Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4402/19.0T8VCT.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: CESSÃO DE QUOTA
DELIBERAÇÕES DOS SÓCIOS
PROVA
PAGAMENTO A TERCEIRO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1.- Visto que o artigo 63º do Código das Sociedades Comerciais impõe que a prova das deliberações dos sócios deve ser efetuada pela apresentação das atas das assembleias, a falta de apresentação de uma ata, atenta a sua completa falta de assinaturas, consiste na violação de um meio de prova vinculado que não pode ser preterido, porque a parte não alegou tal omissão: é de conhecimento oficioso.
.2- Salvo as contadas exceções previstas na lei, a prestação feita a terceiro não extingue a obrigação, mas são extintivas, entre outras, quando assim foi estipulado ou consentido pelo credor (alínea a) do artigo 770º, do Código Civil) e as situações em que o credor venha a aproveitar-se do cumprimento e não tiver interesse fundado em não a considerar como feita a si próprio (alínea d) do mesmo preceito).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

. I - Relatório

Recorrentes: o Autor, AA e
 os intervenientes principais ativos, BB; CC; DD e EE.
Recorridos e Réus: FF e GG.
Apelação em ação declarativa com processo comum.

O Autor e os intervenientes principais ativos, que aderiram aos articulados apresentados pelo primeiro, pediram que os Réus fossem condenados a pagar ao Autor a quantia de €50.000,00, respeitante ao valor da quota do falecido HH da sociedade “EMP01..., Lda”, acrescida dos juros vencidos, sobre esse montante, à taxa de 4% ao ano, contados desde a citação para a presente ação até efetivo e integral pagamento.
Alegaram, em síntese, que se mostra assinado um contrato de cessão de quotas, datado de 9/1/2017, pelo qual II e o falecido HH, terão cedido, respetivamente, a JJ e à Ré FF, as quotas que cada um detinha naquela sociedade, cada uma com o valor nominal de €50.000,00. Duvidam da autoria da assinatura do segundo, atento o seu estado de saúde e afirmam que o preço não lhe foi pago.
Os Réus contestaram, impugnando, e invocaram, em súmula, que procederam ao devido pagamento.
O processo seguiu seus termos, realizou-se audiência final e veio a ser proferida sentença que julgou a ação improcedente por não provada e absolveu os Réus do pedido.

É desta sentença que o Autor e intervenientes principais ativos recorrem, terminando a motivação com as seguintes
conclusões:
“1. Os Recorrentes não concordam com a douta decisão proferida, o que justifica o presente recurso, versando o mesmo sobre a matéria de facto e a matéria de direito.
2.  Os Recorrentes não concordam e, por isso, não aceitam que o Tribunal a quo tenha considerado válidas as Actas das Assembleias Extraordinárias e, consequentemente, que tenha considerado que as reuniões tiveram lugar nos dias 20.12.2016; 22.12.2016 e 23.12.2016 e que as deliberações delas constantes o tenham sido efectivamente, e que as mesmas sejam válidas.
3.  A regularidade e legalidade das actas das sociedades por quotas devem obedecer ao estabelecido no artigo 63º do Código das Sociedades Comerciais.
4.  Mais devem os respetivos livros ser sempre sujeitos a um termo de abertura e a um termo de encerramento, numerando-se as respetivas folhas de forma sequencial e rubricando-se cada uma dessas páginas junto à respectiva numeração.
5.  No caso concreto, as actas juntas aos autos, reportadas às supra mencionadas reuniões extraordinárias, não estão assinadas por nenhum dos sócios da sociedade, no caso, pelo já falecido sócio HH e pelo sócio II, funcionando a aposição das respectivas assinaturas no final do texto de cada uma das actas, como garantia e demonstrativa da certeza, fiabilidade e fidelidade das deliberações sociais tomadas pelos seus sócios em cada uma das respectivas assembleias.
6.  As duas rubricas visíveis no canto superior direito de cada uma das actas juntas aos autos não têm, nem podem ter qualquer força probatória quanto ao teor e conteúdo de cada uma delas, nem quanto a cada uma das deliberações nelas insertas.
7.  Para que as actas juntas aos autos e respectivas deliberações tivessem a força probatória que na sentença recorrida lhes é excessiva e desmesuradamente atribuída, as mesmas teriam, necessariamente, de estar assinadas pelos seus participantes - o que não se verifica em nenhuma delas.
8.  A Testemunha JJ - contabilista da empresa e pessoa com grande participação não só nos actos societários realizados por HH e II, mas sobretudo na delineação da estratégia e na elaboração do plano com vista, segundo o seu depoimento, a solucionar a situação económica da EMP01..., Lda, designadamente através da aquisição por ele próprio e por sua mãe, a aqui Recorrida FF, das quotas desta sociedade, não soube, nem teve como garantir que o referido HH esteve presente nas reuniões extraordinárias da empresa, nem que aquelas reuniões se tivessem efectivamente realizado.
9.  Numa audição atenta do depoimento desta testemunha – que não se coíbe de o fazer sempre na primeira pessoa do singular - o que se verifica é que as referidas actas foram lavradas na exacta consonância do esquema e estratégia que ele próprio, enquanto contabilista e interessado directo na aquisição das quotas desta sociedade, delineou.
10.  Mesmo que essas actas não tivessem sido impugnadas – o que não se concede – sempre, perante os elementos que se encontram juntos aos autos e a expressa e manifesta contradição que existe entre os respectivos conteúdos e teor e o alegado pelos recorrentes na sua petição, o Tribunal a quo não poderia dar como provado os factos constantes dos pontos 1.43, 1.53 e 1.56, os quais deveriam ter recebido resposta de não provados.
11.  E, consequentemente, os pontos 1.44, 1.54, 1.55 e 1.56 também deveriam ser considerados como não provados, uma vez que são tratados como consequência directa das reuniões que não existiram.
12.  Os factos provados descritos em 1.10, 1.46. e 1.75. deveriam ter a redacção supra descrita no ponto B.2 destas alegações, pelas razões aí igualmente invocadas e que se dão por reproduzidas.
13.  O facto provado 1.69 e 1.70 deveriam ter a resposta de não provado, pois nunca não corresponde à verdade que o falecido HH não era titular de conta bancária, e que o mesmo iria assinar uma declaração neste mesmo sentido, pois aquele era co-titular da conta com o IBAN  ...79, sediada na Banco 1..., S.A.
14.  Assim como o facto provado 1.74 deveria ter a resposta de não provado, pois não podem os Recorridos afirmar que o falecido HH era conhecedor da forma dos pagamentos, uma vez que o mais natural e óbvio seria que aquele indicasse o seu IBAN para que a Ré FF transferisse o valor de 50 mil euros referente à cessão da sua quota, tal qual aconteceu com II quando deu o seu IBAN ao JJ para que transferisse o dinheiro da cessão da sua respectiva quota.
15.  Dá-se por integralmente reproduzida a matéria alegada no ponto C.1 destas alegações, para a qual se remete.
16.  O valor de 100 mil euros referente à cessão de quotas em análise teria, segundo a tese apresentada pelos recorridos, que ser transferido, antes de 09.01.2017, para a “EMP01..., Lda.” como suprimento dos sócios, ou seja, II e HH para pagamentos de dívidas desta empresa.
17.  Mas, os 100 mil euros foram transferidos, na sua totalidade, para a conta de II, do seguinte modo:
- em 21.12.2016 (portanto, antes de 09.01.2017) – 35.000,00€
- em 18.01.2017 – 30.000,00€ (já depois de 09.01.2017)
- em 19.01.2017 – 30.000,00€
- em Fevereiro/2017 – 5.000,00€
18.  O que faz cair por terra a teoria de que que os valores tinham que entrar na sociedade como suprimentos dos sócios HH e II.
19.  Foi permanente a preocupação dos Réus, através das suas testemunhas II e JJ, em demonstrar que HH sempre concordou com a estratégia delineada pelo contabilista, que não escondeu o seu particular interesse na operação e a sua exclusiva intervenção na respectiva arquitectura e estratégia.
20.  Não se pode concluir que HH tenha concordado com todo o delineado pelo seu sócio e seu contabilista e que esteve em todas as reuniões, pois não ficou provado, sequer indiciado que o falecido HH tivesse autorizado, nem mesmo verbalmente, que o preço pago pela cessão da sua quota entrasse na conta de II e que fosse destinado a pagar dívidas da EMP01....
21. Pela forma descrita, os ditos JJ e FF receberam na sua esfera patrimonial, na data de 09.01.2017 uma empresa totalmente limpa de dívidas e um armazém livre de quaisquer ónus ou encargos no coração industrial da cidade ...
22.  Atenta a falta de qualquer rasto do valor pago pela cessão de quotas no património de HH, resta a conclusão de que a Recorrida FF transferiu indevidamente para a conta de II o valor de 50 mil euros, uma vez que o falecido HH nunca autorizou tal operação.
23.  Estabelece o artigo 770º do Código Civil que “a prestação feita a terceiro não extingue a obrigação, excepto: a) se assim foi estipulado ou consentido pelo credor; b) se o credor a ratificar; c) se quem a recebeu houver adquirido posteriormente o crédito; d) Se o credor vier a aproveitar-se do cumprimento e não tiver interesse fundado em não a considerar como feita a si próprio; e) Se o credor for herdeiro de quem a recebeu e responder pelas obrigações do autor da sucessão; f) Nos demais casos em que a lei o determinar.”
24.  Nenhuma das situações elencadas no artigo 770º do Código Civil se verifica, afastando-se por completo a possibilidade de aplicação da alínea a), uma vez que HH nunca estipulou ou consentiu que a prestação fosse feita a terceiro, ou seja, a II.
25.  Nas palavras de Antunes Varela: “a prestação feita a terceiro não extingue, portanto, a obrigação, sendo ineficaz perante o credor; por isso de acordo com o brocardo segundo o qual quem paga mal paga duas vezes, o devedor terá de efectuar nova prestação (Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. II, Reimpressão da 7.ªa edição, 1997, página 31).
26.  Tendo a Recorrida FF pago o valor de 50 mil euros a II, sem consentimento ou estipulação neste sentido por parte do falecido HH, deve a prestação ser repetida nos termos do artigo 476º, naº 2 do Código Civil, que estatui que a “prestação feita a terceiro pode ser repetida pelo devedor enquanto não se tornar liberatória nos termos do artigo 770.º”.
 Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 770º do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene os Recorridos no pedido peticionado.”
Os Recorridos apresentaram resposta, concluindo, em súmula, pelo bem fundado da sentença recorrida.

