Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
815/20.3T8BGC-B.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: INVENTÁRIO
NULIDADE
DECLARAÇÃO DE INDIGNIDADE
LEGITIMIDADE PARA O INVENTÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) Até à declaração de indignidade, caso ocorra, mantem-se a posição do alegado indigno e, declarada a indignidade, a devolução da sucessão ao indigno, é havida como inexistente, sendo ele considerado, para todos os efeitos, possuidor de má-fé dos respetivos bens;
2) Tem legitimidade para prosseguir no inventário, em substituição do seu falecido marido e herdeiro, a sua esposa, conjuntamente com os filhos de ambos, independentemente de estar pendente uma ação de declaração de indignidade daquele, dado que sendo declarada tal indignidade, em função do seu âmbito, deixa de se justificar legalmente a sua permanência (artigo 2037º nº 1 Código Civil), havendo apenas lugar ao direito de representação dos descendentes (artigo 2037º nº 2 Código Civil).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) F. M. veio requerer inventário no Cartório Notarial de … (Dr. J. A.), por óbito de G. A., ocorrido em 08/09/1988, indicando como cabeça-de-casal M. J..
Em 31/10/2019 o interessado F. M. veio requerer a cumulação de inventários, referindo que o presente inventário foi instaurado por óbito da mãe do requerente e, em 06/07/2017, faleceu o pai do requerente, F. M., sendo os bens a partilhar exatamente os mesmos, tendo como únicos herdeiros os quatro filhos do casal.
O interessado A. J. veio requerer a remessa dos autos para o Tribunal Judicial da comarca de Bragança (Juízo Cível competente) nos termos do disposto no artigo 12º nº 3 da Lei nº 117/19, de 13/09.
Todos os interessados declararam concordar com a pretensão, tendo o interessado M. J. requerido que antes da remessa dos autos se decida a admissão da escusa do cargo de cabeça-de-casal e da nomeação de novo interessado para esse cargo.
Foi proferida decisão, em 08/07/2020, que entendeu que os autos devem ser remetidos para o Tribunal no estado em que se encontram (artigo 13º nº 1 da Lei nº 117/19, de 13/09), que foi determinado.
O cabeça-de-casal M. J. veio aos autos identificar os sucessores do falecido A. J., cujo decesso ocorreu em -/11/2020, conforme a escritura de habilitação de herdeiros lavrada em 16/11/2020: C. S., viúva do falecido com quem foi casada sob o regime imperativo de separação de bens e os filhos A. F., casado com M. V. no regime de comunhão de adquiridos, A. M., solteiro, maior e L. M., divorciado.
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B) Foi proferido o despacho de 08/02/2021 (ref. 23167695), onde consta:

“Veio o Cabeça de Casal, M. J., na sequência do falecimento do Interessado, A. J., identificar os seus sucessores, a saber: a) C. S., viúva do falecido, residente na Rua … Bragança; b) - e os seguintes seus filhos: b.1) - A. F., casado com M. V., no regime da comunhão de adquiridos, residentes na Rua … Porto; b.2) – A. M., solteiro, maior, residente na Rua … Lisboa; b.3) - L. M., divorciado, residente na Rua de … Vila Nova de Gaia.
Os Interessados, F. M. e M. P., vieram deduzir oposição, alegando, em síntese, estar a decorrer neste Juízo Local Cível de Bragança – J1 ação declarativa com o nº de proc. n.º 422/20.0T8BGC, a qual visa ver declarada a indignidade por parte do Interessado falecido, A. J., para suceder ao inventariado, nos termos e para os efeitos do art.. 2036º e n.º 1 e 2 do art. 2037º do C.Civil, razão pela qual a esposa do falecido não deveria ser habilitada.
Cumpre apreciar.
A ação declarativa no sentido da declaração de indignidade do falecido A. J. consubstancia uma ação constitutiva, tudo sem prejuízo de, caso a indignidade venha a ser declarada, a mesma produzir efeitos retroativos à data da abertura da sucessão, eliminando a referida vocação sucessória.
