Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
995/12.1TTVCT.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1 - É de aplicar o artigo 12.º do CT aos contratos subsistentes aquando da sua entrada em vigor.
2 - Na delimitação entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços deve-se recorrer a factos/índice dos quais se possa concluir pela existência de um contrato de trabalho.
3 - Os índices devem ser apreciados no seu todo, sopesando o peso relativo de cada um e o seu número, o modo como se articulam em concreto, surpreendendo o que é marcante na relação, independentemente de uma aparência artificialmente criada.
4 - Tratando-se de negócios de natureza consensual, não pode deixar de se atender e relevar a vontade real das partes.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

Manuel..., intentou a presente ação de processo comum contra:
“Empresa, S.A.”, pedindo a condenação da R.:
- a reconhecer que não tem eficácia jurídica o documento intitulado de “rescisão de contrato individual de trabalho por mútuo acordo” datado de 31/5/2002;
- a reconhecer que o vínculo que uniu o A. e a R. desde 1985 até 30 de abril de 2012 foi sempre um vínculo de índole laboral;
- a reconhecer que se tratou de um despedimento ilícito a cessação desse contrato de trabalho promovida pela R. em 30/4/2012;
- a pagar-lhe a quantia de €17.617,60 de indemnização pelo despedimento ilícito;
- a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao transito em julgado da sentença;
- a pagar-lhe a quantia de €23.427,66 a título de compensação pelo não gozo de férias desde 2007;
- a pagar-lhe a quantia de €23.684,06 a título de subsídio de alimentação não pago desde 1/6/2002;
- a pagar-lhe a quantia de €3.968,80 a título de férias e respetivo subsídio, vencidos em 1/1/2012;
- a pagar-lhe a quantia de €1.484,40 a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal correspondente ao ano de 2012;
- a pagar-lhe a quantia de €26.747,04 de subsídio de férias e de Natal desde 2003 a 2011;
- a pagar-lhe a quantia de €995,87 de proporcional de subsídio de Natal do ano de 1991;
- a pagar-lhe a quantia de €2.742,20 por formação profissional não prestada;
- a pagar-lhe os respetivos juros de mora, à taxa legal.
Alega para tanto e em resumo, que desempenhou a sua atividade profissional para a R. inicialmente através de contrato de trabalho, posteriormente, continuou a desempenhar aquela atividade mediante contrato designado como prestação de serviços; as condições em que executava a sua atividade eram as de um típico trabalhador por conta de outrem; a R. procedeu à denúncia do contrato, que configura despedimento ilícito.
A R. contestou alegando em resumo que o A. prestou para si serviços como enfermeiro, mas, desde que ocorreu a rescisão do contrato de trabalho, não se encontrava numa situação de subordinação equivalente aos seus restantes trabalhadores; não existia, assim, qualquer relação laboral, pelo que não podem proceder os pedidos contra si formulados.
Realizado o julgamento foi proferida decisão julgando a ação improcedente.
O autor inconformado interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:
(…)
O Exmº PGP deu parecer no sentido da procedência.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.
***
Factualidade:
– Em 1985, o A. foi admitido ao serviço da R. para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer a sua atividade de enfermeiro no “Posto Médico” da empresa, integrado numa equipa de enfermeiros que assegurava o funcionamento desse posto.
2 – O A. estava obrigado a cumprir o seu horário de trabalho, o qual era fixado e controlado pela R.
3 – O A. auferia uma retribuição mensal, acrescida de subsídio de alimentação, subsídio de férias e de Natal, gozando o período de férias anual remunerado.
4 – Em 2002, a R. projetou reorganizar aquele seu “Posto Médico” de forma a que os profissionais enfermeiros que ali prestavam funções deixassem de fazer parte do seu quadro de funcionários.
5 – O seu objetivo era que o referido posto médico continuasse a funcionar 365/366 dias por ano, 24 horas por dia, sendo esse serviço assegurado por uma equipa de enfermeiros por si escolhidos, com “externalização desses serviços”.
6 – Na sequência deste projeto, a R. propôs ao A. a cessação do seu contrato de trabalho mediante o pagamento da quantia de €32.210,00., acrescido dos créditos laborais vencidos à data da cessação.
7 – Assim, com data de 31 de maio de 2002, A. e R. subscreveram o documento de fls. 49 – verso (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), denominado “rescisão do contrato de trabalho por mútuo acordo”, aí se estabelecendo que a relação laboral terminava no dia 31 de maio de 2002.
8 – O A. recebeu da R. as quantias referidas nesse documento.
9 – No dia 28 de maio de 2001 e para que o A. continuasse a prestar a sua atividade de enfermeiro para a R., ambas as partes já haviam subscrito um documento denominado “contrato de prestação de serviços” (documento de fls. 50 que aqui se dá por integralmente reproduzido), no qual se fixava o dia 1 de junho de 2002 como data do seu início.
10 - A partir desta data, o A. continuou a desempenhar a sua atividade de enfermeiro no “posto médico” da R., conjuntamente com outros enfermeiros que subscreveram documentos similares.
11 – Alterado: Um enfermeiro ficou com a obrigação de coordenar a prestação da atividade de todos os restantes profissionais/enfermeiros que ali desempenhavam funções.
12 – Cada um dos enfermeiros, incluindo o A., desempenhava aquela atividade por um período de oito horas por dia.
13 – alterado: Competia ao “enfermeiro/coordenador”, auscultando as disponibilidades de cada um – pois que todos, incluindo o A., prestavam a sua atividade também para outras entidades – estabelecer os turnos de oito horas que cada um devia cumprir, o que era feito primeiro de forma mensal e depois semanalmente.
14 – Esta organização/mapa dos turnos era comunicada aos órgãos competentes da R. para efeitos de pagamento das horas de atividade efetivamente desempenhadas por cada um dos enfermeiros.
15 – A R. não interferia na definição concreta dos turnos, sendo-lhe indiferente qual o enfermeiro escolhido pelo “coordenador” para prestar um concreto horário; dava, porém, orientações no sentido de ser respeitada a equidade na distribuição dos turnos entre os diversos enfermeiros e de que não deveriam prestar dois turnos seguidos.
16 – Quando um dos enfermeiros, por razões próprias, se via impossibilitado de cumprir o seu “turno”, acordava a sua substituição com um colega e/ou com o “coordenador”.
17 – Nestes casos, a R. processava o pagamento de acordo com o mapa referido em 14), sendo o “acerto de contas” (normalmente por troca) efetuado entre os enfermeiros, sem interferência da R.
18 – O A. e demais enfermeiros utilizavam um cartão de acesso às instalações da empresa para efeitos de controlo de entrada e permanência naquelas instalações; os registos assim efetuados não eram processados pelo departamento de recursos humanos da empresa para efeitos de assiduidade.
19 - O A. passou a receber da R. a quantia de €9,35/hora, à qual acresceria 50% se efetuasse uma prestação de atividade superior a oito/horas dia; este montante era processado mensalmente.
20 – A R. procedeu à atualização daquele valor/hora de acordo com a percentagem do aumento atribuído anualmente aos seus trabalhadores.
21 – Mais ficou estabelecido que o A. ficava desobrigado de prestar os seus serviços durante um período correspondente a trinta dias seguidos de calendário civil, a título de férias, com marcação prévia até 31 de março ou antecedência mínima de sessenta dias.
22 – Este período de “férias” era objeto de acerto entre os enfermeiros e o seu coordenador, sem interferência da R.
23 – A R. deixou de pagar qualquer quantia a título de subsídio de alimentação, subsídio de férias e de Natal e deixou de proporcionar ao A. o período de férias anual remunerado.
24 - O A. e os restantes enfermeiros desenvolviam a sua atividade profissional no “posto médico” da R., no local por esta indicado e utilizando exclusivamente os instrumentos que eram propriedade desta e por esta postos à sua disposição com essa finalidade.
25 – O A. e os restantes enfermeiros tinham que dirigir requisições á Direção de Recursos Humanos (DRH) da R. sempre que precisassem de substituir os bens consumíveis ou de adquirir qualquer outro tipo de bem que entendessem necessário para o desempenho da sua atividade.
26 – A DRH dava instruções ao “posto médico” no sentido de procederem ao agendamento e marcação dos diversos exames de saúde que os trabalhadores da R. tinham que efetuar.
27 – Ao A. e seus colegas competia preencher, de acordo com as instruções da R., um impresso relativo à justificação das ausências dos trabalhadores desta (doentes ou sinistrados) e de que tinham depois que enviar uma cópia ao DRH.
28 – Estas comunicações de ausência, por doença ou acidente, tinham também que ser enviadas ao Departamento de Higiene e Segurança da R. e aos responsáveis das secções a que esses trabalhadores pertenciam.
29 – Ao A. e seus colegas competia também realizar testes de alcoolemia aos trabalhadores da R. e outros que tivessem que estar dentro das suas instalações, de acordo com as solicitações da DRH, procedendo ao preenchimento de impressos entregues por esta DRH e ao seu subsequente envio, sendo que em caso de resultado positivo, tinham instruções para os enviar igualmente ao superior hierárquico do trabalhador em causa.
30 – Aquando da epidemia da “gripe A”, a R. solicitou ao A. e demais enfermeiros que fizessem um trabalho escrito sobre os cuidados a ter relativamente á prevenção dessa doença e que o apresentassem (verbalmente) nas diversas secções da R.
31 – O A. prestou as seguintes horas de trabalho para a R. e recebeu desta as seguintes quantias:
- em 2002 (após 1 de junho) – 803 horas, tendo recebido €7.515,08;
- em 2003 – 1312 horas, tendo recebido €12.054,24;
- em 2004 – 1840 horas, tendo recebido €17.586,24;
- em 2005 – 1796 horas, tendo recebido €19.111,15;
- em 2006 – 1712 horas, tendo recebido €18.019,15;
- em 2007 – 1736 horas, tendo recebido €18.753,36;
- em 2008 – 1640 horas, tendo recebido €18.342,72;
- em 2009 – 1648 horas, tendo recebido €20.191,52;
- em 2010 – 1624 horas, tendo recebido €18.497,36;
- em 20011 – 1552 horas, tendo recebido €17.925,60;
- em 2012 – 520 horas, tendo recebido €6.006,00.
32 – No dia 29 de fevereiro de 2012, a R. enviou ao A. uma carta na qual lhe comunicava a denúncia do “contrato” referido em 9), com efeitos a partir do dia 30 de abril de 2012.
33 – A R. tem a modalidade de serviços internos de segurança, higiene e saúde no trabalho.
34 – A R. nunca proporcionou ao A. qualquer formação profissional.
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Aditado:
Facto 35 – todos os enfermeiros que prestaram a sua atividade no posto médico antes de 30.05.2002, continuaram a prestar atividade após essa data, entre os quais se encontrava José…, então o enfermeiro – coordenador.
36 – O José… sempre "manteve" o seu "mesmo" contrato de trabalho desde a sua admissão até à sua saída definitiva da Ré, em 1 de novembro de 2003.
37 - O posto médico, ao nível da enfermagem, já funcionava 365 (ou 366) dias por anos e 24 horas por dia.
38- O António... passou a desempenhar as funções de coordenador após a saída do José…
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39º Sucedeu, aliás, em 2009 ou 2010, que o A., considerando-se prejudicado pelo seu Colega Coordenador que considerava não lhe estar a "distribuir o mesmo número de horas de trabalho que aos seus colegas (provocando-lhe uma diminuição do seu rendimento) se dirigiu ao Departamento dos Recursos Humanos da Empresa, queixando-se desse comportamento do coordenador.
40- Pedindo a intervenção do Departamento junto do mesmo coordenador.
41- Na sequência desse pedido do A., o Departamento dos Recursos Humanos da Ré procedeu a uma análise dos mapas de permanência de cada enfermeiro concluindo não se verificar qualquer discriminação do A. em relação aos seus colegas, e, assim, entendendo nada dever observar junto do respetivo coordenador.
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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Questões colocadas:
- Alteração da decisão relativa à matéria de facto.
- Pugna por que sejam considerados provados os factos alegados nos artigos 18º, 19º 22º e 24º da “Resposta, 48º da petição inicial; 94º, 95º e 97º da contestação e 44º a 50º da “Resposta”,
- Eliminado o facto 5; e alteradas as respostas aos factos 11 a 23, e o 4º.
- Nulidade por contradição entre fundamentos e decisão.
- Classificação da relação entre A. e R. – Contrato de trabalho versus prestação de serviços. (ónus de prova, lei aplicável, presunção da laboralidade).
- Violação da constituição por renúncia ao direito à segurança no emprego – artigo 53º da CRP.
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- Relativamente à matéria de facto:
- Alteração da decisão relativa à matéria de facto.
Pugna o recorrente por que sejam considerados provados os factos alegados nos artigos 18º, 19º 22º e 24º da “Resposta, 48º da petição inicial; 94º, 95º e 97º da contestação e 44º a 50º da “Resposta”, eliminado o facto 5 e alteradas as respostas aos factos 11 a 23, e o 4º.
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Factos que se pretende sejam considerados provados:
Da resposta:
18.- Desde logo - e contrariamente, ao que se podia depreender do conteúdo pomposo do artigo 53° da douta contestação da Ré -, os "profissionais competentes" (enfermeiros) que prestaram a sua atividade no posto médico após 30.05.2002 foram exatamente os mesmos seis que até então aí a vinham prestando: o A., o José... (então o enfermeiro - coordenador), o Mário..., o Cid..., o Armando...e o António…!
19.- A única diferença foi apenas a de que a Ré "promoveu" então junto do A. e do António… a rescisão dos seus contratos de trabalho e a celebração dos pretendidos contratos de prestação de serviços (todos os outros já haviam sido admitidos através da celebração de um "contrato de prestação de serviços" com a única exceção do então já enfermeiro - coordenador, José... que sempre "manteve" o seu "mesmo" contrato de trabalho desde a sua admissão até à sua saída definitiva da Ré, em 1 de novembro de 2003.
22.- A propósito, não podemos deixar de salientar que, depois do que a Ré diz acerca da "falta de memória" do A. e até de que este se lembraria "apenas" do que lhe convém" (artigo 8° da contestação), comparativamente poderemos dizer que a Ré sofreu um "apagão" total: depois de se ter "esquecido" que o posto médico já funcionava 365 (ou 366) dias por anos e 24 horas por dia já há muitos anos antes do ano de 2002, também se "esqueceu" que o enfermeiro - coordenador do posto médico em 2002 e até finais de 2003, foi o José... - nome nunca sequer citado pela Ré -, e que o António... apenas passou a desempenhar essas funções de enfermeiro coordenador, após a referida saída do anterior, o referido José...!
24.- Explicando: Enquanto o enfermeiro coordenador foi o José... - trabalhador desde sempre ligado à Ré por um vínculo laboral e que exercia a sua atividade profissional de enfermeiro em exclusividade ao serviço da Ré -, ele próprio é que, com a sua disponibilidade de tempo (que resultava dessa prestação exclusiva à Ré) ia sempre facilmente resolvendo os problemas - "tapando buracos" - que iam surgindo entre os interesses, nesse domínio, dos vários enfermeiros.
O recorrente sustenta a sua posição nos depoimentos de José... e Carlos.... No entender do recorrente só a partir de 1/11/2003 passou a haver coordenador.
Dos depoimentos não resulta claro que à data de 30/5/2002 fossem seis os enfermeiros do posto. O José… refere que com ele eram cinco. O Armando… refere seis, como o Cid… A Maria…refere cinco. Os depoimentos são contudo conformes, sem depoimentos em contrário, no sentido de que em abril de 2002, os que estavam, ficaram, alguns já com contrato de prestação de serviços de antes, como por exemplo o Armando…
Quanto ao 19º, retirando a parte conclusiva, é de considerar provado que o José… manteve a relação de “contrato de trabalho”, tendo ficado como coordenador. Resulta do depoimento generalizado das testemunhas, incluindo indicadas pela ré. Certo é também, o que resulta dos depoimentos referidos pelo recorrente, não contestados por outros, que ao nível da enfermagem, o posto já estava aberto 24 horas por dia, durante todo o ano e que o António... passou a coordenador apenas após a saída do José…, o que foi confirmado pelos confirmado pelos próprios, e pelos restantes testemunhos indicados, bem como por outros como a Clara…
Quanto ao 24º, não resulta dos depoimentos a confirmação do mesmo. Alguns depoimentos vão aliás no sentido de que a hierarquia era rígida e exercida de facto.
Assim adita-se a seguinte matéria, respondendo-se com esclarecimento ais itens:
Facto 35 – todos os enfermeiros que prestaram a sua atividade no posto médico antes de 30.05.2002, continuaram a prestar atividade após essa data, entre os quais se encontrava José..., então o enfermeiro – coordenador.
36 – O José... sempre "manteve" o seu "mesmo" contrato de trabalho desde a sua admissão até à sua saída definitiva da Ré, em 1 de novembro de 2003.
37 - O posto médico, ao nível da enfermagem, já funcionava 365 (ou 366) dias por anos e 24 horas por dia.
