenta) prestações mensais, iguais e sucessivas, pelo que valor recuperado não irá contemplar qualquer valor de juros de mora, estejam vencidos ou sejam vincendos.
XVII. Assim, após o ano e meio sem qualquer pagamento, o pagamento somente do capital será feito em 12 anos e meio, pelo que a recuperação do capital será feita num total de 14 (catorze) anos, sem qualquer outro montante já devido recebido, isto é, sem pagamento de juros moratório vencidos e vincendos e despesas processuais.
XVIII. De realçar o prédio urbano descrito no primeiro ponto do plano de pagamentos (“Revitalização vs Insolvência/Liquidação”), isto é, prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de ... n.º e portador da matriz predial urbana ... e ..., o qual teve em venda na plataforma e-leilões de 18 de maio de 2021 e teria o seu fim a 26 de junho de 2021 pelas 10h30, só tendo ficado o leilão sem efeito atendendo à apresentação do processo especial para acordo de pagamentos, doravante, PEAP (negrito nosso).
XIX. Neste leilão eletrónico, quanto ao prédio misto, o valor mínimo de venda era de € 357.000,00 e o valor base de € 420.000,00, pelo que sendo a totalidade das dívidas de € 413.614,35, todos os credores, incluindo a Recorrente P. J., S.A. seria(m) ressarcido(s) em valor superior ao valor de capital pago nos termos do Plano de Pagamentos.
XX. Mais, devemos considerar todos o património dos Devedores o qual é composto não apenas pelo prédio misto, mas também por dois prédios rústicos melhor identificados no ponto 2 e 3 do Plano de Pagamentos.
XXI. Por outro lado, caso os Devedores venham a ser declarados insolventes, é previsível que os credores venham a ser ressarcidos em 2022, ou seja, com uma antecedência e 13 (treze) anos à data final de pagamento do plano.
XXII. Por tudo o anteriormente exposto, ficou demonstrado que a situação da Recorrente ao abrigo do plano de pagamentos é manifestamente menos favorável do que aquela que interviria na ausência de qualquer Plano de Pagamentos, pois com o prosseguimento da ação executiva ou insolvência dos Devedores poderá ser integralmente ressarcida, além de ser possível ressarcimento de todos os outros credores, tudo num muito menor espaço de tempo.

Resumidamente, tudo o anteriormente exposto concluímos o seguinte:

XXIII. Com a homologação do plano pelo Tribunal “a quo” impõe à Recorrente uma aceitação de condições de ressarcimento da dívida desfavoráveis e prejudiciais, o que não lhe é exigível, pois o objetivo do PEAP é precisamente tentar alcançar um acordo mediante negociações que têm que ser aceites pelos credores e não impostas, sob pena de desvirtuar o objetivo daquele.
XXIV. Com a homologação do plano pelo Tribunal “a quo” a posição da Recorrente é manifestamente menos favorável do que aquela que interviria na ausência de qualquer plano, pois com o prosseguimento da ação executiva ou insolvência dos Devedores poderia ser integralmente ressarcida, além de todos os restantes credores, tudo num muito menor espaço de tempo.
XXV. Com a homologação do plano pelo Tribunal “a quo” não existe um verdadeiro acordo de pagamento, na medida em que as condições propostas configuram simples libertação das obrigações dos Devedores contra o pagamento de apenas uma parte muito diminuta da dívida – apenas capital sem qualquer pagamento de juros moratórios (vencidos vincendos e vincendos) – além de ser diluída no tempo.
XXVI. Com a homologação do plano pelo Tribunal “a quo” não existe qualquer efetiva motivação ou explicação para as condições apresentadas quando existem três imóveis (um prédio misto e dois rústicos) que podem liquidar a totalidade das dívidas num valor muito superior ao do plano, isto é, com o património dos Devedores é possível recuperar o capital, juros moratórios vencidos e vincendos e demais despesas, tudo num menor espaço temporal e não em 14 anos.
XXVII. Com a homologação do plano pelo Tribunal “a quo” não existe qualquer efetivo plano de pagamento, consistindo, outrossim, numa encapotada exoneração do passivo dos devedores, sem escrutínio adequado relativamente às efetivas condições patrimoniais daqueles, isto porque, os Devedores possuem imóveis suficientes para o pagamento da globalidade das dívidas.
XXVIII. Com a homologação do plano pelo Tribunal “a quo” verifica-se um retrocesso imposto no processo de pagamento, o que não é admissível, pois os contratos estão resolvidos por incumprimento definitivo, isto é, as dívidas estão vencidas e em incumprimento, pelo que o pagamento não é devido em prestações, mas num todo.
XXIX. Com a homologação do plano pelo Tribunal “a quo” são premiados os Devedores incumpridores que, apesar de terem património para pagamento da totalidade das dívidas, impõem um Plano de Pagamentos mais desfavorável e mesmo prejudicial à Recorrente e credores.
XXX. Por tudo o supra exposto, com a homologação do plano pelo Tribunal “a quo” é imposta uma flagrante desproporcionalidade entre a recuperação dos devedores e o sacrifício decorrente dessa recuperação imposto à Recorrente e demais credores.
XXXI. Jurisprudencialmente: Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 7-6-2016, proferido no Proc. nº 1485/15.6T8LRA.C1, sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio – Juiz 1 – processo 362/21.6T8AVR e douto Acórdão da 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto no processo 362/21.6T8AVR.P1:
XXXII. Resumidamente, o PEAP não serve para satisfazer os interesses dos devedores, nem para os salvar da Insolvência, muito menos, à custa do prejuízo dos Credores.
XXXIII. O objetivo do PEAP é o devedor obtenha a anuência dos credores que venham a ser mais desfavorecidos com o acordo de pagamentos possível.
XXXIV. O plano de pagamentos homologado é manifestamente mais desfavorável daquele que resultaria da simples e célere liquidação do ativo, isto é, com a venda executiva, serão ainda pagos outros credores dos devedores uma vez que o valor mínimo fixado para a venda é superior ao seu valor patrimonial.
XXXV. O plano de recuperação ter vindo a revivescer um contrato de mútuo incumprido e relativamente ao qual pende já ação executiva, deferindo o respetivos pagamento (…), como se o mesmo tivesse sido sempre pontualmente cumprido, constitui uma solução que coloca o credor em situação menos favorável do que a interviria se não existisse plano.
XXXVI. Isto é, com o plano é o renascimento de um contrato de mútuo que já se acha extinto, por vencimento antecipado – dado o incumprimento – de todas as obrigações, o que, naturalmente, não coloca o credor em melhor situação, mas sim em pior, porque vê assim adiada a possibilidade de extrair as devidas consequências desse vencimento.
XXXVII. Por tudo o antecedentemente exposto e salvo o devido respeito, a douta sentença “a quo” deverá ser revogada e ordenada a sua substituição por sentença de não homologação do plano de pagamentos tal como apresentado pelos Devedores.
TERMOS EM QUE E POR TUDO O MAIS QUE VOSSAS EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE NA ÍNTEGRA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA

Os apelados contra-alegaram, pugnando pela improcedência da presente apelação, concluindo as suas contra-alegações nos termos que se seguem:

1. A douta decisão recorrida não merece qualquer censura nem enferma de qualquer ilegalidade, uma vez que apenas cuidou de aplicar devidamente a Lei.
2. O acordo de pagamento foi aprovado com 61,13% dos votos a favor, tendo votado 100% dos credores relacionados com direito de voto, ou seja, votaram todos os credores reconhecidos.
3. No prazo de 10 dias previsto no artigo 222º-F, n.º 2, do CIRE, o recorrente exerceu o seu direito de voto (contra a aprovação do plano), mas não solicitou a não homologação do plano como seria seu ónus nesse prazo.
4. O credor recorrente atua em abuso de direito, vindo agora contra o seu comportamento anterior, já que não alegou em juízo no devido tempo e prazo processual qualquer circunstância que obstasse à homologação do acordo de pagamento, vindo agora recorrer da sentença que a que o próprio deu causa com a sua omissão.
5. O tribunal a quo proferiu a sentença de homologação agora recorrida, com a menção de não ter sido solicitada a não homologação, o que, em nosso modesto entender, preclude a possibilidade de ser admitido o presente recurso por parte do credor recorrente, já que o argumentário alegado nesta sede não difere em nada do que podia, e devia ter sido alegado pelo credor recorrente nos 10 dias da votação do plano,
6. para além de que, não tendo alegado em tempo qualquer circunstância impeditiva da homologação nem requerido a não homologação, e não descortinando o tribunal a quo oficiosamente qualquer razão para essa não homologação, em rigor a sentença recorrida não é desfavorável ao recorrente já que o tribunal a quo não decidiu em desfavor de qualquer posição vertida atempadamente nos autos pelo mesmo.
7. O credor recorrente não logra demonstrar em termos plausíveis que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que teria na ausência de qualquer plano.
8. O credor recorrente, sendo credor hipotecário, dispõe apenas de hipoteca sobre um prédio dos devedores – prédio misto sito em ... ou ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, descrito na CRP de ... sob o número …/... e inscrito na matriz respetiva nos artigos .. e .. – sendo o quarto credor hipotecário registado sobre esse prédio.
9. Num cenário de liquidação deste prédio, antes de ser pago o crédito do recorrente haveria que se liquidar os créditos hipotecários prevalentes, porque detentores de prioridade de registo, no valor mínimo de € 291.441,71 (isto sem contabilização dos juros que entretanto se iriam acumulando até efetivo pagamento),
10. pelo que, ainda que na execução em curso o prédio fosse vendido pelo valor mínimo de € 357.000,00 pretensamente anunciado, como alega a recorrente no artigo 40º das suas alegações (o que se duvida), ainda assim não seria suficiente para ressarcir o recorrente, que perderia a sua garantia hipotecária e nada receberia decerto em sede executiva.
11. É pura especulação dizer-se, como a recorrente faz, que a mera venda deste prédio daria para pagar todos os credores, facto que vai até em total contraciclo com o que é normal nas execuções, facto notório e de todos conhecido, que é a dos ativos serem alienados por valores bem inferiores ao seu valor real (aliás, que se saiba, à data da entrada do PEAP não havia sequer qualquer licitação na plataforma e-leilões para este prédio na venda executiva).
12. O mesmo se diga dos demais dois prédios que os devedores detêm, onde, para além da recorrente não deter qualquer garantia, sendo relativamente a esses credores comuns, estão também onerados com as mesmas hipotecas de que beneficiam os credores Cooperativa Agrícola de ..., CRL e Caixa …, CRL, que sempre teriam de ser pagos em primeiro lugar.
13. Ao contrário do sustentado pela recorrente, é praticamente certo que num cenário de liquidação dos bens que compõem o ativo dos devedores, não seria possível ao credor recorrente receber a totalidade do seu crédito, até porque numa eventual insolvência ou execução, antes mesmo de serem pagos os créditos hipotecários ainda teriam que ser pagas as dívidas da massa e custas processuais, remunerações do Administrador de Insolvência ou do Agente de Execução, e ainda impostos em dívida, pelo que o produto da venda dos prédios que seria destinado à credora recorrente seria ainda consideravelmente mais baixo.
14. Não se compreende a conclusão da credora no sentido de que na ausência do acordo de pagamento aprovado teria uma situação mais favorável do que a prevista nesse acordo que, recorde-se, prevê o pagamento de 100% do crédito de todos os credores, sem exceção, pois não houve qualquer discriminação de credores em função da sua natureza e estabeleceram os devedores um plano de pagamento que é igual para todos os credores, em estrito cumprimento do princípio da igualdade, mantendo-se todas as garantias atualmente vigentes.
15. Resulta clara e inequivocamente que da aplicação do acordo de pagamento aprovado resultará uma situação francamente mais favorável para todos os credores do que num cenário de insolvência ou liquidação, em sede de execução, do património dos devedores.
16. Não faz sentido que o credor recorrente se insurja contra a alteração das condições do seu crédito pelo perdão de juros vertido no plano, pois em verdade caso o crédito do recorrente se mantivesse nos seus precisos e integrais termos, o recorrente não teria sequer direito de voto, na esteira do artigo 212º, n.º 2, alínea a) do CIRE, aplicável por remissão do artigo 222º-F, n.º 5 do mesmo Código.
17. O processo especial para acordo de pagamento visa precisamente e por definição permitir aos devedores que se encontrem em situação económica difícil reestruturar os seus passivos e acordar com os seus credores novas condições de pagamento que sejam adaptadas às suas circunstâncias financeiras, pelo que o facto de se estabelecer um período de carência e um perdão de juros não consubstanciam, per se, qualquer violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano.
18. O tribunal a quo não violou qualquer norma, decidindo em conformidade com o Direito e de forma justa.