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º, nº 4, 639º, nº 1, 5º, nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º, nº 2, do mesmo diploma.
Atento o teor das alegações e conclusões cumpre decidir:
- se deve ser alterada a matéria de facto provada no sentido apontado pelos Recorrentes e em caso afirmativo se tal alteração determinada a modificação da solução do pleito.
- se o pagamento a terceiro preencheu a previsão do artigo 770º, alínea a), do Código Civil.
III- Fundamentação de Facto
 Segue o elenco da matéria de facto provada e não provada a considerar, indicando-se os factos selecionados na sentença, com a anotação das alterações a que conduziu a procedência da impugnação da matéria de facto provada.
Factos provados:
1.1. No dia 23/01/2017, na União de freguesias ... (... e ...) e ..., do concelho ..., faleceu KK, natural da freguesia ..., onde teve a sua residência habitual no Caminho ..., ..., filho de LL e de MM – cfr. doc. n.º ... junto com a p.i. a fls. 11 .
1.2. O referido KK faleceu no estado de solteiro, maior, não deixou descendentes nem ascendentes vivos, sucedendo-lhe cinco irmãos germanos, a saber:
- AA;
- BB;
- CC;
- DD, e
- EE.
1.3. O Autor, AA é cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de seu irmão HH.
1.4. Em ../../1999, o falecido KK com II e NN constituíram uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, cuja firma era “EMP01..., LDA”, a qual se dedicava de forma regular, habitual e com fins lucrativos, à instalação de canalizações e climatização, ao comércio de artigos e equipamentos relacionados com essa atividade, e a instalações eletromecânicas – cfr. docs. n.ºs ... e ... juntos com a p.i., a fls. 15 e ss.
1.5. Em 20/12/2016, os mesmos KK e II constituíram uma outra sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, com a firma “EMP01..., LDA”, a qual se dedicava de forma regular, habitual e com fins lucrativos, à instalação de canalizações e climatização, ao comércio de artigos e equipamentos relacionados com essa atividade, e a instalações eletromecânicas – cfr. doc. n.º ... junto com a p.i., fls. 20 e ss.
1.6. Conforme consta do doc. junto sob o n.º 4 com a p.i., fls. 17 vº e ss, em 29/03/2004, o sócio NN, dividiu a quota de que era, então, titular na “EMP01...”, no valor nominal de €4.200,00, em duas novas quotas, cada uma no valor nominal de €2.100,00,
1.7. E cedeu uma delas a KK, e a outra a II, os quais passaram a ser os dois únicos sócios da “EMP01...”.
1.8. Nessa mesma data de 29/03/2004, além da mencionada cessão de quotas, os referidos HH e II elevaram o capital social da EMP01...” para €100.000,00, ficando cada um deles a deter uma quota no valor nominal de €50.000,00.
1.9. A partir daí, e até ../../2017, tanto o capital, como o valor das quotas e os titulares da “EMP01...”, a forma de obrigar a sociedade e os órgãos designados, mantiveram-se inalterados.
1.10. Com data de 9/1/2017 foi outorgado um “contrato de cessão de quotas”, em que figuraram como outorgantes o falecido KK, o seu referido sócio, II, a Ré FF e o filho desta, JJ - cfr. doc. n.º ... junto com a p.i., a fls. 22 e ss.
1.11. Nos termos desse contrato, o falecido KK e o referido II, cederam, respetivamente, à Ré FF e a JJ, as quotas que cada um detinha na “EMP01...”, cada uma com o valor nominal de €50.000,00 – cfr. cls. 3ª e 4ª do doc. junto sob o n.º 6, fls. 22 e ss.
1.12. E por esse mesmo contrato, transferiram para a sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada “EMP01..., LDA” (constituída cerca de quinze dias antes e de que eram seus únicos sócios) os contratos de trabalho relativos aos trabalhadores que se encontravam ao serviço da “EMP01...”, bem como todos os eventuais direitos e créditos laborais vencidos e/ou vincendos desses mesmos trabalhadores, mediante acordo de cessão da posição contratual celebrado entre as referidas sociedades comerciais e os trabalhadores – cfr. cl. 6ª do doc. junto sob o n.º 6 (cf. fls. 22 vº) e doc. n.º ....
1.13. Mais ficou declarado que todos os créditos laborais que à data de 09/01/2017 estivessem em dívida a trabalhadores, cujo vínculo laboral com a “EMP01...” já tivesse cessado, seriam igualmente transferidos para a esfera jurídica da “EMP02...” – cfr. cl.7ª do doc. junto sob o n.º 6, fls. 23 dos autos.
1.14. E ainda que o falecido HH e o referido II assumiriam pessoalmente a responsabilidade pelo pagamento de quaisquer valores ou quantias que viessem a ser exigidos à sociedade, nomeadamente, os relativos a impostos, taxas, coimas e contribuições para a Segurança Social – cfr. cl. 8ª do doc. junto sob o n.º 6, fls. 23.
1.15. Quando o Autor e seus quatro irmãos, herdeiros do falecido HH, tomaram conhecimento da existência daquele “CONTRATO DE CESSÃO DE QUOTAS decidiram participar criminalmente da Ré FF e dos referidos II e JJ, junto dos Serviços do Ministério Público – Comarca de ... – Departamento de Investigação e Ação Penal – para averiguação da eventual prática do crime de falsificação de documento, o que deu origem ao processo de inquérito n.º 1852/17.... – cf. doc.de fls. 29 e ss o qual foi arquivado por não ter sido possível apurar se a assinatura aposta naquele contrato de cessão de quotas pertencia e tinha efetivamente sido feita ou não pelo punho do falecido HH: “A qualidade e quantidade das semelhanças e diferenças registadas no confronto da escrita suspeita da assinatura (doc. ...) com a dos autógrafos de HH, bem como as limitações referidas m Nota, não permitem obter resultados conclusivos.” – cf. doc. de fls. 47.
1.16. A Ré FF é casada no regime da comunhão de adquiridos com GG – cfr. Doc. nº ... junto com a p.i. a fls.
1.17. Em meados do mês de dezembro de 2016, os RR. foram informados pelo seu filho, JJ, de que estava em negociações avançadas com os sócios da sociedade comercial “EMP01..., Lda”, HH e Engº II, empresa da qual era contabilista certificado desde a sua constituição, com vista à aquisição das respectivas quotas societárias.
1.18. Por aquele foi-lhes transmitido que a referida empresa vinha atravessando sérios problemas financeiros desde há alguns anos a essa parte, apresentando consecutivamente resultados negativos desde o ano de 2012, os quais se tinham vindo a agravar, colocando a sociedade numa situação de insolvência iminente que só não ocorrera mais cedo em virtude de o sócio II ter conseguido manter a empresa a funcionar a suas expensas pessoais
1.19. Tal trajetória tornava iminente a efetivação de penhoras sobre o património da empresa ou de ser requerida a sua insolvência a qualquer momento, com todas as consequências adversas que daí poderiam advir, não só para a empresa, como também para a esfera particular dos sócios, em virtude das responsabilidades pessoais por estes assumidas enquanto garantes de dividas societárias ou decorrentes da sua qualidade de sócios gerentes no que se refere às dividas fiscais e perante a segurança social em sede de eventual reversão.
1.20. Foi neste contexto que, em meados do mês de ../../2016, o falecido HH tomou a iniciativa de contactar o filho dos RR., acima identificado, para lhe solicitar apoio e orientação técnica com vista à resolução de uma série de situações prementes decorrentes do passivo acumulado pela empresa.
1.21. Após ter sido levado a efeito um levantamento rigoroso das ditas situações, foi possível apurar os seguintes débitos da empresa pendentes de regularização:
a) vários meses de salários em atraso devidos aos trabalhadores, no montante global aproximado de € 20.000,00;
b) incumprimento de contrato financiamento em forma de conta corrente cuja liquidação estava a ser exigida pela Banco 1..., no montante de € 19.250,00;
c) dívida perante a Segurança Social, a maior parte já em fase de cobrança coerciva e na iminência de realização de penhoras, no montante global aproximado de € 28.300,00;
d) dívida perante a Fazenda Nacional, no montante global aproximado de € 2.100,00;
e) dívidas a fornecedores, parte delas já em fase de cobrança judicial, no montante global aproximado de € 19.000,00;