Tal significa que, enquanto não for proferida sentença definitiva nesses autos, tais efeitos se não produzem, devendo, pois, a habilitação dos sucessores do falecido, A. J., ocorrer nos presentes autos, independentemente do desfecho de tal ação, até no sentido de assegurar – enquanto não for decidida a questão da suspensão da instância por causa prejudicial - a sua possibilidade de intervir nos presentes autos e exercer o contraditório quanto às questões a dirimir.
E ainda que o desfecho de tal ação passe pela referida declaração de indignidade, certo é também que, nos termos do nº 2 do artigo 2037º do CC, a indignidade não afeta o direito de representação dos descendentes, pelo que sempre estes poderão vir a ter intervenção nos presentes autos enquanto interessados diretos na partilha.
Dito isto, e concordando-se com a posição dos Interessados, F. M. e M. P., embora com fundamentos diferentes dos apresentados por tais Interessados, como resulta do nº 2 do artigo 2037º e do artigo 2039º do mesmo diploma, quer seja declarada a indignidade, quer não seja, habilitados devem ser apenas os filhos do falecido Interessado, A. J., e não também assim a sua esposa.
Tal decorre da circunstância de a indignidade pressupor apenas a subsistência do direito de representação (e não do direito de transmissão – cfr. artigos 2037º nº 2 do CC em confronto com o artigo 2058º do CC) e, mais importante do que isso, quer tal ação venha a ser julgada procedente, quer venha a ser julgada improcedente, se estar, no caso, estar perante o primeiro fenómeno, pois que, na hipótese dos autos, a sucessão foi aceite pelo falecido Interessado, A. J., o que se deduz do facto de, não só não ter repudiado a herança, como, antes de ter falecido, o mesmo ter praticado atos no processo (designadamente, a dedução de reclamação da relação de bens) que indiciam tal aceitação em termos concludentes (artigo 217º do CC).
Ora, como referido no ac. TRP de 8/11/1990, proferido no proc. 0123911: “Tanto na habilitação-legitimidade como na habilitação incidental comum ou em processo de inventário, a legitimidade das partes e a prossecução dessas lides não se afirma pelos elos de filiação a demonstrar, mas sim pelo interesse direto na partilha ou pelo enquadramento na dinâmica sucessória”.
Vale dizer que só devem ser habilitados os interessados diretos, sendo estes aqueles que, por direito de representação, têm interesse direto na partilha, no caso, os filhos do falecido Interessado e não também assim a esposa deste.
Finalmente, também só devem ser citados os filhos do falecido Interessado e não também assim os cônjuges destes quando o regime de bens seja o de comunhão de adquiridos, pois que, nessa hipótese, estes últimos não são interessados diretos.
Pelo exposto, declaro habilitados, para prosseguir nos autos em substituição do falecido Interessado, A. J., os seus filhos: A. F., A. M. e L. M..
Mais declaro não admitir a habilitação da esposa do falecido Interessado, C. S..
Cite os referidos habilitados, notificando-os ainda para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem se mantêm interesse na reclamação da relação de bens apresentada pelo seu falecido pai, A. J., bem como sobre o requerimento da Interessada, M. P., no sentido da suspensão da instância no presente inventário, tendo em vista esperar-se pela decisão do proc. n.º 422/20.0T8BGC, no qual se visa a declaração de indignidade do seu falecido ascendente, A. J..
Junte cópia da reclamação da relação de bens deduzido pelo falecido Interessado, bem como do requerimento da Interessada M. P., visando a suspensão da instância.”
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C) Inconformada com esta decisão, veio a requerente C. S. interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir em separado, com efeito suspensivo (despacho de 20/01/2022, ref. 23891006).
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Nas suas alegações a recorrente interessada C. S. apresenta as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso de apelação interposto do despacho sob a referência 23684569 notificado à apelante em 23-09-2021, pelo Juízo Local Cível de Bragança – Juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança.
2. Despacho que constitui decisão acerca da habilitação dos interessados diretos na partilha na sequência do falecimento do primitivo interessado e herdeiro A. J. e a qual decidiu não admitir (habilitar) a ex-mulher do interessado A. J. e por isso, agora, apelante, C. S..
