Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
643/21.9T8EPS.G2
Relator: JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA – 615
N.º 1
AL. D)
DO CPC
DANOS CAUSADOS POR COISAS
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
SOLIDARIEDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Não integra a nulidade da sentença prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC – omissão de pronúncia – o facto de o tribunal, antes de proferir a sentença, não se ter pronunciado quanto à admissão e efeito de um recurso interlocutório, porque não se está perante um vício relativo ao conteúdo da sentença.
II – Saber se as infiltrações de água no andar inferior tinham origem em algum elemento integrante do andar superior, é um problema de causalidade.
III – Apurando-se que as infiltrações tinham origem no sifão do andar superior, que deixava passar água, saber qual a razão por que tal sucedia e, em concreto, se tal sucedia por facto imputável aos AA. ou a terceiro, coloca um problema diferente, que é o de imputação subjectiva.
IV – Uma vez que o tribunal só pode considerar os factos essenciais articulados pelas partes (art.º 5º, n.º 2 do CPC), nada tendo sido alegado pelas RR. quanto à questão da imputação subjectiva, não pode o tribunal conhecer da mesma.
V - O art.º 493º n.º 1 do CC, é aplicável nas situações em que ocorrem infiltrações de água no andar inferior, provenientes do andar superior.
VI – Se a coisa fonte de danos é transmitida, havendo uma sucessão de proprietários e se o factor produtor dos danos ocorre e persiste enquanto cada um deles é proprietário, em função dessa qualidade, todos estavam obrigados a vigiar a coisa, todos tinham o poder, enquanto proprietários, para intervir sobre o factor que desencadeava o dano. Não o tendo feito, não podem deixar de ser, todos, solidariamente, responsáveis pelos danos.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
           
1. Relatório

AA e BB intentaram ação declarativa de condenação, em processo comum, contra CC e DD, pedindo:

a) a condenação da 2ª Ré a reparar as patologias causadoras das infiltrações na fração dos autores;
b) a condenação de ambas as RR., solidariamente e na medida da sua responsabilidade, a pagar aos AA. [embora no petitório conste “o autor”, decorre do art.º 30º da PI que a indemnização é pedida para os autores] a quantia € 7.020,00, sendo € 2.020,00 a título de danos patrimoniais e € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vincendos, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

Alegaram para tanto e em síntese o seguinte.

São comproprietários de uma fracção autónoma, que corresponde ao ... andar do lado nascente direito do prédio que identificam e a 1ª Ré foi, até 23/11/2019 e a 2ª Ré é desde então, proprietária de uma fracção autónoma que corresponde ao ... andar recuado do lado nascente direito, do mesmo prédio.

No final de Setembro de 2018, quando se deslocaram a Portugal para passar férias, encontraram uma infiltração no tecto do wc da sua fracção autónoma, proveniente da fracção autónoma, à data propriedade da 1ª Ré; interpelaram-na; a mesma disse que acionou o seguro, que o mesmo recomendou que fizesse obras na banheira para solucionar o problema e prontificou-se a pagar os prejuízos aos AA.; posteriormente disse que já havia efectuado as obras recomendadas pela peritagem na sua fracção.

Umas semanas “após o sucedido”, um familiar dos AA. deslocou-se à fracção e encontrou o mesmo com água por toda a fracção; contactada a 1ª Ré a mesma afirmou que tinha anulado o seguro e que iria contratar outro e efectuar a participação da infiltração; a partir daí a 1ª Ré recusou-se a indemnizar os AA.; a fracção dos AA. permaneceu com infiltrações.

Em Novembro de 2019 a 1ª Ré vendeu a fracção autónoma à 2ª Ré, tendo informado os AA. da venda e que considerava que nada mais tinha a conversar com os AA.; mesmo após a venda, as infiltrações no wc da fracção autónoma dos AA. permaneceram, criando humidades e pingas no teto da casa de banho; a fracção autónoma dos AA. está inabitável há alguns anos, sem que as proprietárias da fracção causadora daqueles danos assumam o pagamento das obras necessárias à reposição do estado da fracção dos AA., pelo que em maio de 2021 procederam à reparação dos danos na sua fracção, que descrevem e que tiveram o custo de € 2.484,60, tendo permanecido por realizar as obras necessárias à impermeabilização na fracção da 2ª Ré, por forma a precaver futuras infiltrações.

O facto de não poderem ficar alojados na sua fracção autónoma e terem de ficar em casa de familiares ou alojamentos locais, causou desgosto aos AA., sentem-se envergonhados por terem a sua casa com um aspecto desprezível, danificado, sujo e ar doentio, devido ao bolor entretanto formado e sentem-se enganados e atraiçoados pelas RR. que fizeram crer aos AA. que iriam participar aos respectivos seguro a situação e resolvê-la, mas nada fizeram, pelo que devem as RR. ser condenadas a pagar aos AA., a título de danos não patrimoniais, uma indemnização não inferior a € 5.000,00.

A 1ª Ré contestou impugnando parte da matéria invocada pelos AA. e dizendo, em síntese, que no inicio de 2019 foi informada pelos AA. da ocorrência de uma infiltração no wc da fracção de que são proprietários, proveniente do tecto; diligenciou para contratação de um técnico, de modo a apurar se as infiltrações tinham origem no wc da sua fracção, dado que o mesmo se situa na prumada do prédio; das pesquisas levadas a cabo pelo técnico, nada se apurou que justificasse a existência e extensão das alegadas infiltrações na fracção dos AA.; em Fevereiro de 2019 e por sua iniciativa, procedeu à retirada da banheira da sua casa de banho, substituindo-a por uma base de chuveiro e procedeu ao total isolamento das paredes e piso do wc, verificando o estado das respectivas canalizações, alterando o que se mostrou necessário nas canalizações de água e esgoto, o que que foi dado a conhecer aos AA.; foi efectuado um teste, no sentido de confirmar a resolução definitiva da situação, que consistiu na abertura das torneiras do wc do piso superior, por um longo período de tempo, constatando-se que nenhuma infiltração ocorreu; o custo das reparações efectuadas no wc da Ré ficaram a cargo da mesma; mesmo após as intervenções efectuadas pela Ré, os AA. invocavam que as infiltrações, não só se mantinham, como se vinham agravando; tendo a Ré diligenciado como lhe competia, tais infiltrações não tiveram origem na fracção propriedade da Ré; não se estabelecendo um nexo causal entre a origem das infiltrações e os danos alegados pelos AA., não se poderá concluir que a causa das mesmas teve origem na fracção da 1ª Ré; haverá outros focos de infiltração, proveniente das partes comuns; desconhece os trabalhos elencados pelos AA.; o montante peticionado pelos AA. a título de danos não patrimoniais, para além de não ser exigível à 1ª Ré, não poderá deixar de ser considerado excessivo.

A 2ª Ré contestou, por excepção, invocando a sua ilegitimidade processual e substantiva, dizendo, quanto á ultima, não ser responsável pelo dano, o qual ocorreu em 2018 e, nessa data, proprietária da fracção que corresponde ao ... andar recuado do lado nascente direito, era a 1ª Ré; não é verdade que em Dezembro de 2019 ocorria infiltração de água na fracção dos AA.; realizou testes e não existem fugas de água.

Os AA. responderam à excepção.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade na vertente processual e relegou para a decisão final a vertente substantiva, dispensou a fixação do objecto do litigio e os temas da prova.

No decurso do julgamento os AA. requereram aditamento de uma testemunha ao rol, que foi indeferido.

Interposto recurso dessa decisão, foi a mesma mantida por Acórdão da 2ª Secção desta RG, de 09/02/2023, transitado em julgado, conforme certidão junta a estes autos a 21/03/2023.

Foi proferida sentença que decidiu:
Pelo exposto, julgo a ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência absolvo as rés dos pedidos contra si formulados.

