Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1423/20.4T8GMR.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
PRAZO
RENOVAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - No artigo 1º da Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro enuncia-se que a mesma vem estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios e a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano.
II - Nos arrendamentos para habitação permanente, a liberdade dos contratantes para modelarem o conteúdo do contrato sofreu significativas limitações com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, quer quanto à exigência de um prazo mínimo de um ano (cfr. artigo 1095º n.º 2 onde está em causa uma norma imperativa que não admite convenção em contrário) mas também quanto à sua renovação pois, ainda que as partes possam convencionar a exclusão da possibilidade de qualquer renovação, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo, também imperativo, de três anos.
III - Os contratos de arrendamento com prazo para habitação permanente renovam-se automaticamente, por períodos sucessivos de igual duração ou, se esta for inferior, de três anos, em conformidade com o estipulado no número 1 do artigo 1096º do Código Civil.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

A. M., instaurou a presente acção de processo comum contra M. L. e marido A. L. na qual pediu o reconhecimento da Autora e marido como únicos donos e legítimos do prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e andar destinado a atividades económicas e três habitações, com dependência e logradouro, sito na Rua ..., nº …, freguesia de ..., concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº .../... e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ..., que os Réus estão a ocupar indevida e ilicitamente o 1.º andar …, devendo restituí-lo à Autora, completamente livre e desocupado de pessoas e bens.

Pede ainda a condenação no pagamento a título de danos patrimoniais, a quantia mensal de €600,00, contada após a data de cessação do contrato de arrendamento– 29/02/2020 – até efectiva entrega à Autora e a título de danos morais a quantia €1.500,00, e uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da entrega, no valor diário de €100,00, ao abrigo do disposto no artigo 829º-A, nº 1 do Código Civil.
Alega, em síntese, que, por contrato outorgado a 27/02/2012, deu de arrendamento aos Réus, o primeiro andar esquerdo do referido prédio urbano para sua habitação e do seu agregado familiar, pelo prazo de um ano, com início em 01/03/2012, prorrogáveis por períodos de um ano e que em 09/10/2019, por carta registada – que os Réus receberam – com aviso de receção, a Autora e marido comunicaram aos Réus que não pretendiam a renovação do respetivo contrato de arrendamento.
Mais alega que o arrendado deveria ter sido entregue em 29/02/2020 e não o foi, estando impedida de o rentabilizar, provocando ainda incómodos e mal-estar.
Regularmente citados os Réus apresentaram contestação, não impugnando os factos invocados mas alegando que, por força da alteração ocorrida a 13 de fevereiro de 2019, pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, que se aplicou as relações em vigor, o contrato se renovou por três anos, pelo que não tem fundamento a denúncia, continuando os Réus a proceder ao pagamento das rendas.

Ouvidas as partes sobre a possibilidade de conhecimento imediato da causa, foi proferido saneador-sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada, absolvendo os Réus do pedido.
Custas a cargo da Autora (artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Valor: € 6.000,00.
Registe, notifique e junte ao suporte físico do processo.”

Inconformada, apelou a Autora, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“A – Tal como a nova redação dada ao nº 2, do artigo 1095º, do CCivil, pela Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro, que veio expressamente prever que o prazo mínimo para os contratos de arrendamento para a habitação celebrados com estipulação de prazo certo é de um ano, também a redação dada pelo mesmo diploma legal ao nº 3, do artigo 1097º, do mencionado Código veio prever que as suas renovações possam ser de um, dois, três ou mais anos.
B – Isto é, com a redação dada pela citada Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro aos referidos artigos 1095º, nº 2 e 1097º, nº 3, do Código Civil, o legislador veio expressamente admitir a celebração de contrato de arrendamento para a habitação com prazo e suas renovações igual ou superiores a um ano.
C – Admitir que o legislador, com a redação do artigo 1096º do CCivil dada pela Lei nº 13/2019 de 12 de fevereiro, veio impedir a celebração de contratos de arrendamento com prazo inferior a três anos ou com renovações por período inferior a três anos, seria uma enorme incongruência, atenta desde logo aquela redação dada ao mencionado nº 3, do artigo 1097º, do CCivil.
D – Salvo melhor opinião, o que o legislador pretendeu, com a reforma levada a cabo pela citada Lei nº 13/2019, foi tão só introduzir ou impor alguma estabilidade contratual no mercado do arrendamento, designadamente no início da relação contratual e que entendeu ser alcançada, nos contratos de arrendamento para a habitação, com a imposição da manutenção do mesmo por um período inicial de três anos e para os contratos de arrendamento para fins não habitacionais por um período de cinco anos.
E – Se a intenção do legislador fosse a de impedir contratos de arrendamento para a habitação por prazo inferior a três anos e eventuais renovações também por períodos nunca inferiores a três anos, com certeza o teria expressamente feito, tal como fez ao admitir pelo prazo de um ano e, por conseguinte, evitaria a redação atualmente conferida ao nº 1, do artigo 1095º e ao nº 3, do artigo 1097º, ambos do CCivil.
F – Ora, no caso dos autos, há muito que se havia verificado a primeira renovação, como igualmente, há muito se havia verificado aquele período de estabilidade contratual que o legislador com a reforma levada a cabo pela Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro, pretendeu introduzir no mercado do arrendamento habitacional, isto é, aqueles três anos de vigência.
G – Por isso, a oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado entre a recorrente e os recorridos, em 27 de fevereiro de 2012, levada a cabo por carta datada de 09 de outubro de 2019, deverá ter-se como legítima e, por conseguinte, tal contrato cessou no dia 29 de fevereiro de 2020, não dispondo, por isso, presentemente, os recorrentes de qualquer título que legitime a ocupação que da parte do prédio vêm fazendo.
H – Consequentemente, deveria o douto Tribunal “a quo” julgar a ação totalmente procedente, por provada, condenando os recorridos no peticionado pela recorrente.
I – Ao decidir pela improcedência da ação e ao absolver os recorridos do peticionado, o Tribunal “a quo” violou ou fez errada interpretação, além do mais, dos artigos 1080º, 1095º, 1096º e 1097º, todos do CCivil.”

Pugna a Recorrente pela integral procedência do recurso e consequentemente recurso, pela revogação do despacho saneador sentença que, julgando a ação improcedente por não provada, absolveu os recorridos do pedido e, consequentemente, o mesmo substituído por outro que, julgando a ação totalmente procedente, por provada, condene os recorridos nos exatos termos peticionados na inicial.
Os Réus contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso e requereram, a título subsidiário, e ao abrigo do disposto no artigo 636º n.º 1 do Código de Processo Civil, a ampliação o âmbito do recurso para apreciação da questão da exceção de ilegitimidade ativa por si invocada e declarada improcedente pelo Tribunal a quo, para o que formulam as seguintes conclusões:

“ (…) II – AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
N) Com efeito, e a título subsidiário, decorre do douto despacho saneador/sentença que o Tribunal “a quo” julgou improcedente a exceção de ilegitimidade ativa arguida pelos Réus/Recorridos em sede de defesa/contestação.
O) No caminho para tal conclusão alega o tribunal que o “objeto da presente ação cinge-se à renovação/denúncia de um contrato de arrendamento celebrado pela Autora, no âmbito dos seus poderes de administração como comproprietária, ainda que deduzidos pedidos relativos ao reconhecimento da propriedade, que serão meramente acessórios”.
Acontece que, não podem os Réus/Recorrentes concordar com o teor de tal decisão e ainda menos com a fundamentação. Porquanto vejamos,
P) A Autora na p.i. por si apresentada nos autos peticiona que: “devem os RR. ser condenados a:
a) – reconhecer a A. e marido como únicos donos e legítimos proprietários do prédio urbano identificado em 1. da inicial;
b) – reconhecer que estão indevida e ilicitamente a ocupar o 1º andar esquerdo do aludido prédio e, bem assim, a restituí-lo à A., completamente livre e desocupado de pessoas e bens;
(…)”.
Q) Ora é entendimento unânime na doutrina e jurisprudência que é pelo pedido final formulado pela Autora ou seja, pela pretensão que o requerente pretende fazer valer que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual empregue para o efeito.
R) Tendo por base tais considerações, debruçando-nos, mais de perto, sobre o caso sub júdice, verifica-se que a Autora termina o seu articulado inicial pedindo ao tribunal que condene os Réus a “a) – reconhecer a A. e marido como únicos donos e legítimos proprietários do prédio urbano identificado em 1. da inicial; b) – reconhecer que estão indevida e ilicitamente a ocupar o 1º andar esquerdo do aludido prédio e, bem assim, a restituí-lo à A., completamente livre e desocupado de pessoas e bens”.
S) Pedidos esses que, assim, e só por si, configuram estarmos claramente perante uma acção de reivindicação do direito de propriedade prevista no artigo 1311.º, nº 1, do Código Civil.
T) A Autora nos pedidos por si formulados não se refere a qualquer contrato de arrendamento, nomeadamente pedindo a sua declaração de extinção ou cessação (por um uma das formas legalmente permitidas e especialmente por virtude de oposição à renovação), ou mesmo sequer a declaração da sua nulidade ou anulação.
U) Ora, por tudo o exposto, estando nós perante uma típica ação de reivindicação, e não como decidiu o tribunal configurarem os pedidos relativos ao reconhecimento da propriedade meramente acessórios de uma ação de apreciação de uma renovação/denúncia de um contrato de arrendamento, ter-se-á de concluir que sendo a ação de reivindicação uma acção real, petitória e condenatória, destinada à defesa da propriedade, sendo a respetiva causa de pedir integrada pelo direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e pela violação desse direito pelo reivindicado (que detém a posse ou a mera detenção desta), e que o pedido é o reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa e a restituição desta àquele.
V) “Devem ser propostas por ambos os cônjuges, ou por um deles com consentimento do outro, as ações de que possa resultar a perda ou oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as ações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família” – conforme estabelece o artigo 34.º, n.º 1 do CPC.
W) Aliás, a este respeito já decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 581/08.0TBVNG.P1 e publicado in www.dgsi.pt, de acordo com o qual, “A acção de reivindicação de um imóvel pertencente a ambos os cônjuges tem de ser proposta por ambos ou por um deles com o consentimento do outro” (negrito nosso).
X) Assim como em igual sentido, decidiu também o mesmo Tribunal no âmbito do processo n.º 0030469, e cujo sumário do acórdão está publicado in www.dgsi.pt, e de acordo com o qual, mesmo que o regime de bens de casamento fosse diverso, “Sob pena de ilegitimidade ativa, sendo o autor casado segundo o regime de comunhão de adquiridos, apesar dos imóveis objeto da ação de reivindicação serem bens próprios, a ação deve ser proposta por ele e pela mulher ou por ele com o consentimento desta”.
Y) Mais, ainda que se admitisse que tenha corrido termos ação de interdição do marido da Autora e pela qual terá esta sido nomeada tutora daquele, sucede que, ao suprimento da incapacidade resultante da interdição são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os normativos que regulam a incapacidade por menoridade, bem como os que fixam os meios de suprir o poder paternal.
Z) Com efeito, tem o tutor os mesmos direitos e obrigações dos pais, cfr. artigos 139.º, 1935.º, com as restrições dos artigos 1937.º e 1938.º, todos do CC.
AA) Neste pressuposto e considerando o enquadramento da ação conforme configurada pela Autora entendem os Réus que é sempre necessária autorização do tribunal para a tutora interpor ações como representante do incapaz, prevendo-se que sendo a ação intentada sem a devida autorização, o tribunal, oficiosamente, ordene a suspensão da instância, depois da citação, até ser concedida a aquela autorização.
AB) Ora, sem prescindir do demais alegado em sede de contra-alegações apresentadas ao Recurso da Autora e da manutenção da douta sentença quanto à questão da improcedência da ação e a absolvição dos Réus do pedido e que integralmente defendem, porque a Autora não demonstrou nos autos por qualquer meio ou modo que tenha requerido autorização judicial para interpor a presente ação em representação e/ou com consentimento do seu marido, mantêm os Réus que permanece a situação de exceção dilatória por preterição de litisconsórcio.
AC) Assim, e sem prejuízo do demais, cumpre subsidiariamente, nos termos do disposto no artigo 636.º, n.º 1 do C.P.C requerer a V. Exas. a apreciação pelo tribunal de recurso da presente questão e reiterar pela processão da exceção dilatória invocada pelos Réus/Recorridos em sede de defesa/contestação, por preterição de litisconsórcio ativo e concluir-se, a final, pela absolvição dos Réus da instância, sempre sem prejuízo da procedência da absolvição do pedido como pugnado em sede de contra-alegações”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes:
1 - Saber qual o prazo de renovação do contrato de arrendamento;
2 - Saber se, sendo de conhecer da ampliação do âmbito do recurso, deve ser julgada procedente a exceção de ilegitimidade ativa e absolvidos os Réus da instância.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:

1. Encontra-se registado a favor da Autora o prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e andar, destinado a atividades económicas e três habitações, com dependência e logradouro, sito na Rua ..., nº …, freguesia de ..., concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº .../... e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ....
2. Por contrato outorgado em 27/02/2012, a A. deu de arrendamento à Ré, pela quantia de € 250 mensais, o primeiro andar esquerdo do referido prédio urbano para sua habitação e do seu agregado familiar, tendo sido fixado um prazo, nos seguintes termos:
3. Por carta registada com aviso de receção dirigida aos Réus datada de 09/10/2019, a A. e marido comunicaram que não pretendiam a renovação do respetivo contrato de arrendamento, cessando os efeitos a 29 de fevereiro de 2020.
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3.2. Da renovação do contrato de arrendamento

Foi entendimento do tribunal a quo que na Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro o legislador definiu um prazo mínimo de três anos para as renovações do contrato de arrendamento para fins habitacionais, estabelecendo imperativamente este prazo mínimo de renovação.
É contra este entendimento e interpretação do artigo 1096º n.º 2 do Código Civil (na redacção introduzida pela referida Lei n.º 13/2019) que se insurge a Recorrente.

Vejamos então se lhe assiste razão.
Tal como definido no artigo 1022º do Código Civil “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição”, dizendo-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel e aluguer quando incide sobre coisa móvel (cfr. artigo 1023º do Código Civil).
No presente recurso não vem questionada a celebração entre as partes de um contrato de arrendamento.
In casu, resulta provado que entre a Autora e a Ré foi celebrado em 27/02/2012 um contrato de arrendamento para habitação desta e do seu agregado familiar, com início em 01 de março de 2012 e pelo prazo de um ano, prorrogado por iguais e sucessivos períodos iguais, enquanto, por qualquer das partes, não fosse denunciado nos termos legais.
Tal como se afirma na sentença recorrida o contrato de arrendamento foi celebrado no âmbito de vigência do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, tendo sido, por isso, celebrado ainda antes da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto.
Na redacção em vigor à data da celebração do contrato, o artigo 1096.º do Código Civil estipulava que, excepto se celebrado para habitação não permanente ou para fim especial transitório, o contrato celebrado com prazo certo se renovava automaticamente no seu termo e por períodos mínimos sucessivos de três anos, se outros não estivessem contratualmente previstos.
E o artigo 1095º que o prazo devia constar de cláusula inserida no contrato (n.º 1), não podendo esse prazo ser inferior a 5 nem superior a 30 anos e considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respectivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo (n.º 2), não se aplicando este limite mínimo aos contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios, designadamente por motivos profissionais, de educação e formação ou turísticos, neles exarados.
Com a reforma de 2012, introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, os contratos de arrendamento celebrados com prazo certo deixaram de ter um prazo mínimo imperativamente determinado na lei.
A Lei n.º 31/2012 alterou o n.º 2 do referido artigo 1095º que passou a estipular que o prazo não pode ser superior a 30 anos, considerando-se automaticamente reduzido ao referido limite quando o ultrapasse; e alterou também o referido artigo 1096º em cuja redacção passou a constar que “1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias. 3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes”.
Em regra, salvo estipulação em contrário e ressalvados os contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias, previu o legislador em 2012 a renovação automática por períodos sucessivos de igual duração.
No artigo 1º alínea a) da Lei n.º 31/2012 afirmava-se como objecto da mesma a aprovação de “medidas destinadas a dinamizar o mercado de arrendamento urbano” nomeadamente a alteração do regime substantivo da locação, designadamente conferindo maior liberdade às partes na estipulação das regras relativas à duração dos contratos de arrendamento”.

No caso concreto, à data da celebração do contrato de arrendamento, e ainda que neste as partes tivessem estipulado o prazo de um ano, o prazo considerava-se automaticamente ampliado para 5 anos uma vez que, por força do artigo 1095º do Código Civil o prazo não podia ser inferior a 5 anos.
Porém, com a entrada em vigor da Lei n.º 31/2012 de 14 de Agosto, o prazo passou a poder ser o contratualmente previsto pelas partes (pois o legislador deixou de impor um prazo mínimo) e nos termos do disposto no artigo 1096º, n.º 1 do Código Civil, na redação introduzida por aquela lei, o contrato de arrendamento celebrado entre as partes renovou-se anualmente pela primeira vez no dia 01 de Março de 2013, e assim sucessivamente, até março de 2018.
Contudo, no dia 13 de Fevereiro de 2019, entrou em vigor a Lei n.º 13/2019, de 12/02, que veio novamente alterar a redação dos referidos artigos 1095º e 1096º n.º 1 do Código Civil.
O artigo 1095º, na redacção introduzida pela Lei n.º 13/2019, passou a estabelecer que “(…) 2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a um nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo. 3 - O limite mínimo previsto no número anterior não se aplica aos contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios, designadamente por motivos profissionais, de educação e formação ou turísticos, neles exarados”.
E o artigo 1096º passou a ter a seguinte redacção: “1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos no n.º 3 do artigo anterior. (…)”.
A questão que aqui se coloca, tendo-se renovado o contrato em 01 de março de 2019 (uma vez que não foi deduzida oposição à renovação) é se o mesmo se renovou pelo prazo de um ano nos termos contratualmente fixados pelas partes ou pelo prazo de três anos.
A renovação pelo prazo de um ano contratualmente fixado é a tese defendida pela Recorrente; em sentido contrário, entendeu o tribunal a quo que o contrato se renovou em março de 2019 por três anos.
Tal como se salienta na sentença recorrida a interpretação do n.º 1 do artigo 1096º, na redacção dada pela Lei n.º 13/2019, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” na parte respeitante ao prazo de renovação não tem merecido consenso.
Como afirma Jéssica Rodrigues Ferreira (Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, Revista Eletrónica de Direito, fevereiro 2020, página 82, https://cije.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-jessica-ferreira_1584.pdf) “[A] nova redação do art. 1096.º suscita várias dúvidas interpretativas, desde logo relacionadas com o alcance da expressão “salvo estipulação em contrário”. Reportar-se-á apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, ou permitirá também a estipulação de um prazo de renovação diferente do aí previsto?
Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores – dos supletivamente fixados pela lei (…)”.
No mesmo sentido, de que o prazo da renovação admite estipulação em contrário, afirma Jorge Pinto Furtado (Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2019, página 579) que se pode “validamente estabelecer, ao celebrar-se um contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações de dois, ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender” (vide ainda neste sentido Isabel Rocha, Paulo Estima (Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª Edição, Porto Editora, 2019, página 286).
Em sentido contrário, defendendo que o legislador fixou um prazo mínimo de renovação, Maria Olinda Garcia (Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, http://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/03/20190305-JULGAR-Altera%C3%A7%C3%B5es-em-mat%C3%A9ra-de-arrendamento-Leis-12_2019-e-13_2019-Maria-Olinda-Garcia.pdf, Revista Julgar Online, março 2019) entende que “ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos”; no mesmo sentido se pronunciam José França Pitão e Gustavo França Pitão (Arrendamento Urbano Anotado, 2.ª Edição, Quid Iuris, 2019, página 376) e Márcia Passos (Boletim da Ordem dos Advogados, setembro de 2019, http://boletim.oa.pt/project/set19-a-duracao-nos-contratos-de-arrendamento-com-prazo-certo/).
Também nós entendemos, não obstante o respeito que nos merece o entendimento contrário, ter sido intenção do legislador em 2013, estabelecer um prazo mínimo de renovação, nos casos em que as partes não tenham convencionado a exclusão da renovação.
Não obstante consagrar esta possibilidade de exclusão da renovação, em prol da liberdade contratual das partes, cremos ter sido intenção do legislador a de, não cessando o contrato no fim do prazo acordado, garantir a maior estabilidade possível dos arrendamentos habitacionais e dos agregados familiares.
Neste sentido, na Exposição de Motivos constante da Proposta de Lei n.º 129/XIII, que esteve na base da Lei n.º 13/2019, (disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42542) consta que é “necessário estimular a oferta de habitação para arrendamento que constitua uma alternativa habitacional efetiva, proporcionando a estabilidade, a segurança e a acessibilidade em termos de custos, necessárias ao desenvolvimento da vida familiar e aos investimentos realizados com a conservação desses edifícios (…) Pretende-se que estas medidas contribuam para minorar uma vulnerabilidade histórica e estrutural de competitividade da habitação permanente face aos outros usos potenciais, e responder à necessidade imperiosa de salvaguardar a segurança e estabilidade dos agregados familiares que permaneceram ao longo de décadas numa habitação arrendada, sobretudo, das pessoas de idade mais avançada, perante o risco de cessação de contratos de arrendamento decorrente da superveniência de opções mais rentáveis para os mesmos espaços. Para tal é essencial promover um conjunto de alterações ao enquadramento legislativo do arrendamento habitacional visando corrigir situações de desequilíbrio entre os direitos dos arrendatários e dos senhorios resultantes das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em particular, proteger os arrendatários em situação de especial fragilidade, promover a melhoria do funcionamento do mercado habitacional e salvaguardar a da segurança jurídica no âmbito da relação de arrendamento (…).”