3. Que procurou obviar ao recurso de apelação (à sua necessidade) suscitando - no momento em que pode – Incidente de Intervenção Principal Espontânea que, na prática, foi votado a mesma má sorte de não atender à sua, está em crer, justa pretensão.
4. Qual seja a de muito simplesmente ser chamada a intervir em processo de inventário no qual é, materialmente e necessariamente, interessada pois é, ex-cônjuge de um interessado entretanto falecido!
5. E cuja qualidade e direitos sucessórios não estão a ser reconhecidos pelo tribunal a quo.
6. Com base em argumentação que não pode proceder.
7. Recurso que apresenta, pois, a aqui apelante porquanto o referido despacho, data vénia, padece de NULIDADE e de erro de julgamento (erro in judicando) dado distorcer a realidade factual (error facti) assim como faz errada aplicação do direito (error juris) uma vez que o decidido labora em erro que resulta em má administração da justiça.
8. Pois ao contrário do decidido, a C. S. é interessada nos autos do inventário pois foi casada com o A. J. que é interessado na herança de G. A. que aqui, também se discute.
9. Não podendo relevar, nos termos propugnados pelo tribunal a quo, qualquer processo judicial que viesse a considerar indigno de sucessão o A. J..
10. Pois tal, (declaração de indignidade sucessória do (A. J.) a ocorrer, apenas poderia relevar no contexto do acervo do F. M. e não também no de G. A..

COM EFEITO
11. Nos presentes autos do estão em causa duas heranças (cumuladas).
12. Uma aberta por morte de G. A. e outra por morte de F. M., pais do seu falecido A. J.. Cfr, por ex. REQUERIMENTO DE 12/11/2019 SOB A REFERÊNCIA 22773940
13. Nessas heranças – em cada uma delas – o falecido marido da apelante – era interessado direto, ocupando a posição de herdeiro (legitimário e, também, testamentário) dos seus pais G. A. e F. M., a par dos demais interessados F. M., M. J. e M. P. seus irmãos.
14. Uma vez que o A. J., marido da aqui apelante C. S., faleceu na pendência da presente ação (em 06NOV2020), o cabeça de casal M. J., veio prestar declarações complementares e, como lhe competia, indicou os sucessores do falecido interessado A. J. seu irmão, entre eles a aqui apelante C. S..- Cfr DECLARAÇÕES COMPLEMENTARES REFERÊNCIA 1706995 E O DISPOSTO NO ARTIGO 1089.º DO CPC.
15. Sabe agora, desde 23SET2021, a apelante C. S., que havia sido proferido despacho, primitivamente em 08/02/2021, que não admitiu a sua intervenção Cfr. REF. 23167695.
16. Despacho que a excluiu do conjunto dos interessados na herança aberta por morte do seu malogrado marido A. J. – apesar da herança aqui em causa nos presentes autos compreender os denominados direito e ação às heranças abertas por morte de ambos os pais, por terem os dois (ambos) falecido antes do seu marido A. J..
17. Se bem se alcança o teor do despacho de que aqui se apela, (relevando o segmento em que parece explanar doutrina que não se entende – não se alcança de todo - relacionada com interessados diretos e indiretos) a não admissão e não reconhecimento da condição de interessada da aqui recorrente assenta na questão que tem que ver com a pendência de uma ação que pretende ver declarada a indignidade sucessória, visando (intentada contra) o A. J., e a que cabe o Processo n.º 422/20.0T8BGC, que corre termos no Juízo Local Cível – Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança.
18. Que, a proceder, faria do A. J. indigno e consequentemente inapto a suceder à herança de F. M. seu pai.
19. Ora quaisquer efeitos (perspetivados) da referida ação, apenas poderia relevar no âmbito do fenómeno sucessório a que respeita (ou pretende respeitar) essa mesma ação e a ali suscitada declaração de indignidade.
20. Ou seja, no âmbito - e no âmbito apenas - da herança aberta por morte de F. M., pai do A. J., seu – da C. S. aqui apelante – falecido marido.
