Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3050/19.0T8GMR-D.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
COLIGAÇÃO PASSIVA
INVERSÃO DO CONTENCIOSO RELATIVAMENTE A UM DOS REQUERIDOS
APENSAÇÃO A ACÇÃO DECLARATIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Num procedimento cautelar de restituição provisória de posse com pluralidade de partes do lado passivo, em que o requerente alega um conjunto de factos violadores da sua posse que imputa a alguns dos requeridos, e outro conjunto de factos igualmente violadores da sua posse que imputa a outros requeridos, estamos no lado passivo da relação processual perante a figura da coligação, e não litisconsórcio.
II. A coligação significa que apesar de estarmos perante um só processo, não estamos perante uma única acção, mas sim perante várias acções, todas independentes umas das outras, mas que por razões práticas, de economia processual, foram todas tramitadas no mesmo processo.
III. Não existe nenhum impedimento em que, num caso de coligação do lado passivo, se decrete a inversão do contencioso em relação a um dos requeridos, e não em relação a outro ou outros.
IV. Tendo sido decretada a inversão do contencioso após ter sido ordenada a restituição provisória de posse, e tendo sido instaurada, pelos requeridos, acção declarativa para discutir a titularidade do direito perfunctoriamente atribuído nos autos de procedimento cautelar, nada impede que seja ordenada e mantida a apensação dos autos de procedimento cautelar ao processo onde corre a acção declarativa, pois, mesmo não havendo qualquer efeito jurídico daí decorrente, há pelo menos vantagens práticas visíveis, e não ofende os direitos de nenhuma das partes.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Cível de Guimarães - Juiz 2, correram termos uns autos de Procedimento Cautelar, com o nº 2064/18.1T8GMR, em que eram Requerentes M. S. e M. I., e Requeridos M. G., M. C. e X, Lda.

Pretendiam as requerentes a restituição provisória de posse (sem audição prévia dos requeridos e com inversão do contencioso) dos artigos matriciais que integram a “Quinta ...”, melhor descritos no art. 2º do requerimento inicial, propriedade das requerentes. Alegaram, em suma, que a unidade agrícola denominada “Quinta ...”, integra a herança aberta por morte do pai das requerentes, do qual as requerentes são as únicas e universais herdeiras, mas que os requeridos estavam a ocupar a mesma; mais concretamente, alegam que a requerida X está a ocupar um armazém localizado naquela Quinta, para fazer criação de animais, e que os requeridos M. G. e M. C. se afirmam proprietários da Quinta, e mudaram as fechaduras dos portões para impedir as requerentes de nela entrar.

Produzida a prova indicada pelas requerentes, sem audiência prévia dos requeridos, foi proferida, em 23.04.2018, decisão a deferir a pretensão das requerentes.

Na sequência, a requerida X, Lda deduziu oposição, alegando, em suma, que é arrendatária dos pavilhões que ocupa na dita “Quinta ...”, por contrato de arrendamento celebrado com o seu intitulado proprietário, aqui requerido M. C.. Pede que o tribunal recuse o decretamento da providência, e pede ainda que seja indeferida a inversão do contencioso.

O requerido M. C. deduziu igualmente oposição, impugnando a factualidade alegada pelas requerentes, designadamente no que se refere à invocada propriedade e posse do falecido J. S., pai das requerentes, sobre a referida “Quinta ...”. Invocou ainda a falta de legitimidade processual das requerentes e a ausência dos requisitos de que depende o presente procedimento cautelar, tendo concluído pela revogação do mesmo.

Por seu turno, a requerida M. G. veio interpor recurso de apelação, o qual foi admitido.

Por decisão proferida a 2.07.2018 (fls. 67 dos autos) após aditamento da matéria de facto anteriormente dada como assente na referida decisão de 23.04.2018, pronunciou-se o tribunal a quo sobre as oposições apresentadas pelos requeridos M. C. e X, Lda, julgando as mesmas improcedentes, e manteve em tudo a providência decretada.
E logo a seguir, por despacho de 26.7.2018, declarou invertido o contencioso nos presentes autos (arts. 376º e 369º, do C. P. Civil).

Inconformada com a decisão proferida a 2.7.2018, veio a requerida X, Lda interpor recurso de apelação.

No âmbito desse recurso, este TRG, por acórdão de 10.1.2019, decidiu rejeitar o recurso interposto pela requerida M. G., e julgar procedente a apelação apresentada pela requerida X, Lda e, consequentemente, revogou a decisão recorrida (com a inerente revogação da decisão que declarou invertido o contencioso), determinando a sua substituição por outra que determine a produção e apreciação da prova apresentada pela apelante, seguindo-se os ulteriores termos processuais.