NESTES TERMOS e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, por infundado, mantendo-se a douta decisão recorrida, que deverá ser confirmada.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso do tribunal - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas ao tribunal ad quem resumem-se ao seguinte:

a- se a sentença recorrida, que homologou o plano de pagamento apresentado pelos apelados e aprovado por maioria dos seus credores, padece de erro de direito, por:
a.1- nela o tribunal a quo ter aplicado o regime jurídico do art. 212º, n.º 2 do CIRE, quando esse regime não é aplicável ao PEAP, mas apenas ao processo de insolvência em que seja aprovado um plano de revitalização, antes sendo-lhe aplicável o regime do PER, fazendo “tábua rasa do sentido de voto” da apelante;
a.2- o plano de pagamento aprovado ser previsivelmente menos favorável para a apelante do que interviria na ausência de plano.
A propósito da questão referida em a.2) coloca-se a questão prévia de se saber se tendo a apelante votado contra a aprovação do plano da pagamento apresentado pelos apelados e que foi homologada na sentença recorrida, mas não tendo requerido, nesse voto, nem posteriormente, ao tribunal que não homologasse o plano de pagamento, nomeadamente, com fundamento em a sua situação, ao abrigo desse plano, ser previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, se aquela pode, pela primeira vez, em sede de alegações de recurso, formular essa pretensão junto do tribunal ad quem, alegando a pertinente facticidade e, no caso positivo, se ao invocar esse fundamento para a não homologação do plano de pagamento, a apelante atua em abuso de direito.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para apreciar as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação são os que constam do relatório acima exarado, a que acrescem os seguintes factos, provados por admissão e pela prova documental junta aos autos, que infra se identifica:

A- os requerentes F. C. e M. C. são proprietários dos seguintes prédios:

1- prédio misto, sito na Travessa …, n.º..., concelho de Barcelos, composto por casa de habitação de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ../..., e na rústica sob o art. ../..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …/…, encontrando-se a aquisição desse prédio aí inscrita a favor dos requerentes pela ap. 11, de 1987/03/04 – cfr. certidão predial, junta em anexo ao requerimento inicial como doc. n.º 13;
2- prédio rústico, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, composto por terreno de lavradio, denominado …, com a área de 4.476 m2, inscrito na matriz predial rústica sob o art. ../..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …, encontrando-se a aquisição desse prédio aí inscrita a favor dos requerentes pela ap. 11, de 1987/03/04 – cfr. certidão predial, junta em anexo ao requerimento inicial como doc. n.º 14; e
3- prédio rústico, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, denominado Campo do …, com a área de 1.700 m2, inscrito na matriz predial rústica sob o art. …/..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …, encontrando-se a aquisição desse prédio aí inscrita a favor dos requerentes pela ap. 55, de 2000/06/05 – cfr. certidão predial, junta em anexo ao requerimento inicial como doc. n.º 15.

B- O prédio misto identificado em A.1, encontra-se onerado com os seguintes ónus:

1- hipoteca voluntária constituída pelos requerentes F. C. e M. C. a favor da Caixa ..., CRL, para garantia de um empréstimo concedido a F. R. e mulher S. L., no montante de 160.000,00 euros de capital, juros à taxa anual de 5,268%, acrescido de 4% no caso de mora, a título de cláusula penal, e 1.600,00 euros a título de despesas, ascendendo o montante máximo assegurado a 220.486,40 euros – cfr. ap. n.º 47, de 2006/05/17 e ap. n.º 86, de 2007/01/17, da certidão junta em anexo ao requerimento inicial como doc. n.º 13;
2- hipoteca voluntária constituída pelos requerentes F. C. e M. C. a favor da Caixa …, CRL, para garantia do empréstimo concedido a F. R. e mulher S. L., da quantia de 80.000,00 euros de capital, juros à taxa anual de 8%, acrescido de 4% em caso de mora, a título de cláusula penal, e 8.000,00 euros a título de despesas, ascendendo o montante máximo assegurado a 136.800,00 euros – cfr. ap. n.º 30, de 2007/03/29, da certidão junta em anexo ao requerimento inicial como doc. n.º 13;
3- hipoteca voluntária constituída pelos requerentes F. C. e M. C. a favor da Cooperativa Agrícola de ..., CRL, para garantia do integral pagamento de qualquer quantia que seja ou venha a ser devida à credora pela sociedade “X, Sociedade Pecuária, Lda., ascendendo o crédito garantido a 250.000,00 euros e o montante máximo assegurado a 280.000,00 euros – cfr. ap. n.º 2187, de 2012/12/26, da certidão junta em anexo ao requerimento inicial como doc. n.º 13;
4- hipoteca voluntária constituída pelos requerentes F. C. e M. C. a favor da Caixa ... para garantia do empréstimo concedido a F. R., ascendendo a quantia garantida a 66.200,00 euros de capital, juros à taxa anual de 19,947%, acrescido de 3% em caso de mora, ascendendo o montante máximo garantido a 111.772,74 euros – cfr. ap. n.º 618, de 2013/13/05 e ap. n.º 2603, de 2015/01/2, da certidão junta em anexo ao requerimento inicial como doc. n.º 13;
Essa hipoteca encontra-se inscrita, no registo, a favor de P. J., por cessão de créditos que celebrou com a Caixa …, pela ap. 311, de 2019/10/24 – cfr. teor da certidão junta em anexo ao requerimento inicial como doc. n.º 13;
C- A Caixa ... instaurou execução para pagamento de quantia certa contra os requerentes F. C. e M. C., que correu termos sob o n.º 3771/15.6T8VNF, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Vila Nova de Famalicão, 2ª Secção de Execução, Juiz 2, em que a quantia exequenda ascende a 73.345,60 euros – cfr. ap. n.º 1030, de 2015/06/18, da certidão junta em anexo ao requerimento inicial como doc. n.º 13;
D- No âmbito da execução identificada em C), o prédio misto identificado em A.1 foi penhorado em 18/06/2015, encontrando-se essa penhora inscrita, no registo, pela ap. n.º 1030, de 2015/06/18 – cfr. certidão junta em anexo ao requerimento inicial como doc. n.º 13.
E- O prédio rústico identificado em A.2, encontra-se onerado com hipoteca voluntária constituída pelos requerentes F. C. e M. C. a favor da Cooperativa de …, CRL, para garantia do integral pagamento de qualquer quantia que seja ou venha a ser devida à credora pela sociedade “X, Sociedade Agro Pecuária, Lda.” e por F. R., provenientes de diversos fornecimentos de bens e serviços, bem como os respetivos juros e qualquer indemnização ou compensação que venha a ser devida, ascendendo o crédito garantido a 250.000,00 euros, juros à taxa de 4% ao ano, e o montante máximo assegurado a 280.000,00 euros – cfr. ap. n.º 2187, de 2012/13/26, da certidão junta em anexo ao requerimento inicial como doc. n.º 14.
F- J. C. instaurou execução para pagamento de quantia certa contra os requerentes F. C. e M. C., que correu termos sob o n.º 3810/12.2TBBCL, da Comarca de Braga, Vila Nova de Famalicão, Instância Central, 2ª Secção, Secção Execução, Juiz 1, ascendendo a quantia exequenda a 28.606,32 euros – cfr. ap. n.º 2416, de 2014/11/12, da certidão junta em anexo ao requerimento inicial como doc. n.º 14.
G- O prédio rústico identificado em A.2, encontra-se penhorado à ordem da execução referida em F) e essa penhora encontra-se inscrita no registo pela ap. n.º 2416, de 2014/11/12 – cfr. teor da certidão junta em anexo ao requerimento inicial como doc. n.º 14.
H- Os requerentes F. C. e M. C. tinham, à data da instauração da presente ação, a correr termos a ação executiva para pagamento de quantia certa n.º 488/16.8T8VNF, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Execução de Vila Nova da Famalicão, Juiz 3, em que é exequente a Caixa ..., CRL, em que a quantia exequenda ascende a 22.579,74 euros – cfr. ap. n.º 444, de 2021/01/28, da certidão junta em anexo ao requerimento inicial como doc. n.º 15;
I- O prédio rústico identificado em A.3, encontra-se penhorado à ordem da execução identificada em H), encontrando-se essa penhora inscrita no registo pela ap. n.º 444, de 2021/01/28 – cfr. teor da certidão junta em anexo ao requerimento inicial como doc. n.º 15.
J- Na relação provisória de credores, o administrador judicial provisório relacionou os seguintes créditos:
Refª Credor Natureza do Crédito Capital Juros Valor reclamado/relacionado Garantias e Privilégios Fundamento
1 Caixa Central Garantido 67.762,61 1,464,39 69.227,00 euros Hipoteca voluntária Financiamento de Crédito sobre prédio CRP n.º …
… Comum 199,45 euros 199,45 euros
2- Caixa de … 23.179,68 euros 5.656,00 28.835,68 euros Financiamento …
- Centro Distrital da Segurança Comum 179,49 euros 179,49 euros Custas
Social
4- Cooperativa Agrícola Garantido 148.583,00 euros 73.432,23 222.015,26 euros Hipoteca voluntária sobre o Fornecimentos de …, CRL prédio misto descrito na CRP de... sob o n.º …, sobre o prédio rústico descrito na CRP de... sob o n.º 130, e hipoteca sobre o prédio rústico descrito na CRP … sob o n.º ….
5- Estado – Fazenda Nacional Privilegiado 730,28 euros 17,62 747,90 euros
Privilégio mobiliário geral e imobiliário IRS
Privilegiado 401,81euros 28,53 430,34 euros Privilégio imobiliário especial IMI Comum 607,84 euros 19,65 627,49 euros Taxas de portagem, coimas e custas
6- P. J., SA Garantido 66.200,00 euros 25.151,74 91.351,74 euros Hipoteca voluntária sobre Cessão de crédito
O prédio misto descrito na do Caixa … CRP de ... sob o nº ….
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

B.1- Aplicação ao PEAP do regime jurídico do n.º 2 do art. 212º do CIRE

A apelante, P. J., S.A., votou contra o plano de pagamento aprovado por maioria dos credores dos apelados (requerentes F. C. e mulher, M. C.), e imputa erro de direito à sentença homologatória desse plano, sustentando que ao homologar o identificado plano de pagamento, a 1ª Instância incorreu em erro de direito, porquanto, aplicou o regime jurídico previsto para a formação do quórum deliberativo constante do n.º 2 do art. 212º do CIRE, quando, na sua perspetiva, esse regime jurídico apenas é aplicável ao processo de insolvência, quando neste seja aprovado um plano de insolvência, mas não ao processo especial por acordo de pagamento (PEAP), ao qual é antes aplicável o regime jurídico do processo especial de revitalização (PER), ao qual, por sua vez, não é aplicável o mencionado regime jurídico, isto porque, o DL n.º 26/2015, de 26/02, introduziu uma nova redação ao art. 17º-F, n.º 3 do CIRE, em que o legislador expurgou desse preceito a remissão que antes continha para o art. 212º do CIRE.
Mais sustenta que, nos termos do n.º 4 do art. 222º-I, é aplicável ao plano de pagamento o disposto nos arts. 215º e 216º.
Destarte, urge verificar se assiste razão à apelante para as críticas que assaca à sentença recorrida.
Neste conspecto, cumpre referir que, o processo especial para acordo de pagamento (PEAP), foi introduzido no ordenamento jurídico nacional pelo DL n.º 79/2017, de 30/06, que entrou em vigor em 01 de julho de 2017, e que aditou ao CIRE os arts. 222º-A a 222º-J, criando o novo processo especial para acordo de pagamento, o qual permite ao devedor que, não sendo uma empresa e que comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir um acordo de pagamento (n.º 1 do art. 222º-A do CIRE, a que se referem todas as disposições infra indicadas sem menção em contrária).
Precise-se que, o denominado processo especial de revitalização (PER), que teve origem no memorando celebrado entre o Estado Português com o Banco Central Europeu, Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional (1) e que foi instituído pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, que procedeu à sexta alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa (CIRE), aprovado pelo DL. n.º 53/2004, de 18/03, e que pretendeu “assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência atual” (2), em que após um período inicial, em que o PER foi aplicado a todos os sujeitos passivos suscetíveis de serem declarados insolventes, quer fossem pessoas singulares ou coletivas, titulares ou não de empresas, bem como aos patrimónios autónomos, em que se consideravam excluídos do seu âmbito de aplicação subjetivo apenas os sujeitos passivos que estivessem excluídos da declaração de insolvência, foi-se progressivamente instalando a dúvida na doutrina e na jurisprudência sobre se esse processo especial de revitalização seria ou não aplicável às pessoas singulares que não fossem titulares de empresa.
Essas dúvidas foram, assim, ultrapassadas com as alterações introduzidas pelo DL n.º 79/2017, de 30/06, que introduziu na ordem jurídica nacional o PEAP e que veio esclarecer que o PER se aplica apenas aos devedores que sejam empresas, estas compreendidas enquanto organização de capital e de trabalho destinadas ao exercício de qualquer atividade económica (art. 5º), independentemente dessas empresas serem tituladas por pessoa singular, coletiva ou integrarem um património autónomo (art. 2º), que comprovadamente se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda sejam suscetíveis de recuperação (arts. 1º, n.º 2 e 17º-A, n.º 1), que pretendam estabelecer negociações com os respetivos credores, com vista à aprovação de um acordo que permita a sua revitalização, não sendo o PER aplicável aos devedores que não tiverem o estatuto de empresa.
Aos devedores que não sejam empresas e que se encontrem numa situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, que pretendam estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir um acordo de pagamento, é aplicável, como referido, o PEAP (art. 222º-A, n.º 1 do CIRE).
O PEAP destina-se, assim, aos devedores que não sejam empresários, quer estes sejam pessoas singulares ou coletivas sem finalidades lucrativas, como por exemplo, as associações, as fundações, as misericórdias, etc., que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, que pretendam estabelecer negociações com os seus credores com vista à aprovação de um acordo de pagamento que preveja a reestruturação do seu passivo, evitando-se, assim, a sua insolvência, traduzindo-se num mecanismo que é em tudo idêntico ao regime do PER para os devedores empresários (3).
Aliás, ao criar esse novo processo (o PEAP), o legislador pensou o respetivo regime jurídico essencialmente em termos idênticos aos estabelecidos para o PER, decalcando-o praticamente do regime deste, não admirando, por isso, que se afirme que “o PEAP não é, na verdade, outra coisa senão “o PER não empresários”, configurando-se o seu regime como o regime do antigo PER deslocado para outra parte do Código” (4).
A semelhança do PER, o PEAP é um processo pré insolvencial na medida em que é aplicável a devedores (não empresários) que já se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente e que não estejam ainda numa situação de insolvência atual, distinguindo-se ambos os processos, porquanto, como dito, o PER é aplicável a devedores empresários, enquanto o PEAP é aplicável a devedores não empresários.
Tal como o PER, o PEAP é também um processo recuperatório, na medida em que se destina a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa, inicie negociações de modo a celebrar um acordo de pagamento com os seus credores, garantindo a sua satisfação, por forma a evitar que se venha a constituir em estado de insolvência, isto sem prejuízo do que infra se dirá.
Acresce que, como o PER, o PEAP é igualmente um processo concursal, a que são chamados todos os credores interessados do devedor, em que a sentença homologatória do plano de pagamento aprovado, ainda que por maioria dos credores, vincula todos os credores quanto aos créditos de que sejam titulares perante o devedor, à data da prolação do despacho de admissão do PEAP, incluindo aqueles que não tenham reclamado os seus créditos ou que não tenham participado nas negociações, ou que tendo-o feito, votaram contra a aprovação do plano (arts. 17º-F, n.º 10 e 222º-F, n.º 8).
Finalmente, ambos os processos têm natureza hibrida, dado que são compostos por uma forte componente extrajudicial (a fase das negociações, em que não intervém o juiz, mas antes o devedor, os seus credores, sob a alçada, orientação e fiscalização do administrador judicial provisório), embora temperado com a intervenção do juiz em momentos chave, indispensável ao caráter concursal do mesmo (5).
Contudo, apesar do regime jurídico do PEAP ter sido praticamente decalcado pelo legislador do PER e, conforme supra antedito, se poder afirmar, grosso modo, que o PEAP é o “PER não empresários”, conforme salientam Ana Alves Leal e Cláudia Trindade, o elemento distintivo essencial entre o PER e o PEAP, “não é só o facto de o PER se destinar a devedores empresários: é o facto de também pressupor a recuperabilidade destes, diversamente do que sucede no regime do PEAP” (6), tanto assim que nem nos arts. 1º, n.º 3 e 222º-A, n.º 1, nem em qualquer disposição legal respeitante ao PEAP, se prevê a aprovação de qualquer plano de recuperação do devedor, mas apenas um acordo de pagamento e, por esse motivo, também não se exige que o devedor obtenha uma certificação de que não se encontra em situação de insolvência atual, ao contrário do que se encontra previsto para o PER (7), o que se compreende e justifica, porquanto, sendo o PER aplicável a devedores que são empresas, e visando este processo especial evitar que estas incorram numa situação de insolvência, a respetiva revitalização pressupõe necessariamente a recuperabilidade económica da empresa devedora, enquanto sendo o PEAP o processo especial aplicável a devedores não empresários, o evitar-se que estes acabem por incorrer numa situação de insolvência passa por celebrar um plano de pagamento com os respetivos credores que permita ao devedor não empresário o pagamento da generalidade, isto é da grande maioria das suas obrigações vencidas (8).
Tal como o PER, caracterizando-se o PEAP por ser um processo voluntário em que, respetivamente, o devedor empresário e não empresário são os únicos que dispõem de legitimidade ativa para instaurarem estes processos especiais, o PEAP inicia-se por um requerimento apresentado pelo devedor no tribunal que seria competente para o processo de insolvência (arts. 7º e 222º-C, n.º 3), manifestando a sua vontade e de pelo menos um dos seus credores, por meio de declaração escrita e assinada, de encetarem negociações conducentes à elaboração de acordo de pagamento (art. 222º-C, n.ºs 1 e 2).
Esse requerimento tem de ser acompanhado de declaração assinada pelo requerente em como preenche os requisitos necessários para a abertura do PEAP (n.º 2 do art. 222º-A e al. a), do n.º 3 do art. 222º-C), ou seja, contrariamente ao que acontece no PER (em que o requerimento inicial tem de ser acompanhado de declaração subscrita, há não mais de 30 dias, por contabilista certificado ou por revisor oficial de contas, sempre que a revisão de contas seja legalmente exigida, atestando em como o devedor/requerente não se encontra em situação de insolvência atual, à luz dos critérios previstos no art. 3º - cfr. art. 17º-A, n.º 2), no PEAP, a lei não exige qualquer certificação externa em como o requerente não se encontra já numa situação de insolvência atual, bastando-se com uma espécie de “autoatestado” do próprio requerente do PEAP.
Acresce que, contrariamente ao que acontece no PER, em que o requerimento tem de ser acompanhado de uma proposta de plano de recuperação, acompanhada, pelo menos, da descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia da empresa requerente (art. 17º-C, n.º 3, al. c)), no PEAP, o requerimento de abertura do processo não tem de ser acompanhado de uma proposta de plano de pagamento.
O requerimento para abertura do PEAP, para além de ter de ser instruído com declaração assinada pelo requerente em como preenche os requisitos para a abertura deste processo e, bem assim de requerimento escrito e assinado pelo requerente e por pelo menos um dos seus credores, declarando pretenderem encetar negociações conducentes à elaboração de acordo de pagamento, esse requerimento inicial tem de ser ainda instruído com lista de todas as ações de cobrança de dívida que se encontrem pendentes contra o devedor, comprovativo da declaração de rendimento deste, comprovativo da sua situação profissional ou, se aplicável, situação de desemprego, bem como cópias dos documentos identificados nas als. a), d) e e) do n.º 1 do art. 24º (al. b), do n.º 3 do art. 222º-C).
Depois, concluso o processo ao juiz, caso não exista fundamento para o indeferimento liminar do requerimento inicial, este profere despacho de admissão do processo, em que tem sempre de nomear administrador judicial provisório (n.º 4 do art. 222º-C).
Esse despacho é, além do mais, publicado no portal Citius e imediatamente notificado ao devedor/requerente (n.º 5 do art. 222º-C), o qual terá, de imediato, comunicar, por meio de carta registada, a todos os seus credores que não tenham subscrito o documento que acompanha o requerimento de abertura do PEAP, em que manifestam ser sua vontade encetar negociações com o devedor conducentes à elaboração de um plano de pagamento, que deu início a negociações com vista à elaboração de acordo de pagamento, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso, e informando-os que a documentação referida na al. b) do n.º 3 do art. 222º-C se encontra patente na secretaria do tribunal, para consulta (n.º 1 do art. 222º-D).