21. E desta herança – de F. M. – e de mais nenhuma.
22. Nenhuma influência ou reflexo ou efeitos devendo quaisquer questões aí suscitadas, ter ou produzir no âmbito da herança aberta por morte de G. A..
23. Que é o que se discute também nestes autos.
24. E nos quais está vedada a participação da interessada C. S..
25. Aliás do teor da própria Petição inicial apresentada naqueles autos de indignidade sucessória, resulta que o ali autor – o aqui interessado F. M. -, alegou expressamente que os efeitos da suscitada indignidade sempre se circunscreveriam à herança aberta por morte do pai F. M..
26. Assim sendo, e porque o direito e ação ao quinhão ideal na herança (parcialmente ilíquida e indivisa) aberta por morte de G. A., falecida em 1987, existia e subsiste no acervo da herança de A. J. que dela herdou,
27. a aqui apelante enquanto ex-cônjuge e herdeira do seu marido e como tal devidamente habilitada notarialmente,
28. é interessada – e interessada direta – na mesma, sendo por isso parte legítima (não podendo deixar de ser) nos presentes autos por neles estar em causa objeto que compreende a liquidação e partilha da referida herança.
29. Tanto quanto os filhos do seu marido, que o tribunal a quo fez ascender a uma nova categoria especial de forma a menosprezar (desconsiderar de todo a da apelante) A. F., A. M. e L. M..
30. Como tal é a aqui apelante detentora de direito substancialmente equivalente ao dos demais interessados tendo toda a legitimidade para intervir nos autos de inventário 815/20.3T8BGC.
31. De resto, e porque integra o elenco subjetivo dos sujeitos da relação material posta em juízo por força da sucessão mortis causa do interessado A. J., para assegurar a legitimidade no inventário por decesso da senhora G. A. até se impõe que nos autos do processo de inventário n.º 815/20.3T8BGC sejam parte todos os seus sucessores, sem exceção, e entre eles, a aqui apelante – tudo nos termos dos disposto no artigo 2024.º do CC e do artigo 33.º do CPC.
32. Estamos, e sempre ressalvando melhor opinião, perante uma situação de litisconsórcio necessário – artigo 33.º do CPC – considerando a pluralidade de sujeitos que representam uma das partes na relação posta em juízo e a exigibilidade legal de todos serem chamados a intervir.
33. Dos quais (de todos os que devem intervir) se mostra, formalmente, mas injustificadamente, arredada a ora apelante.
34. É, portanto, convicção da apelante que tem um interesse equivalente ao dos restantes interessados.
35. Tendo, consequentemente, perante o teor despacho recorrido, o dever de apelar para este douto tribunal no sentido de ver reposta a legalidade deste processo.
36. Cabendo ao Tribunal da Relação o poder - dever de assegurar a sua intervenção.
37. Uma vez que o despacho recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 628.º do CPC e as normas já citadas, o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
38. O Despacho de que não admite liminarmente a intervenção da C. S. é ilógico e incongruente, não explicita (não demonstra) o “iter” logico-racional em que assenta a decisão proferida.
39. É nulo um despacho que assenta em fundamentação que não pode proceder.

Termina entendendo que deve o presente recurso obter provimento nos termos das conclusões elencadas ou de outras que o venerando Tribunal da Relação se dignará suprir e, consequentemente, deve o douto despacho recorrido ser anulado.
Quando assim não se entenda, e em todo o caso, deve o despacho recorrido ser revogado e ser proferida decisão que mande admitir a intervenção nos autos de inventário 815/20.3T8BGC a interessada aqui apelante C. S. e faça, assim, prosseguir os autos de inventário.
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Pelo interessado F. M. foi apresentada resposta onde entende que:

- Não deve ser admitido o recurso porque manifestamente intempestivo;
- A ser admitido, o que só por comodidade de raciocínio se refere, deve ser-lhe atribuído o efeito meramente devolutivo, prosseguindo os autos a sua normal tramitação.