Assim foi feito. O Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Cível de Guimarães - Juiz 2, cumprindo o superiormente ordenado, realizou audiência de julgamento com produção da prova apresentada pela requerida X, Lda, e proferiu sentença, com data de 1.3.2019, na qual manteve a providência decretada nos autos, mas declinou o pedido de inversão do contencioso, com fundamento em ser deveras complexa a realidade factual subjacente aos autos.

Desta decisão foi novamente interposto recurso, pela requerida X, Lda.
Chamada novamente a intervir, a Relação de Guimarães, por acórdão de 10.10.2019, decidiu julgar procedente a oposição apresentada pela recorrente X, Lda, e consequentemente revogou a providência de restituição provisória de posse no que se refere a essa sociedade, e no que se refere ao imóvel melhor descrito no ponto 2ª, al. a), dos factos provados”.

Entretanto, em 20.5.2019, os requeridos M. G. e marido M. C. intentaram acção declarativa com processo comum (P. 3050/19.0T8GMR), contra as aqui requerentes, pedindo que seja dada sem efeito a posse das rés sobre a Quinta ...; e que se reconheça a posse dos autores sobre a unidade agrícola; e, finalmente, que se ordene às rés a restituição (aos autores) da Quinta ....
Nesse processo, foi proferido em 11.09.2019 despacho com o seguinte teor: “proceda-se à apensação aos presentes autos do procedimento cautelar identificado na petição inicial”.
Em 17.12.2019 foi lavrado o respectivo termo de apensação pelo qual foi apensado a essa acção o presente procedimento cautelar com o n.º 2064/18.1T8GMR.

As requerentes M. I. e M. S. vieram arguir a nulidade da apensação dos autos de procedimento cautelar aos autos de acção declarativa instaurada, alegando em síntese que nos termos do artigo 364º,1,2 CPC, os procedimentos cautelares só são apensados aos autos da acção principal da qual dependem se naqueles não for decretada a inversão do contencioso. E como no caso em apreço houve decretamento da inversão do contencioso, não há lugar a qualquer apensação que, de todo o modo, sempre deveria ter sido ordenada por despacho, que, por consulta dos autos, se verificou não ter sido proferido.

Em 21.1.2020 o Tribunal proferiu o despacho ora recorrido):

Vieram as requerentes invocar a nulidade da apensação do procedimento cautelar à acção principal, com fundamento na inversão do contencioso e no disposto no art. 364º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Os requeridos nada disseram.
A decisão que inverteu o contencioso foi revogada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.01.2019, a fls. 569 e ss. (cfr. fls. 605).
Proferida nova decisão na 1ª instância, na sequência do recurso que levou à prolação daquele acórdão, foi declinada a inversão do contencioso (cfr. fls. 639).
Essa decisão transitou em julgado.
Não poderá entender-se, nos mesmo autos, que foi invertido o contencioso relativamente a uns requeridos e declinado em relação a outros – a decisão deverá ser unitária.
Assim, nos presentes autos de procedimento cautelar não foi invertido o contencioso, não existindo qualquer nulidade ou irregularidade na apensação realizada e ordenada por despacho de 11.09.2019, de fls. 197 dos autos principais.
Indefere-se, assim, a arguida nulidade.
Notifique.
Processei e revi”.

As requerentes nos autos de procedimento cautelar, tendo sido notificadas do despacho proferido em 21.01.2020 (referência Citius 166800966), que indeferiu a nulidade da apensação destes autos de procedimento cautelar à acção principal e que decidiu que “nos presentes autos de procedimento cautelar não foi invertido o contencioso”, e com o mesmo não se conformando, vieram INTERPOR RECURSO, que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (arts. 629º,1, 631º,1, 638º,1, 644º,2,g, 645º,2, e 647º,1, todos do Código de Processo Civil).

Apresentam as seguintes CONCLUSÕES:

