Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
729/17.4GBVVD.G1
Relator: PAULO SERAFIM
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ELEMENTOS TÍPICOS DO CRIME
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - O bem jurídico protegido pelo tipo legal de crime de violência doméstica (art. 152º do CP), é, primordialmente, a saúde da vítima, entendida nas suas vertentes de saúde física, psíquica e mental, visando a incriminação protegê-la de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal desenvolvimento de uma pessoa, afetem a dignidade pessoal e individual da pessoa que com o agente mantém (ou manteve) vínculos relacionais estreitos e/ou duradouros.
II - As condutas típicas preenchem-se com a inflição de maus tratos físicos (ofensas à integridade física simples) e maus tratos psíquicos (ameaças, humilhações, provocações, molestações). Estes maus tratos podem ser infligidos de modo reiterado ou não (conduta isolada).
III - O conjunto de ações típicas que integram o ilícito criminal em apreço, uma vez analisadas, à luz do contexto especialmente desvalioso em que são cometidas, constituirão maus tratos quando revelem uma conduta maltratante especialmente intensa, uma relação de domínio que deixa a vítima em situação degradante ou em estado de agressão permanente. Tais condutas geram uma situação consubstanciadora de um padrão comportamental associado a uma perigosidade típica para o bem-estar físico e psíquico da vítima, delas ressumando o desprezo do agressor pela dignidade pessoal desta (enquanto elemento revelador de um acentuado desvalor de acção que agrava a ilicitude material do facto).
IV - O crime de violência doméstica previsto no artº152º do CP supera a soma dos diversos ilícitos que o podem preencher, não sendo as condutas que integram o tipo consideradas autonomamente, mas antes valoradas globalmente na definição e integração de um comportamento repetido revelador daquele crime.
V - É precisamente por isso que para a prática do crime de violência doméstica não são inócuos os factos que, globalmente considerados, são reveladores de um comportamento de perseguição agressiva, de um constante importunar, de uma vontade conseguida de amedrontar através da inesperada abordagem pessoal e da ameaça velada; o âmbito do crime comporta, pois, as condutas que geram, inclusive através do reiterado e incessante envio de SMS ou de constantes ligações telefónicas, maus tratos psíquicos, configurados como stalking, comportamento criminalmente punível nos termos do art. 154º-A do CP.
VI – No caso, os diversos comportamentos do arguido dados por provados, reiterados e dolosos, consubstanciando episódios de ofensas corporais, de ofensas à honra e consideração, de ameaça e de perseguição (stalking) cometidas sobre a sua mulher, num quadro global de agressividade, desrespeito e humilhação a que a sujeitou, são suficientes para integrar o conceito de “violência doméstica” por tais factos representarem, em relação à vítima, no contexto do relacionamento interpessoal por eles vivenciado, um potencial de agressão que supera a proteção oferecida pelos também tipificados crimes de ofensas à integridade física simples, injúrias, ameaças e perseguição quando considerados isoladamente.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO:

No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 729/17.4GBVVD, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Vila Verde, por sentença proferida a 08.10.2019 e depositada no mesmo dia (referências 165100558 e 165251870, respetivamente), foi decidido:

“- Condenar o arguido V. H. pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido nos termos do artigo 152.º n.º 1 a) e n.º 2 do Código Penal, numa pena de dois anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos e oito meses, sujeita a regime de prova a acompanhar pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que incluirá o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos.
- Condenar V. H. na pena acessória de proibição de contacto com O. M. por dois anos e oito meses, incluindo afastamento da sua residência e do seu local de trabalho.
- Condenar V. H. na pena acessória de frequência de um programa específico de prevenção de violência doméstica.
- Julga-se parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por O. M. e condena-se V. H. a pagar-lhe a quantia de dois mil e quinhentos euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros a contar da presente data.”


▪ Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido V. H. interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (fls. 342 a 350 – ref. 33877068) - transcrição:

“1. O presente recurso tem como objeto a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o arguido na pena
Condenar o arguido V. H. pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido nos termos do artigo 152.º n.º 1 a) e n.º 2 do Código Penal, numa pena de dois anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos e oito meses, sujeita a regime de prova a acompanhar pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que incluirá o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos.
Condenar V. H. na pena acessória de proibição de contacto com O. M. por dois anos e oito meses, incluindo afastamento da sua residência e do seu local de trabalho. - Condenar V. H. na pena acessória de frequência de um programa específico de prevenção de violência doméstica.
Julga-se parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por O. M. e condena-se V. H. a pagar-lhe a quantia de dois mil e quinhentos euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros a contar da presente data.
2. A prova produzida tem como único fundamento a convicção pessoal do julgador, que num juízo de reconstrução da factualidade, alicerçada na sua experiência entendeu presumir a verificação dos factos.
3. Todo a sentença, baseia-se em presunções pouco especificadas e acima de tudo, dá credibilidade a umas testemunhas e esquece outras.
4. Logo no início das motivações, o tribunal consegue ver algo que, parte de um subjetivismo enorme, e que é visto pela primeira vez numa sentença, refere Referir que o arguido encenou, ria, e abanava a cabeça, assume uma motivação que apenas o tribunal consegue perceber, visto que a logica facial, ou um abanar com a cabeça não deve servir para motivar o tribunal na sua decisão.
5. No início das motivações, o tribunal consegue ver algo que, parte de um subjetivismo enorme, e que é visto pela primeira vez numa sentença,
6. Referir que o arguido encenou, ria, e abanava a cabeça, assume uma motivação que apenas o tribunal consegue perceber, visto que a logica facial, ou um abanar com a cabeça não deve servir para motivar o tribunal na sua decisão.
7. Sobre o ponto 3 da sentença nos factos provados, do facto que o arguido desde o início do casamento sempre foi muito controlador de O. M., limitando a mesma no que diz respeito à roupa que vestia e às pessoas para quem falava, mas olhando para toda a motivação, em como todas as questões vertidos neste ponto sobre a roupa a única referencia que encontramos nas motivações é da irmã da vitima S. F.
8. Sobre o impedimento de falar com outras pessoas, é apenas a prova da ofendida que refere esses factos, mais nenhuma pessoa de todas as testemunhas, apenas refere a ofendida e vertida na acusação, Não se vislumbra nenhum crime de violência domestica, neste ponto 3, com as motivações apresentadas, não vislumbrando qual a importância ou relevância probatória terá para a decisão da causa.
9. Sobre o ponto 4 dado como provado, 4) A partir de 2010, o relacionamento entre ambos, mercê do facto de O. M. ter começado a trabalhar, a auferir um salário que era transferido para uma conta só sua e a conduzir, deteriorou-se, passando o arguido a exercer sobre a mesma um controlo mais intenso, verificando diariamente o número de quilómetros que fazia e controlando as chamadas telefónicas que efetuava através do acesso à conta do telemóvel daquela. Neste ponto 4 o tribunal andou mal, e até é a própria ofendido que demonstra o erro do tribunal.
10. Mas é a mesma ofendida O. M. que desmente claramente isto, como demonstramos Minuto 12 da transcrição do áudio do tribunal refere que; trabalhava e o volume de trabalho dava para todo o ano;
Minuto 35,15ss da transcrição do áudio do tribunal “sempre trabalhei, de 2006 a 2010 na escola em Barcelos
Minuto 13 da transcrição do áudio do tribunal “sim tinha acesso á conta”
Minuto 23 da transcrição do áudio do tribunal “de dia ele não me via á semana”
11. Claramente a conta era dos dois, se o mesmo tinha acesso, certamente era titular ou autorizado, como é possível controlar diariamente se apenas o via ao fim de semana, e diz a motivação que o mesmo começou a trabalhar desde 2010, mas a vítima refere que começou em 2006, e que a conta era dos dois. Mais um facto que demonstra que a ofendia/assistente se contradiz entre si. Mas ainda sobre este ponto 4, atendemos ao depoimento do filho de ambos, H. V. que refere minuto 2,29 do áudio do tribunal “nunca viu pai pegar telemóvel da mãe tem sempre o telemóvel com ela”. Claramente que o tribunal analisou muito mal, e deu como provados factos que a própria vítima diz o contrário.
12. Sobre o ponto 5 dado como provado, “A partir de tal período, em ocasiões não determinadas, mas que ocorriam cerca de uma vez por semana, o arguido passou a acusar O. M. de ter amantes sempre que verificava que falava ao telefone mais do que uma vez com determinada pessoa ou quando falava com alguém na rua”
13. Apenas a arguida refere isto e mais uma vez a irmã da mesma, que ouviu dizer por parte da sua irmã, que uma vizinha disse “Uma vizinha da ofendida disse-lhe que o arguido dizia que ela e a ofendida eram amantes.”
14. Mais uma vez o filho de ambos, refere o seguinte ao minuto 3,14 “a mãe é que afirma que o pai tem amantes, teve conversas comigo a dizer que o pai tem uma amante”
15. Este ponto 5 não poderá dar como provado visto que somente a vítima fala destes factos, mas nenhuma testemunha fala dos factos, a não ser o filho de ambos que foi descredibilizado pelo tribunal.
16. Sobre o ponto 6 dado como provado “Desde pelo menos 2010, o arguido passou a chamar a O. M. “vaca”, “cabra”, “puta de merda”, bem como a dizer-lhe “vai para a puta que te pariu”, na residência do casal. Até 2014 estes factos ocorriam cerca de uma vez por semana.
17. Nas motivações do tribunal apenas a ofendida refere estes nomes que ocorreram na residência do casal, outras testemunhas dizem o contrário, sobre estes factos o filho de ambos, que viveu na residência toda a vida refere ao minuto 5,07 do seu depoimento “nunca assisti a nomes”. R. V. testemunha arrolada refere ao minuto 4,50m do seu depoimento afirma que “nunca ouvi insultos ou nomes dirigidos á O. M.”.A testemunha J. S. refere no seu depoimento no minuto 7,28 “várias vezes vi casal junto e em normalidade, não é pessoa violenta.”
18. Este facto deverá ser dado como não provado, e funcionário a regra do in dúbio pro reu, bem como os factos apresentados analisados de forma correta e não provar factos que só a vítima relata, sem qualquer prova apresentada.
19. Sobre o ponto 7 dos factos provados que refere “Devido a problemas de saúde, por volta do ano de 2011, O. M., teve de tomar cortisona, tendo engordado, passando o arguido, aos fins-de-semana, em ocasiões concretamente não determinadas, mas até à data em que se separaram, na residência do casal, a apodá-la de “obesa”, “gorda”, bem como a dizer-lhe “pareces uma lontra, betoneira”.
20. M. V. é mãe do arguido negando todos os factos que constam na acusação, dizendo que o arguido apenas dizia à ofendida que «o doutor disse que não podias engordar». I. C. é mãe da ofendida, relatando que o arguido dizia muitas vezes à ofendida que ela estava gorda e que não podia comer mais porque estava a ficar obesa, sendo que ela ficava triste. Página 67 da sentença
21. O arguido negou ter proferido as expressões indicadas no despacho de pronúncia, dizendo que apenas a alertava para a necessidade de não aumentar de peso, por estar preocupado com a sua saúde. D
22. Em tribunal o filho de ambos, testemunha arrolada no seu depoimento refere ao minuto 6 “ouvi pai a conversar com a mãe para ter cuidado com alimentação por causa da saúde.”.
23. O tribunal descredibilizou a seu belo prazer umas testemunhas em detrimento de outras.
24. Sobre o ponto 8 “Por volta do ano de 2010/2011, em dia concretamente não apurado, durante o mês de julho, em casa, ao final do almoço, tendo discutido por causa de umas amigas do arguido, o arguido desferiu murros nas costas de O. M., tendo esta ficado com várias negras no corpo. Na mesma ocasião, o arguido apodou-a de “vaca”.
25. Só a distração ou erro do tribunal poderá levar a esta conclusão devido ao depoimento da ofendida O. M. ao minuto 41 após pergunta do mandatário que “confirma que declarou perante Tribunal de Menores e Família de Braga que nunca foi agredida pelo arguido. Sim confirmo”
26. As agressões físicas foram de imediatos retiradas, não existindo mais perguntas sobre este facto, somente a distração do tribunal ao fazer a sentença, deu este facto como provado, visto que a ofendida/assistente declarou que nunca foi agredida fisicamente pelo arguido, somente o erro poderá levar a que este ponto 8 esteja na acusação, visto que a mesma confirmou o que disse no tribunal de família e menores de Braga.
27. Sobre o ponto 9 que refere que “No dia 20 de novembro de 2016, na residência do casal, durante a hora do almoço, o arguido arremessou o seu prato para o chão e atirou o vinho do seu copo na direção de O. M., tendo, ainda, apodado a mesma de “puta” e dito à mesma “eu mato-te».
28. Estes factos na residência do casal, só foram assistidas pelas partes e pelos filhos do casal, sobre estes factos, na motivação não são falados, mas foram provados pelo tribunal, sendo que o filho de ambos, lembra-se da discussão e refere:H. V. No minuto 7,50m “não mandou vinho para a mae”minuto 5 “nessa discussão não assisti a nomes”e ao minuto 7,17 “mãe acertou com a mão pai quando ele queria proteger o G. V.”
29. Mais um facto na residência do casal, que não se sabe como foi provado visto que em nenhum momento nenhum testemunho, nem o arguido confirmam a versão da ofendida, alias desmentem a mesma,
30. Pelo que este ponto 9 também deverá ser dado como não provado, e sem relevância para a condenação injustiça pelo crime de violência doméstica que não existe.