Qualquer credor dispõe de um prazo perentório de vinte dias, contado a partir da publicação no portal Citius do despacho de admissão do processo, para reclamar os seus créditos, devendo essas reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório; o administrador judicial provisório, findo o prazo de vinte dias para a reclamação de crédito, dispõe, por sua vez, do prazo de cinco dias, para elaborar e apresentar na secretaria do tribunal a lista provisória de créditos (n.º 2 do art. 222º-D), a qual é publicada no portal Citius; essa lista provisória de créditos pode ser impugnada no prazo de cinco dias úteis através de requerimento dirigido ao juiz, que dispõe de igual prazo para decidir as impugnações apresentadas (n.º 3 do art. 222º-D).
Caso não existam impugnações, a lista provisória de créditos converte-se imediatamente em lista definitiva (n.º 4 do art. 222º-D).
Note-se que, findo o prazo para as impugnações dos créditos, o devedor/requerente e os seus credores dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações, prazo esse que apenas pode ser prorrogado por uma só vez, mediante acordo escrito do devedor/requerente e do administrador judicial provisório, devendo esse acordo ser junto aos autos e ser publicado no portal Citius (n.º 5 do art. 222º-D).
As negociações desenvolvem-se entre o devedor e os seus credores, com a participação e sob orientação e fiscalização do administrador judicial provisório (n.ºs 8 e 9 do art. 222º-D).
A votação da proposta do acordo de pagamento é efetuada por escrito, sendo-lhe aplicável, com as necessárias adaptações o disposto no art. 211º, sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato para o tribunal (n.º 4 do art. 222º-F).
Pretende a apelante que, diversamente do decidido na sentença homologatória do plano de pagamento aprovado por maioria dos credores dos requerentes (apelados e devedores), para a formação do quórum deliberativo do plano de pagamento, não é aplicável o regime jurídico das al. a) e b), do n.º 2 do art. 212º, em que se lê que “não conferem direito de voto os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano” – al. a) -, assim como “os créditos subordinados de determinado grau, se o plano decretar o perdão integral de todos os créditos de graus hierarquicamente inferiores e não atribuir qualquer valor económico ao devedor ou aos respetivos sócios, associados ou membros, consoante o caso” – al. b) -, sustentando que este regime jurídico apenas é aplicável ao processo de insolvência, quando nele seja votado um plano de insolvência, encontrando-se antes o plano de pagamento sujeito ao regime de votação fixado para o PER, em que, na sequência da revisão operada pelo DL. n.º 26/2015, de 26/02, o legislador introduziu uma nova redação ao art. 17º-F, n.º 3, expurgando deste a remissão para o art. 212º e, bem assim que, nos termos do n.º 4 do art. 222º-I, é aplicável ao plano de pagamento o disposto nos arts. 215º e 216º.
Analisados os enunciados argumentos, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não se perfilha da posição da apelante, nomeadamente, quando com base num argumento puramente formal (a expurgação do n.º 3 do art. 17º-F da remissão para o art. 212º, operada pelo DL n.º 206/2015), pretende que ao PER não é aplicável o regime da al. a) do n.º 2 do art. 212º, o mesmo acontecendo quanto ao PEAP.
Com efeito, a aplicação ao PEAP do regime jurídico do art. 212º, n.º 2, sobre quem tem direito de voto para a aprovação (ou não) do plano de pagamento decorre não só das als. a) e b) do n.º 3 do art. 222º-F, onde se faz referência a créditos “com direito de voto”, o que significa que na mente do legislador, em relação ao qual vale o comando do n.º 3 do art. 9º do CC, nos termos do qual, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, existem credores do requerente do PEAP que dispõem de direito de voto do plano de pagamento e outros em relação aos quais não existe esse direito de voto, mas também do disposto no n.º 5 do mesmo art. 222º-F, onde se estatui que “o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º”.
Ora, o título IX do CIRE, para o qual o mencionado n.º 5 do art. 222º-F remete, determinando que sejam aplicáveis ao PEAP as normas nele previstas, com as necessárias adaptações, em especial as previstas nos artigos 215º e 216º, rege sobre o processo de insolvência quando neste seja aprovado um plano de insolvência, constando desse título IX precisamente as regras do n.º 2 do art. 212º, as quais definem quais os credores do requerente que, apesar da sua qualidade de credores, não dispõem de direito de voto em relação ao plano de insolvência (em sede de processo de insolvência) e do plano de pagamento (em sede de PEAP).
Destarte, nada dispondo o art. 222º-F, em sede de PEAP, quanto aos credores do requerente do PEAP que, apesar de sua qualidade de credores, não dispõem de direito de voto quanto à aprovação ou não do plano de pagamento, mas resultando expressamente das als. a) e b) do n.º 3 desse art. 222º-F que, no apuramento do quórum deliberativo necessário para a aprovação do plano de pagamento, o legislador manda atender apenas aos créditos relacionados dos credores “com direito de voto” – o que necessariamente tem como pressuposto que existam créditos relacionados que conferem aos respetivos titulares direito de voto e outros que não conferem esse direito - e, bem assim, prevendo-se no n.º 5 do mesmo art. 222-F, que ao PEAP são aplicáveis, com as necessárias adaptações, “as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º”, diversamente do pretendido pela apelante, atento o elemento literal dessas normas, o regime do n.º 2 do art. 212º mostra-se integralmente aplicável ao PEAP (9).
Acresce que, o que se acaba de concluir face ao elemento gramatical das normas contidas no art. 222º-F n.ºs 3 e 5, quanto à aplicação ao PEAP do regime jurídico contido no n.º 2 do art. 212º, mostra-se consentâneo com a posição doutrinária e jurisprudencial maioritária, que se subscreve e que sustenta que, apesar das alterações introduzidas ao art. 17º-F, n.º 3, pelo DL. n.º 26/2015, de 26/02, que, em sede de PER, eliminou a remissão que nesse preceito se fazia para o art. 212º para o apuramento do quantum deliberativo necessário para a aprovação do plano de revitalização, conferindo ao atual vigente n.º 5 desse art. 17º-F uma redação correspondente à do n.º 3 do art. 222º-F, a propósito do qual, já antes da revisão do DL 26/2015, se entendia que remissão contida no n.º 3 do art. 17º-F para o art. 212º tinha implícita a remissão para o disposto no n.º 2 desse mesmo preceito, que o regulamentava, ao esclarecer quais os créditos que não conferiam direito de voto, transitou para a redação atual do n.º 5 do mesmo art. 17º-F, na redação introduzida pelo DL. n.º 26/20215, na medida em que, em sede de PER, “globalmente consideradas, as normas do plano de insolvência são, por via analógica, as melhores candidatas à regulamentação de casos omissos em sede pré-insolvencial, designadamente, no que respeita aos requisitos do conteúdo, de votação, aprovação, homologação e efeito do acordo. (…). Quanto ao PEAP torna-se claro que, naquilo que seja atinente ao acordo, o melhor candidato a uma aplicação analógica é, em abstrato, o regime do plano de pagamentos aos credores. De resto, também em abstrato, reclamar-se-á, em segundo grau, a aplicação das normas do plano de insolvência a casos omissos do regime do PEAP (também elas aplicáveis a casos omissos do regime do plano de pagamento a credores)” (10).
Destarte, contrariamente ao entendimento perfilhado pela apelante, apesar da alteração legislativa operada pelo DL. 26/2015, de 06/02, ao art. 17º-F, n.º 3, não é certo que ao plano de revitalização aprovado em sede de PER não seja aplicável, face à atual redação do n.º 5 desse mesmo art. 17º-F, a delimitação negativa do direito de voto do universo da lista de créditos incluídos na lista operada pelas als. a), do n.º 2 do art. 212º, mas antes pelo contrário.
Com efeito, face ao entendimento doutrinário e jurisprudencial que se acaba de explanar, de acordo com o qual a remissão que antes era operada pelo n.º 3 desse art. 17º-F para o n.º 2 do art. 212º, transitou para a atual redação do n.º 5 do referido art. 17º-F, introduzida pelo identificado DL. n.º 26/2015, significa que, atento o elemento histórico que preside a essa evolução legislativa em sede de PER, também se impõe concluir pela aplicabilidade do regime jurídico do n.º 2 do art. 212º ao PEAP.
Acresce que, a interpretação que se vem propugnando dos identificados n.ºs 3 e 5 do art. 222º-F no sentido de que, o elemento gramatical dessas normas, mas também a evolução legislativa do regime contido no art. 17º-F, nºs 3 e 5 para o PER, impõe a aplicação ao PEAP do regime jurídico do n.º 2 do art. 212º, é igualmente sustentada na razão de ser que subjaz a esta concreta norma, que se prende com o facto de não se justificar que credores que não vejam os seus créditos afetados pelo plano de insolvência, possam interferir na sua aprovação ou não, quando se constata que essa razão tem plena aplicação quer em sede de PER, quer de PEAP (11).
Resulta do que se vem dizendo que, quer pelo elemento gramatical das normas contidas no art. 222º-F, n.ºs 3 e 5, quer pelo elemento teleológico que preside à norma do n.º 2 do art. 212º, quer pelo elemento histórico que preside à evolução legislativa da norma do art. 17º-F, n.ºs 3 e 5 para o PER, o regime do n.º 2 do art. 212º que exclui o direito de voto aos créditos identificados nas suas alíneas a) e b) é aplicável ao PEAP (12), pelo que, ao assim ter sido decidido, na sentença homologatória do plano de pagamento, a 1ª Instância não incorreu no erro de direito que a apelante lhe imputa.
Com efeito, devendo para efeitos da al. a), do n.º 2 do art. 212º considerar-se como afetados (e que, portanto, conferem aos seus titulares direito de voto) os créditos que venham a ser considerados em termos distintos daqueles que revestiam à data da declaração de insolvência, seja pelo montante, condições de pagamento, garantias ou outros aspetos (13), é inegável que face ao teor do plano de pagamento votado, o crédito detido pela apelante, mas também pelos credores Cooperativa Agrícola de ..., CRL, Caixa ... e Caixa ..., CRL, em relação aos quais, nesse plano, se prevê um período de carência de capital de 18 meses e o pagamento de 100% do capital em 150 prestações mensais e sucessivas, com início após o decurso do período de carência, vencendo-se a primeira prestação no último dia do mês após o decurso do período de carência, com perdão total de juros de mora vencidos e vincendos, sofrem modificações por via da aprovação do dito plano de pagamento, pelo que aos titulares desses créditos assiste o direito de voto em relação à aprovação ou não do plano.
Mas também os créditos reconhecidos à Autoridade Tributária e Aduaneira (Fazenda Nacional) são alterados por via do plano de pagamento submetido a votação, porquanto, o plano de pagamento prevê que os juros de mora desses créditos não perdoados (e estes não foram perdoados – vide voto da AT) serão liquidados em 5 prestações, não podendo nenhuma deles ser inferior a uma UC, pelo que este credor também detém direito de voto.
Já o crédito da Segurança Social não sofre qualquer alteração por via do plano de pagamento em votação, pelo que este, nos termos da al. a), do n.º 2 do art. 212º, não tem direito de voto.
Ora, tendo 100% dos créditos relacionados votado e representando os votos desfavoráveis à aprovação do plano de pagamento 38,87% (que se cingiu ao crédito da apelante e da Caixa ..., CRL), enquanto os votos favoráveis à sua aprovação ascenderam a 61,13%, nos termos da al. b), do n.º 3 do art. 222º-F, tem-se o plano de pagamento como aprovado, não se tratando aqui, diversamente do pretendido pela apelante, “de ignorar o seu voto” (negativo), mas apenas de se aplicar as consequências decorrentes da aprovação (por maioria) e da homologação do plano de pagamento previstas no n.º 8 do art. 222º-F, nos termos do qual a decisão de homologação do plano vincula o devedor e os credores, mesmo que não tenham reclamado os seus créditos, participado nas negociações ou que tenham votado contra a aprovação desse plano, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferido o despacho de admissão do PEAP.
Resulta do exposto, em suma, que ao aplicar o regime jurídico do n.º 2 do art. 212º ao PEAP, a 1ª Instância não incorreu em nenhum dos erros de direito que são imputados pela apelante à sentença homologatória desse plano de pagamento, sendo improcedente esse fundamento de recurso.