-Da admissibilidade do recurso

A. Em 23 de Dezembro de 2019, as Recorrentes foram notificadas de um despacho (com a referência Citius 166393862), em que se podia ler o seguinte: “para a realização da audiência final, com a inquirição das testemunhas apresentadas pela requerida X, Lda., designa-se o dia 9 de Janeiro de 2020, pelas 9.30 horas, com continuação às 14.00 horas, caso se afigure necessário para terminar a diligência”.
B. Este despacho foi notificado às Recorrentes no âmbito de um apenso A (procedimento cautelar) do processo n.º 3050/19.0T8GMR, apenso este que, até à referida notificação, as Recorrentes eram desconhecedoras de que sequer existia.
C. As Recorrentes nunca foram notificadas de qualquer despacho que ordenasse a apensação dos autos de procedimento cautelar que penderam originalmente sob o n.º 2064/18.1T8GMR à acção que corre termos sob o n.º 3050/19.0T8GMR, nem no âmbito desta acção, nem – embora tal fosse descabido – no âmbito dos autos de procedimento cautelar.
D. Não lhes tendo sido dada oportunidade para o exercício do seu direito ao contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
E. A apensação era – e continua a ser – ilegal, consubstanciando, pois, a prática de um acto que a lei não admite e que pode contender com o exame e decisão da causa, como, aliás, já sucedeu, porque o Exmo. Senhor Magistrado, indevidamente, depois de avocar a si, enquanto Juiz titular dos autos de acção principal, estes autos de procedimento cautelar, passou a tramitá-lo.
F. Diz-se que apensação era – e continua a ser – ilegal, porque, nos termos do artigo 364.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, o procedimento cautelar só é dependência de uma acção principal, à qual deve, pois, ser apensado, se não for decretada a inversão do contencioso.
G. A acção principal, à qual o Tribunal a quo ordenou a apensação destes autos de procedimento cautelar, foi intentada por M. G. e M. C., que eram Requeridos no procedimento cautelar, e em relação aos quais a providência foi, efectivamente, decretada com inversão do contencioso.
H. As Recorrentes arguiram, pois, a nulidade da apensação, nos termos do artigo 195.º do CPC, tendo sobre esse requerimento sido proferido, em 21.01.2020, o despacho objecto do presente recurso, que indeferiu a nulidade arguida, com fundamento de que a inversão do contencioso foi revogada.
I. Ainda que se entenda que, mesmo os procedimentos cautelares decretados com inversão do contencioso são dependência de uma acção principal e a esta deverem ser apensados, o que não se concede e apenas se equaciona por cautela de patrocínio, a verdade é que, do despacho ora em apreço, resulta que o fundamento dessa apensação é uma suposta revogação da inversão do contencioso, o que não é, de todo, exacto e demonstra a violação do caso julgado formal, previsto no artigo 620.º do CPC, do despacho proferido nestes autos em 02.04.2019 (com a referência Citius 162855866).
J. Do despacho donde emerge a violação do caso julgado formal sempre seria admissível recurso, sem mais, ao abrigo do já invocado artigo 644.º, n.º 2, al. g), do CPC, por se tratar de decisão proferida depois de decisão final, mas, quanto ao segmento em que indefere tout cour a nulidade arguida ao abrigo do disposto no artigo 195.º do CPC, poderia esbarrar-se na limitação recursiva constante do artigo 630.º, n.º 2, do CPC.
K. Com efeito, nos termos do artigo 630.º, n.º 2, do CPC, não é admissível recurso das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.
L. Revertendo ao caso ora em apreço, entendemos que resulta evidente que, não obstante tratar-se de um despacho de indeferimento de uma nulidade processual arguida ao abrigo do disposto no artigo 195.º do CPC, a verdade é que tal decisão contende com o princípio do contraditório, pelo que, ao abrigo da parte final do n.º 2 do artigo 630.º do CPC, é admissível o seu recurso.
M. Sem prescindir, sempre seria admissível recurso do despacho proferido em 21.01.2020 (referência 166800966) por dele resultar a decisão de que “nos presentes autos de procedimento cautelar não foi invertido o contencioso”, consubstanciadora de uma violação do caso julgado formal que, por constar de decisão proferida depois da decisão final, torna aquele despacho recorrível.