31. Sobre os pontos 10, 11 e 12

10) A partir de agosto de 2017, o arguido passou a controlar o telemóvel e o dia-a-dia de O. M. de forma mais intensa, passando a enviar-lhe mais de trinta mensagens por dia a perguntar onde estava e com quem estava.
11) O arguido passou, ainda, a ligar-lhe pelo menos trinta vezes, diariamente, para saber se estava a trabalhar ou onde se encontrava, de forma a controlar a mesma, pois desconfiava que tivesse outros homens.
12) Em finais de janeiro de 2018, com frequência não apurada, o arguido passou a mandar mensagens para o filho mais novo a perguntar pela mãe, com quem esta estava e o que fazia.
32. Sobre estes pontos, não se vislumbra qual o crime em causa, só mesmo a ofendida refere que o arguido mexia no seu telemóvel, mas sobre isso, os factos são inequívocos em especial:
H. V. refere ao minuto 2,29m “nunca viu pai pegar telemóvel da mãe tem sempre o telemóvel com ela”.
H. V. ao minuto 14,15 “mãe disse que queria morrer e o pai passou a ligar mais vezes por essa razão “da mesma forma
H. V. ao minuto 34,14 “mesmo em casa a relação já era má devido aos gritos da mãe comigo e meu irmão”.
33. Estes factos demonstram o motivo do arguido ligar para a ofendida, da mesma forma, não entendemos qual o crime de violência associado aos factos na alínea 10, 11 e 12 dos fatos provados, pelo que estes pontos não devem ter relevância probatória para a boa decisão da causa
34. Sobre o ponto 13 “No dia 28 de janeiro de 2018, pelas 16h00, na Academia de Música ... o arguido dirigiu-se a O. M. nos seguintes termos: “És uma mentirosa, fazes tudo nas minhas costas.” Mais uma vez o erro grosseiro do tribunal ultrapassa todos os limites da livre apreciação da prova, conseguindo apurar factos que mais ninguém viu ou provou. “
35. Nenhuma testemunha assistiu a isto, apenas a assistente, como consegue o tribunal dar como provado um facto, apenas com a testemunha direta do facto, e em mais nenhum momento das motivações refere os respetivos factos que levaram a dar como provado este facto, mais uma vez o princípio da inocência e princípio do in dúbio pro reo foram esquecidos pelo tribunal.
36. Sobre o ponto 14 da sentença “No dia 3 de março de 2018, sábado, a hora não apurada, o arguido apareceu com o filho mais velho no local de trabalho de O. M., em Vila Verde, tendo-lhe o filho, a mando do arguido, tentado dar uma chave da casa daquele, que O. M. não aceitou.”
37. Após analisar corretamente estes factos, pergunta-se qual o crime que o arguido cometeu e mandar o filho do casal dar uma chave da casa de ambos, insólito e bizarro este facto provado
38. Sobre o ponto 15 facto provado da sentença “No mesmo dia, à noite, pelas 19h00, no cabeleireiro “J. B.”, em Vila Verde, onde se encontrava O. M., o arguido abordou a mesma e pousou-lhe a chave da sua residência junto ao espelho, apesar de O. M. lhe ter dito que não a queria. Nas mesmas circunstâncias, o arguido agarrou-lhe a cabeça e tentou beijá-la contra a vontade daquela, propósito não concretizado por aquela se ter desviado.”
39. Este facto mais uma vez é relatado pela ofendida/assistente, mais ninguém fala sobre o cabeleireiro J. B., nem nenhuma testemunha, sócio gerente da empresa foi arrolada para os autos, estranha-se que o tribunal consiga provar um facto apenas relatado pela vítima.
40. Sobre ponto 16 dos factos provados “No dia 08 de março de 2018, junto ao Campo de Futebol do …, na Rua ..., em …, estando a O. M. no interior do carro, o arguido aproximou-se do veículo tendo perguntado o que era a notificação que tinha recebido dos correios. O. M. disse-lhe que eram as chaves da casa dele, tendo o arguido rasgado o papel e atirado com os pedaços para cima de O. M.”
41. Sobre este acontecimento dado como provado, mais uma vez ninguém fala do mesmo, nem a própria ofendida, não consta do seu depoimento, nem das motivações, foi dado como provado, porque o tribunal achou e aferiu dessa forma.
42. Não se consegue deslumbrar qual a importância deste facto para o apuramento da verdade, e para a inserção no crime de violência doméstica, violando e ultrapassando os limites do in dúbio pro reo e do princípio da inocência.
43. Sobre o ponto 17 “Em data não concretamente apurada de 2018, o arguido perguntou à proprietária do estabelecimento comercial “X”, sito na Rua ..., em Vila Verde, onde O. M. presta algumas horas de trabalho se esta tem alguém.”
Neste ponto de factos provados da acusação a proprietária da loja T. C. ao minuto 4,14 do áudio do seu depoimento refere “ia levar e buscar o G. V.. Ia falar comigo várias vezes. pediu-me conselhos.”
“C. I. é filha da proprietária da florista e ajuda-a, relatando e referindo: C. I. -minuto 4,15 “nunca questionou sobre horários de trabalho da O. M.” C. I. no seu depoimento ao minuto 5,48 “Ia á loja comprar coisas e ás vezes falar com minha mãe - T. C. - minuto 10 nunca vi nada fora do normal.”
44. Mais uma vez o tribunal consegue ver coisas, que mais ninguém vê, e numa análise logica, entendesse que também neste ponto não existe qualquer ilícito crime para se enquadrar na violência doméstica. violando os limites do in dúbio pro reo e do princípio da inocência.
45. Sobre o ponto 18 refere “que arguido passou, ainda, a aparecer quase todos os dias, na residência de O. M., sita na Avenida ..., em Vila Verde, de manhã, com a desculpa que quer ver o filho mais novo e levá-lo para a escola.”
46. Mais um facto dado como provado, que apenas a vítima o refere, nenhuma testemunha consta isso, mas estranho é existir um processo de regulação das responsabilidades parentais, onde o pai ficou com a guarda dos menores, e tem que levar o menor à mãe
47.O filho do casal refere no seu testemunho o seguinte -minuto 12,3m “eu vejo que o pai evita passar perto da casa da mãe nas deslocações.”
48. Foram violados os princípios da inocência e violação do artigo 32.º da CRP, bem como violação do artigo 127.º do CPP.
49. Sobre o ponto 19 “O arguido, passou igualmente, a convidar os amigos de O. M. para serem seus amigos no Facebook, através do seu perfil, perguntando-lhes pela mesma, remetendo também mensagens a O. M., com recados a falar da família e a mandar-lhe corações, apesar de saber que o faz contra a vontade desta.”
50.Sobre este ponto 19 também não vemos enquadramento no crime violência doméstica, ao serem dados como provados foram violados os princípios da inocência e violação do artigo 32.º da CRP, bem como violação do artigo 127.º do CPP.
51.Sobre o ponto 20 “No dia 17 de maio de 2018, num estabelecimento de restaurante/pizzaria, sito em Vila Verde, o arguido abordou O. M. e disse para a mesma que não prestava que era mentirosa e falsa.”
52. As testemunhas que motivaram o tribunal S. F. e M. F., apenas viram a mesma ficar triste, mas não ouviu a conversa, os nomes etc… não ouviu o arguido a referir que não prestava que era mentirosa e falsa.”
53. O arguido confirmou que não foi uma, mas sim duas vezes que o arguido se deslocou ao referido restaurante. Foi no dia 16 de maio e dia 17 de maio. Dia 16 não deixou o arguido falar dizendo repetidamente para ir embora ou chama a GNR. Dia 17 o arguido tentou novamente pedir para ela levar o filho á consulta marcada para as 17h e a autora reagiu de forma agressiva mandando o arguido para o caralho e para desaparecer de vez.
54. O aqui arguido apenas lhe disse que como mãe és fraca e que o miúdo vai ao médico com ou sem a mãe.
55. Não se vislumbra também qual o crime de violência doméstica aqui enquadrado com este facto, mais uma vez foram violados os princípios da inocência e violação do artigo 32.º da CRP, bem como violação do artigo 127.º do CPP.
56. Sobre as mensagens enviadas referidas no ponto 22, o arguido considerou ser exageradas, sendo o único ponto que referiu “Instado quanto às chamadas telefónicas e mensagens que fazia e enviava para a ofendida começou por dizer que era por preocupação, mas quando confrontado com o facto de ser um número exagerado, acabou por dizer que «foi uma estupidez».
57. Sobre os pontos 23) 24) 25) 26), dos factos provados da sentença, resumidamente sobre o medo e terror em que vivia a ofendida referir que de forma estranha a ofendida referiu que tinha medo, e que vivia constrangida, mas porque foi a ofendida ao aniversario do arguido em janeiro de 2018, porque tentou varias vezes ir a casa do arguido se tinha tanto medo, porque trouxe factos para os autos com 13 anos passados desses factos e continuou a viver com o arguido.
58. Numa analise factual, analisado o depoimento do menor e filho de ambos, como de outras testemunhas vemos o seguinte: Ao minuto 17,2m do depoimento do menor H. V. “dia 18 de janeiro foi a casa cantar os parabéns ao pai –Ao minuto 16,22m do depoimento do menor H. V. refere: “foi á residência do pai em fevereiro e o pai pediu a ela para ir embora e nos deixar em paz”.
59. Já o irmão do arguido R. V., refere ao 9,45m confirmo ida ao aniversario do meu irmão dia 18 de janeiro estando bem disposta e faladora ficando admirado ela la estar visto as razoes que ela diz ter para ter saído de casa Outra testemunha J. S. ao minuto 5m refere “O. M. tentou forçar a entrada na casa do V. H. em meados de fevereiro 2019, estava com o H. V. em casa. O H. V. é que não deixou”
60. A ofendida saiu de casa a 6 de janeiro de 2018, intentou o divorcio em 13 de Março de 2017, no âmbito do Processo: 3269/18.0T8BRG, Juízo de Família e Menores de Braga
- Juiz 3conforme consta no processo n.º , tendo vivido mais um ano com o arguido, não se entende o motivo de continuar a viver com o arguido, e também fez a respetiva queixa crime em 06/11/2017, tendo continuando a viver com o arguido.
61. A decisão recorrida viola o disposto no artigo 127º do CPP, artigo 32º, n.º 2 da CRP e 374º, n.º do CPP, bem como o princípio in dúbio pró reo.
62. Ao dar como provados factos que não foram provados em audiência de julgamento, violou o disposto no artigo 355.º do CPP;
63. Assim, um non Iiquet da prova, obrigatoriamente terá de levar à absolvição do arguido, de harmonia com o Princípio in dúbio pro reo.
64. A norma processual do artigo 127.º do CPP, na interpretação que foi dada pelo tribunal, é inconstitucional por violação do artigo 32.º n.º 1 e 2 da CRP.
65. O tribunal não aplicou, nem interpretou corretamente o artigo 152.º do CP
66. Não restam dúvidas que o recorrente não praticou o crime que vem acusado.
67. Nos termos, do supra alegado, e não tendo o recorrente praticado o crime em que foi condenado, deve o mesmo ser absolvido do pedido de indemnização civil.”

Conclui peticionando a revogação da sentença recorrida, e, em consequência, a absolvição do recorrente do crime de violência doméstica em que foi condenado, bem como do respetivo pedido de indemnização civil.

▪ Por despacho proferido a 14/11/2019 (referência 165856920), não foi admitido o recurso interposto pelo demandado V. H., da parte da sentença que se pronuncia quanto ao montante a atribuir a título de indemnização civil, por inadmissibilidade legal. O recurso foi admitido quanto restante objeto, concernente à parte criminal.

▪ Na primeira instância, a Digna Magistrada do MP, notificada do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou douta resposta em que, invocando também pertinente doutrina e jurisprudência, pugna pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida (referência 9539025), formulando as seguintes conclusões:

“1.ª) A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, com exposição dos motivos de facto e de direito da condenação, tendo sido integralmente observado o disposto nos artigos 97.º, n.º 5, e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
2.ª) Vista à luz da experiência comum, a matéria de facto provada não suscita qualquer dúvida quanto ao rigor com que foi alcançada, constatando-se que o Tribunal a quo procedeu a uma criteriosa análise da prova, seguindo um encadeamento lógico e racional.
3.ª) O arguido recorre da matéria de facto, limitando-se, para o efeito, a transcrever parte dos depoimentos que, na sua ótica, deveriam ter sido valorados pelo Tribunal, designadamente o seu, o da sua mãe e o do seu filho.
4.ª) Acontece que o Tribunal não conferiu credibilidade a tais depoimentos, tendo considerado que:
- o arguido “prestou declarações de modo agastado, procurando manipular as respostas em seu favor, com o discurso bem estudado, procurando ainda descredibilizar os depoimentos das testemunhas. Apresentou sempre uma postura de consternação, contudo, ao ouvir os depoimentos da assistente e das testemunhas de acusação, ria a abanava a cabeça. Durante os depoimentos das testemunhas de defesa enterrou a cabeça nas mãos. Quer a sua postura, quer o seu discurso parecem encenações, denotando pouca espontaneidade”;
- o depoimento da mãe do arguido, M. V., foi considerado “vago e com natural subjetividade”;
- o filho do casal, H. V., “depôs de modo claramente parcial, muito zangado coma ofendida, pelo que não mereceu credibilidade”.
5.ª) Na verdade, o que dizer do depoimento de um filho que refere que “não considera a ofendida como mãe” e que o pouco que sabe transmitir é que “a mãe acertou com a mão na cara do pai”, o que mais parece pretender atribuir a ela a qualidade de arguida…
6.ª) Porém, o Tribunal reputou de credível o depoimento da ofendida O. M. que se encontra pormenorizadamente dissecado a fls. 59 a 63 da sentença, tendo sido classificado de “calmo e objetivo”.
7.ª) Conferiu ainda o Tribunal credibilidade às testemunhas T. C., C. I., F. M., T. G., S. F., M. F. e F. P..
8.ª) Além disso, o Tribunal valorou os depoimentos das testemunhas A. C., irmão da assistente, que depôs “com distanciamento e objetividade”, e de S. C., irmã da ofendida, que depôs “de modo sentido e indignado, foi coerente e demonstrou a sua razão de ciência, relatando os acontecimentos com pormenor”.
9.ª) Ao longo de toda a motivação da sentença, o Tribunal discorre exaustivamente sobre os depoimentos de tais testemunhas, explicando minuciosamente porque razão conferiu credibilidade aos mesmos.
10.ª) O arguido repete-se ao longo da motivação de recurso questionando-se como é possível terem sido dados como provados certos factos que ele nega e que só a ofendida refere, não sendo confirmados por mais nenhuma testemunha. Pois bem, o que acontece é que grande parte dessa factualidade ocorreu na intimidade do lar, portanto, sem testemunhas oculares, sendo certo que o Tribunal valorizou (e bem) o depoimento da ofendida.
11.ª) Não foi violado o princípio in dubio pro reo, uma vez que não evola dos autos a ocorrência de qualquer dúvida no espírito da julgadora a propósito da factualidade que deu como provada sendo, pois, irrelevantes as dúvidas que o recorrente, na sua interpretação subjetiva, entende que deveriam subsistir a propósito da matéria fáctica que sustenta a sua responsabilização criminal.”
Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirmada a douta sentença recorrida.

Notificada do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, a demandante civil, O. M. apresentou douta resposta em que pugna pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida (referência 9540002).

▪ Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que, concordando com a resposta apresentada pelo MP em primeira instância, pugna igualmente pela improcedência do recurso (referência 6926001).

▪ Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C. P. Penal, não houve resposta ao sobredito parecer.

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.



II – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (QUESTÕES A DECIDIR):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, C.P.P.) (1).

Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa decidir são as seguintes:

A - Em conformidade com a impugnação ampla da matéria de facto apresentada pelo recorrente, aquilatar do alegado incorreto julgamento no que tange aos pontos 4 a 9, 13, 15 a 18, 20 e 23 a 26 da matéria de facto dada por provada.
A1 - Violação da presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo.
A2 - Inconstitucionalidade da norma processual do art. 127º do CPP, na interpretação que lhe foi dada pelo tribunal, por violação do disposto no art. 32º, nºs 1 e 2, da CRP.
A3 – Violação do disposto no art. 355º do CPP.
B - Irrelevância dos factos provados nos pontos 3, 10 a 12, 14, 16, 17, 19 e 20 para o preenchimento do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º do CP. Não verificação, face à factualidade apurada, deste ilícito criminal.
*
III – APRECIAÇÃO:

III.1 – Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão das questões suscitadas pelo ajuizado recurso, importa verter aqui a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada e não provada, e bem assim a sua fundamentação para tal decisão da matéria de facto.

O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):

“1) O arguido casou com O. M. em - de agosto de 1999, tendo passado a residir juntos apenas em 23 de setembro de 2000, data em que contraíram casamento católico, na Rua …, União de freguesias de … e …, …., até ao dia 6 de janeiro de 2018, altura em que O. M. saiu de casa.
2) Do casamento de ambos nasceram dois filhos: H. V., em -.01.2002, e G. V. em -.04.2006.
3) O arguido desde o início do casamento sempre foi muito controlador de O. M., limitando a mesma no que diz respeito à roupa que vestia e às pessoas para quem falava.
4) A partir de 2010, o relacionamento entre ambos, mercê do facto de O. M. ter começado a trabalhar, a auferir um salário que era transferido para uma conta só sua e a conduzir, deteriorou-se, passando o arguido a exercer sobre a mesma um controlo mais intenso, verificando diariamente o número de quilómetros que fazia e controlando as chamadas telefónicas que efetuava através do acesso à conta do telemóvel daquela.
5) A partir de tal período, em ocasiões não determinadas, mas que ocorriam cerca de uma vez por semana, o arguido passou a acusar O. M. de ter amantes sempre que verificava que falava ao telefone mais do que uma vez com determinada pessoa ou quando falava com alguém na rua.
6) Desde pelo menos 2010, o arguido passou a chamar a O. M. “vaca”, “cabra”, “puta de merda”, bem como a dizer-lhe “vai para a puta que te pariu”, na residência do casal. Até 2014 estes factos ocorriam cerca de uma vez por semana.
7) Devido a problemas de saúde, por volta do ano de 2011, O. M., teve de tomar cortisona, tendo engordado, passando o arguido, aos fins-de-semana, em ocasiões concretamente não determinadas, mas até à data em que se separaram, na residência do casal, a apodá-la de “obesa”, “gorda”, bem como a dizer-lhe “pareces uma lontra, betoneira”.
8) Por volta do ano de 2010/2011, em dia concretamente não apurado, durante o mês de Julho, em casa, ao final do almoço, tendo discutido por causa de umas amigas do arguido, o arguido desferiu murros nas costas de O. M., tendo esta ficado com várias negras no corpo. Na mesma ocasião, o arguido apodou-a de “vaca”.
9) No dia 20 de novembro de 2016, na residência do casal, durante a hora do almoço, o arguido arremessou o seu prato para o chão e atirou o vinho do seu copo na direção de O. M., tendo, ainda, apodado a mesma de “puta” e dito à mesma “eu mato-te».
10) A partir de agosto de 2017, o arguido passou a controlar o telemóvel e o dia-a-dia de O. M. de forma mais intensa, passando a enviar-lhe mais de trinta mensagens por dia a perguntar onde estava e com quem estava.
11) O arguido passou, ainda, a ligar-lhe pelo menos trinta vezes, diariamente, para saber se estava a trabalhar ou onde se encontrava, de forma a controlar a mesma, pois desconfiava que tivesse outros homens.
12) Em finais de janeiro de 2018, com frequência não apurada, o arguido passou a mandar mensagens para o filho mais novo a perguntar pela mãe, com quem esta estava e o que fazia.
13) No dia 28 de janeiro de 2018, pelas 16h00, na Academia de Música ... o arguido dirigiu-se a O. M. nos seguintes termos: “És uma mentirosa, fazes tudo nas minhas costas.”
14) No dia 3 de março de 2018, sábado, a hora não apurada, o arguido apareceu com o filho mais velho no local de trabalho de O. M., em Vila Verde, tendo-lhe o filho, a mando do arguido, tentado dar uma chave da casa daquele, que O. M. não aceitou.
15) No mesmo dia, à noite, pelas 19h00, no cabeleireiro “J. B.”, em Vila Verde, onde se encontrava O. M., o arguido abordou a mesma e pousou-lhe a chave da sua residência junto ao espelho, apesar de O. M. lhe ter dito que não a queria. Nas mesmas circunstâncias, o arguido agarrou-lhe a cabeça e tentou beijá-la contra a vontade daquela, propósito não concretizado por aquela se ter desviado.
16) No dia 08 de março de 2018, junto ao Campo de Futebol do …, na Rua ..., em …, estando a O. M. no interior do carro, o arguido aproximou-se do veículo tendo perguntado o que era a notificação que tinha recebido dos correios. O. M. disse-lhe que eram as chaves da casa dele, tendo o arguido rasgado o papel e atirado com os pedaços para cima de O. M..
17) Em data não concretamente apurada de 2018, o arguido perguntou à proprietária do estabelecimento comercial “X”, sito na Rua ..., em Vila Verde, onde O. M. presta algumas horas de trabalho se esta tem alguém.
18) O arguido passou, ainda, a aparecer quase todos os dias, na residência de O. M., sita na Avenida ..., em Vila Verde, de manhã, com a desculpa que quer ver o filho mais novo e levá-lo para a escola.
19) O arguido, passou igualmente, a convidar os amigos de O. M. para serem seus amigos no facebook, através do seu perfil, perguntando-lhes pela mesma, remetendo também mensagens a O. M., com recados a falar da família e a mandar-lhe corações, apesar de saber que o faz contra a vontade desta.
20) No dia 17 de maio de 2018, num estabelecimento de restaurante/pizzaria, sito em Vila Verde, o arguido abordou O. M. e disse para a mesma que não prestava que era mentirosa e falsa.
21) Assim e nos termos supra expostos o arguido ligou e mandou, entre as mais, as seguintes mensagens para O. M. nos termos e nas datas infra descriminadas:
[(…) teor das mensagens, que não é posto em causa pelo arguido no presente recurso]
23) Todos estes factos foram praticados pelo arguido com o propósito concretizado de deixar a O. M. num clima de constrangimento e terror permanentes, impedindo-a de reger livremente a sua vida.
24) E assim, ainda como consequência direta e necessária das suas condutas, deu causa o arguido a que O. M. se sinta num permanente estado de terror, receando pelas atitudes que o arguido possa tomar, nomeadamente em relação a si.
25) Vivia também O. M. humilhada pelos nomes com que o arguido a apodava e com as condutas que tem em relação a si.
26) Agiu o arguido com o propósito concretizado de amedrontar, controlar e manter num permanente estado de constrangimento O. M., bem como de a ofender na sua honra e integridade física, indiferente à relação que com esta mantem e aos deveres que dessa relação para si nasceram quanto à mesma, nomeadamente de respeito, relação e deveres de que estava bem ciente, bem como ao facto de terem filhos em comum.
27) Agiu o arguido sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabendo proibidas as suas condutas.
28) O arguido reside em casa própria, com dois filhos menores, suportando uma prestação mensal ao banco de cerca de € 171, 00 e outra de cerca de € 75,00. Aufere mensalmente cerca de € 600,00. Possui um veículo de marca Volkswagen, modelo Golf, com mais de dez anos. A ofendida paga uma pensão de alimentos de € 160,00 mensal, pelos dois filhos, tendo dois meses de incumprimento. Tem o 12.º ano de escolaridade.
29) Com os factos descritos, o demandado causou na demandante medo, perturbação, sofrimento físico e psicológico, consequências que perduram no tempo.”

Considerou que não se provaram os seguintes factos (transcrição):

“1. O arguido controlava a conta do telemóvel através da internet.
2. Os factos descritos em 5. da acusação ocorriam pelo menos duas vezes por semana.
3. Os factos ocorridos em 6. da acusação passaram a ocorrer cerca de dia sim, dia não, após 2014.
4. O arguido dizia à ofendida «Nem te mexes de tão gorda que estás».
5. Em julho de 2010 ou 2011 o arguido disse à ofendida «cabra».
6. No dia 20-11-2016 o arguido disse à ofendida «ordinária» e desferiu-lhe um pontapé nas pernas.
8. Os factos referidos em l. da acusação ocorriam diariamente.
9. No dia 28-1-2018 o arguido disse à ofendida «és uma falsa, uma dissimulada».
10. os factos ocorridos no dia 3-3-2018 tiveram lugar pelas 15h00.
11. No dia 8-3-2018 o arguido abriu a porta do carro.
12. Desde o início de março de 2018 que o arguido aparece, pelo menos aos fins de semana no estabelecimento comercial «X» e pergunta à proprietária quando é que a ofendida vai lá estar.
13. O facto referido em s. da acusação foi praticado através de perfis falsos que o arguido cria para o efeito.
13. No dia 17-5-2018 o arguido disse “És uma mãe de merda. O teu filho está doente e tu não queres saber.”
14. O arguido é uma pessoa de bem, pacífico e sereno.”

→ E motivou essa decisão de facto nos seguintes termos (transcrição):

“O arguido prestou declarações de modo agastado, procurando manipular as respostas em seu favor, com o discurso bem estudado, procurando ainda descredibilizar os depoimentos das testemunhas. Apresentou sempre uma postura de consternação, contudo ao ouvir os depoimentos da assistente e das testemunhas da acusação ria e abanava a cabeça. Durante os depoimentos das testemunhas de defesa enterrou a cabeça nas mãos. Quer a sua postura, quer o seu discurso pareceram encenações, denotando pouca espontaneidade.
Quando instado relativamente aos factos começou por dizer que não os poderia ter praticado porque trabalhava das 6h00 às 21h30. No que se reporta à matéria do ponto g. da acusação o arguido disse que a ofendida foi operada à coluna, por duas vezes, devido a hérnias, sendo ainda operada ao útero e aos ovários. Negou ter proferido as expressões indicadas no despacho de pronúncia, dizendo que apenas a alertava para a necessidade de não aumentar de peso, por estar preocupado com a sua saúde. Disse ainda que foi o arguido quem cuidou sempre da ofendida, durante o período de convalescença, carregando-a, em peso, para a casa de banho, limpando-a e alimentando-a, o que causou sofrimento a todos em casa, segundo as suas palavras.
Relativamente à matéria do ponto h. da acusação, afirma que discutiram em maio de 2009, ao fim da tarde, tendo confrontado a ofendida com o facto de o andar a perseguir e de ter «desfeitado» uma amiga sua, por telefone. Nega os factos constantes do despacho de pronúncia.
No que toca à matéria do ponto i. da acusação, confirma que discutiram, que a ofendida atirou com o prato para chão e ele também o fez, de seguida.
Instado sobre o mau relacionamento do casal, disse que «a parvoíce» começou em 2009, porque ela dizia que ele a traia.
Instado quanto às chamadas telefónicas e mensagens que fazia e enviava para a ofendida começou por dizer que era por preocupação, mas quando confrontado com o facto de ser um número exagerado, acabou por dizer que «foi uma estupidez».
Relativamente ao episódio ocorrido na Academia de Música diz que pode efetivamente ter dito o que ali consta, uma vez que a ofendida fazia as coisas nas suas costas.
Admite a matéria do ponto n. da acusação, alegando que pretendia entregar a chave para que a ofendida fosse buscar as coisas dela a casa e que ela não procurava o filho há meses.
Quanto aos factos ocorridos no cabeleireiro afirma que viu o seu filho à porta do estabelecimento, já passava das 20h00 e o menor tinha fome, foi entregar a chave à ofendida, que não aceitou, mas nega ter tentado beijá-la.
No dia 8 de março de 2018 o arguido foi ter com a ofendida, nega ter tocado no carro ou ter atirado com papeis à ofendida.
Admite ter perguntado uma vez à D. T., proprietária da florista, se a ofendida tinha namorado.
Nega qualquer perseguição à ofendida, dizendo que era ela ou o filho mais novo quem lhe telefonava para o ir levar à escola.
No que se reporta à matéria do ponto s. da acusação admitiu somente que, até fim de março de 2018, mandou corações. Instado, afirmou que a ofendida disse, no dia de Natal de 2017, que ia sair de casa, para curar a depressão.
Afirmou ter abordado a ofendida na pizzaria por duas vezes, uma das quais porque o filho mais velho se queixava com uma lombalgia, tendo pedido à ofendida para lhe marcar uma consulta, tendo esta respondido que saísse, caso contrário chamava a Guarda Nacional Republicana. No dia seguinte, depois de o próprio ter agendado uma consulta para as 17h00 para o filho, alega que este lhe pediu para pedir à mãe para ser ela a levá-lo ao médico. O arguido foi novamente à pizzaria, tendo a ofendida dito para ele desaparecer e tendo o arguido dito «tu, como mãe, és fraca, o teu filho vai ao médico contigo ou sem ti».
Instado, relatou que, atualmente tem a guarda dos filhos e que o mais novo janta com a mãe dois dias por semana. Afirma ainda estar ciente do termo da relação conjugal.
Confrontado com o teor da queixa que apresentou em 20-11-2016 acabou por admitir que desconfiou da fidelidade da ofendida, muito embora antes tivesse negado que alguma vez tivesse acusado a ofendida de tal facto. Instado quanto ao facto de ter lido uma mensagem no telemóvel da ofendida disse que quando estavam num jogo de futebol dos filhos, o arguido foi a casa e a ofendida pediu-lhe para trazer o seu telemóvel. O arguido assim fez, verificando que ela tinha recebido uma mensagem de cariz sexual, mas alega que não conseguiu ver a totalidade da mensagem. Confrontou-a com a mesma e a ofendida mostrou-lhe o resto, considerando desadequado o seu teor.
Depois de confrontado, admitiu igualmente ter perguntado ao filho de um seu amigo de infância, se a ofendida tinha namorado, após janeiro de 2018.
Em 24-2-2007 teve um enfarte e passados cerca de dois meses voltou a trabalhar, no fim de 2008 ficou desempregado e foi tirar um curso durante cerca de um ano, voltou a ficar desempregado e em 11-2-2010 começou a trabalhar numa transportadora.
O. M. depôs de modo calmo e objetivo relatando que o arguido lhe dizia que ela não tinha capacidade para conduzir veículos automóveis, pelo que era sempre o arguido a conduzir quando saiam os dois. Em 2006 trabalhou em Barcelos e fazia o trajeto apanhando dois autocarros. Acabou por comprar um carro por € 500,00, mas o arguido discutiu com ela por causa disso. A demandante tinha que lhe pedir para ir visitar a família e, mesmo assim, ele impunha-lhe tempo, dizendo-lhe «tens dez minutos». Quando estavam em família, o arguido dava-lhe pontapés por baixo da mesa para ela se calar. Instada, disse que o arguido muitas vezes a obrigou a ir mudar de roupa, porque dizia que «não é roupa para mulher casada», fosse por causa do decote ou por ser roupa justa. Se punha calções perguntava se eram modos de ir a casa da sua mãe. Socialmente, repreendia-a por ser tão sociável ou simpática, dizendo que não era comportamento de uma mulher casada, acusando-a de ter amantes, o que sucedia cerca de uma vez por semana.
O salário da demandante caía na conta conjunta do Banco …, iam juntos às compras e era o arguido quem pagava, inclusivamente repunha na prateleira do supermercado artigos que ela tinha posto no carrinho de compras. Tal aconteceu, por exemplo, com shampoo, dizendo o arguido «para que queres essa merda?», sendo que a ofendida se sentia humilhada. Se a ofendida fosse sozinha às compras entregava o talão e o troco ao arguido, ou então punha em cima da lareira. A arguida trabalhava aos dias e era com esse dinheiro, que recebia, que fazia as suas compras. Chegou a comprar coisas e a dizer ao arguido que tinham sido oferecidas. A partir de 2010, passou a dar aulas numa escola e abriu uma conta onde passou a cair o seu salário. Quando trabalhou em Terras de Bouro o seu horário de saída era às 17h00 e, se ela não estivesse em casa às 17h30 o arguido telefonava-lhe. Quando trabalhou em … (Braga), conheceu muitas pessoas e o arguido chegou a telefonar para algumas dessas a pessoas a perguntar por que motivo tinham telefonado para a demandante, designadamente para o seu chefe. Confrontava a demandante com o facto de o telemóvel lhe ter sido oferecido por ele e quando recebia a fatura mensal, colocava-a em cima da lareira e fazia asteriscos nos números de telefone que tinham feito chamadas, anotava que ligou ou escrevia «suspeito». O arguido confrontou-a com uma mensagem enviada por um seu primo, que reside no estrangeiro, dizendo que era seu amante, esclarecendo que o arguido tinha acesso ao código do seu telemóvel porque vira a demandante a marcá-lo. Tal facto ocorreu em data anterior a novembro de 2016.
Perguntava-lhe por que motivo tinha andado tantos quilómetros, ou por que motivo o banco do passageiro do carro estava mais para a frente ou mais para trás. Chegava a fazer mais de quarenta telefonemas por dia.
Por volta do ano de 2010 a demandante começou a engordar devido a problemas de saúde, sendo que o arguido lhe chamava «betoneira» ou «gorda» e dizia «estás sempre a comer» ou perguntava «vais comer isso tudo?». Em 2010 ou 2011 tomou cortisona. Nas discussões, que ocorriam semanalmente, o arguido chamava-lhe «puta de merda» e «vaca», sendo que a demandante também discutia com ele. Quando estavam em família o arguido dizia que ela comia demais, que estava muito gorda ou que estava sempre a comer. Instada, disse que a intenção do arguido era humilhá-la.
Instada disse que o arguido chegou a expulsá-la de casa, tendo dormido nas escadas do prédio quando estava grávida do filho mais novo, noutras ocasiões foi dormir a casa da mãe do arguido, deslocando-se a pé até Soutelo, e a casa do irmão dele.
Instada quanto ao episódio descrito na alínea h. da acusação referiu que o arguido saía à noite com amigas, tendo a demandante encontrado recados ou cartas de amor, exaltou-se e telefonou às ditas amigas, insultando-as. O arguido chegou a casa para almoçar e vinha zangado, tendo-lhe dito para lavar a boca com sabão quando falasse das amigas dele. Nessa discussão o arguido deu-lhe murros nas costas e pontapés nas pernas enquanto ela estava no chão, tendo ficado com hematomas nas costelas. O arguido chamou-lhe «puta de merda» e «vaca» e disse que a ia matar.
No dia do aniversário do seu pai, 13 de dezembro, em 2014 o arguido não a levou a visitar o pai, que já estava doente, tendo o pai sofrido um AVC e falecido a 20 de dezembro seguinte. A demandante sofreu um desgosto com tal facto e, a partir do falecimento do pai, passou a reagir verbalmente em todas as discussões.
No dia 20-11-2016, um domingo, discutiram porque a demandante queria que os filhos estudassem, atiraram os pratos ao chão e o arguido atirou-lhe vinho para a cara, chamou-lhe «puta» e «vaca» e disse que a ia matar. Admite como possível que o arguido lhe tenha dado um pontapé nas pernas, desferiu-lhe empurrões. A demandante foi para casa de uma amiga e daí foi ao hospital da Misericórdia, onde ficou a vigiar as tensões, que estavam altas.
A partir de 2010 deixaram de partilhar cama, dormindo o arguido na sala, contudo chegou a enviar-lhe mensagens com fotografia de um órgão sexual masculino, convidando-a a manter relações sexuais. Chegou a acordar com o arguido em cima de si, mantendo relações sexuais não obstante não ser sua vontade, para não acordar os filhos. Verbalizava ao arguido que não queria ter relações sexuais e este dizia que ela queria mais. Dormiu com uma faca debaixo da almofada, com medo que o arguido lhe pudesse fazer mal, tendo-lhe acontecido acordar durante a noite e o arguido estar sentado na cama a olhar para ela, com os braços cruzados.
Instada disse ter medo do arguido.
O seu telemóvel tinha pouca capacidade de armazenamento, por isso as mensagens e os registos de chamadas eram apagados, até que, em 2016 ou 2017 os elementos do NIAVE colocaram no telemóvel uma aplicação que descarregava essas informações, o que fazia nas instalações da Guarda Nacional Republicana de Prado. O arguido fazia vinte, setenta, chegou a fazer cem ligações, num dia, entre mensagens e chamadas telefónicas para si. Perguntava-lhe onde estava e com quem, sendo que numa ocasião, quando trabalhava em Terras de Bouro, lhe disse que estava a almoçar no sítio do costume e ele disse que sabia que não estava.
Instada disse que viu igualmente mensagens para o filho mais novo a perguntar onde estava a ofendida e com quem.
Situa o episódio descrito em m) da acusação como tendo ocorrido na primavera, pois estava muito calor. Foi ver um espetáculo de dança com o G. V. à Academia de Música ... e, no intervalo, estava no exterior quando o arguido se aproximou, a demandante ficou estática, em pânico, recuou e o arguido disse que se ela saísse fazia uma cena. O arguido disse-lhe que ela era uma mentirosa, que fazia as coisas pelas costas, o G. V. foi embora com o pai. Instada disse que as declarações do arguido estavam relacionadas com as queixas que apresentou na Guarda Nacional Republicana.