B.2- Violação do disposto no art. 216º, n.º 1, al. a) do CIRE – questão prévia.

A apelante imputa erro de direito à sentença recorrida, que homologou o plano de pagamento aprovado por maioria dos credores dos apelados, sustentando que nela, a 1ª Instância, “fez tábua rasa do disposto no artigo 216.º n.º 1 alínea a) do CIRE, o qual dispõe que o juiz recusa a homologação do plano a pedido de algum credor que demonstre, em termos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, o que é o caso sub judice”, porquanto, “a homologação do plano de pagamento implica um período de carência de capital de 18 meses (um ano e meio) e o pagamento do capital (totalidade dos credores € 307.844,19) de forma faseada em 150 (cento e cinquenta) prestações mensais, iguais e sucessivas, pelo que valor recuperado não irá contemplar qualquer valor de juros de mora, estejam vencidos ou sejam vincendos”; “o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de ... n.º … e portador da matriz predial urbana ... e ..., esteve em venda na plataforma e-leilões de 18 de maio de 2021 e teria o seu fim a 26 de junho de 2021 pelas 10h30, só tendo ficado o leilão sem efeito atendendo à apresentação do processo especial para acordo de pagamentos; neste leilão eletrónico, quanto ao prédio misto, o valor mínimo de venda era de € 357.000,00 e o valor base de € 420.000,00, pelo que sendo a totalidade das dívidas de € 413.614,35, todos os credores, incluindo a Recorrente P. J., S.A., seria(m) ressarcido(s) em valor superior ao valor de capital pago nos termos do Plano de Pagamentos; mais, devemos considerar todo o património dos Devedores, o qual é composto não apenas pelo prédio misto, mas também por dois prédios rústicos melhor identificados no ponto 2 e 3 do Plano de Pagamentos; por outro lado, caso os Devedores venham a ser declarados insolventes, é previsível que os credores venham a ser ressarcidos em 2022, ou seja, com uma antecedência e 13 (treze) anos à data final de pagamento do plano”.
Acontece que, conforme acima já se deixou enunciado, a propósito deste fundamento de recurso, suscita-se a questão prévia de se saber se, tendo a apelante votado contra a aprovação do plano de pagamento aprovado pela maioria dos credores dos apelados, em que não indicou as razões que presidiram a esse seu voto negativo, nomeadamente, o fundamento previsto na al. a) do n.º 1 do art. 216º, fundamento esse e razões fácticas em que o alicerça e que apenas agora, em sede de alegações de recurso, invoca pela primeira vez, agora pode pedir ao tribunal ad quem que recuse a homologação do plano com esses fundamentos ou se este pode deles conhecer oficiosamente.

Com relevância para a decisão da questão que se acaba de enunciar, lê-se no art. 222º-F que:
“1- Concluindo-se as negociações com aprovação unânime de acordo de pagamento, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa da mesma pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal acordo de pagamento, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.
2- Concluindo-se as negociações com a aprovação de acordo de pagamento, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete-o ao tribunal, sendo de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215º e 216º, com as devidas adaptações.
(…);
5- O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º”.
(…);
Por sua vez, estabelece o art. 215º que “O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação”.

E o art. 216º que:
“1- O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, que:

a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;
b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar”.

Resulta da análise destes dispositivos legais que, iniciadas as negociações, em sede de PEAP, entre o requerente e os seus credores, as quais decorrem com a participação e sob orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, caso estes alcancem um plano de pagamento, esse plano é votado pelos credores, distinguindo então a lei consoante esse plano de pagamento seja aprovado por unanimidade de todos os credores do devedor, hipótese esta sobre que rege o n.º1 do art. 222º-F, ou apenas por maioria desses credores, a propósito do que rege o n.º 2 do mesmo preceito legal.

No entanto, quer o acordo de pagamento seja aprovado por unanimidade ou por maioria dos credores do devedor, compete sempre ao juiz, na qualidade de guardião da legalidade, decidir se homologa ou recusa a homologação desse plano de pagamento, posto que, nos termos dos arts. 215º e 222º-F, n.º 5, impõe-se ao juiz recusar oficiosamente o acordo de pagamento (reafirma-se, ainda que este tenha seja aprovado por unanimidade dos credores do devedor) sempre que nele ocorra “violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza”.
De particular em relação à aprovação do plano por unanimidade dos credores, quando este seja aprovado pela maioria (com base nos critérios constantes do n.º 3 do art. 222º-F e, como antedito, da delimitação negativa quanto ao direito de voto operada pelo n.º 2 do art. 212º) dos credores do devedor, para além desse acordo de pagamento poder ser rejeitado oficiosamente pelo juiz com fundamento no art. 215º, o mesmo pode ainda ser rejeitado a pedido de um dos interessados, isto é, pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de recuperação, por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, caso estes o requeiram ao tribunal com os fundamentos constantes do n.º 1 do art. 216º, isto é, mediante a alegação e prova de que, em termos plausíveis: a) a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; ou b) o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.
A não homologação do plano de pagamento a que alude o art. 215º é oficiosa, o que significa que ainda que a 1ª Instância homologue o plano de pagamento e o apelante interponha recurso, com fundamento na violação do disposto no art. 216º (como é o caso dos presentes autos, em que o erro de direito que a apelante imputa à sentença homologatória do acordo de pagamento é o da al. a) do n.º 1 do art. 216º - a sua situação ao abrigo do plano aprovado por maioria dos credores dos apelados e homologado pela sentença recorrida é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência desse plano), o tribunal ad quem pode e deve conhecer se se verificam ou não os requisitos da não homologação oficiosa desse acordo enunciados no art. 215º (14).
O fundamento da recusa oficiosa de homologação do plano de pagamento é a “violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo”.
Por “normas procedimentais” deve entender-se todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, onde se incluem os passos que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre a aprovação ou não do plano de pagamento, estando, por isso, aqui incluídas as normas relativas à reclamação de créditos, às negociações e à votação e aprovação do plano de pagamento, incluindo, as atinentes ao quórum deliberativo para a aprovação do plano. E são “normas relativas ao conteúdo” todas as que respeitam à parte dispositiva do plano e que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar (15).
Note-se que a lei não define o que se deva considerar como “vício negligenciável” de regras procedimentais (vício de procedimento) ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano (vícios de conteúdo), mas conforme sustentam Carvalho Fernandes e João Labareda “são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretam a produção de um resultado que a lei não autoriza”, mas logo salientam que “se pode ir mais além e apontar uma orientação mais vasta (…), bem vistas as coisas, todas as violações legais se reconduzem à adoção de procedimentos ou à omissão de formalidades que a lei exclui ou determina. Daí que, em sentido processual, (…), a violação da lei, ativa ou passivamente, comporta sempre a prática de uma nulidade processual”, pelo que “verdadeiramente do que se trata, para decidir se ela justifica ou não a recusa de homologação de um plano aprovado pelos credores, que é, afinal de contas, aquilo que aqui está em causa, é de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada”, e concluem parecer “razoável atender ao critério geral que a própria lei processual utiliza no art. 195º do CPC. O que importará é, pois, sindicar se a nulidade observada é suscetível de interferir com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger, nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta, tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável” (16).
Quanto às normas relativas ao conteúdo aplicáveis ao plano, lê-se no n.º 2 do art. 192º que o plano só pode afetar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelo visado.
Ora, analisado o CIRE, verifica-se que o plano deve obedecer ao art. 194º, que consagra o princípio da igualdade de tratamento entre os credores do devedor, ao art. 195º, que indica qual o conteúdo que o plano terá de conter, ao art. 196º, em que se estabelece quais as incidências sobre o passivo do devedor que podem ser contidas no plano, e ao regime do art. 197º.