-Do recurso propriamente dito

N. Dando-se por reproduzidas as conclusões A a C, a apensação ordenada é indevida, porque a acção principal à qual o procedimento foi apensado foi movida por M. G. e M. C. para impugnar a decisão contra si tomada, com inversão do contencioso, no âmbito do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, sendo que, nos termos do artigo 364.º, n.º1, do CPC, o procedimento cautelar só é dependente de uma acção principal, à qual deve ser apensado, se não tiver sido decretado com inversão do contencioso.
O. Foi por isso que as aqui Recorrentes apresentaram, em 27.12.2019, um requerimento (com referência Citius 34405651) em que arguiram a nulidade de uma pretensa apensação, relativamente à qual nunca exerceram o seu direito ao contraditório e que nunca lhes foi notificada, e do despacho, em si mesmo, que agendou a aludida inquirição de testemunhas.
P. A nulidade da apensação, sobre a qual não foi dada às Recorrentes a oportunidade de exercício do direito ao contraditório, fundava-se no facto de o artigo 364.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, determinar que só são dependentes de uma acção principal à qual devem ser apensados os procedimentos cautelares que não tenham sido decretados com inversão do contencioso.
Q. Ora, como nestes autos, a providência cautelar de restituição provisória da posse foi decretada com inversão do contencioso em relação aos Requeridos M. G. e M. C., Autores na acção principal, não tem cabimento a aludida apensação.
R. Em 07.01.2020, por conclusão aberta por ordem verbal, o Tribunal de primeira instância fez saber que “face ao volume dos presentes autos de procedimento cautelar, por lapso, não atentamos na decisão do Tribunal da Relação que julgou procedente o recurso intentado pela requerida X, julgou procedente a oposição desta requerida e revogou a providência cautelar decretada quanto ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo …. Com efeito, apenas atentamos no acórdão anterior, que mandou produzir a prova apresenta na oposição dessa requerida, e assim, designamos data para esse efeito. Verificado o nosso lapso, damos sem efeito a data agendada, desconvocando-se as testemunhas.”.
S. Veio, posteriormente, o Tribunal de primeira instância decidir sobre a arguida nulidade da apensação, através do despacho de 21.01.2020 (com a referência Citius 166800966), de que ora se recorre.
T. Diz o Tribunal sobre a violação invocada pelas aqui Recorrentes do disposto no artigo 364.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, que “a decisão que inverteu o contencioso foi revogada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.01.2019, a fs. 569 e ss.”.
U. Não está correcto o que afirma o Tribunal de primeira instância.
V. O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de fls. 569 a 606 apenas decidiu: rejeitar o recurso interposto pela requerida M. G. e julgar procedente a apelação apresentada pela requerida X, Lda. e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, em relação à X, Lda., que era a aí Recorrente!
W. O casal M. G. e M. C. sendo, por um lado, litisconsortes necessários entre si, não é, por outro lado, litisconsorte com a X, Lda., sendo antes partes coligadas, pelo que a conduta e a posição processual de uns nada tem que ver com a conduta e a posição processual do outro, como decore do artigo 634.º do CPC.
X. Nunca foi posta em causa, nem pelos próprios Requeridos M. G. e M. C., nem pelo Tribunal que a decisão de decretamento da providência cautelar estava tomada quanto a estes com força de caso julgado e, bem assim, com inversão do contencioso.
Y. Tanto assim que, em 01.04.2019, as Recorrentes apresentaram um requerimento (referência Citius 32024478), que se dá por reproduzido.
Z. O Tribunal, na sequência deste requerimento, proferiu, em 02.04.2019, despacho (com a referência Citius 162855866), nos termos do qual “tal como requerido pelas Requerentes, notifique os Requeridos M. C. e M. G. nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 371.º, n.º 1 do CPC.”.
AA. A aludida notificação nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 371.º do CPC foi enviada e os Requeridos M. G. e M. C., por requerimento enviado em 21.05.2019 (referência Citius 32490977), demonstraram ter já intentado a aludida acção, que deu origem aos autos principais a que este procedimento acabou por ser indevidamente, repita-se, apensado.
BB. Aquele despacho, de 02.04.2019, tem força de caso julgado formal, nos termos do artigo 620.º, n.º 1, do CPC.
CC. Não tendo o despacho acima identificado sido objecto de recurso, nem de apelação - aliás, bem ao invés, foi dado pleno cumprimento à ordem no mesmo emanada pelas partes afectadas pelo despacho, os Requeridos M. G. e M. C. – é evidente que o despacho tem força de caso julgado formal, sendo, também por esta razão, ilegal a decisão proferida pelo Tribunal a quo e ora objecto de recurso.
DD. Atendendo ao que se expôs, não tem qualquer adesão à realidade a afirmação – constante no despacho sob recurso - de que “a decisão que inverteu o contencioso foi revogada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.01.2019”, quer porque nunca houve qualquer acórdão ou decisão a revogar a inversão do contencioso quanto aos Requeridos M. G. e M. C., quer porque, inclusivamente, em 02.04.2019, há um despacho a entender o contrário e que ostenta força de caso julgado.
EE. Ou seja, a decisão de apensação é ilegal, por violação do princípio do contraditório e por violação do disposto no artigo 364.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
FF. Ainda que se venha a entender, o que não se concede, nem admite, e nem sequer consta da fundamentação do despacho sob recurso, mas que apenas se equaciona por cautela de patrocínio, que a decisão de apensação é admissível, a verdade é que o despacho sob recurso padece de ilegalidade por considerar que foi revogada a decisão de inversão do contencioso em relação aos Requeridos M. G. e M. C., por violação do caso julgado formal formado do despacho de 02.04.2019 (com a referência Citius 162855866), que não foi em nada derrogado pela tramitação posterior, que apenas respeitou à Requerida X, Lda..
GG. Diz o Tribunal a quo, mais adiante no despacho ora objecto de recurso, que “não poderá entender-se, nos mesmos autos, que foi invertido o contencioso relativamente a uns requeridos e declinado em relação a outros – a decisão deverá ser unitária. Assim, nos presentes autos de procedimento cautelar não foi invertido o contencioso”.
HH. O Tribunal a quo não refere em que normativo, princípio, doutrina ou jurisprudência se ancora para afirmar que num procedimento cautelar com duas partes coligadas e não litisconcortes necessárias, como é o caso dos autos, não pode haver decisão de inverter o contencioso em relação a uns e não inverter em relação a outros e não refere em que se ancora, porque, na verdade, não há qualquer normativo, princípio, doutrina ou jurisprudência donde resulte semelhante entendimento.
II. Aliás, a existência, no mesmo processo, de uma decisão de inverter o contencioso em relação a uns Requeridos (M. G. e M. C.) e outra decisão de não inverter o contencioso em relação à outra Requerida (X, Lda.) é tanto mais compreensível, aceitável e admissível que, nestes autos, a decisão do procedimento em relação a uns foi, absolutamente, diversa da que foi tomada em relação à outra parte, pois que, em relação aos Requeridos M. G. e M. C., a providência foi decretada e efectivada e, em relação à Requerida X, Lda., a providência inicialmente decretada foi revogada.
JJ. Assim, é perfeitamente compreensível, aceitável e admissível que a primeira decisão tenha valor de composição definitiva do litígio para os Requeridos M. G. e M. C. e não tenha semelhante valor para a Requerida X, Lda.
KK. Para além de perfeitamente compreensível, aceitável e admissível, a existência de duas decisões diversas quanto à inversão do contencioso encontra respaldo no despacho de 02.04.2019, que, como se disse, tem força de caso julgado formal que o Tribunal de primeira instância não pode afastar, nem ignorar.
LL. O despacho sob recurso viola as disposições normativas constantes dos artigos 3.º, n.º 3, 364.º, n.ºs 1 e 2, e 620.º, n.º 1, do CPC, devendo, pois, ser revogado e substituído por outro que revogue a decisão de apensação ou, subsidiariamente, ainda que mantenha a decisão de apensação, deixe claro que não há qualquer revogação da inversão do contencioso em relação aos Requeridos M. G. e M. C..

Não houve contra-alegações.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se no caso em apreço houve decretamento da inversão do contencioso, e, caso a resposta seja afirmativa, se por causa disso não se pode manter o despacho que ordenou a apensação dos autos de procedimento cautelar aos autos da acção declarativa (P. 3050/19.0T8GMR), devendo desfazer-se essa apensação.

III
Os trâmites processuais e factos necessários para decidir o presente recurso são os que ficaram expostos supra no relatório.

IV
Conhecendo do recurso.

Em tese geral, saber se num determinado procedimento cautelar foi decretada ou não a inversão do contencioso deveria ser uma não-questão, por ser óbvia a resposta. A leitura do segmento decisório seria mais do que suficiente para terminar com a controvérsia.

No caso destes autos apenas se pode perceber que a dúvida se tenha instalado por ter havido 5 decisões sobre esta providência cautelar, envolvendo três partes litigantes: a) a primeira decisão do Tribunal a quo, que decretou a restituição provisória da posse, sem contraditório dos requeridos; b) a segunda decisão do Tribunal a quo, já após contraditório, que manteve em tudo a providência decretada, e declarou invertido o contencioso nos presentes autos (arts. 376º e 369º, do C. P. Civil), sem destrinçar a qual dos requeridos se referia, donde resulta incontroverso que se referia aos três requeridos; c) a decisão desta Relação de 10.1.2019, que, em recurso interposto pela requerida X, revogou a decisão referida em b), considerando expressamente revogada a decisão de 26.7.2018 que declarou invertido o contencioso, determinando a produção e apreciação da prova apresentada pela apelante; d) a sentença de 1.3.2019 da primeira instância, que julgou improcedente a oposição deduzida pela requerida X, Lda, consequentemente manteve a providência decretada, mas indeferiu ao pedido de inversão do contencioso; e) a decisão desta Relação de 10.10.2019, proferida em recurso interposto novamente pela X, que revogou a decisão anterior, julgou procedente a oposição apresentada por esta recorrente, e revogou a providência cautelar anteriormente decretada de restituição provisória de posse no que se refere a essa sociedade; f) de referir ainda que o segmento decisório deste acórdão foi rectificado pelo mesmo Tribunal por acórdão de 21.11.2019, e passou a ser o seguinte: “acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação em presença, nos termos sobreditos, pelo que julga-se procedente a oposição apresentada pela recorrente “X, Lda.”, deste se modo se revogando a providência cautelar anteriormente decretada de restituição provisória de posse no que se refere ao imóvel melhor descrito no ponto 2ª, al. a), dos factos provados”.

A solução para o presente recurso é linear e emerge da apreciação do acórdão desta Relação de 10.1.2019.
Esse acórdão rejeitou (não conheceu) o recurso interposto pela requerida M. G., e apenas apreciou o recurso interposto pela requerida X. O objecto desse recurso era, recordemos, apreciar o despacho do Tribunal a quo que tinha considerado que a prova oferecida pela requerida X não era susceptível de afastar os fundamentos da providência ou a determinar a sua redução, e decidiu manter a providência cautelar decretada, sem chegar a produzir a prova testemunhal oferecida por aquela requerida oponente.
A Relação decidiu pela procedência do recurso apresentado pela X, determinando que a decisão recorrida fosse substituída por outra que designasse data para a produção e apreciação da prova oferecida pela requerida X. Mais se acrescentou no acórdão: “em face da revogação da decisão recorrida e porque a factualidade alegada pela requerida sequer foi ainda apreciada, deverá, consequentemente, considerar-se revogada ou de nenhum efeito a decisão, de 26.07.2018, que declarou invertido o contencioso (cfr. fls. 411 e 412)”.
É neste exacto momento que surge a dúvida que deu origem a este recurso. Quando o acórdão desta Relação de 10.1.2019 revoga ou considera de nenhum efeito a decisão que declarou invertido o contencioso, está a decidir que litígio ?
O litígio entre as requerentes e a requerida X, só ?
Ou está também a decidir o litígio entre as requerentes e os requeridos M. G. e M. C., no fundo, a totalidade do objecto do processo ?
A interpretação feita pelo despacho recorrido vai neste segundo sentido, com o argumento de que “não poderá entender-se, nos mesmo autos, que foi invertido o contencioso relativamente a uns requeridos e declinado em relação a outros – a decisão deverá ser unitária”.
As recorrentes defendem assertivamente a primeira solução.
Como resulta das alegações das recorrentes, tudo está em saber qual a figura jurídica que está na base da pluralidade de partes nestes autos.
Vejamos: quando as requerentes vieram pedir ao Tribunal que fossem restituídas provisoriamente à sua posse sobre a unidade agrícola denominada “Quinta ...”, constituída pelos diversos prédios melhor identificados no art. 2º do requerimento inicial, começaram por alegar que tal Quinta integra a herança aberta por morte de seu pai, do qual as requerentes são as únicas e universais herdeiras, tendo a 1ª requerente sido nomeada cabeça-de-casal daquela herança aberta por óbito de seu pai. Alegaram de seguida que a referida Quinta estava a ser ocupada pela “X”, que, no local, ocupa um pavilhão ou armazém, onde desenvolve a actividade de avicultura. Mais alegaram que a mesma Quinta é ainda ocupada pelos 1º e 2º requeridos, que dela se intitulam proprietários e aí permanecem contra a vontade das requerentes e sem qualquer título que o legitime. Acrescentam que os requeridos recusam-se a entregar a dita Quinta às requerentes, sendo certo que “estroncaram” as fechaduras colocadas pela 1ª requerente nos portões da mesma Quinta e, no seu interior, com tom agressivo e amedrontando-a, expulsaram-na da mesma Quinta, estando actualmente as requerentes impedidas de exercer livremente o seu direito de propriedade sobre a referida Quinta.
Mas temos de descer ainda mais ao concreto. Para isso, vamos dar um salto lógico e também cronológico até à matéria de facto dada como provada no segundo acórdão desta Relação, datado de 10.10.2019.
Resultou com efeito provado, e resumidamente, para o que agora interessa, que em 13 de Março de 2018, a 1ª requerente dirigiu-se à Quinta ... e deparou-se com os vários portões da Quinta fechados e sem que as respectivas fechaduras abrissem com as chaves que as requerentes tinham. No interior da quinta, a 1ª requerente deparou-se com um senhor que se apresentou como sendo F. F. que disse aí explorar um aviário no armazém, cuja existência até então desconhecia, para a empresa X. As requerentes mudaram as fechaduras dos portões de acesso à quinta. Após, a 1ª requerente foi surpreendida pela entrada e permanência na Quinta do requerido M. C. e de um filho deste que tinham entrado por ter estroncado a fechadura colocada pela 1.ª requerente minutos atrás. Aquele requerido tinha ainda solicitado a comparência da autoridade policial para expulsar a 1.ª requerente dali, alegando que a sua mulher – a requerida M. G. – e ele próprio eram os proprietários da Quinta. E ainda se provou que o legal representante da requerida X, Lda e o requerido M. C. fizeram entre si um acordo de arrendamento, mediante o qual este cedeu o gozo dos pavilhões existentes na referida Quinta à Requerida X, onde esta desenvolve a actividade de criação de aves.
Finalmente, sabemos ainda que os requeridos M. C. e M. G. intentaram contra as requerentes e a herança de falecido J. F. uma acção declarativa na qual pedem que se declare que eles adquiriram por acessão industrial imobiliária o direito de propriedade sobre a referida Quinta, contra pagamento a efectuar pelos autores, a quem venha a ser judicialmente reconhecido o direito de propriedade sobre os imóveis do montante de € 399.038,00 em prazo a determinar pelo Tribunal.
Ou seja, estamos perante dois litígios distintos.
Quando as requerentes intentaram o presente procedimento cautelar, submeteram à decisão do Tribunal: a) um primeiro litígio, entre elas e os requeridos M. C. e M. G.; b) um segundo litígio, entre elas e a requerida X, Lda.
São dois litígios totalmente diferentes. O litígio que opõe as Requerentes à X, Lda, é localizado aos armazéns que esta sociedade ocupa na dita Quinta, a coberto de um contrato de arrendamento. Já o litígio que opõe as requerentes aos requeridos M. C. e M. G. se afigura como um litígio global, pois estes arrogam-se o direito de propriedade sobre a totalidade da Quinta.
Dizendo de outra forma: apesar de o pedido formulado pelas Requerentes ser o mesmo para todos os Requeridos, já as causas de pedir são diversas num caso e no outro. Considerando que estamos perante um meio de defesa da posse, a causa de pedir no litígio que opõe as requerentes aos requeridos M. C. e M. G. abrange os factos concretos praticados por estes que ofenderam a posse daquelas. E, similarmente, a causa de pedir no litígio que opõe as requerentes à requerida X, Lda, abrange os factos concretos praticados por esta que ofenderam a posse daquelas.
Donde, é perfeitamente possível julgar um dos litígios de uma forma, e julgar o outro de forma diferente, tudo dependendo das contingências probatórias -e não só- de cada caso. São dois litígios que por razões de conveniência prática e de economia processual foram trazidos a Juízo no mesmo processo, e aí foram tramitados em conjunto, mas que podiam igualmente e com a mesma facilidade ter sido deduzidos em dois processos judiciais distintos.
O que significa que nos presentes autos a pluralidade de partes assume a figura da coligação, e não do litisconsórcio, seja voluntário, seja necessário.
Existe litisconsórcio quando a relação material controvertida respeita a várias pessoas (art. 32º,1 CPC). Esse litisconsórcio pode ser voluntário, caso em que a acção respectiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados, mas também podem ser propostas várias acções, ou pode ser necessário, o que sucede nos casos em que a lei ou o negócio o exijam expressamente, ou quando a própria natureza da relação jurídica controvertida exigir a intervenção dos vários interessados para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (art. 33º,1,2 CPC).
Sendo caso de litisconsórcio necessário, há uma única acção com pluralidade de sujeitos; no litisconsórcio voluntário, e por maioria de razão na coligação, há uma simples acumulação de acções, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes (art. 35º CPC).
No caso dos autos, como já vimos, a reunião no mesmo processo da requerida X, por um lado, e dos requeridos M. G. e M. C., por outro, configura uma mera coligação, ou seja, estamos perante duas acções, mas tramitadas no mesmo processo (1).
Estamos pois em condições de concluir que assiste total razão às recorrentes, quando dizem que “o casal M. G. e M. C. sendo, por um lado, litisconsortes necessários entre si, não é, por outro lado, litisconsorte com a X, Lda., sendo antes partes coligadas, pelo que a conduta e a posição processual de uns nada tem que ver com a conduta e a posição processual do outro, como decorre do artigo 634.º do CPC”.
Igualmente lhes assiste razão quando afirmam que “nunca foi posta em causa, nem pelos próprios Requeridos M. G. e M. C., nem pelo Tribunal que a decisão de decretamento da providência cautelar estava tomada quanto a estes com força de caso julgado e, bem assim, com inversão do contencioso”.
E, para não nos alongarmos desnecessariamente, podemos resumir dizendo que assiste integral razão aos recorrentes, quanto ao que afirmam nas suas conclusões de recurso.
Assim é que o despacho recorrido assenta em pressupostos falsos: a decisão que inverteu o contencioso (no litígio entre as requerentes e os requeridos M. G. e M. C.) não foi revogada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães; a nova decisão da 1ª instância, na sequência do recurso que levou à prolação daquele acórdão, apenas apreciou o litígio entre as requerentes e a requerida X, Lda; não é correcto afirmar peremptoriamente que “não poderá entender-se, nos mesmo autos, que foi invertido o contencioso relativamente a uns requeridos e declinado em relação a outros – a decisão deverá ser unitária”, porque pode ser correcto ou pode não o ser, tudo dependendo de estarmos perante uma situação de litisconsórcio necessário, ou perante uma mera coligação. No caso dos autos, em que estamos perante uma coligação entre o casal S. e a X, Lda, pode ser declarada a inversão do contencioso em relação e um e não em relação ao outro, porque estamos perante duas acções independentes, que apenas por razões de eficiência e economia processual são tramitadas no mesmo processo.