37.a – O António... passou a desempenhar as funções de coordenador após a saída do José....
O facto 11 tem que ser alterado em conformidade, porque dá a ideia que o coordenador era um dos vinculados poe contrato de prestação de serviços. Assim elimina-se a expressão, “ um desses”.
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Da petição:
48.- E o que importa aqui relevar sobremaneira é que, de facto, no dia 2 de junho de 2012, em todos os dias deste mês, nos meses que se seguiram nesse ano de 2012 e nos anos que se seguiram a esse ano de 2012, o A. prestou o seu trabalho à Ré, isto é, exerceu as suas funções profissionais de enfermeiro ao serviço e no interesse da Ré, exatamente nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar que atrás foram alegados nos pretéritos artigos 2° a 43° desta p.i., e que, portanto, agora aqui se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
O artigo é conclusivo, sendo que na medida em que o não é a sua matéria se encontra apreciada noutros itens (exercício das funções de enfermeiro, tempo, modo local). Mantêm-se a decisão.
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Da contestação:
94°
Sucedeu, aliás, em 2009 ou 2010 (a Ré não sabe precisar), que o A., considerando-se prejudicado pelo seu Colega Coordenador que considerava não lhe estar a "distribuir o mesmo número de horas de trabalho que aos seus colegas (provocando-lhe uma diminuição do seu rendimento) se dirigiu ao Departamento dos Recursos Humanos da Empresa, queixando-se desse comportamento do coordenador,
95°
E pedindo a intervenção do Departamento junto do mesmo coordenador,
97°
Na sequência desse pedido do A., o Departamento dos Recursos Humanos da Ré procedeu a uma análise dos mapas de permanência de cada enfermeiro concluindo não se verificar qualquer discriminação do A. em relação aos seus colegas, e, assim, entendendo nada dever observar junto do respetivo coordenador.
Devem ser aditados, já que aceites pelo autor.
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Quanto aos da resposta relativos a tal matéria:
44.- Aliás, a propósito do caso concreto que a Ré refere nos artigos 94° a 97° da sua contestação e além do mais uma "boa" demonstração da falta de memória da Ré - aqui, mais precisamente, de uma clara "memória seletiva", que afinal, acaba por ser, mais uma boa demonstração da verdade vertida pelo A. na sua p.i. e neste presente articulado e, simultaneamente, um verdadeiro desmentido da tese da "roda livre" por ela defendida.
- É genérico e conclusivo.
45.- É que, se o A. se "queixou" ao Departamento de Recursos Humanos da Ré, é porque, obviamente não só considerava que este departamento tinha o poder necessário para "fiscalizar" o que se passava nesse domínio no Posto Médico, como ainda considerava que também (ainda) tinha o poder de intervir e mudar as coisas nesse concreto domínio!
- É desnecessário, traduz a posição do próprio autor (o autor considerava que…), que já resulta da queixa efetuada.
46.- Aliás, quando a Ré diz no artigo 97° da sua contestação "concluindo não se verificar qualquer discriminação do A. em relação aos seus colegas e, assim, entendendo nada observar junto do respetivo coordenador", mais não faz, afinal, de que reconhecer não só a existência desse seu poder de direção e fiscalização, como que o exerceu de facto!
- É conclusivo.
47.- E se, em consonância com essa conclusão, entendeu "nada dever observar" - curiosa e "cautelosa", a utilização deste verbo "observar" -, é porque, obviamente, caso tivesse chegado a conclusão contrária, então já iria 'observar" - ou seja, "chamar a atenção", "pedir explicações" e, concretamente, exigir no futuro uma "atuação diferente", no caso, a tal equidade na distribuição dos turnos (horas) pelos vários enfermeiros, designadamente com o A. -, junto do enfermeiro - coordenador!
- É igualmente conclusivo e opinativo.
48.- E o que seria este "observar" senão uma manifestação expressa e inequívoca do seu poder de direção e fiscalização?
- É opinativo e conclusivo.
49.- Mas falamos atrás acerca deste episódio, de "memória seletiva" da Ré: é que esta "esqueceu-se" de dizer que se não "observou" nada junto do enfermeiro - coordenador (António...) no sentido de que deviam ser dadas mais horas ao A., no entanto, "observou" junto dele algo diferente e talvez em jeito de represália para com o A.: "observou" (ou seja, determinou-lhe expressamente) não só que o A. não tinha razão na sua queixa, mas também que, no futuro, ao A. nunca poderiam ser atribuídas mais de 152 horas mensais!
50.- E, se o referido Diretor do Departamento de Recursos Humanos da Ré (Dr. João...) deu conhecimento desta sua determinação /decisão, em reunião formal para a qual convocou o António... (e em que também estiveram presentes os enfermeiros Mário… e Armando…), este mesmo enfermeiro - coordenador haveria depois de tornar a falar disso a todos os enfermeiros do Posto Médico, dizendo-lhes expressamente que, no futuro, teria que ser respeitada essa determinação do Dr. João...!
Dos depoimentos não resulta exatamente o que se alega. O que resulta, veja-se os depoimentos de Armando…, foi que devia haver equidade. Nenhum depoimento foi produzido noutro sentido. Não deviam ser feitas e não só pelo autor como este alega, mas por todos, mais de determinado número de horas. Ainda o depoimento de António..., que referiu que o “dito” foi que cada um não podia fazer mais que 19 turnos por mês.
É de manter o decidido.
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Pede ainda eliminação do facto 5, referindo que o objetivo não podia ser aquele, porque já assim funcionava.
O facto 5 está na sequência do 4º. Não alude o facto ao que se passava antes, nem está em contradição com essa realidade, tanto que se refere “continuasse a…”. A essência do artigo tem a ver com a opção da ré em externalizar os serviços. O que resulta do alegado na contestação é o intuito de externalizar. No artigo 50 refere-se a alteração do modo de funcionamento do posto, aludindo-se à externalização de forma clara no artigo 25º. Tal matéria foi confirmada pelas testemunhas indicadas na fundamentação. Os depoimentos das testemunhas indicadas pela ré e sobre o mesmo inquirido assim o confirmaram. Aliás o José… referiu com clareza que lhe foi proposto que tomasse conta do posto médico, ficando os enfermeiros como “seus “ empregados, o que aponta no sentido dos intentos da ré.
É de manter.
- Refere que todos os factos do 11 a 23 têm um erro, que consiste na data - a partir de 1/6/2002 -. Alega que tais factos só ocorreram a partir de 1/11/2003, referindo que resultam da alegação da ré nos artigos 50 a 90 e 91 a 122. A ré, refere o recorrente, estabelece uma ligação com a coordenação do António...
A ré reporta a alteração à data constante dos factos, que faz coincidir com a renúncia e subscrição do contrato de prestação de serviços pelo autor. É certo que em 58 do articulado, por exemplo, refere que acordou com um deles para ficar a coordenar, referindo o António.... Contudo tal circunstância não é essencial na factualidade invocada pela ré para sustentar a sua posição, no que à data tange.
Da prova resulta que o José..., que já antes era coordenador, ficou de coordenador. Mas isso não implica que não tenham ocorrido alterações naquela data – desde logo ocorreram as mudanças do nome dado à relação, por vontade das partes, com a única exceção do próprio enfermeiro que fica como coordenador, o que poderá ter ocorrido por se aproximar a sua reforma. E resulta dos depoimentos que ocorreram alterações no modo de fazer os horários, no modo de pagamento etc... Em 2002 já os horários eram feitos pelo dito coordenador auscultando os enfermeiros, deixando de ser anuais como quando eram feitos pela empresa. O Armando… referiu que primeiro foram mensais e depois passaram a semanais, quando assumiu o António.... O Carlos…, sem conseguir contudo precisar referiu o ano de 2002 como da passagem do horário a semanal. O Cid... e sobre o horário semanal referiu; “depois nós, por uma questão de necessidade nossa, fomos também adaptando o horário, sempre com autorização da empresa com alguns rigores, para também nós termos algumas facilidades com a nossa atividade paralela”. As regras eram as relativas a não fazer dois turnos seguidos, o prolongamento máximo e limitação de turnos. As testemunhas inquiridas sobre o horário e indicadas pela ré referiram que a ré deixou de interferir na feitura dos horários. Assim a Maria e a Clara. O António... referiu que não interferiam na elaboração dos mapas.
É de manter o decidido.
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Pretende-se ainda alteração dos factos 13, 17 e 18.
Quanto ao 13º, não resulta claro da prova que os horários semanais tenham começado em 2002, havendo depoimentos que apontam para 2003, após entrada do António para coordenador. Quanto ao mais é de manter.