No caso dos autos, a única norma de procedimento que a apelante pretende ter sido violada no plano de pagamento, homologado pela sentença recorrida, decorre da circunstância de, na sua perspetiva, ao PEAP, diversamente do decidido pela 1ª Instância, não ser aplicável o regime jurídico do n.º 2 do art. 212º, a propósito do que já nos pronunciamos supra, no sentido da improcedência deste fundamento de recurso, sem que se vislumbre que, em sede de aprovação e homologação do plano de pagamento sobre que versam os presentes autos, tenha ocorrido qualquer violação de normas procedimentais, nem sequer esta vem alegada pela apelante.
Em sede de violação de normas aplicáveis ao conteúdo do plano (vícios de conteúdo), analisado o plano de pagamento que foi aprovado e homologado pela sentença recorrida, tal como decidido pela 1ª Instância, também não se vislumbra que neste ocorra qualquer violação de normas imperativas que regulam o plano de pagamento, designadamente, as normas que supra se identificaram, incluindo o princípio da igualdade de tratamento entre os credores do apelado.
Com efeito, embora o princípio da igualdade entre os credores se configure como uma trave basilar e estruturante na regulação do plano de insolvência, de recuperação ou de pagamento, pelo que a sua afetação não autorizada pelo credor afetado por um tratamento diferenciado ao dispensado em relação aos restantes credores em idêntica situação à sua (n.º 2 do art. 194º, que presume esse consentimento como tacitamente prestado em caso de voto favorável do credor discriminado), configure uma violação grave não negligenciável, das regras aplicáveis ao conteúdo do plano, à semelhança do princípio constitucional ínsito no art. 13º da CRP, o n.º 1 do art. 194º “procurou acolher de uma forma evidente as duas facetas em que se desdobra o princípio da igualdade, traduzidas na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto” (17).
Daí que o princípio da igualdade apenas proíba tratamentos distintos entre credores quando essas diferenciações de tratamento não assentem em razões objetivas e posterguem os princípios da necessidade e da proporcionalidade.
De entre as circunstâncias que, em concreto, podem ser atendidas para estabelecer justificadas diferenciações entre credores, contam-se as distintas classificações de créditos previstas no art. 47º nº 4 (em que o legislador, entre os créditos da insolvência, distingue entre créditos garantidos, créditos privilegiados, créditos subordinados e créditos comuns), mas entende-se que, dentro da mesma categoria de créditos, podem existir motivos objetivos que poderão justificar destrinças, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos, e que a ponderação de outras circunstâncias de cada situação, nomeadamente, tendo em conta as fontes do crédito, poderão justificar outros alinhamentos (18).
Em suma, “o princípio da igualdade dos credores não impede que seja dado tratamento diversificado a credores em função da sua categoria, nem afasta a possibilidade de, mesmo entre credores inseridos na mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias, se estabelecerem diferenciações desde que a estas não presida a arbitrariedade, por não serem justificadas por circunstâncias objetivas” (19).
Revertendo ao caso dos autos, analisado o plano de pagamento aprovado pela maioria dos credores e homologado pela sentença recorrida, verifica-se que nele distingue-se, quanto ao pagamento, entre, por um lado, créditos do Estado – Autoridade Tributária e Aduaneira e créditos devidos ao Estado – Instituto de Gestão Financeira e Segurança Social e, por outro, créditos garantidos e comuns.
Quanto aos créditos devidos à Autoridade Tributária e Aduaneira (respeitantes a IRS, IMI e taxas de portagem, coimas e custas e que quanto ao crédito por IRS goza de privilégio imobiliário e mobiliário, enquanto o respeitante a IMI goza de privilégio imobiliário especial sobre o imóvel sobre que recai esse imposto), no plano prevê-se o pagamento desses créditos no mês seguinte à data da sentença homologatória do acordo de pagamento, enquanto os juros de mora não perdoados são liquidados em 5 prestações mensais e sucessivas, não inferiores a uma UC.
Já quanto aos créditos devidos à Segurança Social, que respeitam a custas e que, por isso, são comuns, prevê-se o pagamento daqueles e respetivos juros de mora, em uma única prestação, a ser liquidada no mês seguinte à data da aprovação do acordo de pagamento.
Por sua vez, quanto aos créditos garantidos e comuns, onde se insere o crédito da apelante, prevê-se o perdão total dos juros de mora vencidos e vincendos, e a liquidação integral do capital em dívida, após o decurso de um período de carência de 18 meses, em 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no último dia do mês em que decorrer o termo do período de carência.
Note-se que apesar da diferença de tratamento conferido aos créditos detidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira e pela Segurança Social, em relação aos créditos privilegiados e comuns detidos pelos restantes credores, essa diferença de tratamento mostra-se plenamente justificada em face da origem dos créditos detidos pelas primeiras entidades e pelas finalidades a que se destinam esses créditos, posto que, conforme se lê no acórdão desta Relação de 18/06/2013, a que anteriormente já se fez referência, “o sistema da segurança social configura-se na nossa ordem constitucional como um sistemas universal, devendo garantir a toda a população a proteção em todas as situações de falta ou de diminuição de meios de subsistência ou de capacidade de trabalho, e o cumprimento de tal dever constitucional só será possível mediante o efetivo pagamento dessas contribuições, o mesmo se afirmando quanto ao pagamento dos impostos devidos ao Estado, que são essenciais para que este possa cumprir em pleno o seu programa constitucional”.
Ou seja, a diferenciação estabelecida no plano de pagamento entre, por um lado, créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira e Segurança Social e, por outro, créditos detidos pelos restantes credores, em que se insere o crédito da apelante, filia-se no interesse público, mais concretamente, nas funções públicas desempenhadas pelas primeiras, que reclamam que todos os contribuintes paguem prontamente os seus tributos e contribuições ao Estado e à Segurança Social para que estes disponham da liquidez necessária à satisfação das atribuições públicas que lhe são constitucionalmente e infra constitucionalmente acometidas e que, aliás, justificam que a sua liberdade negocial, em sede de disposição dos créditos de que sejam titulares esteja fortemente limitada por normas imperativas, tornando esses créditos, nuns casos, indisponíveis, e noutros, limitando fortemente a liberdade negocial dessas entidades públicas, quando os restantes créditos sobre que versam os autos são detidos por entidades privadas, que visam o lucro.
Destarte, a enunciada discriminação mostra-se fundada em razões objetivas – a diversa fonte dos mesmos e dos fins a que se destinam -, não se descortinando que essa diferenciação implique qualquer violação objetiva, desnecessária e desproporcionada do princípio da igualdade de tratamento entre credores dos apelados, nem sequer a apelante invoca essa diferenciação como fundamento do erro de direito que imputa à sentença recorrida.
Aqui chegados, resulta do que se vem dizendo que, tal como foi decidido pela 1ª Instância, não se vislumbra que, no caso, ocorra qualquer fundamento que justifique a não homologação oficiosa do plano de pagamento, com fundamento no art. 215º, nem sequer a apelante sustenta o seu inconformismo em relação à sentença recorrida, que homologou esse plano de pagamento, na violação do disposto neste preceito.
Como já enunciado, o erro de direito que a apelante assaca à sentença recorrida funda-se na al. a), do n.º 1 do art. 216º, isto é, na circunstância da sua situação, ao abrigo do plano aprovado e homologado, ser previsivelmente menos favorável do que a resultaria na ausência deste.
Acontece que, a não homologação do plano de pagamento com fundamento no art. 216º, como a própria epígrafe desse preceito indica, não é oficiosa, mas antes tem de ser requerida pelos interessados, ou seja, pelo próprio devedor, caso não seja o proponente do plano e tiver manifestado a sua oposição à aprovação do plano, antes da aprovação deste, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor, que tenha comunicado a sua oposição à aprovação do plano antes da sua aprovação.
Quanto aos credores, sócios, associado ou membro do devedor, embora contrariamente ao que acontece em relação ao devedor, em que a lei condiciona a legitimidade ativa deste para requerer ao tribunal a não homologação do plano à circunstância de não ser o proponente do plano que acabou por ser aprovado pela maioria dos seus credores, também se deve entender que aqueles apenas dispõem de legitimidade ativa para requerer a não homologação do plano ao tribunal caso não sejam os seus proponentes, sob pena de incorrerem em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium (20).
Logo, apenas dispõem de legitimidade ativa para requerer ao tribunal a não homologação do plano com fundamento no art. 216º, o devedor, algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor que não sejam proponentes do plano que acabou por ser aprovado por maioria dos credores do devedor e que, acrescidamente, tenham manifestado a sua oposição (votando contra) à aprovação do plano antes deste der aprovado.
Depois, esses interessados, não proponentes, que votaram contra a aprovação do plano antes da sua aprovação, terão de requerer ao tribunal a sua não homologação, alegando factos e circunstâncias que demonstrem em termos plausíveis que: a) a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a interviria na ausência de qualquer plano; ou b) que o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor de eventuais contribuições que ele deve prestar.
Precise-se que antes da atual redação do art. 214º, em que se dispõe que “a sentença de homologação do plano de insolvência só pode ser proferida decorrido pelo menos 10 dias sobre a data da respetiva aprovação, ou, tendo o plano sido objeto de alterações na própria assembleia, sobre a data da publicação da deliberação”, a lei não estabelecia qualquer prazo para os interessados requererem ao tribunal a não homologação do plano, mas entendia-se que “apesar da omissão da lei não pode razoavelmente recusar-se ao interessado a faculdade de em requerimento autónomo dirigido ao tribunal (…) solicitar a não homologação (…), podendo fazê-lo mesmo antes de concluído o processo de votação ou até conjuntamente com o exercício do seu direito de voto” (21).
Em igual sentido se pronunciava Fátima Reis Silva, sustentando que não havia “necessidade de conhecer o resultado da votação para invocar as razões da não homologação que se achem pertinentes, bastando conhecer o conteúdo do plano, podendo também o pedido ser formulado conjuntamente com o voto (negativo)” (22).
Acontece que face à atual redação do art. 214º em que, conforme já referido, se estabelece que a sentença de homologação do plano de insolvência só pode ser proferida decorridos pelo menos 10 dias sobre a data da respetiva aprovação, ou, tendo o plano sido objeto de alterações na própria assembleia, sobre a data da publicação da deliberação, tem-se entendido que os interessados dispõem do prazo mínimo previsto nesse preceito para votarem contra a aprovação do plano de insolvência e para alegarem os factos ou circunstâncias que demonstrem, em termos plausíveis, em alternativa, um dos fundamentos para a sua não homologação previstos no n.º 1 do art. 216º e para requerem a sua não homologação ao tribunal, requerimento esse que, no entanto, se satisfaz com o voto contrário do interessado e com a alegação desses fundamentos de recusa (23), isto é, não é necessário que o interessado solicite expressamente ao tribunal que não homologue o plano aprovado por maioria dos credores do devedor, bastando que aquele, conjuntamente com o seu voto negativo, ou na ata de abertura de votos, ou ainda em requerimento autónomo dirigido ao tribunal, até ao termo do prazo a que alude o art. 214º, expresse o seu voto negativo e indique os factos e as circunstâncias que tornem plausível a verificação de um dos fundamentos previstos no art. 216º, n.º 1 para a não homologação do plano, para se considere implícito o seu pedido ao tribunal para que não o homologue.
Note-se que “constitui sempre um pressuposto de atendibilidade do pedido que o impetrante, anteriormente à aprovação do plano, tenha manifestado nos autos a sua oposição ao mesmo, o que significa que o processo deve documentar essa circunstância, seja por referência feita em ata de diligência processual, seja por requerimento atempadamente deduzido” (24).
Transpondo o que se acaba de dizer para o PEAP, logrando, na sequência das negociações estabelecidas entre devedor e os seus credores, com a participação e sob a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, chegar-se à aprovação de um plano de pagamento que seja aprovado por maioria dos credores, nos termos do n.º 2 do art. 222º-F, o devedor remete-o ao tribunal, sendo de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215º e 216º, com as necessárias adaptações.
A votação efetua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no art. 211º, com as necessárias adaptações e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato para o tribunal (n.º 4 do art. 222º-F).
Logo, em termos de PEAP, o devedor, credor, sócio, associado ou membro do devedor, desde que não sejam proponentes do plano de pagamento que acabou por ser votado favoravelmente pela maioria dos credores do devedor, terão de votar por escrito, contra a aprovação do plano e requerer ao tribunal a não homologação do plano (pedido este que resultará implicitamente deduzido face ao voto negativo e à alegação dos factos que de seguida se enunciam) e alegar os factos e circunstâncias que tornem plausível a verificação de um dos fundamentos de recusa do plano a solicitação, previstos nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 216º, ditando esses factos para a ata de abertura dos votos a que alude o n.º 4 do art. 222º-F (na sequência da posição doutrinária atrás exposta), ou mediante requerimento autónomo, a ser apresentado junto do tribunal no prazo de dez dias a que alude o n.º 2 do mesmo preceito.
Dito por outras palavras, para que o tribunal possa recusar a homologação do plano de pagamento a solicitação, nos termos do art. 216º, não basta o simples voto em contrário de um dos legitimados para solicitar ao tribunal a não homologação do plano, pois tal é insuficiente para fundamentar esse pedido, na medida em que o voto em contrário na deliberação de aprovação e a oposição à aprovação do plano de insolvência consubstanciam duas realidades distintas (conforme é demonstrado nos autos pela circunstância da credora “Caixa ..., CRL, apesar de ter votado contra a aprovação do plano, não requereu ao tribunal a não homologação deste, sequer reagiu à sentença recorrida, que o homologou, sem prejuízo de, tal como antedito, se considerar que quando o interessado vota contra o plano e alega os fundamentos de recusa enunciados no n.º 1 do art. 216º, implicitamente requer ao tribunal a não homologação desse plano), impondo o pedido de recusa de homologação a alegação atempada de factos demonstrativos “em termos plausíveis” de um qualquer dos fundamentos consagrados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 216º (25), conforme é, de resto, exigido pelos princípios do dispositivo e do contraditório.