Estamos pois em condições de concluir que nos presentes autos de procedimento cautelar, no litígio que opõe as requerentes aos requeridos M. G. e M. C., foi decretada a imediata restituição da posse às requerentes dos prédios melhor identificados no art. 2º do requerimento inicial, tendo sido igualmente decretada quanto a eles a inversão do contencioso. Decisão que transitou em julgado.
“A inversão do contencioso constitui uma novidade que foi inserida no CPC de 2013. Através dessa medida, em lugar de obter apenas uma antecipação provisória da tutela definitiva, fica o requerente dispensado de instaurar a acção principal destinada a reconhecer ou a realizar o direito em causa” (2).
A razão de ser deste instituto é dispensar o requerente de ter de propor a acção principal, nos casos em que essa propositura não se justifique, como por exemplo quando não existe uma verdadeira divergência entre requerente e requerido acerca da titularidade do direito, ou então nos casos em que o simples decretamento da providência já atinge o fim pretendido pelo requerente, tornando a instauração da acção principal redundante, etc, e fazer recair sobre o requerido o ónus de impedir que tal providência seja erigida em composição definitiva do litígio ()3.
Ora, foi exactamente isso que se passou, como já vimos supra, em 20.5.2019, com a entrada em Juízo da acção declarativa com processo comum (P. 3050/19.0T8GMR), intentada por M. G. e marido M. C., contra M. I. e M. S., todos com os sinais dos autos, na qual os autores pedem que seja dada sem efeito a posse das rés sobre a Quinta ...; e que se reconheça a posse dos autores sobre a unidade agrícola; e, finalmente, que se ordene às rés a restituição (aos autores) da Quinta ....
A acção “principal”, à falta de melhor termo, foi intentada, não pelas requerentes da providência cautelar, mas pelos requeridos, que viram a restituição provisória da posse ser decretada contra si. É quanto basta para perceber que de facto e de iure, ocorreu inversão do contraditório. Se o contraditório não tivesse sido invertido, teriam sido as requerentes da providência a ter o ónus de instaurar a acção declarativa, visando consolidar assim a decisão cautelar, provisória por natureza (art. 373º CPC), com uma decisão definitiva sobre o direito em causa. E assim não sucedeu.
Pensamos pois ser seguro afirmar que com a instauração desta acção se esgotaram os efeitos teóricos e práticos da inversão do contencioso, ou, dizendo de outra forma, este atingiu a sua plena realização. As requerentes da providência, beneficiando da inversão do contencioso, não tiveram de intentar a acção principal, tendo sido os requeridos que ficaram com o encargo de o fazer. Como fizeram.