f) rendas em mora, relativas aos anos de 2015 e 2016, devidas à Câmara Municipal ... pelo direito de concessão do terreno onde foi edificado o pavilhão que servia de sede à empresa e onde esta tinha as suas instalações, sito na Zona Industrial ..., em ..., no montante global aproximado de € 4.060,00;
g) dívida decorrente de aplicação de coima pela ACT de ..., no montante de € 460,00;
h) dívida decorrente de prémio de seguro não pago, no valor de € 106,11;
i) dívida decorrente do desconto de letras aceites por um cliente na Banco 1..., no valor aproximado de € 2.450,00
j) dívida relativa a serviços de contabilidade (4 anos de avenças vencidas e não pagas), no montante global de € 6.181,46;
k) dívida relativa a honorários forenses, no montante de € 615,00.
1.22. O que, tudo somado, perfazia um montante global de dívidas vencidas pendentes de pagamento na ordem dos € 103.000,00 (cento e três mil euros).
1.23. No início do mês de dezembro de 2016, na sequência da quantificação do passivo da sociedade, foi realizada uma reunião no escritório de contabilidade do filho dos RR., onde estiverem presentes este e os dois sócios da empresa, com vista a debater a situação financeira periclitante da sociedade e equacionar solução possíveis para fazer face à mesma.
1.24. Nessa reunião, foi desde logo referido pelos sócios que não dispunham de qualquer possibilidade de aportar financiamento à empresa a título pessoal:
- o sócio II, alegando ter exaurido todas as suas poupanças, e inclusivamente o quinhão hereditário que lhe coube na herança do pai, para sustentar artificialmente o giro da empresa nos últimos anos, referindo que, só no ano de 2016, até ao dia ../../2016, teria aportado à empresa o valor de € 60.303,16 (sessenta mil, trezentos e três euros e dezasseis cêntimos), cf. ata societária junta como doc. ... com a contestação a fls. 65 e ss;
- o falecido sócio HH, assumindo uma manifesta incapacidade financeira e total ausência de crédito, quer junto da banca, quer perante a família, A. incluído, tanto mais porque não fora sequer capaz de regularizar o que quer que fosse da dívida antiga que mantinha perante a empresa, por si reconhecida mas nunca liquidada, na ordem dos € 32.000,00 – cfr doc. ... de fls. 65 vº
1.25. Perante o cenário descrito, o filho dos RR. referiu aos ditos sócios que, em sua opinião, a solução para evitar a insolvência iminente da sociedade, com todas as consequências pessoais e patrimoniais daí decorrentes, deveria passar pela venda do pavilhão/armazém supra referido em 1.21., al. f), por um valor que permitisse, pelo menos, liquidar o passivo vencido da empresa.
1.26. Tal solução permitiria aos sócios resolverem os problemas financeiros da empresa (e, por inerência, libertarem-se das suas responsabilidades pessoais associadas) e recomeçar do zero noutro local, eventualmente arrendado, mantendo, senão todos, pelo menos uma parte dos trabalhadores e levando consigo o ativo fixo tangível da empresa (máquinas e viaturas), bem como a carteira de clientes e de créditos sobre clientes pendentes de recebimento.
1.27. Na sequência de sugestão feita pelo TOC da empresa e filho dos RR., os sócios contactaram várias empresas vizinhas para saberem se estariam interessadas na aquisição daquele imóvel.
1.28. Em resultado dessas diligências, uma das empresas vizinhas manifestou interesse na aquisição das instalações, tendo ocorrido uma reunião por volta dos dias 10/12 de dezembro de 2016, na qual estiveram presentes os sócios de ambas as empresas e os respetivos contabilistas certificados, com vista a discutir as condições de um eventual negócio.
1.29. Sucede que o negócio não foi concretizado em virtude de a proposta de compra apresentada não ultrapassar os € 80.000,00 (oitenta mil euros), valor que não permitiria saldar, sequer, as dívidas de curto prazo da empresa.
1.30. Perante a frustração do negócio, e em face do agravamento da situação da empresa a cada dia que passava, com processos de execução fiscal e da Segurança Social em curso, trabalhadores e ex-trabalhadores ameaçarem acionar a empresa por falta de pagamento dos seus direitos, fornecedores a demandarem ou a ameaçarem demandar judicialmente a empresa, o Município ... a exigir a liquidação das rendas do pavilhão industrial e a Banco 1... a exigir insistentemente a liquidação de uma conta corrente caucionada, etc… a empresa encontrava-se na iminência ver penhorado e executado o referido imóvel, seu património mais valioso, ou então ser declarada insolvente.
1.31. Ficando, em ambos os casos, os seus sócios-gerentes, não só desapossados da empresa e do seu património, como também expostos à forte probabilidade de terem de vir a responder com todo o seu património particular pelas dívidas da empresa.
1.32. Foi neste contexto adverso e de manifesta premência que o filho dos RR., numa tentativa de evitar o pior dos cenários e de ajudar os referidos sócios e também porque o negócio se afigurava um investimento que considerou razoável, propôs àqueles a aquisição do dito pavilhão industrial/armazém, pelo valor de € 100.000,00 (cem mil euros.)
1.33. Previamente à concretização do negócio, o filho dos RR. e o falecido HH dirigiram-se à Câmara Municipal ... para se informarem sobre se a venda isolada do pavilhão a terceiros teria, ou não, como consequência o agravamento do valor da renda do pavilhão, tendo-lhes sido transmitido que assim era.
1.34. Foi-lhes também referido que, desde que a propriedade do pavilhão se mantivesse em nome da sociedade comercial titular da concessão, independentemente de quem fosse, ou viesse a ser, o titular das respetivas quotas em caso de transmissão das mesmas, não ocorreria o agravamento da renda.
1.35. Perante essa informação o filho dos RR. e os sócios da empresa acordaram em que o negócio da compra e venda do pavilhão industrial deveria ser efetuado através da aquisição das quotas societárias da sociedade comercial "EMP01..., Lda", pelo preço já acordado de € 100.000,00 (cem mil euros), correspondente ao capital social, ficando indistintamente uma quota, no valor nominal € 50.000,00, na titularidade da R. mulher e a outra quota, no mesmo valor nominal, na titularidade do seu filho.
1.36. Em coerência com o que já havia sido definido entre todos interessados nos termos descritos em 1.35., ficou acordado entre os interessados que o negócio da compra e venda do pavilhão/armazém ocorreria nos seguintes termos:
a) Assunção, pelos sócios, do compromisso de constituírem uma nova sociedade comercial com o mesmo objeto social da “EMP01..., Lda", de que seriam os únicos sócios e gerentes e para cuja esfera jurídica seriam transferidos os contratos de trabalho dos trabalhadores que se encontrassem ao seu serviço à data da cessão das quotas, bem como de todos os eventuais créditos laborais vencidos e/ou vincendos desses trabalhadores, e ainda todos os créditos laborais em divida relativos a trabalhadores que na data da cessão de quotas já tivessem cessado o seu vínculo laboral com a empresa;
b) Assunção, pelos sócios, da responsabilidade pessoal pelo pagamento de quaisquer valores ou quantias supervenientes que eventualmente viessem a ser exigidos à "EMP01..., Lda", nomeadamente relativos a impostos, taxas, coimas e contribuições para a Segurança Social, decorrentes de actos, decisões e omissões por si praticados enquanto seus gerentes;
c) Transmissão sem custos para a sociedade a constituir de todo o ativo fixo tangível (máquinas, equipamentos diversos e viaturas) da "EMP01..., Lda", bem como de todos dos créditos desta sobre clientes pendentes de cobrança;
d) Assunção, pelos sócios, da obrigação de transferirem o valor recebido pela venda das quotas (€ 100.000,00 - cem mil euros) para a conta da "EMP01..., Lda", a fim de ser liquidada a totalidade de seu passivo a partir dessa conta;
e) Assunção, pelos adquirentes das quotas, do compromisso de celebrarem em nome da "EMP01..., Lda" um contrato de comodato com a nova sociedade comercial a constituir pelos sócios de modo a permitir a empresa continuar a exercer a sua atividade no pavilhão vendido mediante, apenas, a obrigação de suportar o pagamento da renda da concessão à Camara Municipal ... e o IMI, devendo o contrato vigorar até surgir um interessado na aquisição ou no arrendamento do pavilhão;