Ora, no caso em apreço, compulsados os autos, verifica-se que a apelante apenas se limitou a votar contra a deliberação de aprovação do plano de pagamento aprovado pela maioria dos credores dos apelados, sem que, no seu voto negativo, na ata da abertura de votos, ou em requerimento autónomo apresentado dentro do prazo a que alude o n.º 2 do art. 222º-F, tivesse apresentado os fundamentos para esse seu voto negativo, isto é, não alegando a necessária facticidade demonstrativa em como, em termos plausíveis, a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a interviria na ausência desse plano, fundamento e facticidade essa que apenas alega, pela primeira vez, em sede das suas alegações de recurso, pelo que, não sendo esse fundamento de recusa do plano de pagamento do conhecimento do tribunal, esta Relação não pode dele conhecer, sob pena de incorrer em violação dos princípios do dispositivo e do contraditório e de conhecer de questão nova, não colocada pela apelante junto da 1ª Instância e que, por isso, esta não podia conhecer e decidir, sob pena de nulidade por excesso de pronúncia, e de que efetivamente não conheceu.
Resulta do exposto, improceder este fundamento de recurso.
Sustenta a apelante que, com a homologação do plano pelo tribunal a quo, “não existe qualquer efetiva motivação ou explicação para as condições apresentadas quando existem três imóveis (um prédio misto e dois rústicos) que podem liquidar a totalidade das dívidas num valor muito superior ao do plano, isto é, com o património dos Devedores é possível recuperar o capital, juros moratórios vencidos e vincendos e demais despesas, tudo num menor espaço temporal e não em 14 anos” e que “não existe um verdadeiro acordo de pagamento, na medida em que as condições propostas configuram simples libertação das obrigações dos Devedores contra o pagamento de apenas uma parte muito diminuta da dívida – apenas capital sem qualquer pagamento de juros moratórios (vencidos vincendos e vincendos) – além de ser diluída no tempo”, mas, salvo o devido respeito por entendimento contrário, sem arrimo jurídico.
Com efeito, os fundamentos que a apelante agora aduz, pela primeira vez, nas suas alegações de recurso, nomeadamente, a propósito do valor dos imóveis propriedade dos apelados, não foram por ela tempestivamente alegados, pelo que a mesma se encontra agora impedida de alegar (e provar) esses factos, designadamente, que o valor desses imóveis é mais do que suficiente para pagar a totalidade dos débitos dos apelados.
Depois, se a intenção da apelante é, conforme perpassa da sua alegação, sustentar que os apelados não se encontram em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente em virtude de serem detentores de um ativo patrimonial (os identificados três prédios), cujo valor supera o seu passivo (os débitos relacionados), não lhes estando conferido o direito a recorrer ao PEAP e de nele ver aprovado e homologado um plano de pagamento, dir-se-á que, sendo os apelados pessoas singulares, para efeitos de se considerar se os mesmos estão (ou não) insolventes não releva a circunstância de terem uma situação patrimonial líquida positiva – o que apenas releva para efeitos da extensão operada pelo n.º 2 do art. 3º da noção base de insolvência em relação às pessoas coletivas e aos patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente -, posto que, o caracteriza a situação de insolvência é a circunstância do devedor ter uma ou mais obrigações vencidas, isto é, em mora, e encontrar-se impossibilitado de cumprir com a generalidade, ou seja, com a quase totalidade ou a grande maioria das suas obrigações vencidas (art. 3º, n.º 1) (26).
Ora, conforme é bom de ver, um devedor poderá encontrar-se impossibilitado de cumprir com a generalidade das suas obrigações vencidas, apesar de deter um património sólido, que exceda em muito o seu passivo, como acontecerá quando não disponha de liquidez que lhe permita cumprir com a grande maioria dos seus compromissos à medida em que estes se forem vencendo; assim como poderá acontecer que um devedor, com uma situação patrimonial negativa, possa dispor de liquidez suficiente para satisfazer os seus compromissos à medida que estes se forem vencendo.
Assim, caso o valor dos três prédios propriedade dos apelantes seja efetivamente suficiente para pagar o valor de todo o seu passivo, se esse facto (que a apelante não cuidou em tempestivamente alegar e que, portanto, não pode provar) era relevantíssimo para efeitos de recusa da homologação do plano de pagamento a solicitação, nos termos da al. a), do n.º 1 do art. 216º, dele (ainda que alegado e demonstrado) não se pode extrair que os apelantes não se encontrem efetivamente numa situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, posto que, esse património e as fontes de rendimento de que dispõem poderão não ser geradoras de liquidez suficiente que lhes permita pagar os seus compromissos financeiros à medida que estes se forem vencendo.
Resulta do exposto, improcederem todos os fundamentos de recurso aduzidos pela apelante, impondo-se concluir pela improcedência da presente apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
*
Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência:
- confirmam a sentença recorrida.
*
Custas da apelação pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 17 de março de 2022

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relator - José Alberto Moreira Dias;
1.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes;
2.ª Adjunta - Rosália Cunha.