- Em todo o caso, o recurso é inútil porque, aceitando a Recorrente que se verifica uma situação de indignidade sucessória relativamente à herança do Sr. F. M., e nada havendo que partilhar da herança da D.ª G. A., não pode intervir nos autos a Recorrente porque a partilha em nada afeta os seus direitos.
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D) Foram colhidos os vistos legais.
E) As questões a decidir no recurso são as de saber:
1) Se o despacho recorrido é nulo;
2) Se deverá revogar-se a decisão recorrida e admitir-se a intervenção da apelante para, juntamente com os demais herdeiros do interessado A. J., prosseguir na lide.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Os factos a atender são os que constam do relatório que antecede.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) A apelante veio invocar a nulidade do despacho recorrido, por falta de fundamentação, invocando o disposto no artigo 615º nº 1 alínea c) NCPC, onde se estabelece que:
“1. É nula a sentença quando:

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
…”
Como se vê, trata-se de lapso a indicação da alínea c) do nº 1 do artigo 615º NCPC, dado que não resulta preenchida, uma vez que a falta de fundamentação se integra no fundamento da alínea b) do referido normativo.
Como se refere no Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 2ª edição, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, a páginas 763 e seg. “acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso.”
“… é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito ou que se caraterize pela sua ininteligibilidade, previsões que a jurisprudência tem vindo a interpretar de forma uniforme, de modo a incluir apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (STJ 2-6-16, 781/11).”
( … )
“Mais frequentes são os casos de omissão de pronúncia, seja quanto às questões suscitadas, seja quanto à apreciação de alguma pretensão. A este respeito, também é pacífica a jurisprudência que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e, bem assim, as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões” (STJ 27-3-14, 555/2002). Para determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão (STJ 23-1-19, 4568/13).”
Apreciando, dir-se-á que o tribunal a quo fundamentou a decisão, embora a apelante discorde da mesma.
Com efeito, uma coisa é a completa omissão da fundamentação e outra, diversa, a fundamentação deficiente e outra, ainda, a decisão errada e apenas a primeira constitui fundamento de nulidade.
Assim sendo, face à inexistência da invocada nulidade que, assim, se indefere, passar-se-á à apreciação do mérito da decisão proferida.
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A apelante C. S., é viúva de A. J., falecido a -/11/2020, filho e herdeiro legitimário de F. M., falecido a -/07/2017 e de G. A., falecida a -/09/1988.
E a questão que se levanta é a de saber se deverá ser revogada a decisão que não admitiu a habilitação da ora apelante, esposa do falecido interessado A. J..
Refere a apelante que é uma herdeira interessada num inventário judicial que está impedida de nele participar e intervir.
Vejamos.
Conforme se refere no despacho recorrido, decorre no Juízo Local Cível de Bragança – J1, a ação declarativa nº 422/20.0T8BGC, onde se peticiona a declaração de indignidade do interessado falecido A. J., para suceder ao inventariado, nos termos do disposto nos artigos 2036º e 2037º nº 1 e 2 do Código Civil.
Também aí se refere que caso a indignidade venha a ser declarada, a mesma produzirá efeitos retroativos à data da abertura da sucessão, eliminando a referida vocação sucessória.
Como decorre do disposto no artigo 2037º nº 1 do Código Civil até à declaração de indignidade, caso ocorra, mantem-se a posição do alegado indigno e “declarada a indignidade a devolução da sucessão ao indigno, é havida como inexistente, sendo ele considerado, para todos os efeitos, possuidor de má-fé dos respetivos bens.”
Por outro lado, na sucessão legal, a capacidade do indigno não prejudica o direito de representação dos seus descendentes (artigo 2037º nº 2 Código Civil).
Do exposto resulta que até à declaração (eventual) da indignidade, o herdeiro, ou herdeiros, deverão permanecer nessa qualidade.
No caso presente, face ao falecimento do interessado A. J., foram julgados notarialmente habilitados C. S., viúva do falecido com quem foi casada sob o regime imperativo de separação de bens e os filhos A. F., casado com M. V. no regime de comunhão de adquiridos, A. M., solteiro, maior e L. M., divorciado.
