Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
641/09.0TBMNC-A.G2
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: ACTO ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL TRIBUTÁRIO
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: INCOMPETENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Tem natureza administrativa a relação jurídica estabelecida entre os particulares e o IFADAP (agora IFAP) resultante de contratos de ajuda financeira celebrados entre os particulares e aquele Instituto.
2 - Assume também natureza administrativa o ato unilateral de rescisão e determinação de devolução de ajudas concedidas no âmbito dos mencionados contratos por configurar o exercício de um poder sancionatório e autoritário de pagamento de determinada quantia, que tem origem na sua natureza jurídica pública.
3 - Por outro lado, são competentes os Tribunais Tributários para as execuções de dívidas que devam ser pagas por força de ato administrativo (art. 148º, nº 2 – a) do Código de Procedimento e Processo Tributário aplicável por via do art 155º do Código de Procedimento Administrativo vigente à data da interposição da execução e a que atualmente corresponde o art. 179º, nº 2 do novo CPA – DL 4/2015 de 7/1).
4 – Assim, sendo o título executivo uma hipoteca constituída no âmbito de um contrato administrativo de concessão de subsídio pelo IFADAP e a rescisão unilateral desse contrato por alegado incumprimento do mesmo pelo beneficiário desse subsídio e o objeto dos embargos a ilegalidade do mencionado ato, os tribunais comuns são absolutamente incompetentes em razão da matéria para conhecer quer do objeto dos embargos, quer do objeto da execução.
Decisão Texto Integral:
Tribunal da Relação de Guimarães
2ª Secção Cível

Processo: 641/09.0TBMNC-A.G2
Comarca de Viana do Castelo – Monção – Inst. Local competência genérica – J1
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Relatora: Alexandra Rolim Mendes
1º Adjunto: Maria Purificação Carvalho
2º Adjunto: Maria dos Anjos Melo Nogueira



Sumário:
1 - Tem natureza administrativa a relação jurídica estabelecida entre os particulares e o IFADAP (agora IFAP) resultante de contratos de ajuda financeira celebrados entre os particulares e aquele Instituto.
2 - Assume também natureza administrativa o ato unilateral de rescisão e determinação de devolução de ajudas concedidas no âmbito dos mencionados contratos por configurar o exercício de um poder sancionatório e autoritário de pagamento de determinada quantia, que tem origem na sua natureza jurídica pública.
3 - Por outro lado, são competentes os Tribunais Tributários para as execuções de dívidas que devam ser pagas por força de ato administrativo (art. 148º, nº 2 – a) do Código de Procedimento e Processo Tributário aplicável por via do art 155º do Código de Procedimento Administrativo vigente à data da interposição da execução e a que atualmente corresponde o art. 179º, nº 2 do novo CPA – DL 4/2015 de 7/1).
4 – Assim, sendo o título executivo uma hipoteca constituída no âmbito de um contrato administrativo de concessão de subsídio pelo IFADAP e a rescisão unilateral desse contrato por alegado incumprimento do mesmo pelo beneficiário desse subsídio e o objeto dos embargos a ilegalidade do mencionado ato, os tribunais comuns são absolutamente incompetentes em razão da matéria para conhecer quer do objeto dos embargos, quer do objeto da execução.



Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


Relatório:
J veio deduzir oposição à execução, por apenso à ação executiva que lhe foi movida pelo Instituto de F…, IP, alegando, em síntese que a citação foi feita por solicitador de execução, pelo que existe um erro de classificação, devendo ser mandado anular todo o processado, absolvendo-se o executado da instância; que também deverá ser absolvido por ilegitimidade passiva, uma vez que é casado em regime de comunhão de bens adquiridos e não foi intentada a execução também contra a sua esposa; e que o exequente atua em manifesto abuso de direito e má-fé, porque executa o que sabe não ter direito a receber.
Alega, ainda, que tinha direito ao prémio à primeira instalação, como jovem agricultor, que lhe foi concedido pela exequente, pelo que não se percebe como é que vinte anos decorridos, a exequente vem interpor a presente execução.
Conclui, pedindo que seja anulado todo o processado da instância executiva, por erro na distribuição, que se declare inválido o título executivo e nada ser devido pelo executado, por não ter existido incumprimento contratual, que se declare extinta a hipoteca voluntária constituída a favor do executado, e se condene o exequente por litigância de má-fé, em multa a favor do executado oponente e se julgue extinta a execução.
*
O Exequente não contestou, limitando-se a pronunciar-se acerca dos documentos juntos aos autos pelo Embargante.
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O tribunal proferiu a decisão de fls. 59 e ss., julgando extinta a execução por falta de título executivo.
O Exequente recorreu da decisão acima mencionada para o Tribunal da Relação de Guimarães e obteve provimento, tendo a segunda instância revogado a decisão de fls. 59 e seguintes.
*
Foi elaborado despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção de ilegitimidade passiva deduzida, bem como a exceção de nulidade da citação.
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Foi proferida sentença que julgou os embargos nos seguintes termos:
Pelo exposto, julgo a presente oposição à execução procedente, por provada, e declaro extinta a execução.
Determino a extinção da hipoteca voluntária a favor do exequente, sobre o prédio rústico denominado…, sito no Lugar de Regueirinho, Messegães, Monção, inscrito na matriz sob o art…. e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº….
Absolvo o exequente do pedido de condenação em multa por litigância de má-fé.
*
Inconformado veio o Embargado recorrer formulando as seguintes Conclusões:
1 - Como se colhe da mesma Sentença recorrida, a Mª Juiz a quo, depois de ter conhecido, apreciado e decidido da exequibilidade do título executivo em que se funda a execução subjacente à Oposição a que respeitam os presentes autos, suscitou a questão de saber se " ... se assiste razão ao exequente em peticionar a quantia exequenda com fundamento na resolução do contrato por justa causa, por incumprimento contratual do executado ou, pelo contrário, se assiste razão ao executado, quando alega não ter existido qualquer incumprimento contratual da sua parte, não existindo, assim, fundamento para a presente execução.";
2 - E, a respeito de tal questão, a Mª Juiz a quo verteu na Sentença recorrida a consideração de que " ... ao contrário do alegado pelo exequente em alegações orais no final da audiência de julgamento, o contrato de atribuição de ajuda pelo IFADAP, ao abrigo do Regulamento (CEE) 797/85 do Conselho e legislação complementar não é um contrato administrativo, mas de Direito Privado. E, nessa medida, ao oponente é permitido deduzir oposição à execução alegando factos que, em processo declarativo, constituiriam matéria de exceção. Assim, não estava obrigado a impugnar administrativamente a decisão de rescisão unilateral do contrato, por parte do IFADAP." com fundamento, exclusivamente, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) constante do Acórdão de 12-10-2000, in C.J. - S.T.J. VIII- III -74,;
3 - Todavia, decorre da jurisprudência constitucional constante do Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) nº 218/2007 que os Contratos de Atribuição de Ajuda celebrados entre ex IFADAP e os respetivos Beneficiários no âmbito da execução dos programas de desenvolvimento do sector primário têm natureza de contratos administrativos, sendo que o ato que determina a rescisão e/ou a modificação unilateral de tais Contratos de Atribuição de Ajuda e a consequente ordem de devolução dos subsídios tidos por indevidamente recebidos pelos respetivos Beneficiários constitui prática de ato administrativo, designadamente na aceção do artº 120º Código do Procedimento Administrativo (CPA/91) ao tempo vigente;
4 - Mas, também, quanto à natureza jurídica do ato de rescisão e/ou modificação unilateral de Contrato de Atribuição de Ajuda celebrados entre o IFADAP e os respetivos Beneficiários, a jurisprudência dos tribunais superiores tem-se revelado uniforme no sentido de o qualificar como ato administrativo
5 - No caso em presença, não parece poder suscitar-se dúvida alguma que, constituindo a decisão constante do ofício do ex IFADAP junto ao Requerimento Executivo sob DOC. 7, através do qual lhe foi comunicado que, por deliberação da Comissão Diretiva do ex IFADAP, tinha sido rescindido unilateralmente o Contrato de Atribuição de Ajuda celebrado com o Recorrido em 08/11/1990 no âmbito do Projeto nº 90.12.6121.4 com a consequente exigibilidade de devolução da quantia de 1.440.015$00, tida por indevidamente recebida a título de Prémio à Primeira Instalação de Jovem Agricultor no âmbito desse Projeto nº 90.12.6121.4, constitui prática de ato administrativo;
6 - Por outro lado, não tendo o Oponente/Recorrido impugnado tal ato administrativo nos termos legalmente prescritos, parece também não se poder suscitar dúvida alguma de que, o mesmo se consolidou na ordem jurídica com força de "caso decidido" ou de "caso resolvido", com a consequente impossibilidade de sindicalização jurisdicional da sua legalidade a partir do termo prescrito para a sua impugnação contenciosa, estando, o Instituto, na prossecução do interesse público, estritamente vinculado à sua execução efetiva;
7 - Por isso, a invocação da natureza administrativa do ato administrativo materialmente exequendo na execução subjacente, apenas teve em vista a salvaguarda, na decisão a ser proferida nos presentes autos, dos efeitos produzidos na esfera jurídica do Instituto por força da consolidação de tal ato administrativo na ordem jurídica - designadamente ter-se constituído na esfera jurídica do Instituto, com carácter definitivo, o direito de crédito exequendo na execução subjacente, nomeadamente por não poder ser jurisdicionalmente sindicada a sua legalidade a partir do termo do prazo prescrito para a sua impugnação contenciosa;
8 - No entanto, afigura que a consideração vertida pela Mª Juiz a quo na Sentença recorrida de que "o contrato de atribuição de ajuda pelo IFADAP, ao abrigo do Regulamento (CEE) 797/85 do Conselho e legislação complementar não é um contrato administrativo, mas de Direito Privado" e que "... nessa medida, ao oponente é permitido deduzir oposição à execução alegando factos que, em processo declarativo, constituiriam matéria de exceção" não estando, assim, "obrigado a impugnar administrativamente a decisão de rescisão unilateral do contrato, por parte do IFADAP." constitui, materialmente, conhecimento e apreciação ex officio da competência do Tribunal a quo em razão da matéria, com decisão contrária à jurisprudência constitucional e administrativa vigente sobre tal questão, e com relevância decisiva na decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis de direito;
9 - Independentemente de o Instituto haver instaurado a execução subjacente em conformidade com a jurisprudência do STJ, o certo é que a decisão da Mª Juiz a quo da Sentença recorrida, de extinção da execução subjacente à Oposição a que respeitam os presentes autos, constitui fator de frustração da prossecução do interesse público, sendo que a decisão de extinção da hipoteca prestada em benefício do Instituto em ordem à salvaguarda da efetiva recuperação das quantias que viesse a ser tidas por indevidamente recebidas pelo Oponente/Recorrido no âmbito do Projeto nº…, constitui, igualmente, fator de frustração da garantia patrimonial prestada no âmbito de tal Projeto, em detrimento, também ela, da prossecução do interesse público;
10 - Inserindo-se o Projeto nº…. num procedimento administrativo em cujo âmbito assume particular e peculiar relevância a comprovação documental dos factos nele processados, a prova deste facto não poderia deixar de, também, e acima de tudo, exigir a comprovação documental da "completa concretização do projeto de investimento", designadamente a comprovação documental da realização das despesas referentes a cada uma das rúbricas nele previstas (isto, claro está, sem prejuízo da confirmação e tal comprovação documental, mediante a realização de administrativos cruzados controlos físicos in loco);
11 - Tendo presente a globalidade da prova produzida nos autos referente à questão da execução/concretização do Projeto nº…, designadamente a prova documental deles constante conjugada com os depoimentos, também todos eles conjugados,
• Oponente/Recorrido (prestado na Audiência de discussão e julgamento de 04/12/2015, e gravado através do sistema integrado na gravação digital, disponível para o efeito na aplicação informática em uso no Tribunal, tendo iniciado às 11 :14 e terminado às 11 :57 horas cfr. ACTA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO, 04/12/2015, de fls. dos autos), e das Testemunhas:
• J Coelho (prestado na Audiência de discussão e julgamento de 04/12/2015, e gravado através do sistema integrado na gravação digital, disponível para o efeito na aplicação informática em uso no Tribunal, tendo iniciado às 11 :57 e terminado às 12:19 horas - dr. ACTA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO, 04/12/2015, de fls. _ dos autos),
• F (prestado na Audiência de discussão e julgamento de 04/12/2015, e gravado através do sistema integrado na gravação digital, disponível para o efeito na aplicação informática em uso no Tribunal, tendo iniciado às 14:53 e terminado às 15:04 horas - dr. ACTA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO, 04/12/2015, de fls. _ dos autos), seria apenas que o Recorrido teria mantido as estufas, pelo menos, até 1993 (data, esta, em que a testemunha teria casado).
• M, no seu depoimento como Testemunha (prestado na Audiência de discussão e julgamento de 04/12/2015, e gravado através do sistema integrado na gravação digital, disponível para o efeito na aplicação informática em uso neste Tribunal, tendo iniciado às 15:11 e terminado às 15:50 horas - dr. ACTA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO, 04/12/2015, de fls. _ dos autos)
• W (prestado na Audiência de discussão e julgamento de 18/12/2015, e gravado através do sistema integrado na gravação digital -H@bílus Media Studio, de 14:51:48 às 16:08:56 horas - dr. ACTA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO de 18/12/2015, de fls. _ dos autos)
• M (prestado na Audiência de discussão e julgamento de 26/01/2016, e gravado através do sistema integrado na gravação digital, disponível para o efeito na aplicação informática em uso no Tribunal, tendo iniciado às 12:17 e terminado às 12:56 horas - ACTA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO de 26/01/2016, de fls. _ dos autos), não se afigura possível poder concluir, como o Tribunal a quo julgou em 16. da Fundamentação da Sentença recorrida, que "O projeto de investimento foi completamente concretizado pelo oponente, mas sem o subsídio do IFADAP", traduzindo, o julgamento de tal Facto 16. da Fundamentação da Sentença recorrida, erro na apreciação da prova.
12 - Nessa medida, afigura-se que a globalidade da prova produzida nos autos impõe que a prova de tal facto apenas possa ser expressa nos seguintes termos:
16. Apesar de nas datas em que os Serviços do ex FADAP realizaram o controlo o Projeto nº… o mesmo se não encontrar executado nos termos previstos, O projeto de investimento viria a ser concretizado pelo oponente sem o subsídio do IFADAP.
13 - Face ao quadro legal constante do DL nº 172-G/86, não é possível poder concluir que, no caso em presença, se o Oponente/Recorrido, no âmbito do Projeto nº…, tivesse declarado que já era dono do terreno, só por isso ele teria direito a receber o prémio "à primeira instalação", no valor de 1.440.015$00, porquanto a lei faz depender a concessão e tal prémio (à primeira instalação e jovem agricultor, da verificação (anterior e posterior) de outros requisitos designadamente, e para o caso que aqui interessará,
• da apresentação de um plano de exploração, conforme formulário a distribuir pelos serviços competentes, no qual [o Interessado] demonstre a viabilidade económica da exploração agrícola, descreva a sua situação atual e indique as transformações a efetuar, quando não apresente um plano de melhoria nos termos deste diploma - cfr. artº 14º/1, d) do DL 172-G/86;
• da manutenção do exercício da atividade agrícola na exploração por um período mínimo de cinco anos- cfr. artº 14º/1 , f) do DL 172-G/86
14 - Todavia, o certo é que, dos depoimentos conjugados das testemunhas
• W (prestado na Audiência de discussão e julgamento de 18/12/2015, e gravado através do sistema integrado na gravação digital -H@bílus Media Studio, de 14:51:48 às 16:08:56 horas - cfr. ACTA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO de 18/12/2015, de fls. _ dos autos)
• M (prestado na Audiência de discussão e julgamento de 26/01/2016, e gravado através do sistema integrado na gravação digital, disponível para o efeito na aplicação informática em uso no Tribunal, tendo iniciado às 12:17 e terminado às 12:56 horas - ACTA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO de 26/01/2016, de fls. _ dos autos), também não poderá resultar provado que "No caso de ter declarado que já era dono do terreno, o executado teria recebido o prémio "à primeira instalação", no valor de 1.440.015$00, uma vez que quando apresentou o projeto de investimento, não se encontrava instalado na agricultura;" quanto mais não fosse por o Tribunal a quo não ter concluído pela verificação dos demais requisitos de que a Lei fazia depender a concessão de tal prémio à primeira instalação de jovem agricultor designadamente,
• da viabilidade económica da exploração agrícola, a que alude a al. d) do nº 1 do artº 14º do DL 172-G/86;
• bem como da manutenção do exercício da atividade agrícola na exploração por um período mínimo de cinco anos, a que alude a aI. f) do nº 1 do artº 14º do DL 172-G/86
15 - Ainda assim, o certo, é que de acordo as conclusões do Relatório de Controlo de Aplicação dos Financiamentos, de 12/08/1991 e do Relatório nº 94/91 (Análise de Incumprimento), de 10/09/1991, ao tempo estariam comprometidas, pelo menos
• quer a viabilidade económica da exploração agrícola respeitante ao Projeto nº 90.12.6121.4, prescrita na al. d) do nº 1 do artº 14º do DL 172-G/86;
• quer a manutenção do exercício da atividade agrícola na exploração pelo período mínimo de cinco anos, prescrita na al. f) do nº 1 do artº 14º do DL 172-G/86 o que, por si só, constituiu fundamento bastante para a rescisão unilateral do Contrato de Atribuição de Ajuda celebrado no âmbito do Projeto nº 90.12.6121.4, com a consequente exigibilidade da devolução das quantias tidas por indevidamente recebidas pelo Oponente/Recorrido, e que, no caso, respeitava apenas à devolução do prémio à primeira instalação e jovem agricultor;
16 - Como tal, afigura-se que, da prova produzida nos autos e dos depoimentos conjugados das Testemunhas W e M, com base nos quais a Mª Juiz a quo fundou a sua convicção relativamente à prova de tal Facto 17., não poderia concluir-se que, "No caso de ter declarado que já era dono do terreno, o executado teria recebido o prémio "à primeira instalação", no valor de 1.440.015$00, uma vez que quando apresentou o projeto de investimento, não se encontrava instalado na agricultura" traduzindo, também, o julgamento de tal Facto 17. da Fundamentação da Sentença recorrida, erro na apreciação da prova;
17 - Nessa medida, afigura-se que a globalidade da prova produzida nos autos impõe que a prova de tal Facto 17. apenas possa ser expressa nos seguintes termos:
17. No caso de ter declarado que já era dono do terreno, o executado teria recebido o prémio "à primeira instalação", no valor de 1.440.015$00, uma vez que quando apresentou o projeto de investimento, não se encontrava instalado na agricultura, desde que, cumulativamente, se verificassem os demais requisitos dos quais a lei faz depender a concessão e o pagamento de tal prémio, designadamente viabilidade económica da exploração agrícola respeitante ao Projeto nº 90.12.6121.4, bem como a manutenção do exercício da atividade agrícola na exploração pelo período mínimo de cinco anos, em conformidade com o disposto, respetivamente, nas ais. d) e f) do nº 1 do artº 14º do DL 172-G/86.
18 - Tendo em vista a decisão a causa segundo as várias soluções plausíveis de direito, afigura-se que, relativamente ao julgamento da matéria de facto a mesma se revela insuficiente para tal efeito, devendo, para tanto, ser considerado provado que:
i) em 11/06/1991, o Oponente/Recorrido dirigiu ao ex IFADAP a carta documentada a fls _ dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos;
ii) em 07/08/1991, os Serviços de Controlo do ex IFADAP efetuaram uma ação de controlo ao Projeto nº 90.12.6121.4, documentada Relatório de Controlo de Aplicação dos Financiamentos, de 12/08/1991, e no Relatório nº 94/91 (Análise de Incumprimento), de 10/09/1991, juntos pelo Instituto ao seu requerimento probatório, e cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos efeitos;
iii) em 20/09/1993, o Oponente/Recorrido foi notificado do ofício do ex IFADAP junto ao Requerimento Executivo sob DOC. 7, através do qual lhe foi comunicado que, por deliberação da Comissão Diretiva do ex IFADAP, tinha sido rescindido unilateralmente o Contrato de Atribuição de Ajuda celebrado com o Recorrido em 08/11/1990 no âmbito do Projeto nº… com a consequente exigibilidade de devolução da quantia de 1.440.015$00, tida por indevidamente recebida a título de Prémio à Primeira Instalação de Jovem Agricultor no âmbito desse Projeto nº…., cujo teor, no mais aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos;
iv) O Oponente/Recorrido, não impugnou, nem administrativamente, nem contenciosamente, a decisão constante do ofício do ex IFADAP junto ao Requerimento Executivo sob DOC. 7;
***
Termos em que, com o douto suprimento, por via da procedência das Conclusões acima extraídas, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a Sentença recorrida e substituída por outra que julgue improcedente a Oposição a que respeitam os presentes autos, assim se fazendo
JUSTIÇA
*
O Embargante apresentou contra-alegações nos seguintes termos
Não assiste qualquer razão ao recorrente por duas ordens de razão:
A-Quanto ao alegado erro de julgamento da matéria de direito
1- Não se verifica qualquer erro de julgamento da matéria de direito.
2- O título dado à execução é uma escritura pública da qual resulta para o que aqui interessa o seguinte:
"Que em caso de incumprimento por eles outorgantes de qualquer obrigação que o contrato visa assegurar ou do desaparecimento que lhe seja imputável de qualquer dos requisitos de concessão e ajuda, eles outorgantes obrigam-se a reembolsar o IFADAP de quanto tenham recebido a titulo de ajuda acrescido de juros ( ... )"
3- Em consequência desta obrigação, o recorrido constituiu, como resulta da escritura que parcialmente transcrevemos, uma hipoteca voluntária sobre o denominado "Campo….".
