Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1184/22.2T8BRG-A.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REGIME PROVISÓRIO
NULIDADE PROCESSUAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O artigo 38.º do RGPTC prevê expressamente a tramitação aplicável quando os pais se encontrem presentes na conferência de pais designada ao abrigo do disposto no artigo 35.º do RGPTC, como sucedeu no caso em apreciação, pelo que, não havendo acordo que seja homologado, a definição do regime provisório sobre o exercício das responsabilidades parentais não depende do prévio julgamento de conveniência, antes se impondo que o juiz decida provisoriamente sobre o pedido, em função dos elementos já obtidos até esse momento.
II - Não incorre em falta de fundamentação o despacho proferido na conferência de pais designada ao abrigo do disposto no artigo 35.º do RGPTC que enunciou de forma expressa, ainda que sucinta, os motivos que determinaram o regime provisório ali fixado, bem como a necessidade de realização das diligências determinadas pelo Tribunal a quo junto da competente Comissão de Proteção de Crianças e Jovens.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

L. S. instaurou providência tutelar cível no Juízo de Família e Menores de Braga - Juiz 1 - contra J. L., requerendo a regulação das responsabilidades parentais relativamente à filha menor de ambos, F. A., nascida a ..-02-2019, alegando, no essencial, que requerente e requerido colocaram termo à união de facto que existiu entre ambos durante cerca de 4 anos, residindo a requerente atualmente em Braga e o requerido em Matosinhos, o que torna necessária tal regulação.
Foi agendada data para a conferência de pais a que alude o artigo 35.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro (RGPTC), na qual ambos compareceram, acompanhados pelos seus Ilustres mandatários, e foram ouvidos pelo Mmo. Juiz, tudo nos termos que constam da ata de 21-03-2022 (ref. ª citius 178314319) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo então sido proferido o seguinte despacho:
«Considerando as declarações da progenitora que, ainda que titubeantemente, admita que o comportamento do pai, consubstanciado no alegado fazer filmes pornográficos para onde ia levar a filha de ambos porá em casa a integridade psico emocional da referida criança, impõe-se apurar se tal se verifica e em caso afirmativo, em que medida, pelo que decide fixar o seguinte regime provisório do exercício das responsabilidades parentais, relativo à criança, F. A., nascida em a -/02/2019, nos seguintes termos e conforme o já acordado pelos progenitores:

I- RESPONSABILIDADES PARENTAIS.

1) Residência da Criança e Atos da Vida Corrente:
A criança fica a residir com a mãe;
As responsabilidades parentais relativas aos atos de vida corrente da criança, serão exercidas pelo progenitor com quem ela se encontra, no momento;
2) Questões de Particular Importância:
As questões de particular importância para a vida da criança, nomeadamente, no que respeita à saúde e educação, serão exercidas em comum por ambos os progenitores;

II - DIREITO DE VISITAS E CONVIVIOS:

O progenitor vai buscar a filha a casa da mãe às 10:00 horas de sábado e entrega-a às 18:00 horas de domingo, devendo estar com a filha em Braga, na casa dos avós paternos, não podendo ausentar-se para o Porto com a filha;

III- ALIMENTOS/DESPESAS:

1) A título de alimentos devida filha, o pai pagará mensalmente à mãe a quantia de 185,00€ (cento e oitenta e cinco euros), até ao dia 08 de cada mês, por transferência bancária para a conta cujo IBAN já tem conhecimento;
2) A atualização automática dos montantes das prestações para alimentos à criança, anteriormente previstos, será realizada anualmente, com início em janeiro de 2023, em 3%;
3) O progenitor pagará ainda metade das despesas médicas e medicamentosas extraordinárias e escolares de início de ano letivo.
Notifique.
*
Solicite de imediato à CPCJ de Braga que averigue a situação indicada.
Notifique.
(…)»

Deste despacho, que fixou provisoriamente o regime de regulação das responsabilidades parentais, veio o requerido veio interpor recurso, pugnando no sentido de ser revogada a decisão recorrida. Terminou as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I - Na sequência observada na conferência de progenitores, a mesma mudou abruptamente de rumo na sequência de umas imputações da progenitora, que determinaram a promoção do MP e o consequente despacho, ora recorrido.
II - Tudo isto sem audição do progenitor - mesmo após este ter solicitado ao Tribunal que lhe fosse tomada a palavra sobre o assunto vertente, o que o Tribunal a quo negou porquanto já se iria tomar a decisão provisória que veio a ser proferida.
III - Isto em desrespeito do dever de audição do progenitor, imposto pelo artigo 28º, nº 4, do RGPTC e 3º, nº 3, do CPC, ex vi do disposto no nº 1 do artigo 33º do RGPTC.
IV - Ao não ter ouvido o pai, para mais fundando-se apenas em declarações da progenitora que o Tribunal a quo classificou de «titubeantes», para mais ainda considerando que se determinou a averiguação da CPCJ baseada apenas em tais declarações da mãe, o despacho recorrido padece da nulidade prevista na I parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, ex vi do preceituado no nº 3 do artigo 613º do CPC e no nº 1 do artigo 33º do RGPTC, vício que expressamente se alega e invoca para todos os efeitos legais.
V - Quanto ao mérito da decisão, desta não constam os fundamentos que determinam a necessidade de decisão provisória, de inibição parcial dos contactos do pai com a menor e de averiguação pela CPCJ.
VI - Não foi invocado, nem pela progenitora, nem pelo Tribunal a quo, um único perigo ou malefício que pudesse decorrer, para a menor, da manutenção da situação anterior à decisão recorrida.
VII - Além do mais, quando a avaliação que o Tribunal a quo faz da situação vertida pela progenitora é a de que “é legal! Pronto. Não há juízos de valor, não há juízos de moralidade, é legal. Se isso acontece, quer dizer, por si só não será impeditivo de nada”, fica por explicar a suficiência de “Se a senhora [mãe] entende que isso interfere com o exercício das responsabilidades parentais, com as competências parentais do pai da sua filha, então vamos parar tudo, vamos averiguar até que ponto é que isto realmente é ou não impediente”.
VIII - Não demonstra o Tribunal a quo qual a razão de salvaguarda da menor que justifica a inibição parcial das responsabilidades parentais ao progenitor.
IX - Não se pode aceitar que a progenitora «entende» e o Tribunal “para logo tudo”, menos ainda sem se concretizar - e sobretudo sem ser por apelo a indícios «titubeantes» qual a «situação» que precisa de ser averiguada e qual a necessidade de salvaguarda à menor até apuramento da CPCJ.
X - Ficando, assim, por demonstrar qual a convicção do Tribunal a quo quanto às necessidades de se proferir uma decisão provisória, frustrando-se o dever de fundamentação não se invocando nem (menos ainda) demonstrando o mal à menor a que se pretende obviar, quer com a inibição parcial, quer com a averiguação ao progenitor.
XI - Resta apenas ao Recorrente propugnar que um «achismo» da progenitora, para mais classificado pelo Tribunal a quo como «titubeante» (ou seja, que não mereceu muito crédito ao Tribunal) não pode ser adequado e suficiente para presidir ao despacho revidendo, impondo-se a revogação do mesmo.
Assim Vas Exas decidindo, farão boa e sã Justiça».
O Ministério Público apresentou contra-alegações, pronunciando-se no sentido da manutenção do decidido.
O recurso veio a ser admitido como apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