Assim altera-se a redação nos seguintes termos:
13 – Competia ao “enfermeiro/coordenador”, auscultando as disponibilidades de cada um – pois que todos, incluindo o A., prestavam a sua atividade também para outras entidades – estabelecer os turnos de oito horas que cada um devia cumprir, o que era feito primeiro de forma mensal e depois semanalmente.
Quanto ao 17º e 18º, foi referida a utilização do cartão de ponto, para conferir se cumpriam horário e proceder aos pagamentos. Assim O José, o António, Carlos e Cid. Tal foi contrariado pelo depoimento das testemunhas inquiridas sobre o assunto e indicadas pela ré, assim a Clara e a Maria, referindo que quando não tinham conhecimento das trocas eram eles que acertavam. O Carlos aludiu a razões de segurança para a picagem, e o Cid... depôs aludindo a que recebia quem tivesse o registo no turno, disse, “ a troca sendo oficial ganhava ele, se a troca ficasse registada que era dele o turno, o dinheiro era dele”. Este depoimento aponta no sentido de o pagamento ser pelo mapa, embora a testemunha tivesse anteriormente ao referido esclarecimento, aludido a que era pelo cartão.
É de manter o decidido.
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Refere ainda um erro no facto 13, relativo ao enfermeiro coordenador. Não há qualquer erro, o facto vem na sequência dos anteriores, onde se refere que após 1/6/2002 um dos enfermeiros ficou com a obrigação de coordenar. Não se refere que tal coordenação apenas aí tenha começado, nem tal cabia no artigo que dá origem ao facto.
Quanto ao 14º, não se vê qualquer incongruência com o 19º, e quanto ao seu conteúdo já acima vimos aquando da análise do 17º e 18º.

Quanto ao direito:
- Vejamos qual a lei aplicável:
A Relação entre autor e ré iniciou-se em 1985 mediante um contrato de trabalho. A 31/5/2002 as partes subscreveram um documento intitulado “rescisão…” referindo o termo para esse mesmo dia. Previamente a 28 haviam subscrito um documento denominado “contrato de prestação de serviços”, a ter início a 1/6/2002. É a relação que se firmou a partir desta data que está em causa. Nos dizeres do autor tudo continuou igual, no dizer da ré ocorreu verdadeira alteração passando o autor a prestador de serviços.
Assim, a relação iniciou-se no âmbito da LCT, assim como a subscrição do denominado contrato de prestação de serviços. Está em causa este contrato, pretendendo-se saber se em 2002 foi celebrado um verdadeiro contrato de prestação de serviços, ou se ao invés de tratou de uma mera simulação tendo em vista colocar a relação laboral fora do domínio da respetiva legislação.
A questão da lei aplicável quando está em causa a qualificação de um contrato como de trabalho ou não, tem tido acolhimento diversos ao nível da segunda instância, menos incerto ao nível do STJ.
Tudo a propósito da interpretação a dar aos artigos 8º, nº 1 da L. 99/03 de 27/8 e 7º, 1 da L. 07/09, de 12/02.
O 8.º da Lei n.º 99/03, de 27/08, que aprova o CT de 2003, refere:
Aplicação no tempo
1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.

Regime idêntico consagra o n.º 1 do art. 7.º da Lei n.º 07/09, de 12/02 que aprovou o atual CT.
Trata-se de matéria regulada de igual modo pelo artigo 12º do CC.
Refere este:
(Aplicação das leis no tempo. Princípio geral)
1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
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- O STJ tem defendido que a qualificação de um determinado contrato deve ser analisada à luz da lei em vigor no momento da sua feitura. Não será assim se, já no âmbito da nova lei tiverem ocorrido alterações aos e nos termos da relação firmada.
Vd. STJ de 2/5/2007, processo nº 06S4368, no qual, justificando se transcreve o seguinte trecho do parecer da PGR n.º 239/77, de 21 de dezembro de 1977, publicado no Diário da República, II série, n.º 74, de 30 de março de 1978, sobre o nº 2 do artigo 12º do CC:
«Nesse n.º 2 estabelece-se a seguinte disjuntiva: a lei nova ou regula a validade de certos factos ou os seus efeitos (e neste caso só se aplica aos factos novos) ou define o conteúdo, os efeitos de certa relação jurídica independentemente dos factos que a essa relação deram origem (hipótese em que é de aplicação imediata, quer dizer, aplica-se, de futuro, às relações jurídicas constitutivas e subsistentes à data da sua entrada em vigor).
«Precisamente a ratio legis que está na base desta regra da aplicação imediata é: por um lado, o interesse na adaptação à alteração das condições sociais, tomadas naturalmente em conta pela nova lei, o interesse no ajustamento às novas conceções e valorações da comunidade e do legislador, bem como a existência da unidade do ordenamento jurídico, a qual seria posta em causa e com ela a segurança do comércio jurídico, pela subsistência de um grande número de situações duradouras, ou até de caráter perpétuo, regidas por uma lei há muito ab-rogada; por outro lado, o reduzido ou nulo valor da expetativa dos indivíduos que confiaram, sem bases, na continuidade do regime estabelecido pela lei antiga uma vez que se trata de um regime puramente legal, e não de um regime posto na dependência da vontade dos mesmos indivíduos.»
E continua quanto à presunção de laboralidade:
“O artigo 12.º do Código do Trabalho estabelece a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de cinco requisitos, o que traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção, por conseguinte, só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de dezembro de 2003.”
O pensamento foi seguido nos acórdãos, de 17/10/2007, processo nº 07S2187; 10/7/2008, processo nº 08S1426; 16/9/2008, processo nº 08S321; 24/9/2008, processo nº 08S530; 18/12/2008, processo n.º 08S2572, referindo-se neste: Ora, não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 1 de dezembro de 2003, os termos da relação jurídica entre eles estabelecida, à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969 (LCT), não tendo aqui aplicação a presunção acolhida no artigo 12.º citado”, posição reafirmada no Ac. de 14/1/2009, processo n.º 08S2578. Ainda Acs. de 5/2/2009, processo n.º 07S4744; 22/4/2009, processo nº 08S3045; 16/12/2010, processo nº 996/07.1TTMTS.P1.S1; 20/11/ 2013, processo nº 2867/06.0TTLSB.L2.S1. 2/12/2013, processo nº 460/11.4TTBCL.P1.S1. Na RP por exemplo, Acs de 17/12/2014, processo nº 186/14.7T4AVR.P1 e 21/5/2012, processo nº 121/08.1TTBGC.P1, todos em www.dgsi.pt.
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- A par desta unanimidade do STJ seguida pelas relações, surgirem entretanto decisões em sentido diverso e variada doutrina.
Assim RL de 7/5/2008, processo nº 1875/2008-4 refere-se:
“Assim, o artigo 12.º do Código do Trabalho que estabelece a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo dos requisitos enunciados nessa disposição, aplica-se à relação jurídica vigente à data da sua entrada em vigor, exceto quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.”
Posteriormente os acs. da mesma relação, de 3/12/2014, processo nº 2923/10.0TTLSB.L1-4 e de 11/2/2015, processo nº 4113/10.2TTLSB.L1-4, aderindo à posição de Monteiro Fernandes e outros doutrinadores.
A questão prende-se com saber se uma norma que, não regulando propriamente sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos (por exemplo sobre a forma exigível, sobre um elementos típico do contrato etc..), mas antes regulando sobre a distribuição dos ónus probatórios relativamente a tais factos, está abrangida pela não retroatividade prevista no nº 2 do artigo 12º do CC e 7º, 1 da lei que aprova o CT.
Vejamos.
A norma do artigo 12º, em si, não interfere com as condições de validade de qualquer do facto, nem sobre os efeitos destes. Limita-se a, sem dispor sobre aqueles, regular de forma diversa o esforço exigido às partes quanto à demonstração dos seus pontos de vista, designadamente no âmbito de um conflito a decidir em tribunal.
A morna enquadra-se no “direito probatório material”. Abrange este as regras relativas ao ónus da prova, à admissibilidade dos meios de prova e à força probatória de cada um deles. As presunções, (pelo menos as ilidíveis), alterando a regra geral relativa ao ónus, que seria aplicável na sua falta, são pois direito probatório material.
Manuel de Andrade, Noções elementares de Processo civil, a pág. 47 refere sobre a aplicação imediata do direito probatório:
“ … vale a mesma doutrina para o direito probatório material, enquanto regula a admissibilidade das provas de quaisquer factos em geral (sistema probatório geral). Quaisquer expetativas em face da lei anterior não são dignas de proteção. Seria mesmo desoneste o cálculo de alguma das partes sobre a base do sistema probatório geral anterior, tivesse formado no sentido de se provar um facto não verdadeiro ou de não se provar um facto real.