Ou seja,
4- O título dado à execução é uma escritura pública, da qual resulta para o recorrido a obrigação de devolver ao recorrente IFAP as ajudas, acrescida de juros, que este lhe tenha concedido,
5- Devolução, essa, que se encontra garantida por uma hipoteca voluntária.
6- Dúvidas não restam que o título dado à execução é, e só é, uma escritura pública.
7 - O código do processo civil determina que sendo a execução baseada noutro título que não sentença ou requerimento de injunção, ao qual tenha sido aposta fórmula executória, pode o executado alegar quaisquer factos que pudessem ser alegados em defesa, em processo declarativo.
Ora, salvo melhor opinião,
8- Resulta daqui duas modestas conclusões:
a) Que o executado/recorrido podia alegar em sua defesa, em sede de embargos, todos os factos que poderia alegar em processo declarativo, e foi o que fez.
b) Quer o título fosse o que aqui foi dado à execução (escritura pública); quer o título fosse uma decisão administrativa já transitada (como quer fazer crer o recorrente, pese embora não o seja de facto) - veja se por exemplo a oposição à execução por coimas em processos contraordenacionais quando, nomeadamente, se verifica falta de notificação da decisão administrativa ao arguido/interessado.
Doutra banda, como decorre da escritura dada à execução,
9- O que o recorrido estava obrigado a devolver ao IFAP era unicamente a ajuda por este concedida e só em caso de incumprimento do contrato por parte do primeiro.
10- Revisitado o contrato junto aos autos, de resto bem apreciado pela, aliás mui Douta sentença "in recorrendo", retira-se da sua cláusula segunda o seguinte:
" É concedido ao beneficiário uma ajuda pelos montantes e nas datas a seguir indicadas:
1-12.08.90 -2.500.000$ (dois milhões e quinhentos mil escudos) 2-12.10.90 -2.500.000$ (dois milhões e quinhentos mil escudos) 3-12.12.90- 2.114.630$ (dois milhões cento e catorze mil seiscentos e trinta escudos) “
11- Para além desta ajuda foi concedido um prémio de primeira instalação de 1.440.015$
Donde,
12-É evidente a distinção que o próprio IFADAP fazia entre "ajuda" e "prémio à primeira instalação".
13- Sendo como o são, de facto e de direito, distintos os dois conceitos, a questão que se coloca é a de saber se o "prémio à primeira instalação" atribuído pelo IFAP ao recorrido se integra no conceito de "ajuda" que, de resto, como provado se deu, nunca foi pelo recorrente entregue ao recorrido, apesar de este ter mantido a instalação agrícola, por muitos mais anos que os obrigatórios?! Veja-se factualidade dada como provada.
14-Humildemente pensamos que não, aliás como referido na Douta sentença "in recorrendo" no acórdão referido na alínea J) dos factos dados como provados (ata de discussão e julgamento de 08/02/2016).
15- Ou seja, provado que foi, à saciedade (sem que isso seja posto em causa pelo recorrente) que o recorrido, de facto, se instalou por primeira vez como jovem agricultor.
16- 0utrossim, que as "Ajudas" nunca lhe foram atribuídas pelo aqui recorrente, só se podendo concluir, como se concluiu, que carece de fundamento o título executivo.
Sem prescindir,
17- Ademais, nem se aceita, s.m.o., a alegação de que por se tratar de um contrato administrativo, o recorrido deveria ter impugnado a decisão administrativa de resolução nos prazos que dispunha para o efeito.
18- Desde logo, por um lado porque o título dado à execução não foi um contrato administrativo, mas sim uma escritura pública;
19- Por outro lado, porque se curássemos de execução de uma decisão administrativa, esta correria nos tribunais administrativos, na esteira da jurisprudência do TC citada pelo recorrente;
Ora,
20- A jurisprudência constitucional em que o recorrente agora se ancora, não foi por ele atendida ao propor a ação executiva no tribunal judicial, já que, à luz da mesma, o deveria ter feito na jurisdição administrativa;
21- Em terceiro lugar, porque o título dado à execução nestes autos não é, como no caso daquele Acórdão do TC, uma certidão de dívida emanada por entidade que exerce poderes públicos mas, como já se referiu, uma escritura.
22- Por último, mas não menos importante, porque aqui não curamos da devolução de "ajudas", as quais nunca foram entregues pelo recorrente ao recorrido, mas sim da pretendida devolução do subsídio à primeira instalação, como agricultor, que não têm de ser devolvido.
23- Destarte não parece avistar-se qualquer erro de julgamento em matéria de direito, nos termos formulados pelo recorrente, sendo de manter a, aliás, douta sentença recorrida, quanto a esta matéria.
B- Quanto à impugnação da matéria de facto:
24- Na nossa modesta opinião, a matéria dada como provada nos pontos 16 e 17 não merece qualquer censura, que implique uma modificação de fundo da decisão,
25- Esta espelha de forma sobejamente límpida a prova produzida em sede de audiência de julgamento.
26- A conjugação dos diversos depoimentos, seja das testemunhas dos aqui recorrente e recorrido, bem como das declarações de parte prestadas pelo recorrente em sede de audiência de julgamento, foram devidamente apreciadas pelo tribunal recorrido.
27- Apreciação feita segundo os princípios da livre apreciação da prova, sendo que a sentença" in recorrendo" está devidamente fundamentada e é cristalina no que tange à demonstração do raciocínio lógico do julgador.
28- De resto, decorre da lógica levada à decisão a cabal fundamentação de facto para decisão da causa, à luz das diversas "alternativas" do direito.