Tribunal a quo proferiu o despacho previsto nos artigos 617.º, n.ºs 1 e 2, e 641.º, n.º 1, do CPC, nos seguintes termos:
«Da, alegada, nulidade.
Tanto quanto se infere, o progenitor alega a nulidade por não ter sido ouvido quanto à questão - cfr. art.º 3.º, n.º 3 do C.P.Civil.
Com o devido respeito, o progenitor não só estava presente na diligência, como - pelo menos - através do seu mandatário pronunciou-se “…sobre a regulação das responsabilidades parentais e sobre o regime de visitas sugerido pelo MP tendo, inclusivamente, dito que concordava com a posição do M.P. e que a ser assim (como a mãe pugnava) nem de tarde nem uma hora a sua filha poderia estar consigo.” - cfr. resposta ao recurso apresentada pela Digna Curadora de Menores.
Ademais trata-se de uma questão que o progenitor nem questiona, como resulta do relatório da CPCJ junto aos autos a 21.6.2022, tendo confirmado perante esta entidade o suscitado pela progenitora.
Quer-nos parecer, assim, que não se verificará qualquer nulidade por violação do contraditório - cfr. art.º 617.º, n.º 1 do C.P.Civil».
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.
Por decisão sumária de 15-07-2022, proferida pelo ora relator, foi julgada improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida, com custas a cargo do apelante.
Notificado de tal decisão, veio o apelante requerer que sobre a matéria da decisão sumária recaia acórdão, aduzindo para o efeito os seguintes fundamentos (que se transcrevem):
«I

Com o devido respeito, a decisão reclamada soçobra logo na destrinça das questões decidendas.

Com efeito, consignou-se em tal elenco:
A) Nulidade da decisão por verificação do vício previsto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC;
B) Se na decisão recorrida não foram indicados os fundamentos que determinam a necessidade da decisão provisória proferida relativamente aos contactos do pai com a criança e de averiguação da situação pela CPCJ, e respetivas consequências.

Desde logo se tem de suscitar ter-se olvidado o Venerando Relator de uma outra questão adequadamente arguida e que não foi nem resumida nem apreciada: a inidoneidade e a insuficiência de uma mera insinuação de prejuízo por banda da Progenitora para, com isso, se sacrificar o Progenitor, inibindo-o por tempo indefinido de exercer a parentalidade com a normalidade devida.

Com efeito, além das alegações de recurso, a questão preterida consta claramente das conclusões de recurso IX e XI:
IX - NÃO SE PODE ACEITAR QUE A PROGENITORA «ENTENDE» E O TRIBUNAL “PÁRA LOGO TUDO”, MENOS AINDA SEM SE CONCRETIZAR – E SOBRETUDO SEM SER POR APELO A INDÍCIOS «TITUBEANTES» QUAL A «SITUAÇÃO» QUE PRECISA DE SER AVERIGUADA E QUAL A NECESSIDADE DE SALVAGUARDA À MENOR ATÉ APURAMENTO DA CPCJ.
XI - RESTA APENAS AO RECORRENTE PROPUGNAR QUE UM «ACHISMO» DA PROGENITORA, PARA MAIS CLASSIFICADO PELO TRIBUNAL A QUO COMO «TITUBEANTE» (OU SEJA, QUE NÃO MERECEU MUITO CRÉDITO AO TRIBUNAL) NÃO PODE SER ADEQUADO E SUFICIENTE PARA PRESIDIR AO DESPACHO REVIDENDO, IMPONDO-SE A REVOGAÇÃO DO MESMO.

Aceitar tais termos da decisão da 1ª instância patrocinaria que agora qualquer Progenitor, pretendendo prejudicar o outro, chegasse a uma conferência e lançasse qualquer imputação sobre o outro, reputando-a como grave e impediente da parentalidade, e com isso logo o Tribunal “pára logo tudo” sem sequer averiguar - o que lhe incumbe por força da jurisdição voluntária que vigora sobre o processo - e fica preventivamente o outro progenitor coarctado durante meses.

Disso não se lembrou o Venerando Relator, que soube dizer por três (3) vezes que o processo em mérito é de “jurisdição voluntária (artigo 12.º do RGPTC), nos quais o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, só sendo admitidas as provas que o juiz considere necessárias (artigo 986.º do CPC), de forma a adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, sem sujeição a critérios de legalidade estrita (artigo 987.º do CPC)”.

Três vezes e nenhuma foi para lobrigar que o Mmo. Juiz a quo tinha como averiguar da plausibilidade do alegado receio da progenitora antes “parar logo tudo” e de determinar a remessa para processo de promoção e protecção.

Nenhuma foi para pensar na F. A..