Mas aplica-se o princípio tempus regit actum quanto ao novo direito probatório material relativo à admissibilidade das provas de determinados factos especiais (máxime negócios jurídicos). De outro modo poderia resultar alterada… a situação material das partes…”
Antunes Varela, Miguel Beleza e Sampaio e Nora, Manual do Processo Civil, 1984, referem a pág. 59 e 60 defendenm idêntica posição. A mesma ideia em STJ no Ac. De 14/9/2010, processo nº 5267/05.5TBBRG.G1.S1, (sumário).
No caso não se trata da admissibilidade de provas, as provas admissíveis são as mesmas, do que se trata é dos efeitos associados à prova conseguida de determinados factos (índices), no sentido de inverter o ónus de prova. “Poder-se-ia transpor para as normas sobre presunções um raciocínio semelhante àquele que é formulado a propósito das normas que decidem da admissibilidade ou valor dos meios de prova”, contudo, ao nível desta presunção, como refere Joana Nunes Vicente, as coisas não são tão nítidas.
Refere esta em, “Noção de contrato de trabalho e presunção de laboralidade…”, “Código do trabalho - A Revisão de 2009”, Coimbra Editora, 2011, pp. 59 ss, disponível ainda em Trabalho Subordinado e Trabalho Autónomo: Presunção Legal e Método Indiciário, CEJ, dezembro de 2013, pág. 62:
“ Certo, poder-se-ia transpor para as normas sobre presunções um raciocínio semelhante àquele que é formulado a propósito das normas que decidem da admissibilidade ou valor dos meios de prova. Sobre estas últimas, escreve BATISTA MACHADO: "em matéria de negócios jurídicos, as regras de prova não são um guia para o juiz apenas, mas são-no também para as partes; pois é certo que estas, na constituição duma SJ [situação jurídica], tomam em conta as exigências de provas formuladas pela lei da mesma forma que tomam em conta as exigências legais relativas às condições de validade". Quer dizer, neste domínio, as leis de prova podem legitimamente influir sobre a conduta das partes (levando-as a adotar certas precauções ou diligências com vista a assegurar os meios de prova no momento da constituição da situação jurídica). Por essa razão, isto é, porque nesse caso a aplicação imediata da Lei Nova a situações jurídicas constituídas anteriormente seria suscetível de frustrar as previsões e legítimas expetativas, sustenta-se que a Lei Nova sobre a prova apenas deve ser aplicável às situações jurídicas novas, leia-se, às situações jurídicas constituídas depois da entrada em vigor da Lei Nova. Todavia, se cotejarmos estes ensinamentos com a presunção legal de laboralidade, as coisas não se afiguram tão nítidas. Se numa dada relação contratual alguém põe a sua capacidade laborativa ao serviço de outrem disponibilizando-se para o exercício da atividade prometida que o beneficiário pode dirigir e organizar, o modo como a relação é estruturada e desenvolvida faz, em regra, emergir os chamados factos-índices - que mais não são do que a tradução; em termos fácticos, do que caracteriza uma relação de trabalho subordinado e o escopo económico funcional dessa relação. Não parece, pois adequado afirmar que a norma que contém a presunção de laboralidade possa influir sobre a conduta das partes - levando-as a adaptar esta ou aquela precaução - ao ponto de justificar um raciocínio idêntico ao formulado a propósito das leis sobre a prova...”
Não se vê razão, no caso do artigo 12º do CT, para sustentar uma expetativa legítima por parte de um dos litigantes no sentido da existência ou não de determinada presunção associada a uma configuração legal de índices (a provar), que consistem eles próprios no “modo” como a relação se atua, se desenvolve e vivencia, antes como agora, já no domínio da nova lei. O facto antigo é também o facto novo, num encadeamento natural da quotidiana vivência e desenvolvimento da relação contratual. O facto antigo, conquanto passado, forma uma cadeia ininterrupta de atos que se prolonga para além da data de entrada em vigor da nova lei, o antes e o depois são as duas faces de jano que mutuamente se espelham.
A solução de atender à lei em vigor à data da celebração do contrato, se considerar-mos que estamos a falar de índices que se surpreendem no desenvolver da relação, constitui até um paradoxo, a esse data não há, não pode haver qualquer índice, o contrato ainda não se atuou, não teve desenvolvimento algum que permita surpreender os factos índice.
A atender-se à lei em vigor para cada facto ocorrido (facto índice) cairíamos por sua vez numa esquizofrenia, o mesmo contrato poderia ser qualificado como de prestação de serviços até à data da entrada em vigor da nova lei (por incumprimento do ónus de demonstrar a sua natureza laboral por parte do trabalhador), e como contrato de trabalho a partir daí, por força do funcionamento da presunção de laboralidade e incumprimento por parte da patronal da demonstração da natureza de contrato de prestação de serviços.
Não vemos que relativamente a esta concreta presunção (que não é uma presunção pura, o trabalhador ainda tem que provar os índices), mereça tutela qualquer expetativa no sentido da não aplicação destas novas regras.
A norma atine à prova, visando simplificar a demonstração de uma realidade que pelo seu caráter dúbia e incerta é de difícil demonstração para a parte onerada com o dever de provar, no caso a parte mais fraca e desprotegida da relação, que normalmente contrata numa posição de desigualdade no que respeita à “liberdade” contratual.
Visa ainda a norma o combate a “fuga ao direito de trabalho”, intento que o legislador claramente abraçou não só com a consagração deste regime, como através de outros mecanismos, de que o Lei n.º 63/2013 é um exemplo, assumindo-se tal matéria como de interesse público.
A presunção por outro, nada altera de substancial no que tange à caraterização do contrato, seus critérios e condições de validade. Trata-se sobretudo de uma “simplificação” tendo em vista facilitar o cumprimento do ónus de prova por parte do trabalhador, como já referido, atenuando-lhe os esforços probatórios, assim reconduzidos à prova dos factos índice, com a subsequente inversão do ónus.
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- Outra doutrina tem defendido a aplicabilidade do artigo 12º. Assim:
António Monteiro Fernandes (Direito do trabalho 17º edição. cit., p. 128):
“…. A noção do contrato de trabalho é a mesma, os seus elementos e caraterísticas fundamentais não mudaram. Não há nada, nas bases da presunção, que seja novo em relação a essa noção e a essas caraterísticas. Trata-se, simplesmente, de qualificar um contrato para se determinar a lei aplicável – um contrato que é uma realidade jurídica atual, e não viu a sua natureza alterada ao longo do tempo em que tem produzido efeitos. A presunção é um elemento adjuvante da qualificação que é necessária para que se saiba qual a lei a aplicar, problema que se suscita em certo momento e nele deve ser resolvido com os meios disponíveis. É por se constatar que o contrato revela o seu conteúdo atual por certos factos ou situações atuais (e não “totalmente passados”) que o legislador autoriza a presunção e altera, com isso, a repartição do ónus da prova. Supomos, pois, que é aplicável aos contratos existentes em cada momento a presunção que nesse momento conste da lei vigente.”
João Leal Amado, Presunção de Laboralidade: Nótula Sobre o art. 12.º do Novo Código do Trabalho e o seu Âmbito Temporal de Aplicação, em Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 82, CEJ/Coimbra Editora, jan-abril 2009, pp. 159 e ss., aponta no mesmo sentido. Refere o autor:
“… Nas certeiras palavras de BERNARDO XAVIER, «esse princípio da confiança já não funciona plenamente no contrato de trabalho, em que - pelo menos o empregador - sabe que está sujeito a um constante realinhamento legislativo da política social, ao menos em certos limites».
… Em rigor, a nova «presunção de laboralidade», ao incidir sobre a qualificação da relação, incide sobre o conteúdo da mesma (uma vez que este conteúdo é preenchido por normas, legais e convencionais, que possuem uma natureza imperativa) e não sobre a validade do contrato celebrado.