Esta linha de raciocínio poderia levar-nos à conclusão que o presente recurso seria totalmente inútil, por visar um objectivo que afinal já estava concretizado: as consequências decorrentes da inversão do contencioso verificaram-se todas. Não seria uma situação de inutilidade superveniente do recurso, mas sim de inutilidade originária.

Porém, cautelarmente, não iremos decidir nesse sentido. E isto porque a decisão recorrida é categórica a declarar que não ocorreu inversão do contencioso, o que já vimos não ser correcto, e não sabemos que consequências poderiam advir no futuro dessa decisão, nomeadamente em sede de repercussões sobre a providência do andamento da acção principal.

Finalmente, quanto à apensação propriamente dita, depois do que já averiguamos, não cremos que haja sobre ela um verdadeiro litígio. Estamos a falar de uma apensação dos autos de providência cautelar, já findos, aos autos da acção declarativa instaurada pelos requeridos por força da inversão do contencioso, que já não tem qualquer efeito jurídico nos direitos de qualquer uma das partes. Sendo agora incontroverso que foi decretada a inversão do contencioso, que, na sequência disso foram os requeridos que tiveram de intentar a acção para impedir que a tutela cautelar se transformasse em definitiva, e que os autos de procedimento cautelar estão findos, a apensação em causa apenas releva para efeitos puramente materiais, como a eventual consulta de documentos constantes do procedimento cautelar. Nessa medida, não faria sentido estar a ordenar a desapensação, como pretendido pelas recorrentes, pois da manutenção dessa apensação já nenhum efeito jurídico adverso lhes pode advir.

Em conclusão, o recurso merece provimento, não quanto à desapensação (aliás vê-se das conclusões das recorrentes que não é essa a questão que para elas é mais importante), mas sim quanto à questão de ficar claro que foi efectivamente declarada a inversão do contencioso no procedimento cautelar que moveram contra os requeridos M. G. e marido M. C..

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso parcialmente procedente, e, mantendo todavia a decisão que determinou a apensação dos autos de procedimento cautelar aos de acção declarativa intentada pelos requeridos, declara que no litígio que opõe as requerentes aos requeridos M. G. e M. C., foi decretada quanto a eles a inversão do contencioso.

Custas pelas recorrentes (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 28/5/2020

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)


1 - Já a presença na lide, simultaneamente, dos requeridos M .G. e M. C. configura, entre eles, um litisconsórcio necessário, como decidiu o primeiro acórdão desta Relação.
2 - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipes Pires de Sousa, CPC anotado, anotação ao art. 369º.
3 - Ob. cit, anotação ao art. 371º.