Foram apenas para proteger a decisão recorrida.
10º
O Direito e a Justiça obviamente não consentem que tamanhas atrocidades se cometam com uma mera opinião de desagrado de uma das partes.
11º
Para mais, quando o clamoroso descaramento da oportunidade dessa menção denuncia o seu vil propósito de apenas obter vantagem processual sobre o Progenitor e reduzir-lhe o exercício da parentalidade da F. A..
12º
Pois que, tivesse o Progenitor aceitado a intenção da Progenitora de os fins-de-semana com o pai consistirem apenas em 1 pernoita, nada esta teria dito.
13º
Como o Progenitor não concordou e propugnou fins-de-semana com 2 pernoitas, então a Progenitora “saca” do trunfo com que o prejudica e com que implicitamente tinha ameaçado o Progenitor (é ouvir os silêncios desde os 31m25s da gravação da diligência) – isso sim é pornográfico!
14º
Aliás, a Digna Magistrada do MP, em plena diligência, diz à Progenitora “Na sua perspectiva, a senhora só não queria permitir a sexta, mas ao sábado já podia ir, às 10h da manhã, veja a contradição que há aqui”.
15º
Recorde-se que, na conferência na 1ª instância, o que o Tribunal a quo disse (e consta da gravação):
Minha senhora, isto não pode ser assim [mas foi!]. A senhora diz assim "eu tive conhecimento de que ele fez uns vídeos pornográficos", quer dizer... para além daquilo que toda a gente está a pensar, ninguém diz mas o tribunal tem de o dizer: entre 2 adultos, com o consentimento, isso é perfeitamente... deixe-me escolher a palavra certa, até porque estamos a ser gravados: é legal! Pronto. Não há juízos de valor, não há juízos de moralidade, é legal. Se isso acontece, quer dizer, por si só não será impeditivo de nada. Se a senhora entende que isso interfere com o exercício das responsabilidades parentais - A Progenitora nunca o disse. O que disse foi “Eu não acho que o pai esteja a cometer nenhum crime com a filha, eu simplesmente me preocupo com os valores que a menina...”, sem nunca referir em que medida os valores da F. A. são afectados pela insinuação que a própria fez. Não precisou. O resultado de alavancagem processual em detrimento da livre parentalidade do Progenitor fora alcançado por ansiosa iniciativa do Tribunal a quo -, com as competências parentais do pai da sua filha, então vamos parar tudo, vamos averiguar até que ponto é que isto realmente é ou não impediente. E, neste momento, acabou, o despacho vai ser que ficam sem contactos, a menina não vê o pai até ser apurada a situação.
16º
E só não foi esse o despacho porque o MP encontrou uma forma airosa de não ser tão prejudicial à F. A. e ao Progenitor – e porque lá calhou de o Progenitor ter a solução logística dos seus pais, senão, ficavam F. A. e Pai sem contactos… e já lá vão 6 meses.
17º
Mas a convicção do Tribunal a quo foi a que se transcreveu e que foi cristalina: Se a senhora entende [não é “se o Tribunal entende”, não, basta o entendimento conveniente da Progenitora!] que isso interfere com o exercício das responsabilidades parentais, com as competências parentais do pai da sua filha, então vamos parar tudo.
18º
Confirmar tal entendimento da 1ª instância é patrocinar e legitimar que agora o Progenitor lance qualquer infâmia sobre a Progenitora (e bastam para tanto “declarações titubeantes”) de algo que esta faça que lhe desagrade (arranja-se…) com o argumento de ser prejudicial à F. A., e o Tribunal para tudo e fica a Mãe pelo menos uns 6 meses severamente restringida na parentalidade e fica o harmonioso e normal crescimento da F. A. com ambos os Pais severamente cortada quanto a um deles.
19º
A jurisdição voluntária onera o Tribunal com um poder-dever de se socorrer de todos os meios para defender as crianças e a sua interacção com os pais, não é um manto obscuro de discricionariedade ao abrigo do qual qualquer achismo ou convicção fortuita está avalizado.
II
20º
Ainda quanto ao relatório da decisão ora reclamada, a questão B) foi corporizada na decisão singular como uma aparente arguição de nulidade por falta de fundamentação, o que não foi o caso, pois que o Recorrente conhece o habitual (e que o Recorrente reprova) entendimento de que “só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de facto ou de direito, gera a nulidade prevista na al. b), do n.º 1 do citado artigo 615º do CPC”.
21º
Para mais, era só ler com atenção e fio-de-prumo as alegações recursivas para nelas se encontrar a franqueza do Recorrente:
Perante tudo isto, não se pode falar em verdadeira falta de fundamentação (o que foi afastado pelo “Considerando as declarações da progenitora que, ainda que titubeantemente, admita que o comportamento do pai (...) porá em casa a integridade psico-emocional da referida criança”), ela inexiste no sentido de motivação, no sentido de exteriorização do processo cognitivo que subjaz à decisão.
22º
O Recorrente bem disse que “não se pode falar em verdadeira falta de fundamentação” - e por isso, e não por tontice, não arguiu qualquer nulidade a esse respeito -, mas o Venerando Relator ignorou tal seriedade alegatória para se debruçar sobre a nulidade cominada pela alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC para, assim, também nessa parte destruir a apelação.
23º
Aliás, tal foi a ficção sobre nulidades que o despacho reclamado até refere que, “Nos termos e pelos fundamentos expostos, cumpre concluir que a decisão recorrida não padece da invocada nulidade de excesso de pronúncia, o que leva necessariamente a que improceda, nesta parte, a apelação”, quando o Recorrente não arguiu qualquer excesso de pronúncia!
24º
Ora, como disse o Recorrente, os fundamentos da decisão recorrida estavam lá (embora falte o fundamento-mor, aquele que ao Tribunal a quo impôs a necessidade da medida que determinou), o Recorrente impetrou-as foi de insuficiência (como se vê até da epígrafe constante de fls. 6 do recurso).
25º
Essa insuficiência está devidamente destrinçada e classificada, e de forma escorreita, nas alegações de recurso e, mormente, nas conclusões:
VI – NÃO FOI INVOCADO, NEM PELA PROGENITORA, NEM PELO TRIBUNAL A QUO, UM ÚNICO PERIGO OU MALEFÍCIO QUE PUDESSE DECORRER, PARA A MENOR, DA MANUTENÇÃO DA SITUAÇÃO ANTERIOR À DECISÃO RECORRIDA.
26º
Portanto, não foi uma nulidade por falta de fundamentação que se impetrou; foi que, da fundamentação aduzida, não consta o esclarecimento daquilo que o Tribunal teme ser prejudicial à F. A. e que, por conseguinte, lhe determina a necessidade da decisão provisória que proferiu.
27º
E não se venha (três vezes) dispensar tal fundamentação com a desculpa de ser um processo de jurisdição voluntária, pois que esse não é um processo de “vale tudo o que o Juiz quiser”.
28º
Aliás, como ensina o Ac.TRL no processo nº 5720/04.8TBCSC-8, in dgsi.pt, sobre a jurisdição voluntária, “O inquisitório neste tipo de processos significa que o juiz pode ir além das partes e a equidade refere-se à decisão substantiva, podendo o juiz aqui optar fundamentadamente por uma solução que não respeitando o rigor do direito substantivo satisfaça mais cabalmente os interesses em jogo” [sublinhado nosso].
29º
Ou seja, para se afastar do rigor legal, é necessário que o Tribunal fundamente a necessidade de tal afastamento.
30º
E não o contrário, como se entendeu no despacho ora reclamado, de que “Justifica-se, assim, que não seja exigível aqui uma fundamentação exaustiva”.
31º
A convicção do Tribunal tem sempre um fundamento: então, há que o traduzir com o maior rigor e transparência possível, de modo a não deixar dúvidas ou, então, de forma a permitir que a parte afectada se defenda.
«A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico e racional que lhe subjaz, pela via de recurso» – Marques Ferreira, Meios de Prova, in Jornadas de Direito Processual Penal O Novo Código de Processo Penal, págs. 228 e ss.
32º
Temos presentes e temos de trazer novamente à colação os ensinamentos de Alcindo Ferreira dos Reis e os do nosso Supremo Tribunal, citados no recurso, que foram ostensivamente desprezados no despacho ora reclamado.
33º
In casu, o Recorrente nada sabe sobre o pretenso perigo; o Tribunal a quo não efectuou qualquer demonstração (afora a menção às “declarações titubeantes” da Progenitora) do raciocínio cognitivo que presidiu à decisão recorrida e que levou a que o Tribunal, idoneamente, vislumbrasse perigo para a F. A. - e qual.
34º
E a Veneranda Relação também não, porque não lhe é dado pelo Tribunal a quo, nem surge no despacho reclamado.
35º
Apenas se invocaram palavras malditas e pára tudo, sem nunca se dizer ao Recorrente (ou a quem quer que fosse) a razão do mal.
36º
Diz-se, no despacho ora reclamado, que há “uma situação de eventual perigo para a criança (permanecer numa habitação com o progenitor onde são efetuados filmes pornográficos)” – circunstancialismo sobre o qual o Mmo. Juiz a quo até disse “é legal! Pronto. Não há juízos de valor, não há juízos de moralidade, é legal. Se isso acontece, quer dizer, por si só não será impeditivo de nada” –, mas, afora um qualquer preconceito moral que se tem de adivinhar (que também não é oferecido ao Recorrente), em momento algum se descreve nem demonstra qual o perigo concreto daí resultante e que importa obviar.
37º
Tal como a Josef K., o Recorrente é sujeito à tortuosa e duradoura decisão recorrida sem nunca lhe ser dito qual é o seu «crime».
III
38º
Também o Recorrente exclamou por não ter sido auscultado quanto à maledicência da Progenitora em plena conferência de pais, que espoletou a decisão recorrida – v.g., conclusões II, III e IV –, o que, aliás, constitui nulidade típica, e legalmente fundamentada pelo Recorrente, e não uma nulidade atípica como andou o despacho reclamado a apreciar.
39º
A tanto, quer o Tribunal a quo no despacho de sustentação, quer o MP junto da 1ª instância, quer agora o despacho reclamado louvam-se na audição do Progenitor quanto à composição da decisão provisória.
40º
Mostra-se conveniente fazer essa menção, de facto, mas é ostensivamente errónea.
41º
Se tivessem perguntado a Josef K. como queria ser executado, se por enforcamento ou se pela guilhotina, continuaria o desgraçado sem saber por que crime era acusado e condenado; diriam os Venerandos Desembargadores que foi ele informado e consultado sobre o objecto do crime e da acusação?
42º
A questão suscitada sempre foi, outrossim, a de o Progenitor não ter sido ouvido quanto aos motivos fundantes da decisão provisória e que a espoletaram – e ela, questão, é obviamente susceptível de influir no exame e decisão da questão da restrição dos convívios, como influiu e motivou.
43º
Só se ouviu a Progenitora, que lançou a infâmia e o Tribunal a quopara logo tudo”.
44º
Nem sequer para validação ou para refutação das imputações da Progenitora se ouviu o Progenitor.
45º
E essa gravíssima ablação da intervenção do Recorrente está, até, bem explícita na gravação da audiência e textualmente transcrita nas alegações recursivas:
Aos 37m43s da diligência, bem se ouve o progenitor, ora Recorrente, a pedir:
Posso ser escutado sobre este assunto?”
Para levar resposta pronta do Mmo. Juiz a quoNão, não, não vale a pena porque isto não vai ser resolvido aqui. A partir do momento em que a mãe coloca as questões neste patamar...”.
46º
A partir do momento em que a mãe coloca as questões neste patamar”! É a Progenitora quem tem o poder de criar o patamar com o qual o pio do Progenitor fica precludido, pois que “Não, não, não vale a pena” o Progenitor falar!
47º
Portanto, o Tribunal a quo achou muito bem que a Progenitora “coloque as questões neste patamar” e o Progenitor nada pode dizer ou fazer quanto a tal «patamar».
48º
Em português escorreito:
– Posso falar?
– Não, não.
49º
Como pode alguém dizer que o Progenitor se pôde pronunciar, quando a palavra lhe foi negada?
50º
Quando a Progenitora disse tudo quanto quis (e tudo lhe foi perguntado) em relação ao alegado receio mas ao Progenitor nada se perguntou nem lhe foi autorizada a palavra?
51º
Como pode o Tribunal a quo ter dito, peremptoriamente, que o Progenitor não podia falar sobre a suspeição lançada pela Progenitora e quenquer que seja dizer que o Recorrente foi ouvido?
52º
Mostre-se onde é que “o Tribunal a quo procedeu à audição de ambos os progenitores e auscultou as respetivas razões”.
53º
Diga-se onde é que “o Mmo. Juiz a quo teve sempre a preocupação de auscultar a posição dos progenitores da F. A. sobre as questões essenciais relativas à regulação do exercício das responsabilidades parentais, a fim de elucidarem o tribunal sobre os elementos relevantes para a sua definição”.
54º
Diga-se, com lisura, onde é que o Progenitor foi auscultado e vertida a sua posição sobre a infame questão dos vídeos.
55º
Ao invés de uma afirmação genérica, vaga e conclusiva, demonstre-se concretamente onde é que foi exercido o contraditório sobre a questão suscitada.
56º
Como ensina o Ac.TRL proferido no processo nº 3649/10.0TBBRR.L1-7, “I – O atendimento dos princípios de audição e contraditório, na sua efectiva concretização, não se consubstancia em mero formalismo, antes se traduz numa actividade tida por essencial para aferir da adequação da medida ao caso concreto, na consideração do superior interesse da criança, nomeadamente levando em linha de conta as diligências probatórias que possam ser solicitadas pelos pais, na medida em que se mostrem relevantes [sublinhado nosso].
57º
No Ac.TC nº 193/2016, de 4/4/2016, processo nº 919/15, cita-se, a propósito do caso Assunção Chaves c. Portugal, que “o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não deixou de reconhecer que «um processo de promoção e protecção de uma criança em risco é um processo complexo não apenas em razão das questões jurídicas que é chamado a dirimir, mas também pelas consequências extremamente graves e delicadas que dele decorrem tanto para a criança como para os pais» (§ 82)” [sublinhado nosso].
58º
E recorda aquele TEDH:
108. O Tribunal relembra que, se o artigo 8º não consagra expressamente regras processuais, o processo decisório que decrete medidas de ingerência deve ser equitativo e adequado a fazer respeitar os interesses protegidos por esta disposição.
Cabe, assim, determinar, em função das circunstâncias de cada caso e, especialmente, em função da gravidade das medidas a adoptar, se os pais puderam desempenhar no processo decisório, considerado no seu conjunto, um papel suficientemente relevante que lhes garante a protecção que os seus interesses exigiam.
Caso contrário, terá havido violação do direito ao respeito da sua vida familiar e a ingerência que decorre da decisão não pode ser tida como necessária no sentido do artigo 8º (W. c. Reino Unido, 8 de Julho de 1987, § 64, Série A, n.º 121)” [sublinhado nosso].
59º
Tente-se sentir – aliás, pensar só – no que sentirá um sujeito processual a quem, na matéria mais sagrada para um pai, é negado o mais elementar e essencial direito de defesa, feito bola de trapos, até ao ponto de ter de engolir diversas intrusões indignas, contra si e em deliberado favor da ali requerente.
60º
A preocupação em afastar do menor o perigo não pode ser cega ao ponto de não ver, nem ouvir, aquilo que os mais interessados têm para mostrar e dizer. É alarmante o circunstancialismo da decisão descrita. Trata-se de uma decisão ilegal, violadora de vários preceitos e que chega a pôr em causa a dignidade da pessoa humana e a manutenção do vínculo, e da relação, familiar.
Cfr. excerto da autoria da Dra. Inês Carvalho Sá, publicado em acesso livre na página https://carlospintodeabreu.com/public/files/CPA_Acesso_de_advogados_a_processos_na_CPCJ.pdf
61º
É de facto manifestamente ilegal ter-se coarctado severamente o Progenitor (um pai que sempre só deu felicidade à F. A. não pode ausentarse com a filha da casa dos avós paternos! – e inicialmente a ideia do Tribunal a quo até era de cortar todos os contactos) sem sequer o ter consultado sobre a impetração que acabara de lhe ser feita e que, não se pode perder de vista, foi a motivação única do despacho recorrido.
62º
E a Justiça não pode consentir outra interpretação.
IV
63º
O despacho ora reclamado (que não o tinha feito a decisão recorrida) louva-se bastamente no cariz de jurisdição voluntária do presente processo para desculpar e sanar os erros de julgamento e a preterição de formalidades essenciais a uma decisão justa.
64º
O que, naturalmente, não é o escopo da jurisdição voluntária, já que, nesses processos, a necessidade dos desvios à lei tem de ser fundamentada e o mais largo âmbito de acção do julgador apenas pode ser norteado pelo desígnio de uma decisão mais justa, e não de uma decisão mais obscura ou materialmente insuficiente.
65º
Destarte, a interpretação e aplicação que o despacho reclamado faz dos princípios da jurisdição voluntária são violadores da Lei Fundamental.
66º
Assim, tem de se arguir a inconstitucionalidade do artigo 12º do RGPTC por violação do princípio do Estado de Direito, ínsito no artigo 2º da CRP, quando interpretado como concedendo ao julgador a faculdade de preterir o exercício do contraditório sobre a questão aprecianda fundante, e sem justificação demonstrada da necessidade de tal preterição.
67º
Tem ainda de se arguir a inconstitucionalidade do artigo 12º do RGPTC por violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no artigo 205º da CRP, quando interpretado no sentido de ser dispensada da fundamentação da decisão a explicação e a demonstração da motivação da decisão e da necessidade da decisão proferida.
V
68º
Ao Recorrente foi concedido o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxas de justiça e demais encargos com o processo, conforme resulta do teor da decisão cuja junção ora se requer.(…)»
Corridos os vistos, cumpre decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do apelante - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º, n.º 1, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, cumpre proceder à reapreciação do despacho de 21-03-2022 na parte em que decidiu a fixação de um regime provisório relativo ao exercício das responsabilidades parentais referente à criança F. A., nascida a ..-02-2019, importando analisar as seguintes questões:
A) Nulidade da decisão por verificação do vício previsto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC;
B) Aferir se na decisão recorrida foram ou não indicados os fundamentos que determinam a necessidade da decisão provisória proferida relativamente aos contactos do pai com a criança e de averiguação da situação pela CPCJ, e respetivas consequências.

III. Fundamentação

1. Os factos
1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I supra, que aqui se consideram reproduzidos e para onde se remete por razões de economia processual.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso
O apelante veio requerer que recaia acórdão sobre a matéria objeto da decisão sumária de 15-07-2022, com submissão do caso à conferência, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 652.º, n.º 3 do CPC, manifestando a sua discordância relativamente ao juízo decisório que naquela decisão foi formulado e respetiva fundamentação.
Constatando-se que os fundamentos agora invocados pelo recorrente traduzem a sua discordância quanto ao mérito da decisão singular proferida, e uma vez que o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, importa desde já consignar que na apreciação das questões suscitadas na apelação seguiremos integralmente a fundamentação expressa na aludida decisão (singular) do relator, de 15-07-2022, por este coletivo se rever integralmente na solução jurídica assim como nos fundamentos aí explicitados, sem prejuízo de eventuais considerações adicionais que venham a revelar-se necessárias.

2.1. Da nulidade da decisão recorrida
Nas conclusões I a IV das alegações de recurso o recorrente sustenta que o despacho recorrido padece da nulidade prevista na 1.ª parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi do preceituado no n.º 3 do artigo 613.º do CPC e no n.º 1 do artigo 33.º do RGPTC, por ter determinado a averiguação da CPCJ baseada apenas em declarações da mãe, desrespeitando o dever de audição do progenitor, imposto pelo artigo 28.º, n.º 4, do RGPTC e 3.º, n.º 3, do CPC, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 33.º do RGPTC.
A causa de nulidade da sentença invocada pelo apelante encontra-se prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 33.º do RGPTC, preceito nos termos do qual a sentença é nula quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Alegando o apelante, a este propósito, que houve omissão ou violação da lei processual por parte do Mmo. Juiz a quo, ao proferir a decisão recorrida, não observou o dever de audição do progenitor, impedindo-lhe o contraditório efetivo, cumpre previamente aferir se a arguição da nulidade da decisão provisória configura o meio próprio para reagir contra eventuais vícios ou omissões verificadas.
Assim, as nulidades processuais, que são habitualmente classificadas em principais, nominadas ou típicas, tal como previstas nos artigos 186.º, 187.º, 191.º, 193.º e 194.º CPC e, por outro lado, secundárias, inominadas ou atípicas (1), estas residualmente incluídas na previsão geral do artigo 195.º CPC (2), têm como uma das particularidades o regime de arguição perante o Tribunal que omitiu o ato.
Ponderando as consequências decorrentes do concreto vício invocado pelo apelante, parece estar em causa uma nulidade processual reportada ao citado artigo 195.º, n.º 1, CPC, como tal dependente, como se viu, da omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, sendo certo ainda assim que tal omissão só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Tratando-se de nulidade para a qual a lei não prevê um regime específico de arguição é aplicável o regime previsto no artigo 199.º, n.º1, do CPC que estabelece a regra geral sobre o prazo de arguição de nulidades secundárias: se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
Porém, conforme já explicitava o Prof. Alberto dos Reis (3), «[a] arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente.
(…) Desde que um despacho tenha mandado praticar determinado acto, por exemplo, se porventura a lei não admite a prática dêsse acto é fora de dúvida que a infracção cometida foi efeito do despacho; por outras palavras, estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei do processo. Portanto a reacção contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou», sendo o meio idóneo a interposição do respetivo recurso».
Também à luz do regime processual vigente a doutrina vem defendendo de forma consistente que em situações nas quais a prática de alguma nulidade processual de conhecimento oficioso ou a omissão de alguma formalidade de cumprimento obrigatório (como a que demanda o exercício do contraditório) se projeta na sentença, a reação da parte interessada passa pela interposição de recurso em cujo âmbito se inscreva a arguição daquelas nulidades (4).

Neste domínio, afirma a propósito o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, em comentário ao acórdão TRP de 12-11-2015 (5):
«[o] acórdão entende que o proferimento do saneador-sentença pela 1.ª instância constitui uma nulidade processual (art. 195.º, n.º 1, CPC); isto é verdade, mas não é toda a verdade: o que é nulo não é apenas o processo, mas o saneador-sentença que se pronunciou sobre uma questão de que, sem a audição prévia das partes, não podia conhecer (cf. art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC); a nulidade do processo só se verifica atendendo ao conteúdo do despacho saneador (ou seja, é o conteúdo deste despacho que revela a nulidade processual) e o despacho não seria nulo se tivesse outro conteúdo, isto é, se não tivesse conhecido do mérito da causa (o que mostra que a nulidade não tem apenas a ver com a omissão de um acto, mas também com o conteúdo do despacho)».
A par da doutrina, também a jurisprudência tem vindo a considerar que nestas situações, em que é o próprio juiz ao proferir a decisão a omitir uma formalidade de cumprimento obrigatório, ou sem que tenha sido proporcionada a oportunidade de exercer o contraditório, como ocorre designadamente em situações de falta de convocação da audiência prévia a fim de assegurar o legal contraditório, ocorre uma nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador, de modo que a reação da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), in fine, do CPC (6).
Vejamos, então, se o despacho recorrido derrogou o dever de audição do progenitor, impedindo o contraditório do recorrente, tal como vem defendido por este último.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da não verificação da arguida nulidade, porquanto, segundo alega, o progenitor pronunciou-se sobre a regulação das responsabilidades parentais e sobre o regime de visitas sugerido pelo Ministério Público tendo, inclusivamente, dito que concordava com a posição deste último e que a ser assim (como a mãe pugnava) nem de tarde nem uma hora a sua filha poderia estar consigo. Referiu-se à casa dos avós paternos como sendo muita fria, razão pela qual não gostava de lá levar a menina. Pronunciou-se no sentido de a pensão de alimentos ser fixada no montante de 185€, quando o Ministério Público sugeriu 175€, concordou com a residência da criança com a progenitora e com o pagamento das despesas a meio, tudo como consta da gravação da diligência, não tendo sido violado o direito do pai a ser ouvido.
Prevê o artigo 3.º, n.º 3, do CPC que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Este preceito consagra o denominado princípio do contraditório, do qual decorre que «as partes devem ter sempre a possibilidade de se pronunciar sobre as questões a decidir pelo juiz. Apenas se ressalvam as questões cuja decisão não tem, em si mesmo, qualquer repercussão sobre a instância, não sendo relevante, ainda que reflexamente, para a decisão do litígio, ou que, pela sua natureza, não compreenda o contraditório prévio» (7).
O respeito por tal princípio é exigido pelo direito a um processo equitativo, tal como previsto no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, sendo atualmente entendido como a garantia dada à parte, de participação efetiva na evolução da instância, tendo a possibilidade de influenciar todas as decisões e desenvolvimentos processuais com repercussões sobre o objeto da causa (8).
Deste modo, o fim principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo, o que passa necessariamente não só pela possibilidade conferida à parte de deduzir as suas razões (de facto ou de direito) e apresentar as provas que entenda relevantes, como também de controlar as provas apresentadas pela parte contrária, pronunciando-se sobre o valor e resultado das mesmas (9).
Efetivamente, como tem vindo a ser decidido pelo Tribunal Constitucional, no seu sentido mais amplo a regra do contraditório deixa de estar exclusivamente associada ao direito de defesa, no sentido negativo de oposição à atuação processual da contraparte, para passar a significar um direito de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão (10).
Revertendo ao caso em análise, importa salientar que o despacho impugnado foi proferido em processo de jurisdição voluntária (artigo 12.º do RGPTC), nos quais o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, só sendo admitidas as provas que o juiz considere necessárias (artigo 986.º do CPC), de forma a adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, sem sujeição a critérios de legalidade estrita (artigo 987.º do CPC), ainda que lhe sejam aplicáveis os princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo (artigo 4.º do RGPTC).
Neste domínio, o recorrente invoca a derrogação do dever de audição do progenitor, imposto pelo artigo 28.º, n.º 4, do RGPTC.
Sucede que a decisão recorrida foi proferida em sede de conferência a que alude o artigo 35.º do RGPTC, que teve lugar em 21-03-2022. Deste modo, a situação em apreço não tem enquadramento direto na previsão normativa do artigo 28.º do RGPTC que, sob a epígrafe «Decisões provisórias e cautelares», estabelece, além do mais, e na parte que ao caso interessa, o seguinte:
«1 - Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.
2 - Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo.
3 - Para efeitos do disposto no presente artigo, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por convenientes.
4 - O tribunal ouve as partes, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
(…)»

Na verdade, o mecanismo previsto no artigo 28.º, n.º 1, do RGPTC confere ao julgador a possibilidade de no âmbito de um procedimento tutelar cível pendente, e caso o entenda conveniente, antecipar, a título provisório, a decisão sobre todas ou algumas das matérias essenciais que constituem o referido procedimento. Deste modo, a fixação do regime provisório ao abrigo do citado normativo sempre depende do prévio julgamento de conveniência, tal como decorre do n.º 1 do citado preceito legal.
Sucede que no caso em análise, o despacho recorrido, prevendo o regime provisório da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança F. A., nascida a ..-02-2019, foi proferido no âmbito da conferência de pais a que alude o artigo 35.º, n.º 1, do RGPTC, na qual estiveram presentes o Ministério Público, os progenitores e respetivos mandatários, sem que tivesse sido possível a obtenção do respetivo acordo relativamente ao regime de convívios/contactos do progenitor com a filha nos períodos correspondentes aos fins de semana.
Deste modo, mostra-se concretamente aplicável o disposto no artigo 38.º do RGPTC, preceito que prevê expressamente a tramitação aplicável quando os pais e demais interessados se encontrem presentes na conferência de pais designada ao abrigo do disposto no artigo 35.º do RGPTC, nos seguintes termos:
Artigo 38.º
Falta de acordo na conferência
Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para:
a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24.º, por um período máximo de três meses; ou
b) Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23.º, por um período máximo de dois meses.
Tratando-se de decisão proferida em sede de conferência, com a presença dos pais, ou estando estes devidamente representados na mesma, justifica-se que o juiz decida provisoriamente sobre o pedido, em função dos elementos já obtidos.
Com efeito, a lei «parece impor obrigatoriamente ao juiz a prolação de decisão provisória sobre a regulação de exercício das responsabilidades parentais, ao estatuir que “o juiz decide provisoriamente” sobre o pedido em função dos elementos já obtidos. Pelo que se trata de um poder/dever atribuído ao juiz, contrariamente ao poder discricionário conferido no n.º1 do art.º 28.º» (11).
Neste domínio, importa sublinhar a relevância da audição dos progenitores na conferência, com a possibilidade de explicitarem as questões essenciais relativas à regulação do exercício das responsabilidades parentais, a fim de elucidarem o tribunal sobre os elementos relevantes para a sua definição, ainda que a título provisório.
Ora, contrariamente ao que vem invocado pelo recorrente, resulta dos autos que o Tribunal a quo procedeu à audição de ambos os progenitores e auscultou as respetivas razões, tendo em vista a definição do regime da regulação das responsabilidades parentais, o que decorre desde logo do teor da ata da respetiva conferência de pais, tendo de seguida proferido a decisão provisória a que alude o artigo 38.º do RGPTC, em função do que foi apurado após audição das partes na conferência realizada e do contraditório inerente à mesma, com indicação da questão atinente ao regime sobre a qual não existia acordo dos progenitores e decorrendo suficientemente da respetiva ata a posição dos progenitores sobre tal questão.
Por outro lado, foi revisto integralmente, de forma atenta, o registo de gravação da totalidade das intervenções/declarações prestadas em sede de conferência de pais, através da aplicação informática dos tribunais (aproximadamente 49 m e 35 s), dele constando designadamente as declarações prestadas pelos progenitores (requerente e requerido), do que resulta que o Mmo. Juiz a quo teve sempre a preocupação de auscultar a posição dos progenitores da F. A. sobre as questões essenciais relativas à regulação do exercício das responsabilidades parentais, a fim de elucidarem o tribunal sobre os elementos relevantes para a sua definição, mais procurando, em articulação com a Exma. Magistrada do Ministério Público, também presente na referida diligência, a obtenção de um acordo que salvaguarde o interesse da criança, assegurando o contraditório inerente à audiência conjunta de ambos os progenitores mesmo em relação ao regime de convívios/contactos do progenitor com a filha nos períodos correspondentes aos fins de semana, sobre o qual não se verificou acordo.
Reporta-se ainda o recorrente à circunstância de o Tribunal a quo ter determinado que fosse averiguado junto da competente Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Braga o esclarecimento da situação relatada pela progenitora em sede de conferência de pais, consubstanciada na alegada realização pelo requerido de filmes pornográficos na respetiva residência, baseando-se apenas no relatado pela requerente/mãe nas respetivas declarações.
Sucede que, como se viu, estamos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária no qual pode o tribunal investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, de forma a adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, sem sujeição a critérios de legalidade estrita, nos termos que resultam do disposto nos artigos 4.º, n.º 1 do RGPTC, 100.º, da Lei n.º 147/99, de 01/09 (LPCJP) (12), 986.º a 988.º, do CPC.
Nas palavras do Prof. Alberto dos Reis (13), na jurisdição voluntária o princípio da atividade inquisitória do juiz prevalece sobre o princípio da atividade dispositiva das partes: «[a]o passo que na jurisdição contenciosa o juiz só pode, em regra, servir-se dos factos fornecidos pelas partes (…), na jurisdição voluntária pode utilizar factos que ele próprio capte e descubra. (…)
E se, na colheita dos factos, o juiz dispõe de largo poder de iniciativa, o mesmo sucede quanto aos meios de prova e de informação.
(…) na jurisdição contenciosa os poderes oficiosos do juiz em matéria de instrução do processo têm carácter subsidiário, em confronto com os poderes das partes, ao passo que na jurisdição voluntária não se verifica tal subordinação».
E bem se compreende que assim seja, atentos os interesses subjacentes à intervenção ao abrigo da jurisdição de família e menores, e dos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo, aplicáveis aos processos tutelares cíveis, na qual cabe ao juiz a função de gerir o modo como deve ser satisfeito o interesse fundamental que é tutelado pelo direito e que visa garantir o bem-estar e desenvolvimento integral das crianças e dos jovens em perigo (artigo 1.º, da LPCJP).
Trata-se de averiguações que visam o integral esclarecimento de todas as circunstâncias que possam contribuir para a tomada de medidas que permitam garantir a satisfação das necessidades afetivas e de desenvolvimento global da criança e essenciais para a definição do regime das responsabilidades parentais em discussão nos presentes autos.
Como - bem - salienta a propósito o Ministério Público nas contra-alegações de recurso, «[n]a na nossa legislação, vigora o princípio da subsidiariedade - art.ºs 4.º, al. k), 6.º, 7.º, 8.º e 11.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo - sendo que a intervenção institucional deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria de infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais.
O artigo 27.º do RGPTC prescreve, ainda, que as decisões que apliquem medidas tutelares cíveis e de promoção e proteção, ainda que provisórias, devem conjugar-se e harmonizar-se entre si, tendo em conta o superior interesse da criança, caso em que pode o juiz, proceder, se necessário, à revisão da medida anteriormente decretada.
Ora, foi precisamente na ponderação efetiva destes princípios e do superior interesse da criança que o tribunal “a quo” analisou e decidiu ser de comunicar à CPCJ de Braga a eventual situação de perigo em que a criança F. A. se encontrava nas visitas a casa do progenitor, em virtude da denúncia por parte da mãe de que naquele local o progenitor fazia filmes pornográficos, mas, acautelando sempre que essas visitas ao progenitor se mantinham, não cortando os laços afetivos existentes entre o progenitor e a criança, decidiu o Tribunal no sentido da manutenção das visitas, como vinham a decorrer até à data da conferência, das 10:00 horas de sábado às 18:00 horas de domingo, num local securizante (…), na casa dos avós paternos em Braga.
Ou seja, respeitando o principio da subsidiariedade, o tribunal comunicou à CPCJ de Braga, de imediato, uma situação de eventual perigo para a criança (permanecer numa habitação com o progenitor onde são efetuados filmes pornográficos) e, acautelando o superior interesse da criança na manutenção do vínculo com o progenitor, manteve os convívios com este, nos horários que estavam a ser praticados pelos progenitores, na casa do avós paternos, onde segundo ambos os progenitores decorreram durante muito tempo.
(…)».
Deste modo, revelam-se inconsequentes e absolutamente inócuos todos os argumentos invocados pelo recorrente a propósito da invocada preterição do contraditório a propósito da realização das diligências determinadas pelo Tribunal a quo junto da competente Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Braga, visando o cabal esclarecimento da situação relatada pela progenitora em sede de conferência de pais.
Resta concluir que a decisão recorrida não praticou qualquer ato que a lei não admita nem omitiu ato ou formalidade que a lei prescreva, antes resultando dos autos que foi tomada após o contraditório legalmente previsto, no qual se inclui o dever de audição dos progenitores sobre as matérias em apreciação nos referidos autos.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, cumpre concluir que a decisão recorrida não padece de qualquer nulidade que cumpra verificar ou declarar, o que leva necessariamente a que improceda, nesta parte, a apelação.
Insurge-se ainda o recorrente contra a decisão recorrida, alegando que da mesma não constam os fundamentos que determinam a necessidade da decisão provisória proferida relativamente aos contactos do pai com a criança e de averiguação da situação pela CPCJ.
Apesar de não arguir expressamente a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação, alude o recorrente de forma direta à frustração do dever de fundamentação, sustentando que na mesma não se invoca nem demonstra o mal a que se pretende obviar quer com a inibição parcial quer com a averiguação ao progenitor.
Neste domínio, o artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, na parte que aqui interessa, dispõe que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade prevista na citada alínea b), do n.º 1, do citado artigo 615.º do CPC está diretamente relacionada com a violação do preceituado no artigo 154.º do CPC, que impõe ao juiz o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo (n.º 1), sendo que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2).
O aludido artigo 154.º do CPC está em consonância com o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) o qual prevê que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Também o artigo 607.º, n.º 3 do CPC, relativo à sentença, impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que julga provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Por último, e conforme dispõe o n.º 4 do citado artigo 607.º do CPC: «Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
Neste contexto, a generalidade da doutrina e da jurisprudência vem sustentando que só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de facto ou de direito, gera a nulidade prevista na al. b), do n.º 1 do citado artigo 615.º do CPC, não se verificando perante uma fundamentação meramente deficiente, incompleta, não convincente (14).
Analisando a decisão recorrida, verifica-se que da mesma constam os fundamentos que determinaram o regime provisório fixado, na parte atinente ao regime dos contactos ao fim de semana, segmento sobre o qual não houve acordo dos progenitores, com alusão, ainda que sucinta, às referências resultantes das declarações da progenitora na referida conferência.
Conforme já anteriormente assinalámos, o despacho prevendo o regime provisório da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança F. A. foi proferido no âmbito da conferência de pais a que alude o artigo 35.º, n.º 1, do RGPTC, impondo-se, por isso, ao Mmo. Juiz a quo que proferisse decisão provisória tendo por base os elementos disponíveis à data da realização da conferência, o que efetivamente fez ao abrigo do disposto no artigo 38.º do RGPTC e na sequência da promoção exarada pela Exma. Magistrada do Ministério Público.
Deste modo, a fixação do regime provisório, ao abrigo do citado artigo 38.º do RGPTC, não depende do prévio julgamento de conveniência, antes se impondo que o juiz decida provisoriamente sobre o pedido, em função dos elementos já obtidos.
Acresce que se verifica que a decisão recorrida apresenta de forma expressa, ainda que sucinta, os fundamentos que determinaram o sentido e o âmbito da decisão provisória proferida, bem como a necessidade de realização das diligências determinadas pelo Tribunal a quo junto da competente Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Braga, visando o cabal esclarecimento da situação relatada pela progenitora em sede de conferência de pais, nos seguintes termos:
«Considerando as declarações da progenitora que, ainda que titubeantemente, admita que o comportamento do pai, consubstanciado no alegado fazer filmes pornográficos para onde ia levar a filha de ambos porá em casa a integridade psico emocional da referida criança, impõe-se apurar se tal se verifica e em caso afirmativo, em que medida, pelo que decide fixar o seguinte regime provisório do exercício das responsabilidades parentais, relativo à criança, F. A., nascida em a -/02/2019, nos seguintes termos e conforme o já acordado pelos progenitores:
(…)».
Assim, entre esses fundamentos aquele tribunal consignou expressamente que tal decisão teve em conta as declarações da progenitora que, ainda que titubeantemente, admitiu que o comportamento do pai, consubstanciado no alegado fazer filmes pornográficos na casa para onde ia levar a filha de ambos, colocará em casa a integridade psico emocional da referida criança, impondo-se apurar se tal se verifica e, em caso afirmativo, em que medida.
Decorre do exposto que o Mmo. Juiz a quo, ante o receio manifestado pela mãe de que a filha pudesse não estar segura por, alegadamente, ter tido acesso à informação de que o requerido realiza filmes pornográficos na residência onde reside e na qual pretende efetivar o direito de visitas e convívios com a filha, entendeu comunicar à CPCJ de Braga, de imediato, uma situação de eventual perigo para a criança. Tal comunicação certamente permitirá proceder às averiguações necessárias ao integral esclarecimento de todas as circunstâncias que possam contribuir para a tomada de medidas que permitam garantir a integridade psicoemocional da criança bem como a satisfação das necessidades afetivas e de desenvolvimento global, essenciais para a definição do regime das responsabilidades parentais em discussão nos presentes autos.
Por outro lado, observa-se que na referida decisão provisória se pretendeu acautelar o superior interesse da criança na manutenção do vínculo com o progenitor, mantendo os convívios com este, nos horários que estavam a ser praticados pelos progenitores, ainda que na casa dos avós paternos.
Relembre-se que o despacho agora impugnado foi proferido em processo de jurisdição voluntária (artigo 12.º do RGPTC), nos quais o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, só sendo admitidas as provas que o juiz considere necessárias (artigo 986.º do CPC), de forma a adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, sem sujeição a critérios de legalidade estrita (artigo 987.º do CPC), sendo-lhe aplicáveis os princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo (artigo 4.º do RGPTC).
Justifica-se, assim, que não seja exigível aqui uma fundamentação exaustiva, em obediência ao disposto nos artigos 152.º, 154., 987.º e 607.º, nºs 2 a 5 ex vi 613.º, n.º 3, todos do CPC (15).
Assim sendo, não ocorre a invocada falta de fundamentação, posto que da decisão recorrida constam todos os elementos que permitem evidenciar ainda que de forma sucinta os fundamentos em que se alicerça.
Como tal, não merece a decisão recorrida qualquer censura pois interpretou de forma adequada e ponderada as determinações legais e os princípios imperativos aplicáveis ao caso, procurando uma solução equilibrada, prudente e razoável à luz dos elementos disponíveis, de natureza meramente provisória, mesmo tempo que garante a preservação da continuidade da permanência do requerido/pai na vida da criança em condições de grande proximidade e vinculação, mais enunciando, ainda que de forma sucinta, os fundamentos em que se alicerça.
Ainda que não o faça nas conclusões da apelação, mas apenas no requerimento em que pede a submissão do caso à conferência, suscita agora o apelante a inconstitucionalidade do artigo 12.º do RGPTC, por violação do princípio do Estado de Direito ínsito no artigo 2.º da CRP, quando interpretado como concedendo ao julgador a faculdade de preterir o exercício do contraditório sobre a questão aprecianda fundante, e sem justificação demonstrada da necessidade de tal preterição, mais invocando a inconstitucionalidade do referidos artigo 12.º do RGPTC por violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no artigo 205.º da CRP, quando interpretado no sentido de ser dispensada da fundamentação da decisão a explicação e a demonstração da motivação da decisão e da necessidade da decisão proferida.
Neste domínio, e tal como salienta o acórdão desta Relação de 11-03-2021 (16), mesmo entendendo que um dos traços definidores do nosso sistema de controlo da constitucionalidade é o respetivo caráter normativo, «é indispensável que, na decisão recorrida, a norma tida por inconstitucional pelo recorrente, na concreta interpretação correspondente à dimensão normativa delimitada no recurso, tenha sido ratio decidendi».
Contudo, julgamos que o entendimento expresso na decisão sumária de 15-07-2022 e agora reiterado em sede de conferência, sustentado nas concretas ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso, não corresponde ao que agora vem invocado pelo apelante, porquanto se concluiu que a decisão recorrida enuncia de forma expressa, ainda que sucinta, os fundamentos que determinaram o sentido e o âmbito da decisão provisória proferida, bem como a necessidade de realização das diligências determinadas pelo Tribunal a quo junto da competente Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Braga, visando o cabal esclarecimento da situação relatada pela progenitora em sede de conferência de pais, mais resultando dos autos que tal decisão foi tomada após o contraditório legalmente previsto, no qual se inclui o dever de audição dos progenitores sobre as matérias em apreciação nos referidos autos, mas tendo presente a tramitação concretamente aplicável, tal como prevista no citado artigo 38.º do RGPTC, em nada colidindo com os preceitos constitucionais concretamente invocados.
Pelo exposto, resta renovar a decisão sumária anteriormente proferida e que julgou improcedente o recurso interposto pelo apelante do despacho de 31-03-2022 (que fixou provisoriamente o regime de regulação das responsabilidades parentais relativamente à criança - F. A.), o qual se confirma.

Síntese conclusiva:

I - O artigo 38.º do RGPTC prevê expressamente a tramitação aplicável quando os pais se encontrem presentes na conferência de pais designada ao abrigo do disposto no artigo 35.º do RGPTC, como sucedeu no caso em apreciação, pelo que, não havendo acordo que seja homologado, a definição do regime provisório sobre o exercício das responsabilidades parentais não depende do prévio julgamento de conveniência, antes se impondo que o juiz decida provisoriamente sobre o pedido, em função dos elementos já obtidos até esse momento.
II - Não incorre em falta de fundamentação o despacho proferido na conferência de pais designada ao abrigo do disposto no artigo 35.º do RGPTC que enunciou de forma expressa, ainda que sucinta, os motivos que determinaram o regime provisório ali fixado, bem como a necessidade de realização das diligências determinadas pelo Tribunal a quo junto da competente Comissão de Proteção de Crianças e Jovens.

IV. Decisão

Pelo exposto, reiterando o juízo decisório formulado na decisão (singular) do relator, de 15-07-2022, acordam, em conferência, os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente o recurso interposto pelo apelante, do despacho de 31-03-2022 que fixou provisoriamente o regime de regulação das responsabilidades parentais relativamente à criança - F. A. -, o qual se confirma.
Custas pelo apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Guimarães, 10 de novembro de 2022
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Luísa Duarte Ramos (Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Eva Almeida (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)



1. Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pg. 236.
2. Dispõe o artigo 195.º do CPC, com a epígrafe Regras gerais sobre a nulidade dos atos: 1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. 2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes. 3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.
3. Cf. Prof. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2.º, Coimbra-Editora, pgs. 507-508.
4. Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 683.
5. No Blog do IPPC (Instituto Português de Processo Civil): https://blogippc.blogspot.com/search?q=%22Nas+a%C3%A7%C3%B5es+que+hajam+de+prosseguir%22
6. Cf., por todos, o Ac. do STJ de 23-06-2016 (relator: Abrantes Geraldes), revista n.º 1937/15.8T8BCL.S1, disponível em www.dgsi.pt.
7. Cf. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, Coimbra, Almedina, 2013, p. 27.
8. Cf. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro - obra citada - p. 27.
9. Cf. o Ac. TRG de 26-09-2013 (relator: Manuel Bargado), p. 805/13.2TBGMR-A. G1, disponível em www.dgsi.pt.
10. Neste sentido, cf., por todos, o Ac. TC n.º 186/2010, de 12-05-2010 (relator: Carlos Fernandes Cadilha), Diário da República n.º 115/2010, Série II de 2010-06-16.
11. Cf. Tomé d´Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado, Lisboa, QUID JURIS? - Sociedade editora Ld.ª, 3.ª edição, 2018, p. 126, em anotação ao artigo 38.º do RGPTC.
12. Lei de proteção de crianças e jovens em perigo.
13. Cf. Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. II, Coimbra, 1982 - Coimbra Editora, pg. 399.
14. Neste sentido, cf. Alberto dos Reis - obra citada -, p. 140; Antunes Varela, M. Bezerra e S. e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 687; Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 736. Na Jurisprudência cf. por todos, o Ac. STJ de 02-06-2016 (relator: Fernanda Isabel Pereira), proferido na revista n.º 781/11.6TBMTJ.L1. S1 - 7.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt.
15. Neste sentido, o Ac. TRP de 26-01-2017 (relator: Madeira Pinto), p. 2055/16.7T8MTS-C. P1, disponível em www.dgsi.pt.
16. Ac. TRG de 11-03-2021 (relator: Joaquim Boavida), p. 175/12.6TBVRM.G1, disponível em www.dgsi.pt.