f) Possibilidade de os sócios transmitentes recuperarem a propriedade das instalações em condições a acordar e concessão de preferência em caso de venda.
1.37. Esta solução não só permitiria aos sócios transmitentes prosseguirem a atividade empresarial a que sempre se dedicaram desonerados do grosso das dívidas e já com os créditos laborais dos trabalhadores ao seu serviço devidamente regularizados, como lhes assegurava a disponibilidade das instalações, pelo menos numa fase inicial, bem como dos equipamentos necessários ao desenvolvimento dessa atividade, ao mesmo tempo que deixava em aberto a possibilidade de, mais tarde, aqueles poderem recuperar a propriedade das instalações em condições preferenciais.
1.38. Assentes os termos do negócio, o filho dos RR., acompanhado dos sócios da empresa, reuniu com os trabalhadores, a quem comunicou a solução encontrada, a qual mereceu a concordância de todos.
1.39. De seguida aqueles reuniram com o gerente bancário da Banco 1..., a quem transmitiram igualmente a solução encontrada para resolver o problema e solicitaram algum tempo para regularizar a situação relativa à conta caucionada e à letra descontada, reuniram também com a ACT, onde informaram que a situação laboral da empresa estava em vias de ser resolvida, e contactaram todos os demais credores (Segurança Social, Serviço de Finanças, Câmara Municipal ..., agente de seguros, etc.) dando-lhes conta de que os débitos iriam ser regularizados a breve trecho e a solicitar a suspensão de quaisquer medidas coercivas ou executivas que pudessem estar em curso.
1.40. Entretanto, no dia 16-12-2016 os sócios II e HH compareceram pessoalmente no Tribunal de Trabalho ..., J1, na qualidade de sócios gerentes da sociedade comercial “EMP01..., Lda”, para a realização de uma audiência de partes no âmbito do Processo nº 4233/16...., do Juiz ..., na sequência de ação interposta por um ex-trabalhador da para cobrança de créditos laborais.
1.41. Nesse processo foi lograda uma transação, tendo ficado consignado na respetiva ata do tribunal que o trabalhador consentia expressamente que a obrigação de pagamento do valor acordado, que seria efetuado de forma faseada, fosse transmitida para uma nova sociedade a constituir pelos atuais sócios da Ré “EMP01..., Lda”, ficando esta, ou a nova sociedade a criar, obrigada a comprovar documentalmente a transmissão dos ativos fixos tangíveis da Ré para a nova sociedade a constituir, livres de ónus e encargos, com exceção do único imóvel de que é proprietária, sito no parque empresarial da ..., lote ..., ...0, ..., onde funcionam as suas instalações - cfr. cláusula 3.1. do documento ... junto com a contestação, de fls. 66 vº e ss.
1.42. Nessa transação, por expressa exigência do trabalhador, os sócios constituíram-se ainda pessoalmente como fiadores e principais pagadores das obrigações que iriam ser assumidas pela nova sociedade a constituir - cfr. cláusula 4ª do referido documento. (os pontos 1.43 e 1.44 foram eliminados. Neles lia-se: 1.43 Dando início de cumprimento ao previamente acordado e definido, no dia ../../2016 os sócios II e o falecido HH reuniram em Assembleia Geral Extraordinária da Sociedade Comercial por Quotas “EMP01..., Lda“, com a finalidade de deliberarem sobre a autorização da cessão das suas quotas a pessoas estranhas à sociedade. 1.44. Nessa assembleia, presidida pelo sócio HH, foi por este proposto que, em face dos constrangimentos financeiros com que a sociedade se vinha a debater e de forma a garantir a continuidade do negócio, devia ser autorizada pela sociedade a cedência das quotas tituladas por si e pelo sócio II a dois novos sócios, proposta que foi aprovada por unanimidade, tendo os sócios ficado devidamente mandatados para procederem de imediato à venda duas quotas pelo valor € 50.000,00, uma à R. mulher FF e a outra ao seu filho, JJ - cfr. acta societária junta como doc. ..., fls. 68)
1.45. No dia ../../2016 , e também conforme previamente acordado, os ditos sócios HH e II compareceram no serviço "EMP03..." da Conservatória do Registo Comercial ..., onde procederam á constituição da nova sociedade, denominada "EMP02... LDA", a que foi atribuído o N...94 - cfr. Doc. nº ... junto com a petição inicial, fls. 45 e ss. (neste ponto substitui-se a menção “nesse mesmo dia” por “no dia ../../2016” visto que a eliminação dos pontos anteriores retirava contexto a tal menção)
1.46. De seguida, ainda nesse mesmo dia 20 de dezembro de 2016, os sócios II e HH e deslocaram-se ao escritório do filho dos RR., onde assinaram o Contrato de Cessão de Quotas que havia sido previamente elaborado pelo advogado da empresa de acordo com as instruções recebidas de todos os intervenientes, ao qual foi aposta a data de 09-01-2019 - cf. Doc. nº ... junto aos autos com a petição inicial, a fls. 43 e ss.
1.47. No dia ou dias, seguintes, em data que não consegue concretizar, mas que se situa seguramente antes do Natal de 2016, o filho dos RR. apresentou-se em sua casa munido do Contrato de Cessão de Quotas já devidamente assinado pelos demais outorgantes.
1.48. Depois de ter lido o documento e de o ter achado conforme à sua vontade e ao que lhe havia sido previamente transmitido, a R. mulher apôs no mesmo a sua assinatura.
1.49. A aquisição das quotas da sociedade foi efetuada de modo repartido entre a R. mulher e o seu filho, passando cada um a ser detentor de uma quota, para que nenhum dos novos titulares ficasse a ser detentor de mais de 75% do capital social, desse modo se evitando a transmissão do imóvel à incidência do IMT.
1.50. Na sequência da celebração do contrato de cessão de quotas, e dando cumprimento ao mesmo, no dia seguinte, 21-12-2016, o filho da R. efectuou uma primeira transferência no valor de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), da sua conta bancária para a conta bancária do sócio II - conforme documento Doc. nº ... de fls. 68 vº.
1.51. No dia seguinte, 22-12-2016, o referido sócio fez chegar esse valor à conta bancária da “EMP01..., Lda“, sendo que o valor de € 10.000,00 (dez mil euros) foi objeto de transferência bancária, tendo os restantes € 25,000,00 (vinte e cinco mil euros) sido depositados ao balcão na mesma conta - conforme documentos - Docs. nºs ... e ... de fls. 69 e 69 vº.
1.52. O valor em apreço foi integralmente utilizado no pagamento de salários em atraso aos funcionários da empresa e débitos a fornecedores – cfr. Doc. nº ... de fls. 70 e ss .
Os pontos 1.53. a 1.58 foram eliminados. Neles lia-se: “1.53 De forma a ser conferida cobertura formal à operação financeira em curso, no dia 22- 12-2016 os sócios voltaram a reunir em Assembleia Geral Extraordinária da sociedade comercial “EMP01..., Lda”, para deliberarem sobre a necessidade de constituição de suprimentos para reforço da tesouraria e sobre a conversão de todos os suprimentos constituídos e a constituir na sequência da cessão das quotas outorgada em 20/12/2016 em outros instrumentos de capital próprio - cfr. Doc. nº ... de fls. 72 vº 1.54. Nessa assembleia geral foi, assim, deliberado por unanimidade que o valor proveniente da alienação das quotas de € 100.000,00 (cem mil euros) deveria dar novamente entrada na sociedade, sob a forma de suprimentos, de forma a permitir a liquidação do passivo da sociedade, conforme previamente acordado. 1.55. Mais foi deliberado por unanimidade que os suprimentos constituídos até essa data em nome do sócio II, no valor de € 60.303,16 (sessenta mil, trezentos e três euros e dezasseis cêntimos) e os constituídos em nome do sócio HH, no valor de € 20.000,00 € (vinte mil euros), bem como os € 100.000,00 (cem mil euros) que iriam dar entrada na sociedade a partir dessa data, inclusive, fossem consolidados pela sua conversão em outros instrumentos de capital próprio de forma a cobrir os resultados negativos acumulados. 1.56. No dia 23-12-2016 os sócios reuniram novamente em Assembleia Geral Extraordinária da sociedade comercial “EMP01..., Lda”, para deliberarem sobre: - alienação de viaturas automóveis da sociedade aos sócios; - alienação de ativos fixos tangíveis a favor da sociedade “EMP02..., Lda”, que ambos os sócios tinham acabado de constituir; - cessão a favor da sociedade comercial referida no ponto precedente dos créditos existentes sobre clientes;  transferência para a referida sociedade comercial dos trabalhadores com respetivos direitos de antiguidade e transmissão dos débitos relacionados com acordos de resolução de contratos de trabalho relativos a ex-trabalhadores. 