Julga-se ainda que tanto a chamada «ordem pública de proteção social» como a tutela do contraente débil, ao exigirem um enérgico combate à dissimulação ilícita de relações laborais, depõem no sentido de a nova presunção dever ser aplicada às relações jurídicas que subsistam à data da entrada em vigor do atual CT. É que, ao estabelecer esta presunção (na linha, repete-se, das recomendações da OIT), o legislador visa um duplo objetivo: lutar contra as relações de trabalho encobertas e facilitar a determinação da existência de uma relação de trabalho subordinado. Ora, é inegável que estes propósitos do legislador resultarão em grande medida frustrados se a nova presunção apenas atuar relativamente aos contratos celebrados após o início de vigência do CT…”
Relativamente a Batista Machado, cuja doutrina parece sustentar a opinião contrária, refere este mesmo autor, no sentido de esta interpretação caber no pensamento deste:
“… Ora, acrescenta BATISTA MACHADO, «O papel do legislador, nos quadros de uma conceção intervencionista do Estado na vida económica e social, leva-o hoje a prosseguir objetivos e a utilizar meios inconciliáveis, quer com um amplo respeito do dogma da autonomia da vontade, quer com a subsistência do regime da lei antiga relativamente às situações jurídicas contratuais em curso. A eficácia da política económica e social supõe medidas de conjunto extensíveis a todas as situações jurídicas em curso». Por outro lado, observa ainda o autor, «a doutrina tradicional, ao lembrar a necessidade de respeitar as previsões comuns das partes e o equilíbrio contratual por elas gizado, tomava como paradigma um contrato livremente concluído por duas vontades iguais - não um contrato imposto por uma das partes». Ora, como é óbvio, no campo juslaboral o paradigma é outro…”
Em Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 240, refere BATISTA MACHADO, «seriam sempre de aplicação imediata as chamadas leis de ordem pública, isto é, aquelas leis imperativas que visavam tutelar um interesse social particularmente imperioso ou fundamental» - citado em nota pelo mesmo.
Milena Silva Rouxinol, Notas Sobre a Eficácia Temporal do artigo 12.º do código do Trabalho – a Propósito do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7 de outubro de 2013. in, file:///c:/users/casa/downloads/4363-14501-1-pb.pdf, refere:
“ a aproximar-se a norma que acolhe a presunção de um dos dois referidos tipos de preceitos, melhor se enquadraria no âmbito dos que dispõem sobre os efeitos, ou o conteúdo, das relações jurídicas, do que no universo dos referentes à matéria das condições de validade …
…a relação vigente traduz, precisamente, a sua execução, sempre se contraporia que a tarefa de qualificação do mesmo (como contrato de trabalho ou de prestação de serviço) se vem cumprindo atendendo, justamente, aos termos dessa execução e não olhando apenas, nem predominantemente, para o contrato como ato constitutivo…
não se vê por que devesse, fundadamente, concluir-se que a aplicação desse preceito a relações anteriormente constituídas quebraria legítimas expetativas e, por isso, frustraria a aludida função estabilizadora do Direito…”. A autora refere a natureza “continuada” da execução contratual.
Assim e concluindo, entende-se ser de aplicar o artigo 12º do CT aos contratos subsistentes aquando da sua entrada em vigor.
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- Nulidade por contradição entre fundamentos e decisão.
Invoca-se contradição, com o argumento de que se teriam desprezado as normas da L. 102/2009 (artigo 78º, 2), em face do facto 33.
Quanto à nulidade decorrente da contradição entre os fundamentos e a decisão dispõe o artigo 615º, 1, al. c) do CPC, referindo que é nula a sentença quando, “ os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
O normativo prevê os casos em que os fundamentos da decisão, designadamente os de facto, estão em oposição com a decisão proferida.
A nulidade respeita à estrutura da decisão, a uma incongruência no silogismo judiciário. Entre os fundamentos e a decisão tem que ocorrer uma contradição lógica. Quer dizer, o julgador segue um raciocínio e depois decide em desconformidade com ele. Diferente é o caso de erro de julgamento, que ocorre quando o julgador entende erradamente que dos factos provados resulta determinada consequência jurídica. Estaremos então perante erro de interpretação e não perante um caso de nulidade.
Ora, no caso vertente não ocorre qualquer nulidade. O julgador entendeu de determinado modo, bem ou mal, e explicou quais as razões de tal entendimento. O discurso da fundamentação conduz à decisão a final proferida.
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- Da classificação da relação entre A. e R.
– Contrato de trabalho (CT) versus prestação de serviços (PS).
O ónus da prova da existência de um contrato de trabalho compete ao autor – artigo 342º do CC. Contudo, porque se entende aplicável a presunção de laboralidade consagrada no artigo 12º do CT, tal ónus encontra-se facilitado, digamos, “pela sua redução aos factos índices “ do normativo. Demonstrados estes pelo autor (pertence-lhe o ónus de prova), ocorre então uma inversão do ónus nos termos do artigo 350º do CC, passando a competir à ré demonstrar que o contrato é outro, no caso uma prestação de serviços.
- O contrato de trabalho laboral:
Este contrato encontrava-se definido no art. 1º do Dec. Lei nº 49.408 de 24/11/1969 ( LCT ), depois no artigo 10º do CT de 2003 e atualmente no artigo 11º, e ainda no 1152º do CC. As caraterísticas principais deste contrato são:
- A prestação por parte de um dos contraentes (o trabalhador) de uma atividade manual ou intelectual ao outro contraente (o empregador), não envolvendo qualquer obrigação de resultado, bastando para cumprimento da obrigação assumida a colocação á disposição do empregador da sua força de trabalho;
- A onerosidade (o contrato de trabalho é sempre oneroso);
- A subordinação jurídica, traduzida no facto de a prestação do trabalho ocorrer sempre sob as ordens, direção e fiscalização do empregador, sendo este que (dentro dos parâmetros legais), define o modo, o como, o quando e onde a prestação deve ocorrer. No Atual CT refere-se, substituindo a expressão “sob a autoridade e direção destas”, “no âmbito de uma organização e sob a autoridade destas”.
Esta alteração vem salientar aquilo que era já entendido, no sentido de que no CT, o trabalhador se integra na organização da entidade patronal, passando a constituir um elementos desta e ao serviço dos seus fins, funcionando nesta como parte de um todo, de um corpo, com uma cabeça e órgãos executores, seja, com um comando e uma estrutura hierárquica; agindo/reagindo no âmbito da mesma, com interação a montante e a jusante. Esta caraterística decorre da natureza intuito personae do contrato de trabalho, onde assume particular relevo a confiança reciproca.
-O contrato de prestação de serviços:
O contrato de prestação de serviços vem previsto no artigo 1.154º do Código Civil. Os elementos caracterizadores deste contrato são:
- A obrigação por parte de um dos contraentes (o prestador), de proporcionar á outra parte um determinado resultado da sua atividade manual ou intelectual. Tal contrato envolve pois uma obrigação de resultado. Contudo, nos casos limites o critério mostra-se pouco útil, como adiante veremos.
- O caráter facultativo da retribuição (o contrato pode ser oneroso ou gratuito);
- A independência e autonomia do prestado no que respeita ao modo, à forma e momento da realização do trabalho. Estes dependem da vontade e saber do prestador. Não que não possam haver aqui ordens por parte do credor, apenas se quer dizer que tais ordens não podem referir-se ao modo e forma de alcançar o resultado, podendo no entanto haver ordens no que se refere ao objetivo do resultado.
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- As dificuldades de delimitação decorrem do facto de quer um quer outro, na realidade não se aterem a estas definições tão claras, apresentando zonas cinzentas que se tocam e sobrepõem. Quer dizer, a vida não se atêm estritamente “conceitos tipo” tal como a lei os configura, criando zonas cinzentas.
O modelo clássico de contrato de trabalho sofreu alterações com o decurso do tempo, adaptando-se às novas realidades e necessidades dos empregadores, flexibilizando-se; e por outro existem áreas de atividade em que os seus profissionais pela natureza das coisas (tecnicidade da área/saber), e nalguns casos até por força da lei (códigos deontológicos), gozam de uma certa autonomia no seu exercício – (autonomia técnica e/ou deontológica).
Muitas atividades podem ser prestadas por qualquer daqueles modelos contratuais, e são-no na realidade, coexistindo as duas formas de prestação.
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- Quanto ao objeto contratual (atividade versus resultado), a caraterística, nos casos de fronteira, tem um relevo diminuto. No contrato de trabalho o prestador disponibiliza a “atividade”, como instrumento para a prossecução do processo produtivo da estrutura empresarial, como instrumento dos fins desta, sendo o prestador alheio ao resultado, cujo risco corre pelo credor da prestação. Contudo em certos casos (os de fronteira) é difícil distinguir o que se promete, se a atividade se o resultado. Não só no contrato de trabalho o resultado não é de todo indiferente ao credor, (veja-se que a remuneração pode em parte ser fixada pela produtividade, e outros mecanismos que as empresas vão introduzindo no sentido de aumentar a produtividade), como na prestação de serviços pode não ser indiferente a atividade os meios utilizados para alcançar o resultado.