29- Salvo o devido respeito, o que o recorrente vem fazer em sede de recurso é, e tão só, "estroncar" da globalidade do depoimento das testemunhas e do raciocínio lógico deste decorrente, em violação do princípio da mediação, determinados trechos, de modo a poder concluir o que lhe convém,
30- Resulta bem claro dos depoimentos de W e M que, quando questionados sobre se o recorrido teria direito ao prémio de primeira instalação, não hesitaram em afirma que sim, obviamente mantendo-se todos os demais elementos que deram origem à aprovação do projeto de investimento, nomeadamente a viabilidade económica e a manutenção da exploração agrícola, pois foi nessa linha de raciocínio que o interrogatório foi efetuado.
31- Não merece, por isso, reparo o facto dado como provado no ponto 17. 32- Já relativamente ao facto dado como provado no ponto 16, por uma questão de justiça material, se concede que o projeto inicial não foi mantido - tal como projetado - sempre se deverá concluir que esse facto ocorreu porque o recorrido nunca recebeu as ajudas do IFADAP.
33- Por esse motivo desenvolveu e manteve o projeto durante o tempo e nos termos levados aos factos provados, exclusivamente recorrendo a fundos próprios ou empréstimos bancários.
34- Em todo o caso, a alteração deste concreto ponto, por si só, a nosso ver e em modesta opinião, não é motivo para que daqui resulte decisão distinta da que doutamente foi adotada pelo tribunal recorrido.
C- Conclusões:
A- Foi o recorrente que intentou a ação executiva no Tribunal Judicial, com base num título executivo extrajudicial - escritura.
B- Nos termos da lei, pode o executado defender-se da execução, mediante embargos, alegando os factos que poderia ter utilizado em processo declarativo.
C- Foi o que o recorrido fez, aliás invocando e demonstrando que, da sua parte, não houve qualquer incumprimento.
D- O incumprimento ocorre por ação de uma decisão unilateral do recorrente.
E- Todavia, esta decisão administrativa não invalida que o recorrido tivesse em sede de jurisdição civil deitado mão dos meios de defesa legalmente estabelecidos.
F- O Acórdão do Tribunal Constitucional invocado pelo recorrente não é aplicável ao caso concreto pois, naqueles autos, estava em causa uma certidão de dívida emanada pelo IFADAP, essa sim a ser executada nos tribunais administrativos por serem in casu, os de "jurisdição comum".
G- Sendo que aqui está em causa uma escritura pública.
H- Nunca o recorrente entregou qualquer quantia a título de ajudas ao recorrido.
I- O que entregou foi um premio à primeira instalação como jovem agricultor porque o recorrido de facto assim se instalou,
J- Obteve formação, fez o projeto de viabilidade e
K- Suportou com dinheiro seu e de mútuos bancários, por mais tempo do que aquele que estava obrigado.
L- E se não cumpriu o projeto na íntegra, no que aos equipamentos projetados diz respeito, esse facto só ocorreu, porque o recorrente nunca financiou o recorrido nos termos acordados.
M- o que só ocorreu pelo exercício de um poder discricionário e péssimo desempenho da função administrativa.
N- Como os Tribunais já o declararam por duas vezes nestes autos, e no Acórdão referido na alínea j) dos factos provados (de resposta à matéria de facto).
Termos em que o recurso deve ser julgado improcedente.
Assim se fazendo inteira justiça!
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Questões a decidir:
- Competência dos Tribunais comuns para apreciar a matéria dos embargos;
- Caso se conclua afirmativamente, verificar se a prova produzida permite extrair as conclusões de facto e de direito expressas na sentença recorrida.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
A matéria considerada provada na 1ª instância é a seguinte:
1. O Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP (IFAP, IP) sucedeu nas atribuições do Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP) e ao Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (INGA);
2. Em 09.04.90, o oponente apresentou ao exequente um projeto de investimento ao abrigo do Regulamento CEE nº 797/85 e legislação complementar;
3. Os objetivos do projeto de investimento a que o exequente atribuiu o nº…, eram a sua instalação como jovem agricultor, aquisição de prédio rústico, construção de quatro estufas, implantação de roseiras, aquisição de motocultivador, alfaias e sistema de rega, tudo no valor de 11.441.780$00 (onze milhões, quatrocentos e quarenta e um mil, setecentos e oitenta escudos);
4. O projeto foi aprovado com direito ao prémio "à primeira instalação" e subsídios aos investimentos, condicionado à constituição de primeira hipoteca sobre o prédio rústico a adquirir, a favor do exequente;
5. O título executivo apresentado pelo exequente é uma escritura de hipoteca voluntária na qual resulta escrito o seguinte: "Que o IFADAP, INSTITUTRO FINANCEIRO DA APOIO AO DESENVOL VIME TO DA AGRICULTURA E PESCAS, com sede em Lisboa (. . .) vai proceder ao pagamento de uma ajuda de OITO MILHÕES QUINHENTOS E CINQUENTA E QUATRO MIL SEISCENTOS E QUARENTA E CINCO ESCUDOS, decorrente da celebração de um contrato de atribuição de ajuda ao abrigo (. . .).
Que no caso de incumprimento por eles outorgantes de qualquer das obrigações que o contrato visa assegurar ou o desaparecimento, que lhes seja imputável, de qualquer requisito de concessão de ajuda, eles outorgantes, obrigam-se a reembolsar o IFADAP de quanto tenham recebido a título de ajuda (. . .).
Que no caso de mora deles outorgantes no reembolso da ajuda, nos termos previstos no contrato referido na cláusula primeira, passará a incidir sobre a importância em divida, juros á taxa de 17% ( ... )".