1.57.  Nessa assembleia geral foi deliberado, por unanimidade, o seguinte: - que as viaturas ligeiras de mercadorias das marcas ..., matrícula ..-..QJ, e Renault Clio, matrícula...-...-NZ, fossem vendidas, respetivamente, aos sócios II e HH, pelos valores de € 1.230,00 (mil duzentos e trinta euros) e €615,00 (seiscentos e quinze euros) respetivamente, sendo estes valores liquidados por contrapartida do saldo da conta de salários da gerência por receber; - que, com a excepção do imóvel sede da sociedade onde esta desenvolvia a sua atividade, sito no Parque Empresarial ..., Lote ..., ...0, em ..., fossem alienados a favor da sociedade “EMP02..., Lda”, todos os restantes ativos fixos tangíveis pertencentes ao património da sociedade, considerando-se o valor resultante dessa alienação igualmente regularizado por contrapartida do saldo da conta de salários por receber da gerência; - a cessão de diversos direitos de crédito ainda não recebidos sobre de clientes, também por contrapartida do saldo da conta de salários por receber da gerência; - a transferência de todos os trabalhadores com os respetivos direitos, designadamente de antiguidade, para a sociedade EMP02..., Lda, acabada de constituir; - a cessão para esta nova sociedade das obrigações decorrentes dos acordos de resolução de contratos de trabalho celebrados com ex-trabalhadores (OO e PP). - que após a conclusão da operação societária e financeira ambos os sócios deixariam de ser credores de quaisquer importâncias com referência à sociedade “EMP02..., Lda”. cfr. Doc. nº ......, de fls. 73 e ss. 1.58.Todas as referidas deliberações foram cumpridas.)
1.59. No que se refere às viaturas, foram preenchidas as respetivas declarações de venda, tendo cada um dos sócios ficado incumbido de registar a aquisição da viatura respetiva em seu nome.
1.60. Por sua vez, os ativos fixos tangíveis e os créditos sobre clientes, no valor global de €63.423,43 (sessenta e três mil euros quatrocentos e vinte e três euros e quarenta e três cêntimos), foram transferidos para a posse da sociedade “EMP02..., Lda” — cfr. Doc. nº ...0, fls. 74.
1.61. O mesmo tendo ocorrido com obrigações decorrentes dos acordos de resolução de contratos de trabalho celebrados com os ex-trabalhadores (OO e PP) – cfr referido Doc. nº ...0, fls. 74 ess .
1.62. Por essa razão, no dia ../../2016, os sócios II e HH intervieram na celebração de um acordo de transmissão de débito laboral com assunção de fiança pessoal, com o ex-trabalhador OO, acordo esse que subscreveram na dupla posição de (ainda formalmente) sócios gerentes da firma “EMP01..., Lda” e de sócios gerentes da firma recém-criada “EMP02..., Lda” - cfr. Doc. nº ...1, de fls. 75 vº e ss.
1.63. Quanto aos trabalhadores, todos acordaram na sua transferência para a nova empresa, ao abrigo de acordos escritos individuais celebrados com as duas sociedades comerciais.
1.64. Dando seguimento ao cumprimento ao acordado, no dia 18/01/2017 a R. mulher transferiu da sua conta bancária para a conta bancaria do sócio II o valor de € 30.000,00 (trinta mil euros), valor esse que este depositou na conta bancária da “EMP01..., Lda“no dia seguinte - cfr. Docs. nºs ...2 e ...3, de fls. 77vº e 78.
1.65. No dia 19-01-2017, a R. mulher transferiu da sua conta bancária para a conta bancaria do sócio II idêntico valor de € 30.000,00 (trinta mil euros), que este transferiu igualmente no dia seguinte para a conta bancária da “EMP01..., Lda“- cfr. Docs. nºs ...4 e ...5, fls. 78 vº e 79.
1.66. Finalmente, no dia 20-02-2017, a R. mulher transferiu da sua conta bancária para a conta bancaria do sócio II o valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), que este transferiu no dia seguinte para a conta bancária da “EMP01..., Lda“- cfr. Docs. nºs ...6 e ...7, fls. 79 vº e 80.
1.67. A soma dos valores transferidos pela R. mulher e pelo seu filho perfez, assim, o montante total acordado para o negócio de € 100.000,00 (cem mil euros).
1.68. Foi através da conta bancária titulada pela sociedade “EMP01..., Lda” que foram efetuados todos os restantes pagamentos das dívidas e encargos da empresa, conforme documentos de fls. 92 vº a 133..
1.69. O falecido HH alegava não dispor de qualquer conta bancária, circunstância que impossibilitou que o pagamento do valor da sua quota pudesse ser efetuado por transferência bancária, que era a única que garantia uma circulação segura e expedita dos fundos, tanto mais porque o seu destino final era a conta bancária da sociedade “EMP01..., Lda”, tendo em vista a regularização do passivo, conforme acordado.
1.70. Devido a essa situação, e por mera questão de cautela, depois da realização da transferência da primeira tranche de pagamento, o filho dos RR. quis que o sócio HH assinasse uma declaração formal elaborada pelo advogado da empresa, com data de 3/1/2017, onde este reconhecia não ser titular de qualquer conta bancária e que, por essa razão, autorizava que o valor referente ao pagamento da sua quota fosse igualmente transferido para a conta do co-sócio II, com vista à sua posterior transferência para a conta da “EMP01..., Lda” - cfr. Doc. nº ...8, fls. 80 vº.
1.71. Sucede que, a partir do final do ano de 2016, e especificamente só após o dia 29/12 (cf. doc. de fl. 75 vº a 77) o referido HH deixou de comparecer nas instalações da empresa e ficou incontactável, sem que para tal tenha apresentado qualquer justificação, o que impossibilitou a assinatura da declaração referida em 1.70..
1.72. O filho da R., ainda contactou a companheira do falecido no início do ano de 2017, com a finalidade de esta recolher a assinatura para aquele documento, tendo esta respondido que o HH estava com uma “forte gripe”, mas que que dentro de dias estaria recuperado e nessa altura assinaria o dito documento.
1.73. Sucede que, esse contacto nunca veio a acontecer, pelo que, perante a inevitabilidade de terem de ser realizados pagamentos urgentes, foram efetuadas as restantes transferências para a conta bancária do sócio, mesmo sem a declaração assinada.
1.74. No entanto, o falecido HH era sabedor da forma dos pagamentos e do destino que foi dado e que iria ser dado às verbas pagas.
1.75. O contrato de cessão de quotas não foi assinado na data que dele consta, ou seja, em 09/01/2017, mas sim no dia 20/12/2016, e foi assinado pelo seu punho pelos sócios da "EMP01..., Lda" HH e II, na qualidade de transmitentes, e pelo filho dos RR., na qualidade de adquirente, no escritório de contabilidade deste.
1.76. Sendo que, a divergência entre a data efetiva da celebração do contrato (20/12/2016) e a data que formalmente foi aposta no mesmo (09/01/2017) ficou a dever-se às seguintes razões:
- na altura em que o contrato foi efetivamente assinado havia a necessidade premente de fazer o pagamento dos créditos dos trabalhadores e dos fornecedores para estancar eventuais rescisões de contrato de trabalho e penhoras;
- No entanto, o filho dos RR. não só não queria transferir um valor elevado sem ter na sua posse um documento assinado pelos sócios da empresa que os vinculasse à concretização do negócio de cessão de quotas subjacente, como pretendia também garantir que os referidos sócios ficariam legalmente responsáveis por todos os atos de gestão que ainda iriam praticar na empresa até ao fim do ano civil e fiscal de 2016.
- A forma encontrada para compatibilizar esses interesses conflituantes foi fazer outorgar o contrato de cessão de quotas previamente à realização da transferência bancária do primeiro pagamento e apor-lhe uma data do mês de janeiro do ano seguinte. 1.77. O HH era cotitular, juntamente com a sua companheira (e testemunha indicada pelo A. e chamados) QQ, de uma conta bancária na Banco 1..., sendo que tal conta apresentava, à data do óbito do HH, um saldo negativo de € 395,08 - cfr. ofício bancário datado de 18/05/2021.