A acrescer a essa dificuldade, atividades há, a que normalmente o contrato de prestação de serviços se adequa perfeitamente, em que nem se pode prometer o resultado (advocacia – artigo 101º, nº 1; 68º, 2, 3; 76º, 3 e 4 do EOA), e casos em que pode dizer-se que a disponibilidade do trabalho constitui o próprio resultado. Por exemplo imagine-se a obrigação (legal ou contratual) de manter aberto um determinado serviço, independentemente da solicitação por parte do público a que se destina em determinado momento.
-Mas as maiores dificuldades encontram-se no que tange à subordinação, que é aliás o elemento essencial de distinção, até porque por regra, os casos em que se colocam dúvidas são aqueles em que a prestação, não implicando um resultado (entendido em termos restritos), pode ser efetuada nos moldes de um contrato de prestação de serviços.
Este elemento põe em evidência a desigualdade caraterística do vínculo laboral, onde para uma das partes, mais que colocar à disposição da outra a disponibilidade da sua força de trabalho, coloca a sua própria pessoa, uma disponibilidade pessoal (evidente na necessidade de cumprir horários, de comparecer no local de trabalho indicado etc.).
A subordinação não é económica (que pode ocorrer em ambas as formas contratuais, nem técnica, onde pode ocorrer autonomia em qualquer das formas), mas jurídica. Comporta vários graus, não sendo necessário uma manifestação concreta, mas apenas a sua possibilidade, o que se costuma referir com o termo “potencial”. É situação comum nos casos de atividades de elevado grau de tecnicidade e/ou conhecimento, e é sempre funcionalmente limitada. Implica designadamente a imposição ao trabalhador dos termos em que a prestação irá ocorrer, a conformação da prestação contratada.
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- Em face destas dificuldades, tem-se recorrido a indícios dos quais possa concluir-se pela existência de um contrato de trabalho. Tarefa que não tem sido fácil para os trabalhadores, devido à exigência que se tem colocado na prova.
Os índices devem ser apreciados no seu todo, -Vd. STJ de 9/12/2000, processo nº 1155/07.9TTBRG.P1.S1, www.dgsi.pt, sopesando o peso relativo de cada um e o seu número, o modo como se articulam em concreto, surpreendendo o que é marcante na relação, independentemente de uma aparência artificialmente criada.
É que a utilização de falsos contratos de prestação de serviços tem em vista fugir à aplicação de determinadas leis laborais, de determinadas garantias e direitos dos trabalhadores. Os factos índices não devem ser apreciados apenas na sua aparência, mas em “contraluz”, a fim de surpreender a realidade.
Os agentes determinam a sua conduta de forma a que a mesma venha a ter sucesso. Quem foge a uma norma fá-lo-á de modo a que tal se não perceba. O normal será criar a aparência de que as coisas são de determinado modo, embora a realidade seja outra. Há que ver além das sombras projetadas na parede.
A apreciação global dos vários factos/índices permitirá surpreender esta ilusão, designadamente se estiverem presentes muitos índices, que embora compagináveis individualmente com o contrato de prestação de serviços, dada a sua particular configuração, se torne estranho encontram-se todas na fronteira com o contrato de trabalho, e em tão grande número.
Por exemplo, o contrato não tem em vista um resultado, os instrumentos são do empregador, o trabalhador pratica um horário diário (aparentemente autónomo), a remuneração com pequenas oscilações e sensivelmente a mesmo mês a após mês, o local de trabalho pertence ao credor e é por este indicado, o trabalhador não corre risco pela não produção do resultado, etc… todos estes critérios podem estar presentes no contrato de prestação de serviços, dependendo da concreta configuração, existido exemplos vários na jurisprudência. Será estranho encontra-los num mesmo contrato, o que deve levar a ter especiais cuidados.
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- Índices.
Têm sido apontados vários índices, tais como a titularidade dos instrumentos de trabalho, o horário, o modo de cálculo da remuneração, o local de prestação da atividade, A inserção numa organização criada pelo credor, a assunção do risco da não produção do resultado, a exclusividade da prestação ao credor, o controlo direto da prestação pelo credor e existência de ordens/instruções diretas, a dependência económica, o poder disciplinar, o não recebimento de subsídios, o regime fiscal e de segurança social, o objeto contratual, a possibilidade de o trabalhador poder fazer-se substituir, etc…
- A titularidade dos instrumentos de trabalho por parte do credor da prestação, podendo estar presente no contrato de PS, será mais normal no CT, sendo indício de um CT. “Há que relacionar a natureza do bem com a natureza da atividade, e ponderar o seu custo, a sua mobilidade, o seu peso específico no conjunto dos fatores de produção, entre outras circunstâncias “ Cristina silva, Trabalho subordinado vs Trabalho Independente, http://repositorio.ucp.pt
- A possibilidade de o prestador se fazer substituir por outrem no desempenho da função e a possibilidade de ter outrem ao seu serviço apontam no sentido de um contrato de PS. Refere Pedro R. Martinez, Direito do Trabalho, 2002, pág. 285, que “ ainda que a massificação tenha quebrado o laço fiduciário… não é aceitável que um trabalhador, se faça substituir por outrem; se a relação não se baseasse na fidúcia, a substituição seria admissível, pois que a atividade a desenvolver pelo trabalhador seria fungível, e para o credor (empregador) seria irrelevante a identidade daquele que efetuasse a prestação”.
Poder-se fazer substituir por pessoa da sua escolha, sem interferência do credor – não como no caso em que a substituição se opere no quadro nos trabalhadores contratados por PS e só. É que a substituição no quadro dos “prestadores”, apresenta flagrante semelhança com a substituição a que se procede no âmbito do CT em caso de falta de um trabalhador. Tal tipo de substituição por si não afasta o caráter fiduciário da relação;
Deve verificar-se se em concreto a possibilidade de se fazer substituir é real ou aparente.
A possibilidade de se fazer substituir por pessoa da sua escolha, sem interferência do credor, aponta no sentido do contrato de PS. Se a substituição apenas pode ocorrer no quadro dos “prestadores” contratados pelo credor, podemos estar face a uma aparência de autonomia. É que em caso de falta do “trabalhador “ ele teria normalmente que ser substituído por um colega, como já referimos.
- Quanto ao modo cálculo da retribuição, importa ter uma visão global, vendo o resultado mensal, anual etc… de forma a surpreender mecanismos fraudulentos destinados a criar aparência de que o cálculo é estranho à disponibilização da força de trabalho. Uma retribuição à hora, no desempenho de atividades em que essencialmente ocorre a disponibilidade e por período razoavelmente regular ao longo do tempo, (podendo não haver funções a desempenhar, decorrência das contingências do mercado e da vida) pode ser indício de uma aparência.
- Quanto ao local de prestação, como vem sendo referido, deve ser entendido em termos hábeis. O Conceito padece de uma certa relatividade, “podendo abranger um edifício, uma rua, uma freguesia, um distrito, uma região ou mesmo um país “, vd. Código do Trabalho anot. e Com, Paulo Quintas e Hélder Quintas, pág. 95 em nota ao artº 12º. Prende-se com circunstâncias específicas da execução do contrato variáveis de acordo com a natureza da prestação e a sua articulação na organização da empresa – M. Fernandes citado na obra referida. Será relevante saber por exemplo se o prestador pode escolher o local da prestação. Contudo este facto não é também em si determinante.
- A assunção ou não do risco de não produção de resultados é um índice de pouca utilidade nos casos em que a PS não implica um resultado (entendido em termos relativos).
- Assume particular relevo a “inserção na organização criada pelo credor com sujeição às regras dessa organização” por lhe estar associada a subordinação jurídica. Esta, tem a sua razão de ser e o seu fundamento na necessidade que existe em qualquer processo produtivo coletivo, de uma linha de orientação de uma unidade de comando. Todo o processo coletivo de produção exige organização, coordenação e comando. Assim e por exemplo, os trabalhadores não podem trabalhar todos ao mesmo tempo – há que distribuir horários, respeitar cadências de fases no trabalho, de acordo com o que cada um executa, etc…
O trabalho prestado autonomamente não se enquadra em qualquer processo de produção coletiva, embora possa ser prestado para uma empresa com a sua própria estrutura produtiva, mas escapa, pelas suas caraterísticas, à necessidade de se inserir na estrutura de comando do processo produtivo da empresa, ou porque não é inerente aquele, ou porque sem prejuízo daquele processo produtivo, pode ser executado fora da estrutura de comando da empresa (por exemplo serviço que na sua prestação não está dependente do trabalho de outros trabalhadores…).
- A emissão de ordens diretas/controlo direto da prestação, apontam no sentido no contrato de trabalho. Basta a sua possibilidade. O índice não é de fácil aplicação aos casos em que normalmente as dúvidas se levantam, por corresponderem a atividade mais técnicas ou científicas, gozando o prestador de autonomia técnica no desempenho da atividade, sendo difícil surpreender ordens diretas, aparentando todas ter uma natureza genérica, de supervisão, também presente na PS.