6. No dia 08.11.1990, exequente e oponente assinaram um documento particular denominado de "contrato de atribuição de ajuda ao abrigo do Regulamento (CEE) 797/85 do Conselho e Legislação Complementar";
7. O prémio "à primeira instalação" no valor de 1.440.015$00 (um milhão, quatrocentos e quarenta mil e quinze escudos), foi pago pelo exequente ao oponente em 28.02.1991;
8. Neste Tribunal correu termos o processo comum coletivo nº 99/98, onde o aqui executado/oponente lá foi arguido e absolvido, por acórdão transitado em julgado;
9. Nesses autos, para além do mais, deu-se como provado:
"a) que o arguido João frequentou cursos de empresário agrícola, horticultura, floricultura e pequenos ruminantes com a intenção de iniciar atividades na agricultura agricultor direto -, atividades, essas, que até então não exercia;
b) em 30/06/1989 esse arguido, ainda a frequentar algum ou alguns daqueles cursos, comprou a Fernando (. . .) um campo de lavradio (. . .) o negócio foi titulado por escritura pública e nessa mesma escritura declarou-se em conformidade com a vontade real do arguido João, que o prédio se destinava à primeira instalação como jovem agricultor do comprador, tendo pago com dinheiro dos seus pais 3.300.000$00;
c) para iniciar a atividade agrícola o João apresentou, em 27.03.90, projeto de investimento ao IFADAP ambicionando obter subsídios: prémio de primeira instalação de jovem agricultor, e subsídios para custearem parcialmente gastos de investimento na exploração agrícola, sendo o investimento projetado de 12.569.000$00.
d) os decisores do IFADAP aprovaram, em 8.11.90 o projeto de investimento decidindo atribuir ao João um prémio de 1º instalação no valor de 1.440.015$00, o qual foi pago em 08/02/91 e um subsídio aos investimentos no valor de 7.114.630$00, em 3 prestações;
e) o João nunca recebeu os 7.114.630$00;
f) daquele montante que o IFADAP se propunha subsidiar, só 630.375$00 correspondia à subvenção para a aquisição do campo;
g) a inspeção do IFADAP constatou, em 07.08.91, que o João já tinha realizado trabalhos nos prédios: uma estufa com 8000 roseiras e tanques de rega em condições de produção e já de comercialização de rosas;
h) só em 20.09.93 o IFADAP comunicou ao João que tinha rescindido o contrato unilateralmente e reclamou a devolução de 1.440.015$00 (subsídio à primeira Instalação de jovem agricultor);
i) a razão para a rescisão residiu na divergência entre a data da verdadeira aquisição do campo e a data constante de documento em que o João declarava prometer comprar;
j) nenhuma outra razão existiu para a rescisão;
k) o João, em 1990 iniciou a exploração agrícola em termos sensivelmente idênticos aos referidos no projeto de investimento que apresentou, exercendo a agricultura nesses moldes durante mais de cinco anos e suprindo a ausência de pagamento do subsídio de 7.114.630$00, com recurso a capitais do seu pai e a capitais que lhe foram emprestados por Bancos.";
10. Lê-se na fundamentação do Acórdão que o recebimento do premio à 1º instalação como agricultor no valor de 1.440.015$00 não consubstanciou um crime de fraude na obtenção de subsídio, uma vez que a tentativa de apropriação ilícita de 1.093.000$00 não desvirtuou a essência do projeto apresentado em 23.07.1990;
Isto porque, se o exequente/oponente não tivesse declarado a parcela de 2.665.000$00, relativa à aquisição do campo, como elegível para a subsidiação, antes revelando que já era dono desse campo desde 30.06.1989, a verdade é que o projeto seria aprovado e o João receberia precisamente o mesmo prémio pela primeira instalação.
O premio da 1ª instalação reporta-se a pressupostos diferentes que condicionam as ajudas ao investimento (. . .) a falsidade praticada não chegou a inquinar a justeza da atribuição do prémio à primeira instalação, sendo certo que o João, com esforço pessoal e risco financeiro de relevo, montou e sustentou a exploração agrícola em termos sensivelmente idênticos aos projetados, exercendo a agricultura a título principal, durante mais de cinco anos, reunindo previamente a qualificação profissional através da frequência de vários cursos e reunindo os demais requisitos;
11. Em 05.02.1991 o exequente solicitou comprovativos em falta ao oponente, entre os quais a certidão de teor com inscrição e hipoteca a favor do exequente e escritura de compra e venda do prédio, a fim de permitir a libertação da parcela do subsídio;
12. O executado enviou ao exequente fotocópia da escritura de compra e venda datada de 30.06.1989;
13. O executado, em 12.01.1990, declarou prometer comprar o prédio relativo à escritura descrita em 12);
14. O exequente rescindiu unilateralmente o contrato descrito em 6), em 20.09.1993;
15. O documento referido em 6) refere-se à atribuição do subsídio que nunca foi entregue ao executado, à exceção do prémio "à primeira instalação";
16. O projeto de investimento foi completamente concretizado pelo oponente, mas sem o subsídio do IFADAP;
17. No caso de ter declarado que já era dono do terreno, o executado teria recebido o prémio "à primeira instalação", no valor de 1.440.015$00, uma vez que quando apresentou o projeto de investimento, não se encontrava instalado na agricultura;
18. Antes da data referida em 2), já em 14.12.1989, o oponente tinha apresentado o mesmo projeto de investimento, ao qual foi atribuído o nº…
19. Em virtude de desconformidades na área do terreno, o projeto referido em 18) foi recusado pelo exequente, tendo o oponente, por carta de fls. 275-verso, solicitado a transferência da documentação entregue nesse projeto, para o projeto referido em 2).