2. FACTOS NÃO PROVADOS.
2.1. Na verdade, o falecido HH, que já vinha a sentir-se doente há algumas semanas, a partir do dia 28/12/2016, isolou-se em casa, onde ninguém entrou, com excepção da sua companheira QQ, que com ele vivia em comunhão de mesa e habitação.
2.2. Desde essa data não mais contactou com ninguém, não atendeu chamadas telefónicas e não saiu da sua residência para absolutamente nada, tal era o seu estado de saúde, deveras crítico. 2.3. E assim se manteve até à manhã do dia 18/01/2017, dia em que, face ao seu gravíssimo estado de saúde e de sofrimento, se deslocou da sua última residência, até à Hospital..., na ..., para aí realizar exames médicos, para onde foi transportado pela sua referida companheira.
2.4. Ainda nesse mesmo dia, deu entrada, com carácter de urgência, na Unidade Local de Saúde ..., em ... – Hospital ... – cerca das 14:30 horas, onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao intestino.

III- Fundamentação de Facto e de Direito

A- Da impugnação da matéria de facto

Para que possa ser apreciada a razão do Recorrente quanto à decisão tomada na sentença sobre a matéria de facto com fundamento em diferente juízo das provas sujeitas à livre apreciação, porque aqui vigora de forma premente o princípio do dispositivo, importa que sejam cumpridos os ónus previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil, que os factos impugnados pelo Recorrente tenham alguma relevância na apreciação da causa e ainda que não seja evidente que da total procedência da pretensão do impugnante não resultarão contradições dentro da fundamentação de facto.
 
Ora, verificam-se de forma suficiente todos estes requisitos, sem haver que os escalpelizar, por aceites também por ambas as partes, pelo que se parte já para a análise concretas das pretendidas alterações, sem necessidade de mais teorizações.

- Dos pontos 1.43, 1.44 e 1.53 a 1.57 da matéria de facto provada
Os recorrentes entendem que não deveriam ter sido dados como provados os pontos 1.43, 1.44 e 1.53 a 1.57 da matéria de facto provada.
 Invocam, para tanto e em síntese, que para provar tais factos o tribunal se fundou nas atas das Assembleias Extraordinárias da referida sociedade datadas de 20.12.2016; 22.12.2016 e 23.12.2016, mas estas não se mostram assinadas. Baseiam-se ainda no artigo 63º do Código das Sociedades Comerciais, que determina que as deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas atas das assembleias ou, quando sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem. Mais afirmam que mesmo que se verifique que as atas não formam impugnadas, não se poderia dar como provados os pontos 1.43, 1.53 e 1.56, por contraditados pelo teor da petição inicial.
Os Recorridos salientaram que os Recorrentes não impugnaram as atas juntas no momento próprio, aquando da sua apresentação, pelo que o não podem fazer agora. Mais afirmam que estes factos são suportados pelos elementos que se encontram juntos aos autos.
Antes de mais importa ter em atenção que nestes autos não está em causa o teor das deliberações sociais, mas se foi pelos seus sócios efetuada a cessão das respetivas quotas e se o devido preço foi pago de forma eficaz.
As atas em causa fazem um enquadramento destes factos, mas não se mostram assinadas. Esses factos e intenções revelaram-se num conjunto de outros atos, retratados em documentos autênticos ou com força semelhante:
- na ata de audiência de partes de 16-12-2016, onde esteve presente o autor da herança e se fez constar que havia a intenção de transmitir as dívidas para com os trabalhadores a uma nova sociedade a constituir pelos mesmos sócios da anterior, com a transmissão dos ativos fixos tangíveis daquela, com exceção do único imóvel de que era proprietária;
- na criação da nova sociedade EMP02..., Lda, em que interveio o Autor da herança;
- no acordo de transmissão de débito laboral de 29 de Dezembro de 2016, em que interveio o Autor da Herança e o seu sócio, bem como as duas sociedades: a EMP01..., Lda e a EMP02..., Lda, referindo estas transmissões.
Da mesma forma, dos depoimentos das testemunhas II e JJ resulta que aquele e o autor da Herança planearam e agiram no sentido constante das referidas atas.
Estes documentos demonstram de forma inequívoca o acordo do Autor da Herança na criação de uma nova sociedade, desprovida do imóvel, que assumiria, no mais, todo o património da primeira, o que se mostra perfeitamente explicado pela necessidade de transmitir o imóvel para «pagar as dívidas através da cessão das quotas da sociedade que dele era titular». Assim, estes documentos demonstram, com toda a segurança, a intenção do Autor da Herança em ceder a sua quota com vista à transmissão do imóvel da sociedade e com tal preço pagar as dívidas a sociedade. Estes documentos, conjugados com o depoimento do outro sócio que também transmitiu a sua quota e a testemunha JJ, contabilista da sociedade que ajudou a delinear o plano permitem que com toda a segurança se conclua no sentido apontado nas referidas atas.
 Não obstante ter-se como demonstrado que os sócios acordaram agir no sentido representado nas referidas atas, há que ter em conta que os pontos 1.43, 1.44 e 1.53 a 1.57 mais não fazem que reproduzir o teor das deliberações e das atas juntas, as quais não se mostram assinadas.
Ora, as deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas atas das assembleias ou, quando sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem (artigo 63º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais). As atas das assembleias gerais devem ser assinadas por todos os sócios que nelas tenham participado. (artigo 248º do mesmo diploma).
As atas juntas não contêm qualquer assinatura, pelo que nos termos do citado artigo 63.º não têm qualquer força probatória.
Visto que o artigo 63º do Código das Sociedades Comerciais impõe que a prova das deliberações dos sócios deve ser efetuada pela apresentação das atas das assembleias, a falta de apresentação de uma ata, atenta a sua completa falta de assinaturas, consiste na violação de um meio de prova vinculado que não pode ser preterido, porque a parte não alegou tal omissão: é de conhecimento oficioso.
Assim, têm razão os Recorrentes: os documentos denominados atas não estão assinados, pelo que não podem ser dadas como provadas as deliberações delas constantes, nos termos do artigo 63º do Código das Sociedades Comerciais, havendo que eliminar da matéria de facto provada as deliberações e assembleias ali retratadas.
Assim, há que suprimir os pontos 1.43, 1.44. e 1.53 a 1.57 da matéria de facto provada e fazer as devidas adaptações aos restantes pontos deles dependentes.
Esta adaptação consiste na menção da concreta data no ponto 1.45, substituindo a menção “nesse mesmo dia” pela que constava nos anteriores pontos dados como não provados e na eliminação do ponto 1.58. Visto que este ponto afirmava que “Todas as referidas deliberações foram cumpridas” e estas foram afastadas da matéria de facto provada, deixou de ter conteúdo.
Procede, nesta parte, a impugnação da matéria de facto provada.

- Dos pontos 1.10, 1.46. e 1.75. da matéria de facto provada
Pretendem os Recorrentes que:
- o ponto 1.10, com os seguintes dizeres “Com data de 9/1/2017 foi outorgado um “contrato de cessão de quotas”, em que figuraram como outorgantes o falecido KK, o seu referido sócio, II, a Ré FF e o filho desta, JJ - cfr. doc. n.º ... junto com a p.i., a fls. 22 e ss.“ passe a ter a seguinte redação “Em data não concretamente apurada, mas antes de ../../2016, foi outorgado um “contrato de cessão de quotas”, em que figuravam como outorgantes o falecido HH, o seu referido sócio, II, a Ré FF e o filho desta, JJ”, ao qual foi aposta a data de 09.01.2017, data a partir da qual pretendiam que o contrato produzisse efeitos.” ;
- o ponto o 1.46. com os seguintes dizeres “De seguida, ainda nesse mesmo dia 20 de dezembro de 2016, os sócios II e HH e deslocaram-se ao escritório do filho dos RR., onde assinaram o contrato de cessão de quotas que havia sido previamente elaborado pelo advogado da empresa de acordo com as instruções recebidas de todos os intervenientes, ao qual foi aposta a data de 09-01-2019 - cf. Doc. nº ... junto aos autos com a petição inicial, a fls. 43 e ss.” passe a ter a seguinte redação: “Em data não concretamente apurada, mas antes de ../../2016, os sócios II e HH deslocaram-se ao escritório do filho dos RR. onde assinaram o contrato de cessão de quotas que havia sido previamente elaborado pelo advogado da empresa de acordo com a instruções recebidas de todos os intervenientes, ao qual foi aposta a data de 09.01.2019.”;
- o ponto 1.75, com os seguintes dizeres “O contrato de cessão de quotas não foi assinado na data que dele consta, ou seja, em 09/01/2017, mas sim no dia 20/12/2016, e foi assinado pelo seu punho pelos sócios da "EMP01..., Lda" HH e II, na qualidade de transmitentes, e pelo filho dos RR., na qualidade de adquirente, no escritório de contabilidade deste” passe a ter a seguinte redação: “O contrato de cessão de quotas não foi assinado na data que dele consta, ou seja, em 09.01.2017, nas sim em data anterior a ../../2016, e foi assinado pelo seu punho pelos sócios da “EMP04... e II, na qualidade de transmitentes, e pelo filho dos RR., na qualidade de adquirente, no escritório de contabilidade deste.”
Invocam que é certo que a assinatura do contrato não ocorreu depois de ../../2016, mas já não o é a concreta data do dia 20 desse mês, porquanto esta resulta apenas e tão-só dos depoimentos de JJ e de II, testemunhas que têm um interesse notório e direto na presente causa. Ora, tendo em conta que estas testemunhas tiveram intervenção nos atos em causa, que o seu depoimento é corroborado por documentos autênticos no que toca ao plano delineado entre eles quanto à cessão de quotas e seus objetivos, entende-se que é de acreditar no que afirmam quanto à verdadeira data da cessão, tanto mais que não foi apresentado qualquer meio de prova que o ponha em causa e outros elementos de prova demonstram que a mesma teve lugar em data anterior ao dia 29 desse mês, como aceitam os Recorrentes.
Improcedem, assim, as alterações pretendidas quanto à data da assinatura do contrato de cessão de quotas.

--- Dos pontos 1.69, 1.70 e 1.74 da matéria de facto provada
Os Recorrentes afirmam que, porque o autor da herança era co-titular de conta bancária com a sua companheira, não poderia alegar que não dispunha de conta bancária, pelo que ele não sabia a forma e destino dos pagamentos. Também por isso o filho dos Réus não podia querer uma declaração formal pela qual ele reconhecesse não ser titular de uma conta bancária.
 Ora, o argumento dos Recorrentes não nos parece de acordo com as normais regras da experiência, ao contrário do que invocam, porquanto se pode entender que o Autor da herança quando dizia não ser titular de uma conta bancária se referiria a uma conta bancária própria, dedicada aos seus bens e património pessoal, não àquela que partilhava com a sua companheira, da qual esta era a primeira titular e ele mero cotitular. São, por outro lado, irrelevantes as pretensões do filho dos Réus em que este assinasse uma declaração, que nem sequer afirma que lhe foi apresentada.
Atento o destino que comprovadamente estava previsto para o dinheiro obtido com a cessão das quotas (que consistiu na venda do imóvel da sociedade para pagar as suas dívidas), como resulta, além do mais, dos acordos homologados constantes de ata judicial e da criação da nova sociedade, mostra-se adequado que as quantias fossem entregues à sociedade, como vem demonstrado, pelo que o seu prévio depósito na conta de pelo menos de um dos sócios cedentes seria apenas um pró-forma que apenas visava assegurar a posição dos cessionários.
Assim, também por aqui falece a impugnação da matéria de facto provada.

B- Da aplicação do Direito aos factos apurados
Os Apelantes conformam-se agora com a celebração do contrato de cessão de quotas, pelo que apenas se discute se os herdeiros de HH têm direito a receber dos Réus o respetivo preço. Os Recorrentes entendem que, não obstante provadas as transferências da totalidade do preço acordado para o seu sócio sobrevivo seguida da transferência deste valor para a sociedade, não há prova que o falecido tenha dado o seu acordo a que o pagamento ocorresse de tal forma.
É regra que a prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante, nos termos do artigo 769º do Código Civil, pelo que salvo as contadas exceções previstas na lei, a prestação feita a terceiro não extingue a obrigação e é ineficaz perante o credor, que a pode exigir do devedor que não lhe fez um pagamento liberatório.
O artigo 770º do Código Civil consagra exceções a este princípio, nele se prevendo como extintivas as prestações feitas a terceiro quando, além de outras situações que aqui não relevam, assim foi estipulado ou consentido pelo credor (alínea a)) e se o credor vier a aproveitar-se do cumprimento e não tiver interesse fundado em não a considerar como feita a si próprio (alínea d)).
A estipulação e o consentimento a que se refere esta alínea a) não estão subordinados a forma especial e tanto podem ser expressos como tácitos, isto é, podem ser deduzidos de factos que, com toda a probabilidade, os revelem, como decorre do artigo 217º do Código Civil e se salienta no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no processo 1186/18.3T8VRL.G1, em 12/03/2020.
Por outro lado, mesmo que não se encontrasse um prévio acordo entre credor e devedor ou o seu consentimento, desde que o credor aproveite do cumprimento e não tenha interesse fundado em não a considerar como feita a si próprio, a prestação é liberatória, como resulta do artigo 770.º, al. d), do Código Civil.
Os Recorrentes não lograram afastar a prova do ponto 1.74 da matéria de facto provada, no qual se esclarece que o pagamento foi efetuado pela forma e com o destino que era do conhecimento do seu credor. Isto é confirmado pelo teor do ponto 1.36, alínea d) da matéria de facto provada do qual resulta que este assumiu a obrigação de transferir o valor recebido pela venda das quotas para a conta da "EMP01..., Lda", a fim de ser liquidada a totalidade de seu passivo a partir dessa conta.
Porque os Recorrentes não lograram afastar o ponto 1.74 da matéria de facto provada como pretendiam, mantêm-se válidos os dizeres expressos na sentença: “Apurou-se que o falecido HH acordou sobre a forma através da qual seria efetuado o pagamento do preço da sua quota societária, designadamente que a correspondente quantia fosse aplicada no pagamento do passivo da sociedade comercial a que respeitava a quota cedida, já que se apurou que a cessão de quotas até teve como motivo as elevadas dívidas, de diversa natureza (laborais, fiscais, rendas, a fornecedores, etc) que a firma “EMP01..., LDA.” tinha.  Por fim apurou-se que tal acordo foi cumprido na medida em que os RR lograram provar que pagaram o preço da venda da quota do falecido HH e que o respetivo montante foi aplicado efetivamente no pagamento das referidas dívidas societárias depois de dar entrada na sociedade sob a forma de suprimentos do sócio à sociedade.  A R. mulher pagou, assim, a aquisição da quota a quem devia e como podia, sendo que o valor pago, na sequência de prévio acordo com o falecido HH e outro sócio, foi integralmente utilizado no pagamento das dívidas da sociedade, repete-se: como previamente definido por acordo entre os sócios.
Ora, provado o conhecimento do autor da herança quanto à forma como os pagamentos foram feitos e o destino que foi dado a tais verbas e que este último correspondia à sua vontade, conforme resulta da matéria de facto provada, há que considerar que este consentiu, ainda que tacitamente, esse pagamento (na medida em que correspondeu à sua vontade). Se assim se não entendesse pelo menos haveria que considerar que o credor aproveitou do pagamento a terceiro, por tal ter permitido que fosse efetivada a sua vontade, sem que tenha sido trazida aos autos fundado interesse em que fosse feita a si próprio.
Assim, considera-se preenchido o disposto no artigo 770º, alínea a) do Código Civil, concluindo que a prestação feita a terceiro extinguiu a obrigação, porque assim foi consentida pelo credor.
Improcede a apelação.

V- Decisão

Por todo o exposto, julga -se a apelação improcedente e em consequência mantém-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pelos apelantes (artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)
Guimarães, 14 de março de 2024

Sandra Melo
Jorge dos Santos
Elisabete Coelho de Moura Alves