Interpuseram os AA. recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1) Salvo melhor e mais douta opinião, a decisão recorrida padece de vícios porquanto, não extrai de forma correta as consequências jurídicas da matéria de facto apurada no decurso da audiência de julgamento;
2) A douta sentença recorrida merece reparo quanto à omissão de pronuncia do recurso interlocutório apresentado, pois a Mm.ª Juiz deveria ter admitido a Apelação quanto ao aditamento ao rol de testemunhas, recurso requerido com efeito suspensivo, e só após decisão do Tribunal da Relação poderia decidir por meio de sentença.
3) Deste modo, a Mm.ª Juiz “a quo” deveria ter admitido o recurso de Apelação quanto ao despacho que indeferiu o aditamento ao rol de testemunhas no devido tempo e não apenas após a prolação da decisão principal, como veio agora a suceder.
4) Esta omissão fere a sentença de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, al. d) do C.P.C., o que aqui expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
5) Salvo o devido e merecido respeito pela posição sufragada na douta sentença ora em crise, a mesma padece de vícios porquanto para além de proceder a um incorreto julgamento da matéria de facto, não extrai de forma correta as consequências jurídicas da matéria de facto apurada no decurso da audiência de julgamento.
6) Não foram tidos em consideração depoimentos relevantes de testemunhas arroladas pelos AA e sequer pelos RR.
7) A EE, que explicou de forma clara e demonstrou conhecimento do local, da situação e dos danos e não foi valorada convenientemente.
8) Também não foi tido em conta o depoimento da testemunha FF, que viu descredibilizado o seu depoimento na medida em que a mesma mencionada não ter sido retirada a estrutura do pladur, sendo que a Mm.ª Juiz na fotografia nº3 junto aos autos, visualiza que inexiste apenas uma barra da estrutura do pladur. Acontece que, essa barra situa-se junto a uma das paredes da casa de banho e em nada tem a ver com o que aqui se discute.
9)  Não foi levado em consideração o depoimento da testemunha GG, sendo esta uma pessoa idónea que não é familiar de nenhuma das partes, canalizador de profissão, que esteve na casa de banho das Rés, afirmou não ter substituído qualquer tipo de tubagem, ao contrário da testemunha HH, irmão da 1ª Ré, que afirmou terem substituído todas as tubagens, o que se mostrou falso. Esta testemunha prestou um depoimento baseado numa intervenção e no conhecimento direto das situações sobre que as quais versou o seu depoimento;
10)Salvo devido respeito, a douta sentença padece de erro de julgamento, no que toca a estes factos porquanto, contrariamente ao que a Mm.ª Juiz a quo considerou não provado, resultou amplamente provado que a infiltração é proveniente da fração das Rés, sem ter sido realizado obras na sua fração de modo a precaver futuras infiltrações, enganando e ludibriando os aqui Autores de que iriam dar conhecimento ao seguro e resolver a situação;
11)A Mm.ª Juiz do Tribunal a quo também não teve em conta as fotografias juntas aos autos, fotografias da casa de banho e da respetiva tubagem;
12)O digníssimo tribunal a quo, deu ainda como não provado a alínea a), tendo desconsiderado a prova testemunhal;
13)Tal prova não pode ser simplesmente desconsiderada, nem assente nas categorias dos factos não provados, motivo pelo qual deverá considerar-se a alínea a) como facto provado;
14)Deverá resultar provado o teor da alínea b) dos factos não provados, uma vez que tal matéria não foi posta em causa por nenhuma das Rés;
15)Da prova testemunhal resultou igualmente provado o teor da alínea b), pelo que deverá a mesma ser considerada provada;
16)Resulta ainda provado o teor da alínea c) dos factos não provados, uma vez que da prova testemunhal ficou amplamente claro que continuava a haver infiltrações, havendo “odores intragáveis” causados pelo tempo que já durava a infiltração;
17)A Mm.ª Juiz também deu como não provado o teor da alínea d), que como ficou demonstrado na prova testemunhal corresponde à verdade e por isso também esta deve ser considerada provada;
18)Relativamente ao teor da alínea d) dos factos não provados, importa referir, tal como ficou demonstrado em sede de prova testemunhal, que aos Autores sempre foi dito que iriam resolver o problema acionando o seguro de que tanto uma e outra Rés eram portadoras, pelo que, também esta alínea deve integrar na categoria dos factos provados;
19)Deverá ser considerado o documento na posse da testemunha da 2ª Ré, junto em Audiência “Auto de Vistoria”, que atesta a causa da infiltração que se deve à rotura de um tubo por baixo da base de chuveiro;
20)Assim, com o devido respeito, que é muito, face à prova produzida, não podia o Tribunal a quo, ter decidido pela absolvição das Rés, como decidiu, uma vez que ficou amplamente provado que tal infiltração se deveu a problemas na tubagem da casa de banho das Rés;
21)No caso sub judice e por tudo quanto fora exposto impõe-se assim a reapreciação dos factos das alíneas a), b), c), d) e e) dos factos não provados, que os Recorrentes querem ver dados como provados;
22)O artigo 662.º, n.º 1, do CPC dispõe: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”;
23)O artigo 493º, nº 1 do Código Civil estatui: “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa.”;
24) Ou seja, o legislador presume a culpa do agente, onerando-o com a prova de que o evento se não deveu a culpa sua;
25)Em síntese, a decisão recorrida violou o disposto, entre outros, nos artigos 607º, 608º, 615º, n.º 1, al. c) e d) 619º todos do C.P.C. e 483º do CC, devendo declarar-se a nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
26)Assim, revogando a douta decisão recorrida e substituindo-a por outra que condene as Rés nos pedidos formulados, farão V/ Exa. inteira e merecida justiça!

Não consta tenham sido apresentadas contra-alegações.

A Mmª juiz a quo pronunciou-se quanto à nulidade invocada.

2. Questões a apreciar

O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida,

O Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, Almedina, p. 139) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida).
 
As questões que cumpre apreciar são:
- nulidade da sentença, por omissão de pronúncia;
- impugnação da decisão de facto;
- a 2ª Ré deve ser condenada a reparar as patologias causadoras das infiltrações na fração dos autores e ambas as RR., solidariamente, devem ser condenadas a indemnizar os AA. nos termos peticionados.

3. Da nulidade da sentença
3.1. Enquadramento jurídico

Dispõe a alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC:
1. É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
(…)”

A sentença pode ser vista como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença.

As nulidades da sentença e dos acórdãos referem-se ao conteúdo destes actos, ou seja, estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podiam ter (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in O que é uma nulidade processual? in Blog do IPPC, 18-04-2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+processual).

A alínea d) contempla duas situações: a) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia) ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia).

A primeira está correlacionada com a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC, que dispõe: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;…”

O normativo tem em vista as questões essenciais, ou seja, o juiz deve conhecer todos os pedidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas e as que lhe cabe conhecer oficiosamente (desde que existam elementos de facto que as suportem), sob pena da sentença ser nula por omissão de pronúncia.

As questões essenciais não se confundem com os argumentos invocados pelas partes nos seus articulados. O que a lei impõe, sob pena de nulidade, é que o juiz conheça as questões essenciais e não os argumentos invocados pelas partes (sendo abundante a jurisprudência em que esta questão é suscitada, a título meramente exemplificativo o Ac. do STJ de 21/01/2014, proc. 9897/99.4TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jst).

Nos termos do n.º 1 do art.º 608º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, ou seja, tem-se em vista aquelas questões - nulidades, excepções dilatórias ainda por apreciar ou outras questões de natureza processual - que possam ter influência no desfecho do processo.

 Por outro lado, o facto de, eventualmente, o tribunal a quo não se ter pronunciado quanto aos factos alegados, não constitui nulidade nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 615º, n.º 1, alínea d) do CPC.

É que as questões essenciais que a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC impõe que o juiz conheça, também não se confundem com “factos”.

Como refere Alberto dos Reis, in CPC Anotado, 1984, pág. 145: “Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.”

E como decidido pelo Ac. do STJ de 23/07/2017, processo 7095/10.7TBMTS.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, “o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido”: são situações que “não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, antes se tratando de situações que se reconduzem “a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC”.

Destarte e quando muito, estar-se-á perante uma deficiência da matéria de facto, patologia a suprir nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC.

3.2. Em concreto
Invocam os recorrentes a nulidade da sentença pelo facto de o tribunal a quo não se ter pronunciado quanto ao recurso interposto do despacho que não admitiu o aditamento de uma testemunha ao rol, tendo sido requerido que ao mesmo fosse atribuído efeito suspensivo e só após decisão da Relação, poderia decidir por meio de sentença.

Como ficou referido, as nulidades da sentença e dos acórdãos referem-se ao conteúdo destes actos.

A admissão do recurso interposto do despacho que não admitiu o aditamento ao rol e a apreciação do efeito, devolutivo ou suspensivo, a atribuir ao mesmo, é uma questão do processo, que deve ser apreciada por meio de despacho, mas não é uma questão que deva ser objecto da sentença, pois, muito embora esta deva conhecer, em primeiro lugar, das questões processuais que possam ter influência no desfecho final, não é, certamente, o caso da referida questão.

Não fazendo parte do conteúdo da sentença conhecer da referida questão, não há omissão de pronúncia, pelo que improcede a invocada nulidade.

4. Fundamentação de facto

A sentença recorrida considerou:
1. Factos Provados
(Da petição inicial)
 1) A propriedade da fração autónoma designada pela letra ... no Edifício das
..., situado na Avenida ..., União de Freguesias ... e ..., ... de ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...57 da União de Freguesias ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...92... da freguesia ..., mostra-se registada a favor dos autores, pela Ap. ...73 de 2015/05/19, conforme documento junto aos autos a fls. 18 a 23, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
2) A propriedade da fração autónoma designada pela letra ... no Edifício ..., situado na Avenida ..., União de Freguesias ... e ..., ... de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...92... da freguesia ..., mostra-se registada a favor da 2ª ré, pela Ap. ...90 de 2019/11/29, conforme documento junto aos autos        a fls. 24 a 29, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
3) Sendo que até 29/11/2019 a propriedade dessa mesma fração estava registada a favor 1ª Ré, conforme documento junto aos autos a fls. 24 a 29, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
4) A fração dos Autores, referida em 1) situa-se no ... andar do referido prédio, do lado nascente direito e a fração da 2ª Ré, referida em 2) situa-se no ... andar recuado, do lado nascente direito.
5) No ano de 2018, quando se deslocaram a Portugal para passar férias, os Autores encontraram uma infiltração no teto do WC (o único da fração), de onde caiam pingas do teto.
6) Nessa sequência, os Autores interpelaram a 1ª Ré, que lhes transmitiu que iria acionar o seguro e averiguar as causas.
7) Posteriormente, a 1ª ré transmitiu aos autores que realizou obras na sua casa de banho.
8) Umas semanas após o referido em 7), um familiar dos Autores deslocou-se à fração e voltou a encontrar o imóvel com água por todo o lado…
9) … já alastrada para outras áreas fora da casa de banho.
10) De imediato os Autores comunicaram à 1ª Ré.
11) A 1ª Ré descartou-se de responsabilidades e recusou-se a indemnizar os Autores dos prejuízos causados.
12) Em novembro de 2019, a 1ª Ré vendeu a referida fração à 2ª Ré.
13) Após a venda da fração à 2ª Ré, os problemas de infiltrações no WC da fração dos Autores permaneceram.
14) Tendo em conta que aquele WC é o único da fração dos Autores, a fração
encontrava-se inabitável.
15) Motivo pelo qual os autores procederam em maio de 2021, à reparação dos danos da sua fração.
16) Tendo procedido aos trabalhos: desmontagem de sanitários;
17) … Anulação da canalização existente e passagem da nova canalização pelo teto do andar superior;
18) … Montagem de sanitários;
19) … Substituição do piso em flutuante;
20) … Substituição de teto falso e pintura do mesmo;
21) … Retirar papel de parede, fazer a respetiva reparação e colocar novo papel;
22) … Substituição e envernização da porta do WC
23) … Reparação e pintura do quarto que faz divisão com o WC;
24) Tudo no montante global de € 2.484,600 (dois mil, quatrocentos e oitenta e quatro euros e seiscentos euros).
25) Devido às infiltrações na casa de banho e por ser o único WC disponível na fração, os autores tiveram de se abster de ficar alojados nela desde 2018 até à sua reparação.
26) O que causou nos Autores profundo desgosto, por não mais terem uma casa para regressar a Portugal e terem de ficar alojados em casas de familiares ou alojamentos locais sempre que cá regressaram.
27) Sentindo-se ainda envergonhados por terem a sua casa, fruto dos seus trabalhos, com um aspeto desprezível, danificado, sujo e ar doentio, devido ao bolor entretanto formado.
28) Abstendo-se, como se disse, de lá ficarem alojados ou de levarem lá quaisquer familiares e/ou amigos.

2. Factos não Provados

(Da PI)
a) A infiltração referida em 5) fosse proveniente da fração da 1ª Ré.
b) Os autores hajam encontrado a infiltração referida em 5) em Setembro.
c) A casa de banho da fração da 2ª ré continue a infiltrar água proveniente da fração da 2ª Ré, no teto da casa de banho dos Autores, o que cria humidades e pingas no teto da casa de banho.
d) Permanecem por ser feitas as obras necessárias de impermeabilização na fração da 2ª Ré, por forma a precaver futuras infiltrações.
e) Os Autores sentem-se enganados e atraiçoados pelas Rés, que fizeram crer os Autores que iriam participar aos respetivos seguros a situação e resolvê-la, mas que até hoje nada fizeram.

5. Impugnação da decisão de facto
5.1 Requisitos da impugnação de facto

Dispõe o art.º 640º do CPC, cuja epígrafe é “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
 (…)”

Não releva dar aqui conta do percurso legislativo, até se chegar à norma em referência – para tal cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 194-199.

Apenas importa considerar que em tal percurso “…foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” – aut. e ob. cit. pág. 194

O mesmo autor, in ob. cit. pág. 196-197, procede a uma síntese da jurisprudência relativa às exigências legais da impugnação da decisão de facto, nomeadamente quanto ao “lugar” (alegações ou conclusões) em que as mesmas devem ser observadas e que são:
a) o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões, dizendo em nota (337) que são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, conforme dispõe o art.º 635º, de modo que a indicação dos pontos de facto, cuja modificação é pretendida pelo recorrente, não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões;
b) deve ainda especificar, na motivação, os concretos meios de prova, constantes do processo (documentos ou confissões reduzidas a escrito) ou de registo (depoimentos que não foi possível gravar, mas que foram reduzidos a escrito, como sucede com cartas rogatórias) ou gravação nele realizada (depoimentos orais prestados em audiência que ficaram gravados em áudio ou vídeo), que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos objecto de impugnação;
c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação tenha por base, no todo ou em parte, a prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere pertinentes;
d) o recorrente deixará, expresso, na motivação, a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidas.

Impõe-se acrescentar algumas precisões.

Relativamente ao referido em b), a impugnação da decisão de facto não pode ser uma impugnação genérica, a impor uma reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância; a impugnação da decisão de facto visa, única e exclusivamente “concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente” (Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 194).

Assim, não basta ao recorrente indicar, por um lado, os pontos de facto que considera mal julgados e, por outro, alguns dos depoimentos prestados, sem especificar, para cada um daqueles factos (ou bloco de factos ligados entre si, por se reportarem à mesma realidade), os concretos meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida.

Além disso, não basta ao recorrente indicar, por um lado, os pontos de facto que considera mal julgados e, por outro, alguns dos depoimentos prestados, fazendo incidir estes, em bloco e indiscriminadamente, sobre todo o acervo factual que pretende ver alterado, sem indicar as razões pelas quais os meios de prova que convoca, impunham decisão diversa da recorrida, isto é, permitem se considere provado, ou não provado, consoante for o caso, o facto impugnado.

O recorrente tem de fazer uma apreciação crítica dos meios de prova que no seu entender impunham decisão diversa da recorrida, quanto a cada um dos factos impugnados, tem de explicar porque é os meios de prova que convoca são determinantes para uma alteração da decisão de facto.

Impõe-se ao recorrente o “ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente:  cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente.” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, 2ª edição, pág. 797 e Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 197).

E no sentido do exposto, refere-se no Ac. do STJ de 21/03/2023, processo 296/19.4T8ESP.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj:
“37. O art. 640.º, na alínea b) do seu n.º 1 e na alínea a) do seu n.º 2, exige que o recorrente relacione cada um dos concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados com cada um dos meios de prova, com cada uma [das] passagens relevantes dos meios de prova gravados, ou com a transcrição de cada uma das passagens relevantes dos meios de prova gravados.
(…)
39. O facto de a Ré, agora Recorrente, ter indicado os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, sem os relacionar com cada um dos meios de prova, com cada uma passagens relevantes dos meios de prova gravados, ou com a transcrição de cada uma das passagens relevantes dos meios de prova gravados prejudica a inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, a possibilidade de um contraditório esclarecido.
40. Em concreto, e em consequência da inobservância do ónus de fundamentação concludente da impugnação, a interpretação do art. 640.º do Código de Processo Civil em termos adequados à função e conformes com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade determina a rejeição do recurso.”

Relativamente ao referido na alínea c), como consta do sumário do Ac. do STJ de 18/06/2019, proc. 152/18.3T8GRD.C1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj:
III - A alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do Código de Processo Civil deve ser interpretada no sentido de que a impugnação da matéria de facto com base em prova gravada tanto se pode fazer mediante a indicação dos concretos segmentos da gravação como mediante a transcrição deles.
IV - Todavia, transcrever os depoimentos é reproduzir objetivamente, sem fazer intervir qualquer subjetividade, filtro ou juízo apreciativo, aquilo que as pessoas ouvidas declararam (verbalizaram).
V - Não vale como transcrição uma “resenha” (sic) ou aquilo que “em suma” (sic) terão referido as pessoas de cujos depoimentos o recorrente se quer fazer valer.
VI - Neste caso não se está senão perante a interpretação dada pelo recorrente aos depoimentos em causa, e não, como é devido, perante uma transcrição objetiva do teor desses depoimentos.

Em terceiro lugar, ainda quanto ao referido em c), a alínea a) do n.º 2 do art.º 640º rege para a hipótese de os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas terem sido gravados e o recorrente não dar cumprimento ao ónus de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nem proceda à transcrição dos excertos que considere relevantes.
E, caso se verifique esta hipótese, determina a rejeição do recurso “na respectiva parte”, ou seja - e é isto que se quer relevar -, na parte relativa aos meios probatórios que tenham sido gravados.
Se acaso a parte tiver invocado, além de meios probatórios que tenham sido gravados, outros meios de prova – documentos, perícia - nesta parte, quanto a estes meios de prova, a impugnação não pode ser rejeitada.

Finalmente e como refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 201, a análise do cumprimento destes ónus deve ser realizada “à luz de um critério de rigor. Trata-se afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que, afinal, devem ser o contraponto dos esforços que todos quantos, durante décadas, reclamaram a atenuação do princípio da oralidade pura e a atribuição à Relação de efetivos poderes de sindicância da decisão da matéria de facto como instrumento da realização da justiça”.

5.2. Em concreto
Os AA. impugnam a decisão de facto quanto a todos os factos não provados.

A impugnação cumpre os requisitos do n.º 1 do art.º 640º do CPC, pois os recorrentes indicam:
a) Os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

5.3. Da modificabilidade da decisão de facto
O art.º 662º do CPC, com a epigrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, dispõe:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
(…)”

Está em causa saber como a Relação deve mover-se no domínio da modificabilidade da decisão de facto motivada pela impugnação da decisão de facto.

A apreciação, pela Relação, da decisão de facto impugnada, não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj)

O sentido deste normativo é o de impor à Relação o dever de modificar a decisão de facto, sempre que havendo impugnação da matéria de facto e no respeito do principio do dispositivo quanto ao objecto do recurso, os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, entendendo-se que:
i) incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do citado  art.º 662º],  à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1 e em sentido semelhante os Ac.s do STJ de 14/09/2021, proc. 60/19.0T8ETZ.E1.S1, de 13/04/2021, proc. 2395/11.1TBFAF.G2.S1 todos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj) assumindo-se o mesmo como tribunal de instância (Abrantes Geraldes, Recursos em processo civil, 6ª edição, pág. 331 e 332);
ii) no processo de formação de uma convicção autónoma, a Relação não está adstrita “aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido” (o Ac. do STJ, de 20.12.2017, proc. 3018/14.2TBVFX.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj), tendo plena aplicação o disposto no art.º 413º do CPC.

De referir ainda que na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, caso a Relação proceda à alteração da mesma e se verifique ser necessário, em função da reapreciação conjunta e global dos factos, alterar algum facto não impugnado, pode a Relação fazê-lo a bem da coerência daquela decisão (cfr. Ac. do STJ de 29/04/2021, proc. 684/17.0T8ABT.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj).
           
Importa ainda, neste âmbito, ponderar o princípio da livre apreciação da prova e que também se aplica à Relação na reapreciação da prova.

O n.º 4 do art.º 607º do CPC (aplicável à Relação nos termos do art.º 663º n.º 2 do CPC) dispõe que “ Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”

A análise crítica das provas a que se refere o n.º 4 citado, significa, em primeiro, uma análise conjugada de toda a prova produzida e em segundo uma análise segundo os critérios de valoração racional e lógica do julgador e da experiência, dispondo, a este respeito, o n.º 5 do art.º 607º que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, o que tem em vista a prova por declarações de parte, salvo na parte em que constituam confissão, a prova documental escrita a que falte algum dos requisitos exigidos na lei, a prova pericial, a prova por inspecção e a prova testemunhal, provas relativamente às quais a lei dispõe, expressamente (cfr.  artºs 466º n.º 3 do CPC e art.ºs. 366º, 389º, 391º e 396º do CC, respectivamente), que estão sujeitas à livre apreciação do tribunal.

O n.º 4, ao determinar que o juiz especifique os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, impõe que o juiz explique como se convenceu com as provas que se produziram, que motive a decisão de facto.

Assim, a motivação consiste em exarar o raciocínio do tribunal para uma dada decisão de facto e deve conter, para além da indicação dos concretos elementos probatórios que lograram aceitação por parte do tribunal, as razões ou motivos dessa aceitação.

São estes dois factores - o convencimento e a dificuldade de apurar a verdade - que se misturam e impõem que o juiz explique como se convenceu com as provas que à sua frente se produziram.