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Da Competência dos Tribunais Comuns em razão da matéria para apreciar os embargos:
Vem o Embargado dizer que a matéria dos embargos não pode ser apreciada neste tribunal, tendo de ser apreciada nos tribunais administrativos já que está em causa um contrato administrativo, assim como se trata de um ato administrativo a rescisão desse contrato com a exigibilidade da quantia que foi entregue ao ora Embargante no âmbito do mesmo, pelo que, não tendo o Embargante impugnado tal ato administrativo não pode agora sindicar a sua legalidade.
A Exmª Juiz a quo escreveu na sentença recorrida que “o contrato de atribuição de ajuda pelo IFADAP, ao abrigo do Regulamento (CEE) 797/85 do Conselho e legislação complementar não é um contrato administrativo, mas de Direito Privado. E, nessa medida, ao oponente é permitido deduzir oposição à execução alegando factos que, em processo declarativo, constituiriam matéria de excepção. Assim, não estava obrigado a impugnar administrativamente a decisão de rescisão unilateral do contrato, por parte do IFADAP." , cita um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 12-10-2000.
Ora, lendo o mencionado Regulamento (CEE) 797/85 de Conselho do mesmo nada resulta no sentido de considerar de natureza pública ou privada as ajudas aí previstas.
É certo que no art. 53º, nº 2 do DL 81/91 de 19/2 se diz que “Para as execuções instauradas pelo organismo pagador das ajudas é sempre competente o foro cível da comarca de Lisboa.”, atribuindo competência aos tribunais civis para as execuções instauradas pelo organismo pagador das ajudas estabelecidas em tal diploma, no entanto, posteriormente à publicação do Acórdão do STJ supra referido, foi publicado Acórdão pelo Tribunal Constitucional - acórdão 218/2007 - que julgou “organicamente inconstitucional, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea q), da Constituição da República Portuguesa, na versão decorrente da revisão de 1989, a norma constante do artigo 53.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 81/91, de 19 de Fevereiro, que determina a competência dos tribunais civis (“o foro cível da comarca de Lisboa”) para as execuções instauradas pelo Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agri­cultura e Pescas (IFADAP), organismo pagador das ajudas previstas nesse diploma, em vir­tude do não cumprimento pelos particulares dos respetivos contratos de atribuição”.
Este Acórdão entendeu ter natureza administrativa a relação jurídica estabelecida entre os particulares e aquele Instituto resultante de contratos de ajuda financeira celebrados entre os particulares e aquele Instituto.
Na verdade, tendo as ajudas em causa a prossecução de interesse público (veja-se a exposição de motivos do acima mencionado Regulamento e do DL 81/91) em que para a sua concessão se exige que o particular preencha as condições exigidas pela Administração para a realização desse interesse público, é de entender que o contrato celebrado tem a natureza de contrato administrativo.
Assume também natureza administrativa o ato unilateral de rescisão e determinação de devolução de ajudas concedidas no âmbito dos mencionados contratos por configurar o exercício de um poder sancionatório e autoritário de pagamento de determinada quantia, que tem origem na sua natureza jurídica pública (Ac. do STA de 26/08/09, ambos in www.dgsi.pt).
Por outro lado, são competentes os Tribunais Tributários para as execuções de dívidas que devam ser pagas por força de ato administrativo (art. 148º, nº 2 – a) do Código de Procedimento e Processo Tributário aplicável por via do art 155º do Código de Procedimento Administrativo vigente à data da interposição da execução e a que atualmente corresponde o art. 179º, nº 2 do novo CPA – DL 4/2015 de 7/1).
Deste modo, tem o Recorrente razão ao dizer que os tribunais comuns não têm competência em razão da matéria para apreciar a matéria alegada nos embargos mas para além de não possuem tal competência, também não possuem competência material para cobrar uma dívida emergente de um ato administrativo, como decorre das normas acima mencionadas.
Na verdade, é incongruente a posição do Recorrente que invoca a incompetência absoluta dos tribunais comuns para apreciarem a matéria dos embargos por estar em causa um ato administrativo, mas os considera competentes para os termos da execução, sendo certo que na base dessa execução está o mesmíssimo ato.
Com efeito, na execução a que os presentes embargos se encontram apensos, o título executivo é uma hipoteca constituída no âmbito de um contrato administrativo de concessão de subsídio pelo IFADAP e a rescisão unilateral desse contrato por alegado incumprimento do mesmo pelo beneficiário desse subsídio, como resulta claramente da petição executiva e dos documentos a ela juntos.
Assim, os Tribunais comuns são incompetentes em razão da matéria não só para os termos dos embargos mas também para os termos da execução.
Tal incompetência é de conhecimento oficioso (arts. 96º - a) e 97º nº 1, ambos do C. P. Civil).
Deste modo, declaro a incompetência absoluta em razão da matéria dos tribunais comuns para os termos dos embargos e também da execução, absolvendo o Embargado da instância de embargos e o Executado da instância executiva, com a consequente extinção quer dos embargos, quer da execução (art. 99º, nº 1 do C. P. Civil).
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DECISÃO:
Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar os tribunais comuns absolutamente incompetentes para os termos dos embargos e para os da execução, absolvendo o Embargado da instância de embargos e o Executado da instância executiva, com a consequente extinção quer dos embargos, quer da execução.
Custas pelo Recorrente (que deu causa à execução e aos embargos).

Guimarães, 12 janeiro de 2017

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(Alexandra Rolim Mendes)

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(Maria de Purificação Carvalho)

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(Maria dos Anjos Melo Nogueira)