1. Luís M. Martins, “Processo de Insolvência”, 2016, 4ª ed., Almedina, pág. 103
2. Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 39/XII, de 30 de dezembro de 2011
3. Ac. RG. de 25/10/2018, Proc. 1820/17.2TBCHV.G1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os arestos infra indicados sem menção em contrário. Ainda Ac. RG. de 23/11/2017, Proc. 206/17.3T8VRL.G1, em que se lê que o legislador criou “um novo processo, pensado em termos essencialmente idênticos ao processo especial de revitalização (conforme decorre da análise do seu regime previsto nos referidos arts. 222º-A a 222º-J), clarificando-se dessa forma a situação das pessoas singulares, que não devam ser consideradas empresa para este efeito, permitindo-lhes o acesso a este processo (e não apenas o recurso ao processo de insolvência)”. No mesmo sentido, Ac. RG. de 02/11/2017, Proc. 2699/17.0T8VCT-A: “a lei nova claramente quis “desenhá-lo” (cfr. preâmbulo do dito Decreto-Lei) e reservá-lo para as empresas (definidas estas, no art. 5º, como toda a organização de capital e trabalho destinada a exercer qualquer atividade económica) e reservou para os devedores de qualquer outra natureza o processo especial para acordo de pagamento, que tem tramitação específica – cfr. arts. 1º, n.º 3, e 222º-A a 222º-I”.
4. Ac. STJ. de 04/07/2019, Proc. 3774/17.6T8AVR.P1.S2.
5. Maria do Rosário Epifânio, “Manuel de Direito da Insolvência”, 7ª ed., Almedina, págs. 413 e 489 a 491; Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência”, abril de 2018, Almedina, págs. 333 a 339.
6. Ana Alves Leal e Cláudia Trindade, RDS IX (2017), 1, pág. 80.
7. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, 11ª ed., Almedina, pág. 265. No mesmo sentido, Maria do Rosário Epifânio, ob. cit., pág. 491, em que escreve que “(…) diferentemente do PER (art. 17º-A, n.º 1), a lei não exige (pelo menos expressamente) a sua recuperabilidade – aliás, em nenhum preceito do PEAP se faz essa referência”.
8. Ac. RP. de 11/07/2018, Proc. 2408/17.3T8STS.
9. Neste sentido Ac. RE de 07/06/2018, Proc. 1022/17.8T8OLH.E1, onde se lê que “o n.º 2 do art. 212º do CIRE procede a uma delimitação negativa do direito de voto, estipulando que: (…). E esta regra é aplicável, no âmbito do processo especial para acordo de pagamento não só porque o n.º 3 do art. 222º-F, se faz referência aos créditos “com direito de voto”, importando para tanto saber se os votantes o detêm, mas também por via do disposto no n.º 5 do art. 222º-F, onde se prescreve que “o juiz decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras urgentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência prevista no título IX, em especial o disposto nos arts. 215º e 216º”. Aliás, esta norma é idêntica à que atualmente consta do n.º 5 do art. 17º-F, relativa ao cômputo das maiorias necessárias à votação a provação do plano de recuperação no processo especial de revitalização (correspondente ao anterior n.º 3 do art. 17º-F, na redação do DL n.º 26/2015, de 06/02) em relação à qual se entende ser igualmente aplicável a norma da al. a) do n.º 2 do art. 212º do CIRE”.
10. Ac. RP. de 04/10/2021, Proc. 362/21.6T8AVR.P1. Neste sentido Catarina Serra, ob. cit., pág. 426, onde se lê que “no artigo 22º, n.º 2, al. a), procede-se a uma delimitação negativa do universo da lista de créditos incluídos: os créditos não afetados pelo plano não emitem direito de voto, devendo ser deduzido da lista de créditos incluídos na lista para efeitos de voto. Atendendo àquilo que a norma visa, justamente, evitar, ou seja, que o plano de insolvência seja imposto aos credores afetados por aqueles que o não são, é aconselhável, por igualdade de razões, que ele se aplique ao PER. Tem disso esta, aliás, a posição da maioria esmagadora da jurisprudência portuguesa. Exclui-se, evidentemente, a aplicabilidade da al. b) d0 n.º 2 do art. 212º porque a articulação com o disposto no n.º 4 torna esta norma incompatível com o PER. Na realidade, no PER há sempre continuidade da exploração da empresa”, e onde esta autora, na nota 630 cita vasta jurisprudência que sustenta a aplicabilidade do art. 212º, n.º 2, al. a) ao PER.
11. Ac. RP. de 03/12/2020, Proc. 2708/20.5T8AVR-A.P1.
12. Neste sentido, entre outros, Acs. RG. de 24/05/2018, Proc. 5900/17.6T8VNF.G1; R.P de 04/10/2021, Proc. 362/21.6T8AVR.P1; de 25/01/2021, Proc. 1027/20.1T8VNG.P1; de 03/12/2020, Proc. 2708/20.5T8AVR-A.P1; RL. de 22/06/2017, Proc. 3079/16.0T8BRR.L1-8; de 23/01/2014, Proc. 4303/13.6TCLRS-A.L1-2; RC. de 21/04/2015, Proc. 2281/13.0TBCLD.C1; RE. de 07/06/2018, Proc. 1022/17.8T8OLH.E1.
13. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 3ª ed., Quid Juris, págs. 774 e 775, e Acs. RG. de 19/06/2014, Proc. 404/13.9TBBCDL.G2; RC. de 07/06/2016, Proc. 1485/15.6T8LRA.C, lendo-se neste que “a modificação a que alude o art. 212º, n.º 2, al. a) do CIRE não se reporta «strictu sensu» ao quantum do crédito, mas à situação creditícia do credor, e emergindo aquela quanto a esta situação for regulada no plano de recuperação em termos distintos daqueles que derivariam das regras comuns e das da insolvência, seja quanto ao montante, às condições de pagamento, garantias, ou outros aspetos. A não exigência imediata das prestações vencidas de um mútuo, antes se concedendo o pagamento em 120 prestações, e o indicado alargamento do prazo das prestações vincendas, acarretam aquela modificação, a qual assim permite que o credor possa votar, em sede de PER, o respetivo plano de recuperação”.
14. Ac. RE de 07/06/2018, Proc. 1022/17.8T8OLH.E1.
15. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 781;
16. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 782. No mesmo sentido, Maria do Rosário Epifânio, ob. cit., págs. 367 e 368, em que postula que “o vício de procedimento não negligenciável ocorrerá quando, no iter processual conducente à publicidade de um plano de insolvência, houve (à semelhança do que se passa no art. 195º do CPC) violação de regras suscetível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger – nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta -, tendo em conta o que é, apesar de tudo livremente renunciável. Parecem constituir exemplos de normas procedimentais cuja violação não será negligenciável, as disposições previstas no art. 212º que fixam dois quóruns indispensáveis para que uma deliberação se considere aprovada”.
17. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 712.
18. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 712; Acs. RG de 06/02/2020, Proc. 348/19.0T8VNL.G1; RP de 09/12/2014, Proc. 166/14.2TJPRT.P1; RC. de 27/06/2017, Proc. 8389/16.3T8CBR.C1.
19. Ac. RG. de 18/06/2013, Proc. 743/12.6TBVVD.G1.
20. Maria do Rosário Epifânio, ob. cit., pág. 368.
21. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., 2ª ed., 2013, pág. 174.
22. Fátima Reis Silva, “Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente”, 2014, Almedina, pág. 64.
23. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., 3ª ed., pág. 786.
24. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., 3ª ed., pág. 786. No mesmo sentido, Maria do Rosário Epifânio, ob. cit., págs. 368 e 369: “De acordo com o art. 216º, a homologação é ainda recusada pelo juiz a solicitação do devedor, de algum credor, sócio, associado ou membro do devedor, desde que se observe um conjunto de requisitos. Em primeiro lugar, exige expressamente que o devedor não tenha apresentado proposta de plano (logo acrescentando que este requisito se aplica aos restantes interessados legitimados para requererem a não homologação do plano). Em segundo lugar, é necessário que o devedor, o credor, ou o membro, sócio ou associado do devedor tenham manifestado a sua oposição anteriormente à aprovação do plano de insolvência. Aqueles que têm legitimidade para participar na assembleia de credores podem opor-se aí – trata-se do devedor, assim como dos credores (art. 72º) – inscrevendo o seu protesto em ata. Porém, já os sócios, associados ou membros do devedor não têm legitimidade para participar na assembleia de credores, devendo apresentar a sua oposição antes da mesma em requerimento escrito. Para além disso, a doutrina tem defendido que à oposição deverá ser aplicado o prazo mínimo previsto no art. 214º para o proferimento do despacho sobre a homologação da deliberação. Em terceiro lugar e último, é exigência da lei que o requerente (credor, devedor, ou seu sócio, membro ou associado) demonstre em termos plausíveis, alternativamente, que existe um prejuízo próprio (n.º 1, al. a)) ou um favorecimento indevido de um credor (n.º 1, al. b))”. Ainda, Catarina Serra, ob. cit., pág. 320: “o juiz pode ainda recusar a homologação a pedido (cfr. art. 216º), designadamente a pedido de algum credor que se sinta prejudicado pelo plano, seja em absoluto, seja por comparação com outros credores. Para isso é preciso que o credor já tenha manifestado nos autos a sua oposição, em momento anterior à aprovação do plano, e prove ou que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que aquela que adviria da ausência do plano ou que do plano resulta para algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência acrescido das eventuais contribuições que ele deva prestar (cfr. art. 216º, n.º 1, als. a) e b)”.
25. Neste sentido Ac. RG. 09/04/2013, Proc. 260/12.4TBFAF-D.G1, RL de 28/04/2020, Proc. 7771/19.9T8LSB.L1.1; de 15/10/2019, Proc. 3855/18.9T8VFX.L1-1; RC. de 09/05/2017, Proc. 1006/15.0T8LRA-D.C1; de 25/10/2011, Proc. 329/10.0TBMGL-E.C1; 18/10/2011, Proc. 2873/10.0TBLRA.C1; de 18/01/2011, Proc. 294/10.3TBVNO-G.C1; RE de 11/05/2017, Proc. 1973/16.7T8STR.E1.
26. Ac. RP. de 18/06/2013, Proc. 3698/11.0TBGDM-A.G1, onde se lê que “a situação de insolvência a que alude o n.º 1 do art. 3º do CIRE depende da verificação da impossibilidade de o devedor cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas”. No mesmo sentido Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., 3º ed., pág. 86, e Maria do Rosário Epifânio, ob. cit., pág. 27.