Refere Manuel Tomé Soares Gomes, Da Sentença Cível, CEJ, 2014, https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202, pág. 29:
A motivação do julgamento de facto tem como matriz um discurso argumentativo problemático, parcelado na órbita de cada juízo probatório, sem prejuízo da sua compatibilização no universo da trama factual, e rege-se por razões práticas firmadas na análise dos resultados probatórios, à luz das regras da experiência comum ou qualificada e dos padrões de valoração (prova bastante e prova de verosimilhança) estabelecidos na lei.”

Por outro e no que tange à formulação dos juízos probatórios, importa não esquecer que a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)… a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta,… A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ªEdição, Revista e Actualizada, p. 435 a 436).

Ou seja: a prova judicial não tem que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca dos factos a provar; a prova judicial nunca é a realidade naturalística das coisas; o que a prova judicial deve determinar é um grau de probabilidade (do facto) tão elevado que baste para as necessidades da vida.

Como refere Manuel Tomé Soares Gomes, in ob. cit. pág. 25:
“… a valoração da prova, por parte do tribunal, consubstancia[-se] na formação de juízos de razoabilidade sobre os factos controvertidos relevantes para a resolução do litígio, em função do material probatório obtido através da atividade instrutória, à luz das regras da experiência e da coerência lógica dum raciocínio pragmático sobre as ocorrências da vida. “

E mais adiante, pág. 26: “prova judicial tem como objetivo lograr uma compreensão suficientemente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso.“

O disposto no art.º 607º também é aplicável à  Relação nos termos do disposto no art.º 663º n.º 2 do CPC, mas com as devidas adaptações, porquanto, muito embora na eventual reapreciação da decisão da matéria de facto caiba à Relação formar a sua própria convicção quanto à  prova produzida, tal reapreciação não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão.

Assim refere-se no Ac. desta RG de 04/04/2019, processo 1012/15.5T8VRL-AV.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg (sublinhado nosso), “ a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.“

Por outro lado, uma vez que é perante si que toda a prova é produzida, o juiz da 1ª instância encontra-se numa posição privilegiada para proceder à sua valoração, já que, através da imediação, tem acesso ao comportamento das partes e das testemunhas, o que lhe permite aferir, de forma cabal, da respectiva espontaneidade e credibilidade.
Tal não sucede com a Relação, que apenas dispõe do registo de som e não também de imagem.

Mas essa é uma consequência das opções assumidas pelo legislador, ou seja, a Relação reaprecia a decisão da matéria de facto com base nos elementos que lhe estão acessíveis.
Não tendo a Relação aquele elemento – imediação – e não havendo elementos probatórios que lhe permitam formar um juízo seguro de que existe erro de valoração da prova, deverá ser dada prevalência à decisão da 1ª Instância.

Assim refere Ana Luísa Geraldes, in «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609:.
«Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte».

5.4. Em concreto
5.4.1. Prova produzida em audiência de julgamento
Antes de apreciar em concreto cada um dos pontos de facto impugnados e tendo-se procedido à audição integral da prova produzida em audiência de julgamento, impõe-se sintetizar a mesma.

Assim:
- declarações de parte da Ré CC – declarou, em síntese, que viveu na fracção entre 2002-2017; a partir de Março e até Novembro de 2018 a fracção ficou desabitada; em Novembro de 2018 a fracção passou a ser habitada pelo irmão; já depois de Novembro de 2018 foi contactada pela D. BB, a queixar-se que tinha um problema de infiltrações no wc, tendo referido, em outro momento do seu depoimento, que a mesma se queixava que pingava; foi ver o wc dos AA. e o “cenário era assustador”, “estava tudo preto”; manifestou que não era do wc dela, porque a casa estava desabitada há mais de um ano; se fosse da casa dela iria acionar o seguro; acionou o seguro, tendo comparecido dois técnicos que disseram que era da vedação da banheira e que a banheira tinha “um buraquinho”, tendo referido, em outro momento, que solicitou à seguradora uma segunda apreciação, mas que nunca teve resposta; em Fevereiro/Março de 2019 realizou obras no wc, integralmente pagas por si; retirou a banheira e colocou “poliban”; quando retiraram a banheira, estava tudo seco, não havia humidade; em Abril de 2019, houve queixas que continuava a pingar na fracção dos AA.; estando presente o administrador do condomínio, Sr. EE, foi colocada água a correr na fracção da Ré e não se notou nada na fracção dos AA.; a D. BB afirmou que notava mais água quando chovia; “em agosto” de 2019 vendeu a fracção; quando vendeu a fracção a D. BB ainda se queixava de infiltrações; numa visita da 2ª Ré à fracção, tendo em vista a venda da mesma explicou-lhe que tinha realizado obras no wc e explicou-lhe a razão porque as tinha feito; as fracções autónomas, dos AA. e agora da 2ª Ré, são, em termos de configuração, exactamente sobreponíveis; a D. BB só se queixou de infiltrações no wc; os AA não fizeram quaisquer obras na fracção que foi sua propriedade.

- depoimento da testemunha EE, administrador do condomínio através da empresa R..., Ldª e que declarou, em síntese, que a D. BB o chamou para entrar em contacto com a D. CC; foi ver o tecto do wc da D. BB, o qual tinha humidade, tendo referido em outro momento que se tratava de um tecto falso, que estava empolado, preto, descascado; a D. CC terá acionado o seguro, cujo perito lhe terá dito que o problema era da banheira; a D. CC fez obras no wc dela, tendo retirado a banheira e colocado uma base de duche, tendo referido em outro momento desconhecer se os tubos da fracção foram intervencionados; mesmo após a realização das obras, a D. BB continuou a queixar-se, por alguns meses, de que continuava com infiltrações – continuou a aparecer água lá em baixo; foi confrontado com as fotografias de fls. 30 e seguintes, tendo referido que a D. BB chamou alguém que “cavou”, por baixo, o tecto e viu que o sifão, que aparece na foto de fls. 30 e que é do ... andar, é que estava a dar problemas, era naquela zona que aparecia água, porque estava “estragado”, “descolado”; foi o que lhe foi comunicado,  porque nunca viu; desconhece se a situação está resolvida; os wc´s de ambas as fracções são sobrepostos, sendo o ... andar o último do edifício; houve infiltrações com origem no telhado e nas fachadas, mas não têm relação com a questão dos autos, porque os wc´s ficam no meio das fracções; os wc’s não têm janela, nem ventilação forçada; apenas têm uma grelha que vai directamente ao telhado; o wc da fracção da D. BB tem um tecto falso, que não é da construção do prédio; a D. BB fez obras e colocou o tecto falso; perante a questão de a colocação do tecto falso ter furado o tubo, declarou que os tubos estão a pelo menos 15 cm e não se convence que para meter o tecto falso, metessem um parafuso de 15 cm; para descobrir o sifão tiveram de “cavar” pelo menos 10 cm.

- depoimento da testemunha FF, tia da A. BB e empregada de escritório, tendo ainda declarado, no decurso do seu depoimento, que trabalha na empresa que realizou as obras na fracção autónoma dos AA. a S... e que declarou, em síntese, que os AA. vivem na ..., vieram  a Portugal passar férias, tendo detectado infiltrações no tecto do wc; houve dificuldades em conseguir o contacto da proprietária da fracção autónoma situada por cima; em finais de 2018 conseguiram falar com a D. CC; a D. CC participou ao seguro, que foi lá; a D. CC disse que foi detectado um furo na banheira e que o seguro disse que era da banheira e que ia fazer obras; comunicou que fez obras; depois apareceu novamente água; um familiar foi à fracção dos AA. e verificou que havia água no chão; o wc tinha um tecto falso, que estava “danificado”; havia um balde no wc da fracção dos AA. para aparar a água, mas não era sempre que aparecia água – aparecia de um momento para o outro; em outro momento do seu depoimento referiu que a água não era constante; que teve uma conversa com a D. CC que lhe referiu que o irmão vivia na casa, que ia ao ginásio todos os dias e tomava lá banho; só quando estava em casa, ao fim de semana, é que tomava banho; falou com a D. CC, que referiu não compreender o que estava a acontecer, uma vez que tinha feito as obras e ia anular o seguro e acionar o seguro do prédio; mais adiante referiu que a D. CC declarou que ia vender a fracção e que, tendo feito as obras que o seguro tinha mandado, não tinha mais nada a ver com isso”; falou com a D. DD, que acionou o seguro; mas a seguradora veio a entender que quando a D. DD foi para a fracção, o sinistro já existia e por isso declinou a responsabilidade; foi lá uma empresa – que depois referiu ter sido a S... – que abriu um buraco no tecto para descobrir donde vinha a infiltração e verificou-se que a mesma tinha origem num “furo” no sifão do andar superior; foi confrontada com as fotos de fls. 30, tendo dito que eram do wc da D. CC; o “furo” era na zona de ligação; perguntada se tinha visto o “furo” respondeu afirmativamente; viu que caía água daquele sitio; foi-lhe perguntado se o “furo” podia ter sido causado por algum parafuso no tecto, tendo declarado que não, porque o sitio não é o mesmo, é ao lado, a não ser que quem foi fazer tenha lá andado a furar; o pladur manteve-se nos encaixes; o sifão foi intervencionado e nunca mais houve problemas; a fracção dos AA. estava inabitável, por causa do cheiro, no quarto, no guarda fatos, o tecto falso do wc estava a cair, o wc em questão era o único, havia bolor; nunca ninguém colocou a hipótese de a infiltração ter outra origem, nomeadamente do telhado ou das fachadas, neste caso porque o wc fica distanciado das mesmas.
           
- depoimento da testemunha HH, irmão da Ré CC que declarou, em síntese, que esteve na fracção da irmã desde Outubro/Novembro de 2018 e saiu de lá mais ou menos um ano depois; uns meses depois os vizinhos de baixo bateram à porta a queixar-se que pingava em baixo; ligámos várias vezes as torneiras e não via lá água a escorrer; mudaram a casa de banho, tendo substituído a banheira por poliban, tendo acompanhado a obra; ao tirar a banheira estava seco; abriu-se um buraco com mais ou menos 10 cm de fundo e foram metidos tubos novos, tendo referido em outro momento que substituíram a parte que liga ao escoamento e a parte que liga às torneiras; passado algum tempo bateram à porta e disseram que continuava a pingar; foi à fracção de baixo e já tinham um buraco no tecto e por dentro do buraco estava um tubo que não tinha encaixe; este buraco estava por baixo da banheira da fracção superior; fizeram duas vezes testes e no andar de baixo não acontecia nada; só acontecia quando chovia; o wc tinha um tecto falso que não era de origem; ao aplicar o pladur pode ter acontecido terem furado o tubo; foi confrontado com as fotos de fls. 30 tendo declarado que aqueles tubos estão muito próximos do tecto da fracção do piso inferior, para serem da fracção do piso superior; após as obras na fracção da irmã, continuou a haver reclamações.
           
- depoimento da testemunha II, que fazia limpezas na casa da Ré CC e que declarou, em síntese, que ia fazer limpeza à 2ª feira à tarde, um dia o Sr. do Condomínio disse que passava água para o andar de baixo; a D. CC fez obras na casa de banho, tendo trocado a banheira por poliban; um tempo depois o Sr. do Condomínio, acompanhado de outro senhor, bateu-lhe à porta e pediu para ir ver o wc e se podiam deitar água, ao que a mesma acedeu; o senhor que acompanhava o Sr. do Condomínio ficou na fracção da D. CC e deitou água no lavatório e no poliban; o Sr. do Condomínio foi para o andar de baixo; passado um bocado subiu e disse que não encontrou água no andar de baixo e que tinham de dar isto por concluído; depois disto não houve mais queixas.
           
- depoimento da testemunha JJ, mãe da R. DD e que declarou, em síntese, como a filha chegou à aquisição da fracção e que a Ré CC nunca falou do problema com a fracção de baixo e que só soube depois da escritura de compra e venda; um dia estava na fracção, já adquirida pela filha e alguém do andar de baixo bateu à porta; estava com o marido e foram ver o andar; todo o apartamento cheirava mal, era uma situação que tinha anos; uma parte do tecto estava no chão, havia manchas negras; a humidade tinha espalhado; declinaram qualquer responsabilidade; foi lá um perito, a pedido da filha, que escreveu que era uma fuga anterior, tendo referido o que consta do documento, que entretanto foi junto aos autos na sessão de 19/05/2022; não contactaram a Ré CC; uma representante da A., acompanhada de um empreiteiro, pediu para abrir as torneiras e depois não caía nada; a testagem foi antes do documento que referiu; tiveram conhecimento que foram realizadas obras na fracção que foi propriedade da 1º Ré, até porque ouviram barulho.

- depoimento da testemunha KK, mediadora imobiliária à data da venda da fracção autónoma da 1ª Ré à 2ª Ré, que depôs sobre o processo de venda, tendo declarado que a D. CC não comunicou qualquer problema de infiltrações no piso inferior; a DD só tomou conhecimento do problema depois da escritura.

- depoimento da testemunha LL, “padrasto” da 2ª Ré declarou em síntese, que estava na fracção adquirida pela D. DD, apareceram dois senhores à porta a dizer que tinham uma fuga em baixo e se podiam ver se tinha origem naquela fracção; acedeu ao pedido, entraram, desmontaram o sitio para onde as águas vão todas e que chamam de “balde” ou “fossa” [entende-se que a testemunha se está a referir ao sifão, que recolhe a água da banheira e do lavatório] e andaram a ver com o telemóvel e os tubos estavam todos “sequinhos”; pediram-lhe para abrir a água para ver donde vinha a fuga em baixo; abriu a água do lavatório e do duche; pediram para ir ao andar de baixo para ver se se via alguma coisa; estava tudo partido, o tecto estava todo deitado abaixo, tinha umas lombas, com marcas de água que pareciam ter dois ou três anos; um senhor, que não sabe se era da família ou empreiteiro, deitou a placa de pladur abaixo; as pessoas que andaram a fazer o dito tecto falso, com a “broca da máquina”, furaram o tubo da água, porque os tubos estão metidos dentro do cimento; o tecto tinha uma marca de correr água antiga e viu-se daí donde vinha a fuga; o outro senhor disse que andaram a meter o tecto falso e furaram o tubo e não disseram nada; foi confrontado com as fotografias de fls. 30 e segs., tendo  referido que o que consta das fotografias n.ºs 1 e 2 não existia, eram de um muro que não tem nada a ver com o tecto e identificou as fotos 3, 5 e 6 como sendo o tecto que viu; pelas marcas no tecto, a infiltração era muito antiga, com mais de ano, ano e meio; não reconheceu as fotos n.ºs 1 e 2, dizendo que não era do “seu tempo”; quando foi à fracção dos AA. o buraco que consta da foto n.º 3 já estava aberto e era por baixo do que denominou de “balde” [querendo referir-se a sifão]; foi confrontado com a foto n.º 3 e apontou o local onde estava a régua que segurava o pladur; quando foi retirada a bucha em metal e o “desandador”, viu-se a ponta molhada; foi confrontado com a foto n.º 6 tendo declarado que era aquela a estrutura de metal que existia e que foi retirada.

- depoimento da testemunha GG, canalizador, e que declarou, em síntese, que procedeu à substituição da banheira por poliban no ... andar, a pedido da Ré CC, que lhe disse que o fazia por haver queixas de infiltrações no andar de baixo; quando retiraram a banheira não encontraram nada de anormal; nunca foi ao apartamento de baixo; foi confrontado com a foto n.º 6 e, advertindo que não era a sua “arte”, explicou que a aplicação de pladur é feita mediante uns furos no tecto, põem uma bucha a que aplicam um varão roscado e depois é posta a calha a que agarra o pladur; foi perguntado se aquando da colocação do pladur é possível terem furado os tubos, respondeu que “possível é…”; referiu ainda que na tubagem em causa não é natural aparecer um furo; o que pode haver é uma má ligação; na obra que realizou não mexeu no sifão, tendo-se limitado a ajustar o tubo de ligação do escoamento do poliban ao sifão.

5.4.2. Motivação do tribunal recorrido
Depois de uma breve descrição do teor dos depoimentos, o tribunal a quo motivou a sua decisão nos seguintes termos:
“Conjugada a prova produzida, entende o Tribunal que não foi feita prova suficiente de que a infiltração de água proviesse do prédio das rés, nomeadamente da banheira ou do sifão.
Vejamos porquê.
Em primeiro lugar, consideramos seguro que a causa das infiltrações não era a
banheira da casa de banho da 1ª ré.
Com efeito, é certo que uma infiltração provinda da banheira da casa de banho
superior seria a causa mais óbvia das infiltrações da casa de banho dos autores, no piso inferior; de resto foi essa a causa primeira apontada quer pelos peritos da seguradora da 1ª ré quer pelo perito a seguradora da 2º ré, no relatório de fls. 83, todavia, a prova produzida foi unânime no sentido de que não havia qualquer água, ou sequer humidade, junto à banheira quando a mesma foi retirada, o que inculca a certeza de que a água não provinha daí.
Por outro lado, a circunstância de as infiltrações terem persistido mesmo após a substituição da banheira concorre ainda para a convicção segura de que as infiltrações não provinham daí.
De resto, nenhuma prova se produziu, com assertividade e segurança, no sentido de que a infiltração proviesse a banheira da casa de banho das rés.
Por outro lado, não se convenceu ainda o Tribunal que a infiltração proviesse dos canos visíveis a fls. 30, como defendeu a testemunha FF.
Com efeito, é certo que a testemunha FF sustentou ter visto o essa tubagem furada, a verter água e com vestígios de humidade.
O seu depoimento, porém, foi amplamente contraditado pelo depoimento de LL que sustentou ter estado no apartamento dos autores quando tiraram o teto falso e ter constatado que era a estrutura do pladur que havia furado um tubo e não dali.
O seu depoimento foi ainda contraditado pelo depoimento de GG que explicou que um tubo daquela natureza não “se fura” de forma natural ou pelo desgaste.
Ora, conjugados os depoimentos referidos com as imagens juntas aos autos, entende o Tribunal que o depoimento de FF não foi suficiente para convencer o Tribunal de que a infiltração provinha efetivamente dessa tubagem (sifão, como lhe chamou a testemunha FF e caixa de passagem, como explicaram as testemunhas LL e GG).
Em primeiro lugar, à luz das regras da experiência comuns e normalidade consideramos pouco plausível que um tubo da natureza do visível a fls. 30, que são tubos grossos e resistentes, furasse simplesmente, com um furo pequeno, como defendeu a testemunha FF, uma vez que o usual e comum é o tubo rebentar nas suas ligações ou ser mal aplicado.
Isto mesmo veio a explicar a testemunha GG, canalizador de profissão, que atestou ainda que seria impossível à 1ª ré furar o tubo em causa, certo que, como é visível a fls. 30, o tubo se encontra instalado no piso e rodeado de cimento.
Por outro lado, confrontando o depoimento de LL, que atestou que viu que era a estrutura do teto falso que tinha furado o tubo, com o depoimento de FF, que defendeu o oposto, consideramos mais credível o depoimento de LL.
Com efeito, sobre este ponto, a testemunha FF asseverou que não retiraram os ganchos, deixaram a estrutura do teto falso tal como existia.
No entanto, do confronto das imagens de fls. 30 e 31 resulta, de forma manifesta, que retiraram uma parte da estrutura metálica do teto falso, já que na fotografia de nº 6 é visível imediatamente por cima do respiradouro uma parte da estrutura metálica e na fotografia nº 3, vê-se o mesmo respiradouro (à direita) e já não está aí qualquer estrutura metálica, pelo que nesta parte necessariamente a estrutura metálica do teto falso foi removida.
Ora, tal constatação descredibiliza o depoimento da testemunha FF
 que, sustentando ter acompanhado as obras e saber o que foi executado, mal se compreende que sustente que não removeram a estrutura do teto falso quando é nítido que o fizeram nessa parte junto ao respiradouro.
Por outro lado, quer pela forma sincera e genuína como foi prestado, quer ainda por sair corroborado pelos demais meios de prova, consideramos mais credível o depoimento de LL ao sustentar ter visto a retirarem o pladur e, nesse momento, a estrutura do teto falso a furar o cano.
Esta circunstância, aliada ao depoimento de GG que asseverou, como se referiu já, não ser possível que o cano se furasse “de forma natural”, torna mais credível que efetivamente tenha sido a colocação da estrutura do teto falso do teto dos autores a furar o cano e a provocar as infiltrações.
Assim sendo, julga-se não provado que a causa das infiltrações proviesse do prédio das rés, julgando-se, em consequência, não provada a matéria dos artigos a), c) e d) dos factos não provados.

5.4.3. Apreciação deste tribunal
A alínea a) dos factos não provados tem o seguinte teor:
a) A infiltração referida em 5) fosse proveniente da fração da 1ª Ré.

No ponto da matéria de facto ora em apreço apenas está em causa saber se as infiltrações tinham origem em algum elemento integrante da fracção autónoma que foi propriedade da 1ª Ré e é propriedade da 2ª Ré, ou seja, só está colocado um problema de causalidade.

Não há dúvidas que a fracção autónoma dos AA. sofreu infiltrações e que constam referidas, não apenas no ponto 5), mas também nos pontos 8) 9) e 13) dos factos provados.

A sentença recorrida assim o considerou.
 “No que concerne às infiltrações, da prova produzida em audiência de julgamento não foi posto em causa que efetivamente o prédio dos autores teve infiltrações de água vindas do teto.
Com efeito, quanto à existência das infiltrações valorou o Tribunal não só a prova documental de fls. 31 e 32 de onde emerge que efetivamente o prédio apresenta danos provenientes de infiltrações de água vindas do teto, assim como o documento de fls. 83, onde tais danos vêm igualmente descritos.
A existência das infiltrações foi ainda e no essencial corroborada pelos depoimentos de EE, empresário, gerente da administradora do R..., FF, empregada de escritório, tia da autora BB, JJ, consultora imobiliária, mãe da 2ª Ré DD e LL, montador de gruas, padrasto da 2ª ré DD, que foram ao local e comprovaram a existência dos danos, conforme, de resto, resulta das fotografias a que já se aludiu.

De acordo com as regras da lógica e da normalidade, a água há-de ter alguma origem.

Resulta das declarações de parte da Ré CC e do depoimento da testemunha EE, que o wc das fracções autónomas referidas nos pontos 1) e 2) da fundamentação de facto, são sobreponíveis.

Resulta do depoimento das testemunhas FF e LL, que as infiltrações, tinham origem no sifão (sifão na expressão da testemunha FF, “balde” na expressão da testemunha LL, “caixa de passagem” na expressão da testemunha GG) existente no wc da fracção autónoma, antes propriedade da 1ª Ré, agora propriedade da 2ª Ré, que deixava passar para o exterior a água escoada dos restantes sanitários (com exclusão da sanita) e recebida no mesmo.
           
Basta rever o depoimento de ambas as testemunhas para não haver quaisquer dúvidas quanto a isso, sendo certo ter ficado afastada a possibilidade de a origem dessas infiltrações ser a banheira da fracção antes propriedade da 1ª Ré, agora propriedade da 2ª Ré.
           
Reveja-se ainda as fotos de fls. 30, que face ao depoimento da testemunha FF, retratam o sifão do andar superior, visto a partir do andar inferior e depois de aberto um buraco e que nenhum elemento permite colocar em crise (fotos que, estranhamente, foram identificadas pela testemunha LL, como sendo um “muro” e que não tinham nada a ver com o tecto, quando o mesmo identificou na fotografia n.º 3, a fls. 31, o “buraco” onde estava o “tubo” furado).

De referir ainda que não estão apenas em causa as infiltrações referidas no ponto 5) dos factos provados, mas também as referidas nos pontos 8), 9) e 13).

No entanto, a sentença recorrida discorre sobre a possibilidade de o sifão deixar passar água por ter sido furado aquando da colocação do tecto falso na fracção autónoma dos AA., questão que aflorou em determinados momentos do julgamento e foi patente no depoimento da testemunha LL.

Como já se deixou referido, no ponto da matéria de facto ora em apreço apenas estava em causa saber se as infiltrações tinham origem em algum elemento integrante da fracção autónoma que foi propriedade da 1ª Ré e é propriedade da 2ª Ré, ou seja, aqui está colocado um problema de causalidade.
E apurou-se que sim: tinha origem no sifão dessa fracção, que deixava passar água.

A razão pela qual o sifão existente no wc da fracção autónoma deixava passar a água que recebia e concretamente se tal sucedia por ter sido furado aquando da colocação do tecto falso na fracção autónoma dos AA., é uma questão totalmente diferente - pois coloca um problema de imputação subjectiva – e nova – já que não foi alegada por nenhuma das partes e, nomeadamente pelas RR.

E, como resulta claramente do n.º 2 do art.º 5º do CPC, o tribunal só pode considerar os factos essenciais articulados pelas partes.

Não tendo aquela factualidade sido alegada pelas RR., não pode o tribunal conhecer da mesma.

Destarte procede a impugnação quanto à alínea a) dos factos não provados e, assim, impõe-se eliminar a mesma e com a precisão de que as infiltrações são as referidas nos pontos 5), 8), 9) e 13) dos factos provados e da concreta origem da infiltração – o sifão existente no wc da fracção autónoma que foi da 1ª Ré e é propriedade da 2ª Ré -, aditar um ponto 13 B) aos factos provados, com o seguinte teor:
13 B) As infiltrações referidas nos pontos 5), 8), 9) e 13) da fundamentação de facto tiveram origem no sifão existente no wc da fracção autónoma referida no ponto 2) da fundamentação de facto, que deixava passar para o exterior a água escoada dos restantes sanitários (com exclusão da sanita) e recebida no mesmo.

A alínea b) dos factos não provados tem o seguinte teor:
b) Os autores hajam encontrado a infiltração referida em 5) em Setembro.
           
Os AA. alegaram este facto no art.º 5º da PI.

Ao contrário do alegado pelos AA. no recurso, a 1ª Ré impugnou este facto por desconhecimento (cfr. art.º 3º da contestação e art.º 574º, n.º 3 do CPC).

A testemunha FF declarou que os AA., que vivem na ..., vieram a Portugal passar férias, tendo detectado infiltrações no tecto do wc.
Porém, a mesma não especificou em que data é que vieram passar férias.
Neste conspecto, não é possível dar como provado este facto, que assim se mantém nos factos não provados, improcedendo a impugnação.

As alíneas c) e d) dos factos não provados tem o seguinte teor:
c) A casa de banho da fração da 2ª ré continue a infiltrar água proveniente da fração da 2ª Ré, no teto da casa de banho dos Autores, o que cria humidades e pingas no teto da casa de banho.
d) Permanecem por ser feitas as obras necessárias de impermeabilização na fração da 2ª Ré, por forma a precaver futuras infiltrações.

A testemunha FF foi perenptória em afirmar, por duas vezes, que depois de terem detectado que a origem das infiltrações era um furo no sifão do andar de cima, procederam à sua reparação e nunca mais houve problemas.

Neste contexto, carece de fundamento pretender-se que a matéria constante das alíneas c) e d) seja considerada provada, pelo que improcede a impugnação quanto a esta matéria.

A alínea e) tem o seguinte teor:
e) Os Autores sentem-se enganados e atraiçoados pelas Rés, que fizeram crer os Autores que iriam participar aos respetivos seguros a situação e resolvê-la, mas que até hoje nada fizeram.                                                                                                                                         
O cerne desta factualidade é o sentimento dos AA. perante a alegada actuação das RR.
Não foi produzida qualquer prova quanto a esta matéria, sendo que as testemunhas referidas pelos AA. na motivação do recurso, nunca se pronunciaram sobre os eventuais sentimentos dos AA. perante a alegada actuação das RR..

Neste contexto, carece de fundamento pretender-se que a matéria constante da alínea e) seja considerada provada, pelo que improcede a impugnação quanto a esta matéria.

6. Direito
6.1. Enquadramento jurídico

Dispõe o art.º 483º do CC:
“1. Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. (...) “
           
Sem necessidade de grandes desenvolvimentos, porque se trata de matéria que não oferece dúvidas, os pressupostos da responsabilidade civil extra contratual por factos ilícitos (que devem, ser alegados e provados pelo lesado, como constitutivos do direito de que se arroga, conforme resulta do disposto no n.º 1 do art.º 342º do Código Civil, mas que, no que respeita à culpa, pode sofrer desvios, se houver presunção de culpa, como veremos melhor adiante) são:
a) Um facto (comportamento ou forma de conduta humana que se pode traduzir numa acção ou omissão);
b) A ilicitude desse facto ou sua antijuridicidade e que, como referido, tem tradução nas duas previsões gerais do art.º 483º n.º 1 – violação de um direito de outrem e violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios - e nas previsões específicas nos artigos 484º a 486º e 491º a 493º, todos do CC.
c) A imputação culposa do facto ao lesante (censurabilidade da conduta do agente pelo direito, que pode assumir a forma de dolo ou de negligência, a apreciar nos termos do artigo 487º do Código Civil), salvo se a lei estabelecer uma presunção de culpa;
d) O dano ou prejuízo (que consiste em «toda a ofensa de bens ou interesses protegidos pela ordem jurídica»);
e) Um nexo de causalidade (adequada) entre o facto e o dano (sendo indemnizáveis todos os danos - mas só esses - causados pela acção ou omissão do agente).
           
A ilicitude tem em vista direitos absolutos, como sejam os direitos de personalidade e o direito de propriedade.

Mas a situação dos autos convoca o disposto no n.º 1 do art.º 493º do CC - que constitui uma especificação da cláusula geral do art.º 483º n.º 1 do CC –, o qual dispõe que quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar (…), responde pelos danos que a coisa (…) causar […], salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

A ratio da norma reside numa máxima de experiência comum: quando uma coisa, estando sob a custódia de alguém, provoca danos, a respectiva causa assenta, em regra, na falta ou deficiente vigilância por parte da pessoa encarregue de a guardar.

Ao encarregado da vigilância compete, por seu turno, ilidir essa presunção, demonstrando o correto cumprimento dos respectivos deveres de guarda, uma vez que, estando a coisa à sua disposição, está em melhor situação para comprovar que foi cauteloso na sua custódia (cfr. Rui Ataíde, in Responsabilidade civil por violação de deveres no tráfego, pág. 356, obra que seguiremos de perto).