Conforme se refere no Acórdão da Relação do Porto de 13/03/1974, (BMJ 236/198) verificando-se a declaração de indignidade depois de aberta a herança, ela atua como facto resolutivo da vocação sucessória operada.
No entanto, enquanto não se verificar a declaração judicial de indignidade, no caso de falecimento do interessado, que tem pendente uma ação de declaração de indignidade, são chamados à sucessão os herdeiros deste, dado que a indignidade sucessória não opera automaticamente (cfr. Acórdão STJ de 17/12/2019, processo 590/17.9T8EVR.E1.S2, www.dgsi.pt).
Importa, por isso, saber se a apelante também é herdeira do seu falecido marido A. J..
Ora, conforme se viu, o falecido A. J. de Jesus e a apelante C. S. estavam casados segundo o regime de separação de bens, segundo o qual, cada um deles conserva o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e futuros, podendo dispor deles livremente (artigo 1735º do Código Civil).
Sendo certo que a apelante não é herdeira direta na herança dos pais do seu falecido marido, no entanto, não deixa de ser herdeira deste e ainda não se mostra partilhada a herança dos seus pais, dado que se assim não fosse o inventário requerido careceria de fundamento.
Poder-se-á objetar que remanesce a questão da ação de declaração de indignidade que ainda não se mostra decidida e, sendo esta julgada procedente, o primitivo herdeiro, A. J. de Jesus, perde essa qualidade, no âmbito em que for decidido e, como tal, não fica prejudicado o direito de representação dos descendentes deste (artigo 2037º nº 2 Código Civil), ficando, assim excluída a intervenção da apelante, enquanto viúva daquele herdeiro A. J. de Jesus, uma vez que o direito de representação apenas beneficia os descendentes deste e, já não, os demais herdeiros (cfr. artigo 2039º Código Civil).
O critério, nesta fase, não é, porém, o de saber se existe direito de representação, só relevando tal direito depois da declaração de indignidade e em função do seu âmbito, se a mesma ocorrer, até lá, tudo se passa como se não existisse indignidade.
Como se refere no citado Acórdão do STJ de 17/12/2019, processo 590/17.9T8EVR.E1.S2, www.dgsi.pt, a indignidade sucessória não opera automaticamente, por isso, a posição jurídico-sucessória de outro herdeiro legal do de cujus apenas se consolida com a declaração judicial de indignidade do chamado que praticou atos delituosos contra o autor da sucessão ou alguns dos seus familiares mais próximos.
Pelo exposto, resulta que a apelante tem legitimidade para prosseguir nos autos em substituição do falecido A. J., juntamente com os demais herdeiros deste, enquanto não for judicialmente declarada a indignidade daquele, em função do seu âmbito, termos em que a apelação deverá proceder e, em consequência, revogar-se a douta decisão recorrida.
Face ao vencimento de causa do recurso, as custas serão suportadas pelo apelado, que ficou vencido (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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D) Em conclusão:

1) Até à declaração de indignidade, caso ocorra, mantem-se a posição do alegado indigno e, declarada a indignidade, a devolução da sucessão ao indigno, é havida como inexistente, sendo ele considerado, para todos os efeitos, possuidor de má-fé dos respetivos bens;
2) Tem legitimidade para prosseguir no inventário, em substituição do seu falecido marido e herdeiro, a sua esposa, conjuntamente com os filhos de ambos, independentemente de estar pendente uma ação de declaração de indignidade daquele, dado que sendo declarada tal indignidade, em função do seu âmbito, deixa de se justificar legalmente a sua permanência (artigo 2037º nº 1 Código Civil), havendo apenas lugar ao direito de representação dos descendentes (artigo 2037º nº 2 Código Civil).
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III. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, admitir a intervenção da apelante, julgando-a habilitada para prosseguir nos autos em substituição do falecido A. J., juntamente com os demais herdeiros deste, enquanto não for judicialmente declarada a indignidade daquele, em função do seu âmbito, assim se revogando o douto despacho recorrido.
Custas pelo apelado.
Notifique.
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Guimarães, 07/04/2022

Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Maria Cristina Cerdeira
2ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares