Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
314698/11.1YIPRT.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: ALEGAÇÕES
CONCLUSÕES
APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO CONHECIDO O RECURSO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- As alegações propriamente ditas (motivação stricto sensu) destinam-se à apresentação dos argumentos pelos quais se sustenta a alteração da decisão.
II- As conclusões são a enumeração clara e enxuta dos fundamentos pelos quais a parte entende que se justifica a alteração da decisão, a que, quanto muito, acresce um resumo muito sintético das preposições que configuram a exposição dos argumentos relativos a cada um desses fundamentos.
III- Mais do que isso significa repetição de argumentos o que configura uma actuação processual inútil e prejudicial ao fim visado, e como tal proibida.
Decisão Texto Integral: - Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães-
I -RELATÓRIO:
Recorrente: Central A, Lda.
Recorrida: Gabinete E, Lda.
Tribunal Judicial de Braga- Instância central-1ª Secção Civel-J3

A autora inconformada com a sentença que julgou improcedente a acção por si interposta e em que é ré Gabinete E, Lda. interpôs a presente apelação, apresentando as respectivas alegações, cujos argumentos desenvolve, pedindo a final, a procedência do recurso, com revogação da decisão recorrida e consequente condenação da ré no pagamento do crédito da Autora incondicional.
No final dessas alegações formulou 111 conclusões.
Por se ter entendido que essas conclusões “eram complexas porque ao reproduzirem quase na íntegra as alegações produzidas duplicando e repisando o texto expositivo tornavam mais difícil e demorado o estudo do processo; também eram complexas pois transcreviam por inteiro artigos do Código Civil e versando o recurso matéria de direito não cumpriam as exigências previstas no nº 2 al c) do artº 639º do C. Civil foi proferido despacho de aperfeiçoamento, tendo-se convidado a recorrente a, no prazo de cinco dias, apresentar novo requerimento de recurso, no qual as conclusões sintetizassem as alegações apresentadas.
Dentro do prazo concedido para o efeito, foi apresentado novo requerimento de recurso, cujas conclusões não foram efectuadas nos moldes legalmente prescritos.
De efeito, “novamente as conclusões continuam a ter o mesmo teor das anteriores e assim igual ao da motivação, apenas diferindo no número total (que agora são 97) porque foram retiradas algumas conclusões que não tinham qualquer interesse ou então foi junto numa conclusão o texto que anteriormente estavam repartidas por dois números.
Porém nas que ficaram duplica-se e repisa-se o texto expositivo o que torna difícil e demorado o estudo do caso e o seu julgamento; mantêm-se a transcrição dos artigos do Código Civil e mantêm- se no que ao recurso sobre a matéria de direito se reporta o não cumprimento do disposto no artº 639º supra aludido.”- ver despacho de fls. 375 e 376 dos autos.
Pelo que, em cumprimento do disposto no artigo 655, nº 1, do C.P.C., ordenou-se a notificação das partes para se pronunciarem sobre a rejeição do recurso, atento o disposto no artigo 639, nº 3, do mesmo diploma legal.
A Apelante veio pugnar no sentido de se proceder ao conhecimento do objecto do recurso, alegando ter observado todas as formalidades legalmente previstas para a sua interposição, designadamente, em termos das conclusões formuladas admitindo a complexidade da matéria de facto, admitindo também que retirou da motivação as conclusões que entendia serem adequadas aos factos as quais têm o texto igual ao da motivação, admitindo também transcrever o normativo legal (que no seu entender estava a ser violado).
Porém atenta a posição manifestada por este Tribunal anexa novas conclusões (em numero de 58) cuja aceitação requer.
Manifesta-se a apelada concluindo pela rejeição das novas conclusões (terceiras) por intempestivas e pela rejeição do recurso.

II- FUNDAMENTAÇÃO:
Fundamentação de facto.
A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório deste acórdão.


Fundamentação de direito.
Considerando o supra exposto cumpre nesta sede apreciar da verificação de circunstância que obste à apreciação do recurso (art. 652º, nº 1, b) do C.P.C., sendo certo que o despacho que na 1ª instância admitiu a apelação não vincula este tribunal (art. 641, nº 5, do C.P.C.).
O art. 639, do C.P.C. estabelece para o recorrente um ónus que se decompõe (i) no da apresentação tempestiva da alegação e (ii) no de formulação de conclusões (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, p. 126).
As alegações propriamente ditas (motivação stricto sensu) destinam-se à apresentação dos argumentos pelos quais se sustenta a alteração da decisão.
As conclusões são proposições claras e sintéticas, que condensem o exposto na motivação do recurso.
A elaboração das conclusões do recurso convoca o recorrente a ser claro e preciso quanto às suas razões e fundamentos, permitindo assim ao recorrido responder adequadamente e facilitando, também, ao tribunal ad quem, a delimitação do objecto do recurso. Por isso, para além de ser um instrumento de disciplina, constitui, igualmente, uma forma célere de apreensão do objecto do recurso, potenciando uma eficaz administração da justiça. A exigência de formulação de conclusões prende-se com a necessidade de delimitar o objecto do recurso, fixando, com precisão, quais as questões a decidir, de modo a que a sua apreciação se revista de maior segurança.
Em suma as conclusões são, necessariamente, a enumeração clara e enxuta dos fundamentos pelos quais a parte entende que se justifica a alteração da decisão, a que, quanto muito, acresce um resumo muito sintético das preposições que configuram a exposição dos argumentos relativos a cada um desses fundamentos. Mais do que isso significa repetição de argumentos o que configura uma actuação processual inútil e prejudicial ao fim visado, e como tal proibida.
O que acontece na prática e aconteceu neste processo
“A prática usual é a reprodução informática do corpo das alegações na área do documento que deveria ser preenchida com as conclusões. Sob esta epígrafe duplica-se e repisa-se o texto expositivo, sem se apresentarem verdadeiras conclusões. Em boa verdade, o recurso a este expediente de copy paste, para duplicar as alegações como se fosse para concluir, revela um uso abusivo dos meios automáticos de processamento de texto e conduz à inexistência material de conclusões, pois se, sob este título, apenas se derrama sobre papel o teor da parte analítica e argumentativa, o que de facto se oferece ao tribunal de recurso é uma fraude. Por consequência, apesar de aqui ou ali se mudar, cosmeticamente, uma ou outra palavra ou locução, o que realmente permanece, inelutável, é um vazio conclusivo, mau grado as habituais dezenas de folhas” (…) sabendo-se que esse excesso de prosa, tantas vezes intricada e em boa parte supérflua, vai tornar mais difícil e demorado o estudo do caso e o seu julgamento”.
Nestes casos, o tribunal ad quem pode mandar sintetizar as conclusões, pois, a quem tem de apreciar o recurso é que compete o juízo decisivo quanto à definição do limite do dever de concisão, imposto pelo artigo 685.º-A (actual artº 639º) sempre que surgir uma anormal e injustificada prolixidade na apresentação das conclusões. Todavia, o resultado de uma tal iniciativa judicial raramente é o que seria lícito esperar, face ao comando legal. Amiudadas vezes, o alegante, que a custo admite ter-se excedido na quantidade, não recebe de bom grado o convite e procura contornar a situação de modo a deixar tudo na mesma. A técnica consiste, por exemplo, em retirar números aos parágrafos e manter o mesmo texto agregado a outro número ordinal, de modo que as conclusões fiquem com menos parágrafos numerados, mas sem qualquer redução de texto. Por vezes, tem-se o cuidado de maquilhar algumas conclusões pretensamente aperfeiçoadas, mudando uma ou outra palavra ou expressão, no início ou no fim de cada parágrafo”.
No caso dos autos, a Apelante apresentou alegações, em que explana as razões da sua discordância com a decisão censurada, não tendo, contudo, terminado o recurso com a efectuação de proposições sintéticas com os requisitos legalmente previstos, já que, como se deixou dito no despacho de convite ao aperfeiçoamento reproduz quase na íntegra as alegações produzidas, duplicando e repisando o texto expositivo tornando mais difícil e demorado o estudo do processo; também algumas conclusões transcrevem por inteiro artigos do Código Civil e versando o recurso matéria de direito não cumprem as exigências previstas no nº2 al c) do artº 639º do C. Civil
Destarte, não obstante, ter sido convidada a proceder à devida correcção das conclusões, o certo é que a Recorrente não o fez, porquanto as conclusões continuaram a enfermar dos mesmos vícios, ou seja, a não cumprir a exigência de sintetização legalmente prevista sendo, na sua maior parte, uma repetição literal de argumentos anteriormente apresentados nas alegações. Não se deu, sequer, ao trabalho de tentar sintetizar os fundamentos do seu recurso, optando pelo tal “copy/paste” retirando apenas algumas conclusões e juntando outras.
Ora se não há lugar a qualquer operação de síntese, ainda que mínima ou com deficiências, não será o facto de a apelante as apelidar de “conclusões” que atribui tal natureza à reprodução do por si alegado na motivação.
É certo que a recorrente, após o despacho de aperfeiçoamento, diminuiu o número do que chamou “conclusões”. Porém, não reduziu a complexidade nem facilitou a inteligibilidade delas. Com efeito, os diversos itens persistem em ser longos aí se reproduzindo depoimentos, fundamentos e até normas jurídicas.
Como se afirmou no acórdão do STJ de 6-12-2012 relatado pelo Sr. Conselheiro Lopes do Rego , no que respeita ao procedimento posterior ao despacho de aperfeiçoamento de conclusões proferido pelo relator “para apurar do cumprimento ou incumprimento do ónus de sintetização das conclusões da alegação – não basta proceder a uma comparação quantitativa entre a peça processual inicialmente apresentada e a que decorre da tentativa de suprimento do vício que a inquinava: na verdade, não basta que a parte tenha procurado amputar a desmesurada extensão das conclusões originárias, reduzindo-as em certa medida, sendo necessário que, independentemente do grau de redução dessa desproporcionada extensão inicial, as novas conclusões se possam considerar sintéticas e adequadas a uma apreensão eficaz do objecto do recurso e das questões que nele cumpre decidir.
E, nesta perspectiva, não basta obviamente vir alegar que se reduziu o número de conclusões de 143 para 80, passando de cerca de 25 paginas para cerca de 14 paginas: é indispensável que as 14 páginas e as 80 conclusões, emergentes da tentativa de sintetização, traduzam a apresentação de uma peça processual que compra adequadamente o ónus imposto pelo art. 690º do CPC”.
Ónus que a recorrente não cumpriu.
E não se diga como faz a recorrente que a complexidade das conclusões é matéria subjetiva,
Como nos diz o ilustre Conselheiro Dr. Lopes do Rego no arresto supra citado “Em primeiro lugar o que releva decisivamente para o específico efeito de apuramento da suficiência do suprimento ou correcção introduzido pela parte é um juízo de adequação ou inadequação objectiva da peça processual produzida aos fins do processo – e não um juízo subjectivo , baseado no apuramento das intenções, do grau de diligência ou das capacidades técnicas de quem tentou suprir a insuficiência ou deficiência da peça processual inicialmente produzida, sem, todavia, ter logrado alcançar tal objectivo.
Em segundo lugar, não pode obviamente desligar-se o conceito de extensão desmesurada ou de prolixidade das conclusões da alegação do número das questões a decidir no recurso e da efectiva complexidade das matérias controvertidas”.
No que se reporta à admissão das conclusões apresentadas com o último requerimento cita-se também o já referido acórdão segundo o qual” nenhuma disposição legal ou constitucional permite que sejam formulados sucessivos convites para que a parte – mediante sucessivas tentativas – adeque a peça processual que produziu às exigências legais; na verdade, o referido convite é insusceptível de ser renovado ou reiterado, pelo que de duas uma: ou a parte logrou suprir efectivamente o vício ou deficiência inicialmente cometida – e será de conhecer o objecto do recurso; ou falhou nessa tentativa, não aproveitando adequadamente a (única) oportunidade processual que lhe pode ser conferida - e seguramente que lhe não pode ser concedida uma nova oportunidade de cumprimento adequado dos ónus que sobre si recaiam e para que foi claramente alertada com o convite ao aperfeiçoamento que o Tribunal lhe dirigiu.
Na verdade, e como é evidente, esta reiteração ou renovação de convites ao aperfeiçoamento seria absolutamente incompatível com as necessidades de fluidez e celeridade na tramitação da causa, não se compreendendo seguramente num sistema que exige o patrocínio judiciário das partes na fase de recurso, tendo de se presumir que as qualificações técnico-jurídicas do mandatário judicial lhe permitirão suprir logo à primeira tentativa os vícios ou deficiências judicialmente detectados”.
Com apoio no citado Acórdão e vistos os vícios de que padece a peça processual apresentada, ao abrigo do disposto no artigo 639, nº 3, do C.P.C., não se conhece do recurso interposto.
Sumário – artigo 663, nº 7, do C.P.C.
I- As alegações propriamente ditas (motivação stricto sensu) destinam-se à apresentação dos argumentos pelos quais se sustenta a alteração da decisão.
II- As conclusões são a enumeração clara e enxuta dos fundamentos pelos quais a parte entende que se justifica a alteração da decisão, a que, quanto muito, acresce um resumo muito sintético das preposições que configuram a exposição dos argumentos relativos a cada um desses fundamentos.
III- Mais do que isso significa repetição de argumentos o que configura uma actuação processual inútil e prejudicial ao fim visado, e como tal proibida.

III- DECISÃO.
Pelo exposto, em razão da manifesta deficiência e complexidade das conclusões formuladas, decide-se não conhecer do recurso interposto.
Custas pela Recorrente.
Notifique
Guimarães, 09 de junho de 2016
(processado em computador e revisto)
(Maria Purificação Carvalho)
(Espinheira Baltar)
(Henrique Andrade)
*
2 O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil DESEMBARGADOR DOUTOR JOÃO AVEIRO PEREIRA acessível no site http://www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf consultado no dia 27.05.2016
3 www.dgsi.pt/jstj.nsf