A responsabilidade dos vigilantes pelos danos provocados por qualquer coisa sob a sua guarda, independentemente da respectiva perigosidade, pode ser explicada, nomeadamente, segundo a teoria das esferas de responsabilidade: quem está ou participa no tráfego mediante o controlo de determinados complexos de meios, ainda que não perigosos, assume a correspondente competência funcional de providenciar as necessárias medidas de segurança para evitar que desses segmentos materiais sob o seu domínio, resultem [danos] para terceiros, encontrando-se em situação especialmente favorável, pela sua situação de facto em relação à coisa, para demonstrar que o prejuízo não resultou da falta ou insuficiência dessas providências – aut. e ob. cit., pág. 357.

Na alçada do art.º 493º n.º 1 caiem todas as coisas, por mais inócuo que seja o seu potencial danoso, que fazem parte do tráfego e que estejam em poder do sujeito.

Na norma em referência, o responsável é a pessoa que tiver em seu poder a coisa imóvel e que, por isso, está obrigado a vigiá-la, podendo ser, ou não, proprietário – o que releva é que tenha o controlo material da coisa, o corpus possessório  (aut. e ob. cit., pág. 388), o poder de facto sobre a coisa que dure o tempo suficiente para viabilizar a efectiva constituição duma posição de domínio (ob. e aut. cit., pág. 396), mas com exclusão das situações de mero contacto físico ocasional com a coisa (aut. e ob. cit., pág. 388.)

Por outro lado e do ponto de vista objectivo, estão unicamente abrangidas: a) as coisas que, podendo ser objecto de custódia, podem, por via das mais diversas forças, incluindo a da gravidade, adquirir um dinamismo próprio susceptível de causar danos; e b) os danos que a coisa causar, no sentido em que estão afastados do âmbito da norma os danos causados com a coisa, ou seja, quando esta funcionou simplesmente como instrumento parcial da ação danosa empreendida pelo sujeito – cfr. aut. e ob. cit. pág. 362.

No n.º 1 do art.º 493º do CC estão abrangidas as coisas, móveis e imóveis, mesmo que não sejam por natureza perigosas, mesmo que sejam inertes (estando, portanto, afastada uma interpretação segundo a qual o dano tem de ser causado pelo dinamismo congénito da coisa), susceptíveis de causar danos a terceiros, se não forem observados deveres de controlo destinados a impedir ou, ao menos, a reduzir, a probabilidade de eventos danosos, motivo pelo qual, para evitar a sua ocorrência, manda o art.º 493º n.º 1 do CC que devem ser vigiadas.

Ou seja, “ …o eixo de imputação não reside (…) na presença ou falta de um congénito potencial lesivo das coisas, mas no (in)cumprimento dos deveres de vigilância que ao caso couberem, uma vez que, mesmo quando as coisas estão privadas de um dinamismo próprio, subsistem deveres de controlo destinados a impedir ou, ao menos, a reduzirem a probabilidade de factores externos, fortuitos ou não, intervirem como causa ou concausa de eventos danosos” – aut e ob. cit. pág. 364.

Ou seja: muito embora estejam em causa coisas inertes, tornam-se fonte de danos por falta de vigilância, a qual deve ter em atenção tanto factores intrínsecos, como extrínsecos; mas, em qualquer caso, os danos terão de ter origem ou causa na coisa sob vigilância.

O normativo em referência, ao expressar que quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar (…), responde pelos danos que a coisa (…) causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua, estabelece uma presunção de culpa.

Na responsabilidade civil extracontratual, em regra é ao lesado que, salvo excepções, incumbe provar a culpa do autor da lesão – art.º 342º n.º 1 do CC.

Constituem excepção os casos em que a lei estabelece uma presunção legal de culpa, o que, de acordo com o estatuído no n.º 1 do art.º 344.º do referido código, implica a inversão do ónus da prova.

Neste caso, é ao lesante que cabe provar, para se eximir à responsabilidade, que nenhuma culpa houve da sua parte na produção do facto danoso, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

Finalmente importa considerar que um grupo de situações a que tem sido aplicado o disposto no art.º 493º n.º 1 do CC, é às infiltrações de águas no piso inferior, provenientes do piso superior (cfr. a titulo meramente exemplificativo, o Ac. do STJ de 14.09.2010., proc. 403/2001.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj e que contem uma recensão de jurisprudência até à data do Ac. e mais recentemente os Acs. de 14/03/2019, proc. 2446/15.0T8BRG.G2.S1 e de 14/07/2021, proc. 1168/13.1T2STC.E2.S1, ambos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj e que têm como parte demandada o “Condomínio”)        

6.2. Em concreto
Está provado que os AA. são proprietários de uma fracção autónoma que corresponde ao ... andar do lado nascente direito do prédio identificado nos autos (pontos 1 e 4 dos factos provados).

E está provado que a 1ª Ré foi proprietária, até Novembro de 2019 e a 2ª Ré é proprietária, desde então, da fracção autónoma que corresponde ao ... andar recuado, do lado nascente direito, do mesmo prédio (pontos 2, 3, 12 e 4 dos factos provados).

Resulta desta factualidade (e não é objecto de discussão nos autos) que a fracção autónoma propriedade dos AA. situa-se por baixo da fracção autónoma de que a 1ª Ré foi proprietária e de que a 2ª Ré é agora proprietária.

Pode assim afirmar-se estar verificado o primeiro pressuposto do n.º 1 do art.º 493º do CC – a 1ª Ré ter tido, e a 2ª Ré ter actualmente em seu poder a fracção autónoma que corresponde ao ... andar recuado, do lado nascente direito, do prédio em referência nos autos.

E sendo assim, estavam as RR., enquanto proprietárias – a 1ª Ré, enquanto o foi proprietária; a 2ª Ré desde que passou a ter essa qualidade -, adstritas ao dever de vigiar a referida fracção autónoma.

Está ainda provado que, no ano de 2018, quando se deslocaram a Portugal para passar férias, os Autores encontraram uma infiltração no teto do WC (o único da fração), de onde caiam pingas do teto (ponto 5 dos factos provados); nessa sequência, os Autores interpelaram a 1ª Ré, que lhes transmitiu que iria acionar o seguro e averiguar as causas (ponto 6 dos factos provados); posteriormente, a 1ª ré transmitiu aos autores que realizou obras na sua casa de banho (ponto 7 dos factos provados); umas semanas após o referido em 7), um familiar dos Autores deslocou-se à fração e voltou a encontrar o imóvel com água por todo o lado, já alastrada para outras áreas fora da casa de banho ( pontos 8 e 9 dos factos provados); após a venda da fração à 2ª Ré, os problemas de infiltrações no WC da fração dos Autores permaneceram (ponto 13 dos factos provados); e, finalmente, ficou provado que as infiltrações referidas nos pontos 5) , 8), 9) e 13) da fundamentação de facto tiveram origem no sifão existente no wc da fracção autónoma referida no ponto 2) da fundamentação de facto, que deixava passar para o exterior a água escoada dos restantes sanitários (com exclusão da sanita) e recebida no mesmo (ponto 13 B)).

Decorre desta factualidade que a fracção autónoma propriedade dos AA. sofreu infiltrações, referidas nos pontos 5), 8), 9) e  13) da fundamentação de facto, que, como resulta do ponto 13 B), tiveram origem no sifão existente no wc da fracção autónoma referida no ponto 2) da fundamentação de facto, que deixava passar para o exterior a água escoada dos restantes sanitários (com exclusão da sanita) e recebida no mesmo, ou seja, as infiltrações tiveram origem num elemento da fracção autónoma que corresponde ao ... andar recuado, do lado nascente direito, do prédio em referência nos autos e que se situa por cima da fracção autónoma dos AA., fracção autónoma essa que a 1ª Ré teve em seu poder e a 2ª Ré tem, actualmente, em seu poder.

Pode assim afirmar-se estar verificado o segundo pressuposto do n.º 1 do art.º 493º do CC – os danos tiveram origem ou causa na coisa – fracção autónoma - que a 1ª Ré teve em seu poder e a 2ª Ré tem, actualmente, em seu poder.

Importa aqui retomar uma questão já suscitada no âmbito da apreciação da decisão de facto.

Como já ficou referido, a sentença recorrida discorre sobre a possibilidade de o sifão deixar passar água por ter sido furado aquando da colocação do tecto falso na fracção autónoma dos AA., questão que aflorou em determinados momentos do julgamento e foi patente no depoimento da testemunha LL.

Estamos perante uma questão que se situa ao nível da imputação subjectiva.

Estamos no âmbito de aplicação do art.º 493º, n.º 1 do CC, nos termos do qual presume-se a culpa do possuidor da coisa na produção dos danos.

Assim, para afastar essa presunção de culpa, cabia às RR. alegar e provar que a causa dos danos não lhes era imputável, nomeada e eventualmente, que o sifão por facto imputável aos AA. ou a terceiros.

Tal alegação constituiria matéria de excepção perenptória, no sentido em que impedia o direito dos AA..

Dispõe o art.º 5º n.º 1 do CPC que às partes cabe alegar os factos essenciais (…) em que se baseiam as exceções invocadas.

Sucede que nenhuma das RR. alegou tal factualidade.

Tratando-se de factualidade essencial para afastar a culpa presumida e não tendo sido alegada no momento oportuno, não pode o tribunal conhecer da mesma, como claramente resulta do n.º 2 do art.º 5º do CPC, ao dispor que o tribunal só pode considerar os factos articulados pelas partes.

Não tendo as RR. alegado e provado qualquer factualidade susceptível de afastar a presunção de culpa, a mesma presume-se.

Em face do exposto até aqui estão verificados os pressupostos do dever de indemnizar.

Resta apreciar, concretamente, os pedidos formulados.

Os AA. peticionaram a condenação da 2ª Ré a reparar as patologias causadoras das infiltrações na fração dos autores.

O n.º 1 do art.º 493º do CC pressupõe um dever de vigilância sobre a coisa, de molde a evitar a produção de danos; e caso a mesma se torne produtora de danos, esse dever implica, não apenas o dever de indemnizar os danos produzidos, mas também o dever de agir sobre a coisa, eliminando fonte da produção dos danos.