Também no artigo 1º da Lei n.º 13/2019 se enuncia que a mesma vem estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios e a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano.
Assim, concluímos que o legislador teve como objetivo a proteção da estabilidade do arrendamento habitacional, limitando os direitos extintivos do locador e limitando a liberdade das partes para modelarem o conteúdo do contrato.
Acompanhamos, por isso, a posição de Maria Olinda Garcia quando refere que nos arrendamentos para habitação tendencialmente duradoura, a liberdade dos contratantes para modelarem o conteúdo do contrato sofreu significativas limitações com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019.
Tais limitações evidenciam-se desde logo na exigência de um prazo mínimo de um ano (cfr. artigo 1095º n.º 2), onde está em causa uma norma imperativa que não admite convenção em contrário, pois ainda que as partes convencionem duração inferior, o prazo considera-se automaticamente ampliado para um ano; mas também na própria renovação do contrato pois, ainda que as partes possam convencionar a exclusão da possibilidade de qualquer renovação (a lei refere “salvo estipulação em contrário”) só terão liberdade para convencionar prazo de renovação superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo de três anos, também imperativo.
E ainda ao estipular no artigo 1097º n.º 3 do Código Civil que a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data (excetuando a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, caso em que se aplicam, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.ºs 1, 5 e 9 do artigo 1103.º - cfr. n.º 4 do artigo 1097º).
Sufragamos, por isso, o entendimento de que, no seu termo, os contratos de arrendamento com prazo para habitação permanente se renovam automaticamente, por períodos sucessivos de igual duração ou, se esta for inferior, de três anos, em conformidade com o estipulado no número 1 do artigo 1096º do Código Civil. O que significa que se o contrato de arrendamento foi celebrado por prazo inferior a três anos, e não foi excluída a renovação, o contrato se irá renovar automaticamente sempre por períodos mínimos sucessivos de três anos, em face do prazo mínimo imperativo previsto na referida disposição legal.
Este regime introduzido pela Lei n.º 13/2019 tem aplicação ao contrato celebrado entre as partes não obstante o mesmo ter sido celebrado em data anterior à sua entrada em vigor pois, no que respeita à aplicação da lei no tempo, estas alterações aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, em conformidade com a regra geral do artigo 12º n.º 2 do Código Civil.
Assim, o prazo mínimo de três anos para a renovação do contrato de arrendamento previsto no número 1 do artigo 1096º do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, que entrou em vigor em 13 de fevereiro de 2019, aplica-se ao contrato de arrendamento celebrado pelas partes e que se renovou em 01 de março desse ano, pelo que o novo termo ocorrerá apenas findo o decurso desse prazo de três anos, ou seja em 28 de fevereiro de 2022.
A comunicação efectuada pela Recorrente e marido aos Réus, datada de 09/10/2019, de que não pretendiam a renovação do contrato de arrendamento, e este cessaria a 29 de fevereiro de 2020, não respeita aquele prazo, não produzindo efeitos contra os Réus, uma vez que, encontrando-se em curso o prazo decorrente da renovação ocorrida em 01 de março de 2019, mantém-se em vigor o contrato.
Em face de todo o exposto, improcede, pois, a apelação, sendo de confirmar a decisão recorrida, a qual não merece censura, ficando ainda prejudicado o conhecimento da questão suscitada na ampliação do âmbito do recurso, formulada com carácter subsidiário.
As custas são da responsabilidade da Recorrente atento o seu integral decaimento (artigo 527º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).
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SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil):

I - No artigo 1º da Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro enuncia-se que a mesma vem estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios e a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano.
II - Nos arrendamentos para habitação permanente, a liberdade dos contratantes para modelarem o conteúdo do contrato sofreu significativas limitações com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, quer quanto à exigência de um prazo mínimo de um ano (cfr. artigo 1095º n.º 2 onde está em causa uma norma imperativa que não admite convenção em contrário) mas também quanto à sua renovação pois, ainda que as partes possam convencionar a exclusão da possibilidade de qualquer renovação, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo, também imperativo, de três anos.
III - Os contratos de arrendamento com prazo para habitação permanente renovam-se automaticamente, por períodos sucessivos de igual duração ou, se esta for inferior, de três anos, em conformidade com o estipulado no número 1 do artigo 1096º do Código Civil.
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custa pela Recorrente.
Guimarães, 11 de fevereiro de 2021
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Margarida Sousa (2ª Adjunta)