- O desempenho da atividade de forma exclusiva ou quase exclusiva para uma entidade pode apontar no sentido da existência de um contrato de trabalho, contudo podem ocorrer prestações de serviço em exclusivo.
- Quanto à dependência económica, mostra-se pouco útil, dado que em inúmeras atividades (advocacia, arquitetura, medicina, enfermagem etc…), ainda que prestadas mediante contratos de prestação de serviços, ocorrerá muitas vezes uma dependência económica do prestador, porquanto é do exercício da sua profissão que retira os proventos para o seu dia a dia e da sua família.
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Importa atentar em que alguns dos índices que têm sido invocados, devem ser considerados de forma limitada, apontando apenas no sentido da existência de CT, mas não podendo ser valorados no sentido inverso:
- Falamos designadamente da verificação ou não do pagamento de subsídios, do regime fiscal e de segurança social.
Justificando:
A utilização de falsos contratos de prestação de serviços tem em vista fugir à aplicação de determinadas leis laborais, de determinadas garantias e direitos dos trabalhadores – como o pagamento de subsídios, seguros de acidentes, segurança social… entre outros. Referir estes (a sua inexistência) como critérios para se afastar a qualificação do contrato como de trabalho, é em nosso entender errado, pois que se foi isso que se quis evitar ao simular, considerando tais elementos favorece-se o infrator. Por outro é um paradoxo, é o mesmo que dizer que o empregador não tem que pagar subsídios, porque não os paga. Tais índices apenas relevam pela positiva, se estiverem presentes apontam no sentido da existência de um contrato (não podia ser de outro modo, porque são direitos associados a este), o contrário é que não. Na sua ausência nada significam, pois que a fuga ao cumprimento das normas que os preveem é exatamente o objetivo da “dissimulação”.
- O mesmo pode dizer-se do poder disciplinar. A sua ausência não deve ser valorada em sentido contrário à existência de um CT. É que em boa verdade a situação favorece o “empregador”, pois que sem ter os custos inerentes ao procedimento disciplinar pode desvincular-se do prestador, sem mais, e fazer sobre ele, as pressões que entenda. Não cumprindo o prestador, (sobretudo se existir dependência económica), sujeita-se a não ser mais solicitado pelo credor, a ser dispensado, a perder o seu ganha pão, ou, forçando o verbo, a ser despedido (prescindido).
- Também o “objeto contratual”, como já vimos, tem relevo diminuto nos casos de fronteira. Contudo, se estivermos em face de uma pura prestação de resultado, o critério já assumirá relevo para afastar a natureza laboral.
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Tudo o referido está condicionado pela livre vontade das partes. Tratando-se de negócios da natureza consensual, não pode deixar de se atender e relevar a vontade real das partes, traduzida não apenas na qualificação que lhe deram, mas sobretudo nos termos em que definiram as condições do exercício da atividade, nos termos acordados.
Isto, desde que se possa concluir com razoável segurança que a vontade do prestador, parte mais fraca da relação, se determinou de forma livre, e a configuração e desenvolvimento da relação não for de todo espúria ao contrato celebrado.
Quando a qualificação resulta duvidosa, ainda que se demonstre o preenchimento de alguns factos índice do artigo 12º do CT, se se puder concluir que nas circunstâncias concretas, no momento da concertação, o prestador não foi forçado, e ou compelido, ou limitado na sua capacidade/autonomia decisória, por necessidades pessoas ou outras, a realizar um contrato simulado, um contrato que verdadeiramente não pretendia, deve respeitar-se essa vontade, sendo de considerar ilidida a presunção que possa resultar do artigo 12º, por se mostrarem preenchidas algumas das alíneas do nº 1. Sobre o relevo da vontade – STJ de 4/11/2009, processo nº 322/06.7TTGDM.S1; de 4/5/2011, processo nº 3304/06.5TTLSB.S1 8/10/2014, processo nº 168/10.8TTVNG.P3.S1, em www.dgsi.pt.
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O caso presente situa-se naquela zona cinzenta de que falamos. Temos vários indícios que apontam num e noutro sentido.
Quanto ao objeto pode dizer-se que a manutenção do centro de saúde aberto 24 horas por dia, constitui em si mesmo um resultado. O trabalhador podia fazer-se substituir, mas é certo, apenas por colegas também prestadores no mesmo local, o que poderia indicar uma aparência de autonomia. Não releva o local nem a propriedade dos meios, dada a atividade de que se trata, centro de saúde de uma unidade industrial, sendo natural serem pertença da empresa, assim como o local. Naturalmente o trabalho ou a prestação ali teriam que ser executados. A remuneração apresenta um modo de cálculo natural para este tipo de prestação em modelo de recibo verde. Importa salientar que, na perspetiva empresarial, não se trata de setor de atividade nuclear (é essencial porque necessário, mas não é isso que a empresa produz), sendo atividade relativamente à qual no quadro da atividade da empresa tem ou pode ter razão de ser uma opção de gestão pela externalização. A atividade do autor não ocorre no âmbito da organização, não estando dependente de qualquer outro setor da ré. Seja, a prestação em si, além da coordenação que exigia entre os prestadores, não demanda por si a integração na “organização”, nem tal vem demonstrado.
A vontade das partes no caso presente assume particular relevo, dadas as particularidades em que ocorre a subscrição do contrato de prestação de serviços.
Vejamos.
O autor, que estava vinculado por um contrato de trabalho com a ré, desvincula-se deste, recebe uma compensação superior a 30.000 euros, e celebra um contrato de prestação de serviços. Não explica por que razão, se não pretendia por termo à relação laboral, assinou o contrato, nem se demonstra (nem alega) que foi de algum modo pressionado em tal assinatura. Alega que a rescisão foi simulada, porque nem a ré pretendia extinguir o posto de trabalho, nem ele autor pretendia por termo à relação. Mas foi isso que fizeram, a ré criando, por opção que aqui não importa analisar, um sistema de “externalização de serviços”, como lhe chama, e o autor rescindindo o contrato de trabalho recebendo uma compensação e celebrando com a ré um outro contrato. Não descortinamos utilidade na simulação. Então o autor, que tem um contrato de trabalho, assina documento que o prejudica, sem qualquer pressão?
Dos factos resulta apenas que ocorreu a rescisão, a assinatura de novo contrato, passando/continuando o autor a prestar a sua atividade no mesmo local, do mesmo modo presume-se (não havia razão para ser de outro modo, enfermagem é enfermagem, em qualquer modelo contratual), com alteração ao nível do acerto de horários, forma pagamento, e sem controlo de assiduidade propriamente dito (sem marcação de faltas), além das alterações ao nível do regime de segurança social e fiscal, férias e subsídios.
Não se descortinam razões para considerar que as partes ao assinarem a rescisão não o pretendiam fazer. Tanto assim que à mesma estão associadas consequências monetárias de monta, de que o autor beneficiou. Saliente-se que o autor assim como os colegas, desenvolviam a mesma função para outros, pelo que bem podem ter entendido que este novo modelo contratual, dada a margem de maleabilidade que lhes proporcionava em termos de ajeitamento dos horários a cumprir, nesta entidade como em outras, lhes era favorável.
Temos assim que no caso presente considerando a vontade das partes no sentido de se vincularem por um contrato de prestação de serviços, a que a relação estabelecida após a subscrição do contrato de prestação de serviços não é de todo espúria, como já se viu, é de relevar essa vontade, considerando que tal contrato é legítimo, não obstante o preenchimento das alíneas a), b) do artigo 12º do CT. O que consta do facto 33 não contraria a conclusão. Tais serviços abrangem os trabalhadores das empresas, não se demonstrando provado que o autor estivesse abrangido.
Quanto à renúncia, nada vem demonstrado que fira o contrato firmado.
Assim sendo, improcede o alegado pelo autor.
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- Violação da constituição por renúncia ao direito à segurança no emprego – artigo 53 da CRP.
Não ocorre qualquer violação de garantias constitucionais quando duas partes num contrato de trabalho põem termo ao mesmo. Estamos no domínio da sua liberdade contratual. Assim não seria se ocorresse algum vício de vontade, mas nada se alega. Relativamente à celebração do novo contrato, o de prestação de serviços, o mesmo respeita as normas ao mesmo atinente.
Improcede a alegação.
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DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação confirmando a decisão.
Custas pela recorrente
Guimarães, 14/05/2015
Antero Veiga
Manuela Fialho
Moisés Silva