No caso dos autos e provado que as infiltrações referidas nos pontos 5), 8), 9) e 13) da fundamentação de facto tinham origem no sifão existente no wc da fracção autónoma referida no ponto 2) da fundamentação de facto, que deixava passar para o exterior a água escoada dos restantes sanitários (com exclusão da sanita) e recebida no mesmo (ponto 13 B)), isso traduzir-se-ia no dever de agir sobre tal sifão e pôr termo à passagem de água para o exterior.

Os AA. alegaram na petição inicial que a casa de banho da fração da 2ª ré continuava a infiltrar água no teto da casa de banho dos Autores, o que criava humidades e pingas no teto da casa de banho e permaneciam por ser feitas as obras necessárias de impermeabilização na fração da 2ª Ré, por forma a precaver futuras infiltrações.

Produzida a prova, tais factos resultaram não provados ( cfr. alíneas c) e d) dos factos não provados), assim se mantendo por a impugnação da decisão de facto ter sido julgada improcedente quanto a eles.

Não estando provada a actualidade da fonte de produção das infiltrações – a passagem de água para o exterior do sifão da fracção autónoma que foi da 1ª Ré e é da 2ª Ré – o referido pedido tem, necessariamente, de improceder.

Os AA. pedem ainda a condenação das RR., solidariamente, a pagar-lhe as quantias de € 2.020,00 a título de danos patrimoniais

Decorre ainda da factualidade provada que tendo em conta que aquele WC é o único da fração dos Autores, a fração  encontrava-se inabitável ( ponto 14 dos factos provados); motivo pelo qual os autores procederam em maio de 2021, à reparação dos danos da sua fração (ponto 15 dos factos provados); tendo procedido aos trabalhos: desmontagem de sanitários, anulação da canalização existente e passagem da nova canalização pelo teto do andar superior, montagem de sanitários, substituição do piso em flutuante, substituição de teto falso e pintura do mesmo, retirar papel de parede, fazer a respetiva reparação e colocar novo papel, substituição e envernização da porta do WC, reparação e pintura do quarto que faz divisão com o WC, tudo no montante global de € 2.484,60 (dois mil, quatrocentos e oitenta e quatro euros e seiscentos euros) (pontos 16 a 24 dos factos provados).

Os danos patrimoniais provados - € 2.484,60 - são superiores ao peticionado - € 2.020,00.

A sentença não pode condenar em quantidade superior ao pedido – art.º 609º n.º 1 do CPC.

Destarte e à luz do disposto no art.º 493º n.º 1 do CC, os AA. têm direito a ser indemnizados dos danos patrimoniais causados pelas infiltrações no montante de € 2.020,00.

Desde já se impõe enfrentar a questão de saber se serão ambas as RR. responsáveis solidariamente ou será apenas uma delas e qual.

Nos termos do disposto no art.º 497º n.º 1 do CC, se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.

Como referido, o art.º 493º n.º 1 do CC, tem em vista um dever do possuidor de vigiar a coisa.

Uma situação em que, desde logo, são várias as pessoas obrigadas a tal dever de vigilância, ou seja, em que há uma pluralidade de guardas, é na situação de compropriedade do bem.

Mas como decidir quando a coisa fonte de danos é transmitida, ou seja, quando há uma sucessão de proprietários?

Se a coisa fonte de danos é transmitida e se o factor produtor dos danos persiste, “atravessa” vários proprietários, ou seja, se se verifica enquanto cada um deles é proprietário, então, em função dessa qualidade, todos estavam obrigados a vigiar a coisa, ou seja, todos tinham o poder, enquanto proprietários, para intervir sobre o factor que desencadeava o dano. Não o tendo feito, não podem deixar de ser, todos, solidariamente, responsáveis pelos danos.

O lesado, que é completamente alheio a tais transmissões, não pode ficar em posição menos favorável, além de que eventuais questões internas relativas às transmissões, apenas dizem respeito e devem ser dirimidas entre transmitentes e transmissários.

No caso dos autos verifica-se que as infiltrações foram detectadas sendo proprietária da fracção na qual se situa a fonte dos danos a 1ª Ré, que, entretanto, transmitiu aquela à 2ª Ré, mas persistindo o problema.

Neste conspecto, estando a fonte produtora dos danos activa no período em que cada uma das RR. foi e é proprietária da fracção na qual se situa tal fonte, à luz do disposto no art.º 497º e para efeitos do n.º 1 do art.º 493º, ambos do CC, as RR. são solidariamente responsáveis.

Os AA. pediram também a condenação das RR. a pagar € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Resulta do disposto no art.º 496º n.º 1 do CC, que são de ressarcir os danos morais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.

A medida da satisfação pecuniária dos danos morais deve ser fixada de forma equitativa, nos termos do artigo 496º, n.º 3, do Código Civil, que manda atender às circunstâncias referidas no art.º 494º do mesmo Código (o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a situação económica do lesado, entre outras).

O seu montante «deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida».

A indemnização a fixar não deverá traduzir-se num montante meramente simbólico ou miserabilista, mas antes representar a quantia adequada a viabilizar uma compensação ao lesado pelos padecimentos que sofreu em consequência do sinistro (cfr. o já vetusto, mas actual, acórdão do STJ de 7/06/2011, proc. 160/2002, consultável in www.dgsi.pt/jstj).

Ficou provado que devido às infiltrações na casa de banho e por ser o único WC disponível na fração, os autores tiveram de se abster de ficar alojados nela desde 2018 até à sua reparação (ponto 25 dos factos provados), o que causou nos Autores profundo desgosto, por não mais terem uma casa para regressar a Portugal e terem de ficar alojados em casas de familiares ou alojamentos locais sempre que cá regressaram (ponto 26 dos factos provados), sentindo-se ainda envergonhados por terem a sua casa, fruto dos seus trabalhos, com um aspeto desprezível, danificado, sujo e ar doentio, devido ao bolor entretanto formado (ponto 27 dos factos provados) e abstendo-se de lá ficarem alojados ou de levarem lá quaisquer familiares e/ou amigos ( ponto 28 dos factos provados).

Se é certo que a situação perdurou cerca de 2 anos, não é menos certo que não estamos perante uma situação de habitação permanente, mas de férias, pois os AA. residem na ... (cfr. morada indicada na petição inicial).
A culpa é presumida.
Desconhece-se, por nada ter sido alegado nesse sentido, qual a situação económica das partes.
Neste contexto e fazendo uso da equidade, temos como ajustada a compensação pelos danos morais sofridos a quantia de € 1.500,00, actualizada à presente data, a qual, também, é da responsabilidade solidária das RR.

Finalmente os AA. peticionam juros sobre as referidas quantias.

Importa distinguir entre a indemnização dos danos patrimoniais – condenação solidárias das RR. a pagar € 2.020,00 - e a indemnização dos danos não patrimoniais - € 1.500,00.

Nos termos do n.º 1 do art.º 805º do CC o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

Mas o n.º 2, alínea b) dispõe que há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação, seja ela judicial ou extra-judicial, se a obrigação provier de facto ilícito.

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, anotação ao art.º 805º (antes da alteração introduzida no n.º 3) “[t]rata-se de excepção admitida sem reserva pelos autores, e que se harmoniza com a regra geral expressa, entre nós, no artigo 483º: aquele que viola ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Por consequência, deve indemnizar o lesado de todo o prejuízo por ele sofrido desde o momento da violação – e não desde a data de qualquer acto posterior.”

Mas o n.º 2 pressupõe que o crédito é liquido.

Sucede que no domínio da responsabilidade civil por facto ilícito, o crédito indemnizatório só vem a ser liquidado definitivamente na sentença ou, havendo recurso de apelação da mesma, no acórdão da Relação ou, sendo interposto recurso de revista, no acórdão do STJ.

E assim dispõe o n.º 3 do art.º 805º do CC:
3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.

Ou seja: resulta da 2ª parte do n.º 3 do art.º 805º do CC que se o crédito for ilíquido e se tratar de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número, ou seja, se no momento da citação o crédito já se tiver tornado liquido ou a falta de liquidez for imputável ao devedor.

Mas se isto é assim para a quantia de € 2.020,00 já não o é para a quantia de € 1.500,00, atribuída a titulo de danos não patrimoniais.

Como se deixou dito supra, a referida quantia é atribuída de forma actualizada, ou seja, tendo em consideração o momento da sua atribuição.

E, sendo assim, tem aplicação o Acórdão Uniformizador n.º 4/2002, de 27.06.2002, publicado no D.R., 1.ª Série A, n.º 146, o qual fixou jurisprudência no seguinte sentido:
Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.

Neste conspecto e sintetizando:
- sobre a quantia de € 2.020,00, há lugar a juros de mora vencidos desde a citação da última Ré – 20/10/2021 – até à data deste acórdão, calculados à taxa de 4% e vincendos desde a data deste acórdão até integral pagamento, à taxa de juros civis que vigorar;
- sobre a quantis de € 1.500,00, há lugar a juros de mora vincendos desde a data deste acórdão até integral pagamento, calculados à taxa de juros civis que vigorar.

As custas, da acção e do recurso, serão devidas por AA. e RR. na proporção do decaimento – art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC – que se fixa, respectivamente, em 50% e 50%.

7. Decisão

Termos em que acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção da Relação de Guimarães em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência revogar a decisão recorrida e em sua substituição, julgar parcialmente a acção e condenar as RR., solidariamente, a pagar aos AA.:
- a quantia de € 2.020,00, a titulo de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação da última Ré – 20/10/2021 – até à data deste acórdão, calculados à taxa de 4% e vincendos desde a data deste acórdão até integral pagamento, à taxa de juros civis que vigorar;
- a quantia de € 1.500,00, a titulo de danos morais, acrescida de juros de mora vincendos desde a data deste acórdão até integral pagamento, calculados à taxa de juros civis que vigorar;
- absolver as RR. de tudo o mais peticionado.

Custas da acção e do recurso por AA. e RR. na proporção do decaimento, que se fixa em, respectivamente, 50% e 50%.

Notifique-se
*
Guimarães, 28/09/2023
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
           
Relator: José Carlos Duarte
Adjuntos: Maria Gorete Morais
Gonçalo Magalhães (Dispensei o visto)