Confirmou os factos descritos no ponto n) da acusação, não tendo a certeza da hora ou da data, contudo julga ter sido um sábado de manhã, dizendo que, nesse dia, quando estava no cabeleiro J. B. o arguido apareceu com as chaves, deixando-as ficar pousadas no espelho, uma vez que a demandante voltou a recusar ficar com elas. Instada disse que o arguido a agarrou pelos cabelos tentando beijá-la, mas a demandante esquivou-se, sentindo-se humilhada e envergonhada. Mandou as chaves de volta ao arguido, por carta registada.
Na semana seguinte, terça ou quinta-feira, quando estava no estádio porque tinha ido levar o G. V. ao treino, o arguido abordou-a e perguntou-lhe o que era o aviso de receção, rasgou-o e atirou com os restos para a sua cara, batendo com a porta do carro dela, que estava aberta.
A partir de 2018 o arguido começou a aparecer insistentemente nos locais que habitualmente frequenta, com a desculpa de ir buscar o G. V., por outro lado, cruzava-se todos os dias com ele pela hora do almoço. Quase todos os dias ia a sua casa, de manhã, com a desculpa de levar o G. V. à escola, contra a vontade da ofendida. Embora não a incomodasse, quando ia levar o G. V. a casa, fazia sempre uma despedida dramática. Abordou-a na pizzaria onde costumava almoçar e chamou-lhe mentirosa e falsa, dizendo-lhe que não prestava.
O arguido fez pedidos de amizade na rede social facebook a amigos seus, que ela sabe que ele não conhece, chegou também a fazer pedidos usando o perfil do filho mais novo. Fazia perguntas sobre a sua vida a esses amigos virtuais. Fez um pedido de amizade ao M., filho de uma amiga sua, com cerca de oito anos de idade, perguntava-lhe se tinha namorado, mandou-lhe uma fotografia de um homem e perguntou-lhe se era o namorado da demandante.
Instada disse que a relação continua tensa, uma vez que o arguido faz publicações no facebook a caluniá-la, designadamente dizendo que ela abandonou os filhos, não tendo aceite o divórcio amigável.
Entre 2007 e 2011 o arguido teve problemas de saúde, sendo que o único rendimento era o dela que trabalhava de segunda a sexta-feira das 6h00 às 22h00 ou 23h00 e aos sábados, de manhã. Durante esse período o arguido fez um curso, que durou cerca de um ano, recebendo remuneração. A partir de 2011 o arguido recomeçou a trabalhar sendo a sua área de atuação Vila Verde, Amares e Braga.
Instada disse que o arguido não a insultava em público e raramente o fazia em frente aos filhos.
T. C. é proprietária de uma florista relatando que o arguido procurava a assistente na loja, sendo que a testemunha conversava com ele, percebendo que ele queria que ela voltasse para casa. Chegou a perguntar se a ofendida tinha namorado. O arguido fazia chamadas e mandava mensagens para o telemóvel da ofendida e esta ficava incomodada e queixava-se que era perseguida.
C. I. é filha da proprietária da florista e ajuda-a, relatando que os telefonemas do arguido para a ofendida eram constantes. Por outro lado, também telefonava para a loja a perguntar se a ofendida estava por lá e aparecia na loja. A ofendida ficava incomodada e irritada, tendo a testemunha ajudado a ofendida a bloquear as chamadas, sendo que posteriormente a ofendida recebia chamadas dos filhos que depois passavam o telefone ao pai. Quando o arguido ia à loja buscar o filho, tentava falar com a ofendida.
Estas testemunhas depuseram de modo desprendido.
F. M. é colega da ofendida e sempre teve a perceção que não se davam bem, pela forma como ela se comportava, pois mostrava medo quando falava do marido e quando sentia a presença do arguido. Instada disse que a ofendida recebia muitos telefonemas, designadamente numa viagem de visita de estudo que demorou mais do que o previsto, por volta das 21h00, quando estavam em viagem, a ofendida recebeu uma chamada telefónica do arguido, tendo a testemunha percebido que ele dizia que ela já devia estar em casa àquela hora sendo que a ofendida se justificava por estar ainda no autocarro. Este episódio ocorreu em 2004. A ofendida não ia a jantares de convívio. A partir de 2010 a ofendida começou a contar que era controlada, convidou-a para formadora em Cabeceiras de Basto e ela não tinha como se deslocar, segundo ela o arguido dizia que o carro era dele e que ela não podia conduzir, pelo que ia de autocarro. Levantava-se às 4h00 para dar formação e chegou a ser necessário ir buscá-la por perder os autocarros, pois tinha que apanhar dois, o que sucedeu em 2002 ou 2003. Apercebeu-se que o arguido aparecia na pizzaria onde almoçavam e a ofendida ficava alterada, nervosa e emocionalmente desequilibrada.
O arguido quis prestar declarações findo o depoimento da testemunha o que, aliás, sucedeu com quase todos os depoimentos, para afirmar que levava a ofendida a Celorico de Basto e ela regressava de autocarro e que foi apenas dois dias à pizzaria.
T. G. conheceu a ofendida em março de 2017, mas ela já era acompanhada na Cáritas desde novembro de 2016, para onde foi encaminhada pelo NIAVE. Apresentava um volume muito significativo de chamadas, tendo presenciado vinte a trinta chamadas consecutivas no atendimento que fez, que durava cerca de uma hora. O arguido perguntava-lhe onde estava e o que estava a fazer, sendo que a testemunha foi notando uma escalada em termos de controlo. A ofendida contou-lhe que escondeu a agenda na mala do carro, debaixo do pneu sobressalente, para impedir o arguido de controlar os seus movimentos. O arguido entregou um documento à ofendida para «orientar» o técnico nas perguntas que lhe fazia, designadamente para lhe perguntar (à ofendida) por que necessita de elogio constante ou por que tem fascínio por redes sociais. Nota na ofendida sintomas de ansiedade, perceção negativa de si própria, caraterísticas depressivas, isolamento, dificuldade em partilhar o que acontecia em casa com outras pessoas, e baixa autoestima. A ofendida tinha medo que o arguido lhe fizesse mal, ou a si ou próprio ou aos filhos e mencionou a existência de perseguições. Considera o arguido pessoa controladora, manipuladora e obsessiva. Usava a estratégia de deixar bilhetes com o objetivo de serem vistos pelos filhos.
A. C. é irmã da ofendida relatando que a irmã deixou de ir a casa dos pais, depois de casar. Quando conseguia ir dizia que não tinha meios de o fazer, chegou a vir buscá-la e o arguido dizer que não queria os filhos no carro de um desconhecido. Quando faziam a refeição em casa dos seus pais, ele sistematicamente lhe falava ao ouvido e ela mudava de atitude ou pegava nas coisas e iam embora, parece que entrava em pânico. Mesmo se a mãe tivesse o almoço pronto e ela ainda não tivesse almoçado, se ele a mandava embora, ela saia a correr. A ofendida mostrou-lhe, apavorada uma fotografia de órgãos genitais enviada pelo arguido, dizendo «anda que eu estou à tua espera», viu igualmente uma mensagem do arguido a dizer que ela tinha os dias contados. A ofendida relatava também que o arguido a perseguia.
A testemunha depôs com distanciamento e objetividade.
S. F. trabalha na pizzaria … sita na Av. ..., em Vila Verde, relatando que quando a ofendida entrava no estabelecimento, passados cerca de quinze minutos o arguido entrava no estabelecimento, sem cumprimentar as pessoas, dirigia-se à mesa da ofendida e abeirava-se da mesma. A testemunha apercebeu-se que a ofendida ficava incomodada e sugeriu que ela passasse a fazer as refeições numa sala mais reservada. O arguido regressou num dia em que a ofendida estava nessa sala, abrindo a respetiva porta e dirigindo-se à ofendida. Instada disse que o arguido foi ao seu estabelecimento quatro ou cinco vezes. Quando o arguido aparecia no local, levava o G. V., filho do casal, pelo braço, para o exterior e, quando o menor regressava, não comia, não bebia, nem falava, mesmo que não tivesse almoçado. Instada disse que o modo como o arguido entrava no estabelecimento incomodava todos os presentes, pois fazia-o de cara fechada, sem cumprimentar ninguém e abeirava-se da ofendida aproximando a sua cara da cara dela ou apoiando as mãos na mesa, momento em que a ofendida baixava a os olhos e a cara para a mesa. Quando o arguido se ia embora a ofendida ficava a chorar. Desde que a ofendida deixou de frequentar a pizzaria, o arguido nunca mais lá apareceu.
M. F. trabalhava na pizzaria e relatou que o arguido entrava sem falar, com ar assustador, os clientes ficavam incómodos. Sentava-se na cadeira junto da ofendida e ficava a falar enquanto ela baixava a cabeça, quando ele saia a ofendida nem comia e ficava a chorar. Durante cerca de três ou quatro meses o arguido foi constantemente à pizzaria durante a hora do almoço. A ofendida disse-lhes que não iria mais à pizzaria por causa da atitude do arguido, que a envergonhava, pelo que lhe disseram para ir para uma sala reservada. Quando a ofendida estava nessa sala, o arguido abriu a respetiva porta, entrou na sala e trouxe o filho G. V. para a rua. Quando trouxe novamente o menino, ele estava triste, quase a chorar, não comia nada, não falava. Perguntaram-lhe se queria sobremesa, levaram bolo de bolacha, mas ele apenas fez sinal com braço para levar o bolo de bolacha e não comeu mais nada.
O G. V. pediu amizade à pizzaria no facebook, mas quando lhe disse que tinha sido muito simpático em fazê-lo ele disse que não tinha sido ele. A testemunha perguntou então quem tinha sido, tendo o G. V. encolhido os ombros. Após a ofendida deixar de frequentar a pizzaria encontrou-a a chorar junto ao Minipreço, por causa de uma alegada carta do filho que, afinal, não fora ele a escrever.
S. F. e M. F. mostraram-se agastadas e preocupadas com as situações a que assistiram.
S. C. é irmã da ofendida relatando que esta fazia muito desporto, antes de casar e quando ia para os treinos o arguido ficava, dentro do carro, em frente de sua casa, durante horas. Quando a ofendida chegava do treino ficava dentro do carro do arguido durante horas e vinha para casa triste e cabisbaixa.
A ofendida sofreu duas cirurgias à coluna e duas ao útero, sendo que a falta de mobilidade, os problemas hormonais e a medicação provocaram-lhe aumento de peso. O arguido sistematicamente dizia que ela estava gorda, se ela queria repetir durante a refeição ele dizia que ela não devia fazer isso, chegou a dizer que ela estava obesa à frente de todos os presentes e que se ela continuasse por esse caminho os filhos iam ter vergonha de andar com ela na rua. Quando estavam reunidos em família, ele interrompia as intervenções dela, ela deixava de falar, cochichava constantemente ao seu ouvido em frente a toda a gente, fazia chacota por causa de um erro gramatical ou de afirmações pouco precisas e incitava os filhos a fazer chacota da mãe. A testemunha intervinha em defesa da irmã, mas esta pediu-lhe para parar de intervir porque, em casa era ela quem sofria as consequências. O arguido chegou a partir uma televisão, em casa e na presença dos filhos, segundo o que a sua irmã lhe contou e os filhos confirmaram, por estar zangado. Aliás, a zanga era motivo para passar uma semana sem visitar a família da ofendida, como retaliação. O arguido dizia-lhe «tens dois minutos para estar no carro», ou então vinham os filhos e diziam que o pai dissera «tens 2 minutos para estar no carro». Nessa situação a ofendida deixava tudo e ia a correr embora, era incapaz de dizer para ficar mais um bocadinho. Numa noite em que estiveram à espera que o arguido chegasse, quando iam começar a jantar (a ofendida estava a colocar o azeite no prato), ele chegou, abriu a porta, nem boa noite disse aos presentes, dizendo apenas «tens dois minutos para estar no carro». A ofendida levantou-se e foi embora. Nesta altura o G. V. ainda não tinha nascido. Por vezes dizia que chegava a uma hora e chegava mais cedo. Quando se formou, a ofendida não esteve presente na festa, tendo enviado uma mensagem a dizer-lhe «a vida continua a ser madrasta», pedindo-lhe desculpa por não estar presente. O arguido dizia que a ofendida conduzia mal, designadamente culpou-a pelo facto de um condutor ter batido no seu carro que estava estacionado porque tinha tido um furo, dizendo que ela era muito distraída e que escolheu mal o sitio para estacionar. A ofendida deixou de conduzir o carro dele e a testemunha chegou a emprestar-lhe o seu carro, há cerca de dois anos. Quando a demandante ia receber o pagamento de uma formação, o arguido disse «vamos comprar o quarto para o G. V. e vamos abrir-lhes uma conta», ou seja, a ofendida não determinava o modo como era gasto o dinheiro do seu salário. A ofendida pedia-lhe para dizer ao arguido que determinada peça de roupa tinha sido oferecida, quando tinha sido a ofendida a comprá-la.
A testemunha leu insultos dirigidos à ofendida, pelo arguido, através das redes sociais, leu mensagens dele a enviar declarações de amor, a dizer que a perdoava, seguidas de insultos e ameaças, dizendo, designadamente, «estás a cavar a tua própria sepultura». Depois da separação, o arguido enviou à ofendida uma mensagem com uma fotografia dos órgãos genitais, dizendo que estava à espera dela. A ofendida sentiu-se nauseada com a situação. Instada disse que não acredita que a ofendida insultasse o arguido porque ela tinha medo dele.
No facebook o arguido dizia que a ofendida não quer saber dos filhos, nem lhes tenta ligar, que abandonou os filhos.
A ofendida contou-lhe os episódios em que passou noites fora de casa porque o arguido a impediu de entrar. Numa dessas situações foi para casa da sogra e telefonou-lhe a contar o sucedido, tendo a sua mãe telefonado à mãe do arguido que lhe disse que ia falar com o arguido e no dia seguinte a porta estaria aberta. A testemunha pediu à irmã para não regressar a casa, mas ela regressou. Chegou a dormir nas escadas do prédio quando estava grávida do G. V..
Quando vivia com o arguido, a ofendida ia-lhe contando alguns destes episódios, mas de modo muito leve e só após insistência.
De 2014 a 2018 a testemunha trabalhou nos Açores e quando vinha ao continente tinha que vir a Vila Verde ver a irmã e os sobrinhos, pois a irmã não ia a casa dos pais. Numa dessas ocasiões marcou encontro num café, na vila, sendo que a ofendida vivia a cinco minutos do local, mas o arguido veio trazê-la de carro e nem cumprimentou a testemunha ou a sua mãe. Durante os 30 ou 45 minutos em que estiveram juntas, o arguido passou várias vezes de carro, estacionou duas vezes e chamou os filhos, tendo o mais velho ficado no carro. Em 2017 o arguido telefonou-lhe tentando-a convencer que a ofendida estava mentalmente desequilibrada, dizendo que já não aguentava mais, que ela tinha um amante que era o primo e que se ia separar. A testemunha apoiou a decisão de se separarem. Uma vizinha da ofendida disse-lhe que o arguido dizia que ela e a ofendida eram amantes.
Instada disse que as agressões psicológicas sofridas pela ofendida foram tão, ou mais graves, do que agressões físicas.
A ofendida contou-lhe que o arguido atirou com o telefone para a lareira, pelo que deixaram de a poder contactar por esse meio, que era o meio utilizado pela mãe da ofendida para falar com ela.
A testemunha depôs de modo sentido e indignado, foi coerente e demonstrou a sua razão de ciência relatando acontecimentos com pormenor.
I. C. é mãe da ofendida, relatando que o arguido dizia muitas vezes à ofendida que ela estava gorda e que não podia comer mais porque estava a ficar obesa, sendo que ela ficava triste. A ofendida só ia a sua casa se o arguido a levasse, chegou a dar-lhe dinheiro às escondidas. Quando a sua filha lhe contou que a ofendida dormira fora de casa telefonou à mãe do arguido, que lhe confirmou que a nora dormira em sua casa, mas que ia falar com o filho e quando a ofendida viesse do trabalho a porta estaria aberta. A ofendida disse-lhe que não fora a primeira vez que o arguido a tinha expulsado de casa, que quando estava grávida também já tinha acontecido. Quando estavam em sua casa, o arguido dizia à ofendida «tens dois minutos para estar no carro». Depôs de modo contido e envergonhado.
F. P. é amiga da ofendida, relatando que o seu filho M., com cerca de dez anos, lhe contou que tinha recebido mensagens do arguido, foi verificar que nas mesmas este perguntava quem frequentava a sua casa, quem estava ou quem ia a sua casa. O arguido enviou ao M. uma fotografia do atual companheiro da ofendida a perguntar se era amigo dela. O arguido telefonou-lhe, no verão do ano passado, a dizer que a ofendida tinha uma perturbação, que era a culpada da situação que viviam, que era maluca, desequilibrada, que precisava de um tratamento. A testemunha sentiu-se pressionada e não deu hipótese a que o arguido fizesse perguntas sobre a vida da O. M.. A ofendida andava nervosa, chegou a mostrar-lhe mensagens enviadas pelo arguido a chamar-lhe maluca e tola e a pedir para voltar para casa.
Depôs de modo desprendido
O depoimento de J. S. não se mostrou relevante para os factos que aqui se discutem, uma vez que não privava com o casal.
H. V. é filho de arguido e ofendida, relatando que no episódio ocorrido em novembro de 2016, ambos atiraram com os pratos ao chão e a mãe acertou com a mão na cara do pai. Ouviu a mãe dizer que estava farta e que queria morrer.
Disse que não considera a ofendida como mãe, ia visitá-la de 15 em 15 dias e via as agressões dela ao seu irmão, tiveram uma discussão e ela expulsou-o de casa, pelo que nunca mais a viu. No dia 18 de janeiro de 2018 a ofendida foi a sua casa cantar os parabéns ao arguido.
Instado, disse que o relacionamento entre o casal era normal, exceto no último ano em que ocorriam muitas discussões.
Instado disse que os pais lhe disseram que a televisão se partiu sem querer.
Instado disse que a ofendida recebia cerca de vinte chamadas do arguido ao longo do dia, que a incomodavam e que raramente atendia, tirando o som ao telefone.
Depôs de modo claramente parcial, muito zangado com a ofendida, pelo que não mereceu credibilidade.
M. V. é mãe do arguido negando todos os factos que constam na acusação, dizendo que o arguido apenas dizia à ofendida que «o doutor disse que não podias engordar». Negou que a ofendida tivesse dormido em sua casa, a não ser quando o arguido teve um enfarte. Disse ainda que todos os domingos iam ver a avó do arguido. Depôs de modo sereno, às vezes vago, com natural subjetividade. Disse que o problema do seu filho foi gostar em demasia da O. M..
R. V. é irmão do arguido, contudo pouco convívio revelou com o casal. Vincou que o arguido «é chato que se farta», tem uma preocupação exagerada com a família. Depôs de modo contido e vago.
Cumpre notar que o relato feito por O. M. foi pormenorizado e foi corroborado por outros elementos de prova.
No que se reporta ao controlo sistemático através das chamadas telefónicas a prova é evidente e abundante, atento o registo das mesmas que foi junto aos autos. Aliás, essa é a única matéria que o arguido admite, sem que contudo explique a sua atitude, a não ser como uma estupidez. No que toca ao mês em que os factos ocorreram, o Tribunal atendeu a esse mesmo registo (agosto de 2017).
As participações de folhas 87 a 89, 357 a 359 e aditamento de folhas 520 a 522 ajudam também a contextualizar os factos, por se reportarem a momento temporalmente mais próximo da sua ocorrência, sendo relevante a segunda participação referida. A demandante dirigiu-se ao posto da Guarda Nacional Republicana no dia 3-3-2018 e aí relatou que o H. V. lhe levou as chaves de casa para quando a ofendida quisesse entrar, o que ela negou. Isto é, a tentativa de entrega das chaves, que foi admitida perlo arguido, tinha por fito o regresso da demandante a casa e não, conforme quis fazer crer o arguido, conferir a possibilidade à demandante de ir buscar as suas coisas. Aliás, se fosse só essa a intenção, nem se compreendia tanta insistência por parte do arguido. Mais uma vez se verifica o envolvimento dos filhos, por parte do arguido, num episódio desnecessário. As participações apresentadas na Guarda Nacional Republicana foram sobretudo relevantes para circunstanciar temporalmente os episódios ocorridos.
Os documentos de folhas 516, 517 e 588 a 592 atestam a matéria das alíneas a) e b) da acusação.
Os documentos de folhas 27 a 30 e 104 a 114 confirmam a versão apresentada por arguido e ofendida quanto aos factos ocorridos em novembro de 2016, sendo que, na parte em que a ofendida não se recordava dos factos os mesmos não foram considerados.
Os documentos de folhas 126 a 149, 191 a 234, 249 a 256, 272 a 299, 400 a 410, 434, 461 a 464, 508 e 511 a 513 atestam o teor e quantidade de mensagens e chamadas telefónicas do arguido para a ofendida.
O documento de folhas 160 a 166 reflete, por um lado, a pressão psicológica sofrida pela demandante e, por outro, a alegada sensação de normalidade que o arguido pretende conferir à relação conjugal, sendo certo que se trata de um relatório feito em novembro de 2017.
O relatório de folhas 178 a 182 contém mais um relato feito pela ofendida perante uma técnica de uma associação de apoio à vítima, verificando-se que o seu discurso se mantém uno, consistente e pormenorizado.
Os relatórios de folhas 340 a 345 são a confirmação da perceção que arguido e demandante transmitiram durante os seus depoimentos em Tribunal. Cumpre destacar que a demandante adotou já nessa a avaliação que teve lugar entre outubro e dezembro de 2017 uma postura de total colaboração, apresentando, também aí, um discurso lógico, coerente, espontâneo e fluente. Demonstrou desconforto e sofrimento ao abordar o seu casamento e revelava instabilidade emocional e ansiedade. Já o arguido adotou uma postura de contacto defensivo, embora apresente um discurso lógico, fluente, organizado e espontâneo. Alega que o relacionamento foi bom até o arguido suspeitar que a demandante tinha um relacionamento extraconjugal. Foi caraterizado como pessoa reativa, emocionalmente instável, preocupada, dominante. «Demonstra dificuldades de autocontrolo e em lidar com as contrariedades e as frustrações. (…) Visivelmente alterado. Irritabilidade e agressividade acentuada. (…) Relativamente à relação com a esposa, o avaliado tem dificuldades em aceitar a possibilidade de divórcio colocada pela esposa, reagindo de forma obsessiva e desesperada perante essa possibilidade, envolvendo os filhos, de forma pouco adequada. (…) Pelos relatos também é percetível que envolve o filho mais velho nos problemas com a esposa, o que não se afigura positivo para o desenvolvimento do menor.» Esta avaliação psicológica confere credibilidade à versão da acusação.
O documento de folhas 566 a 568 comprova que contactou, por facebook uma criança, filho de uma amiga da ofendida, para lhe perguntar se ofendida tinha namorado.
Assim, toda a prova produzida evidencia a credibilidade do relato da ofendida.
Atenta a expressividade e espontaneidade das declarações da demandante, atendendo a que foram corroboradas por outros elementos de prova, concatenadas com as regras da experiência, entendeu o Tribunal conferir-lhes credibilidade.
A subjetividade presente no arguido retira-se do próprio circunstancialismo em como decorreram os eventos, não se afigurando crível que o mesmo agisse sem ser por livre determinação da sua vontade, nem se descobrindo – maxime, pela repetição dos comportamentos – outro propósito que não o deliberado. Ademais, a sancionabilidade dos comportamentos da natureza dos descritos é do geral conhecimento dos cidadãos e, concomitante e necessariamente, também, do arguido.
A situação pessoal do arguido teve por base as suas declarações.”
*
III.2 – Quanto à análise das sobreditas questões suscitadas pelo arguido neste recurso:

Impugnação da matéria de facto (art. 412º, nº3 do CPP) - do apontado erro no julgamento dos pontos 4 a 9, 13, 15 a 18, 20 e 23 a 26 da factualidade dada por provada [com violação do disposto no art. 355º do CPP, da presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo, bem como com recurso pelo tribunal a uma interpretação do art. 127º do CPP que viola o art. 32º, nºs 1 e 2, da CRP]:

Estipula o art. 410, nº1, do CPP: “Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”.

Por seu turno, prescreve o art. 412º, nº3 do mesmo diploma legal: “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”

No seu douto recurso, o arguido, cumprindo na motivação e respetivas conclusões os requisitos legais, insurge-se contra a circunstância de o tribunal a quo ter dado por provada a matéria de facto constante dos nºs 4 a 9, 13, 15 a 18, 20 e 23 a 26, os quais, no seu entender, deveriam ter sido considerados como não provados, com a consequente absolvição do ora recorrente.

Alega, para tanto e resumidamente, que:

- O tribunal a quo deu credibilidade ao depoimento da testemunha O. M., ofendida nos autos, ou a outras testemunhas da acusação, negando essa credibilidade a outros depoimentos, designadamente aos prestados por testemunhas arroladas pela defesa, muitas vezes fundando a prova dos respetivos factos unicamente no narrado pela ofendida;
- Noutros casos, o tribunal deu por provados os factos sem que nenhuma prova sobre eles tivesse sido produzida em audiência de julgamento ou mesmo em contrário desta prova.

Vejamos:

Como tem entendido, sem discrepância, o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorretamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) - art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP -, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer.
Todavia, como também vem sendo superiormente entendido, não satisfaz esse dever de reapreciação a prolação de meras declarações gerais quanto à razoabilidade do decidido no acórdão recorrido, sendo sempre exigível, nos limites traçados pelo objeto do recurso (2), a reponderação especificada, em juízo autónomo operado pelo tribunal ad quem, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção. A não apreciação da questão de facto devidamente suscitada constitui omissão de pronúncia, com a consequente nulidade do acórdão.
Por outro lado, nessa tarefa de reapreciação da prova pelo tribunal de recurso intrometem-se necessariamente fatores como a ausência de imediação e da oralidade – sendo que, como é sobejamente sabido, a imediação e a oralidade constituem princípios estruturantes do direito processual penal português.
Em conformidade, a ausência de imediação e oralidade - dado que o “contacto” com as provas se circunscreve ao que consta das gravações - determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º] (3).
Com efeito, quando está em causa a questão da apreciação da prova cumpre dar a devida relevância à perceção que a oralidade e a imediação conferem aos julgadores do Tribunal a quo. Deste modo, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só pode censurá-la se demonstrado ficar que tal opção é de todo em todo inadmissível face às regras de experiência comum.

Como loquazmente se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/07/2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, acessível em www.dgsi.pt:

«São os Juízes de 1.ª instância quem de forma direta e «imediata» podem observar as intransferíveis sensações que derivam das declarações e que se obtêm a partir do que os arguidos e das testemunhas disseram, do que calaram, dos seus gestos, da palidez ou do suor do seu rosto, das suas hesitações. É uma verdade empírica que frente a um mesmo facto diversos testemunhos presenciais, de boa-fé, incorrem em observações distintas.
A congruência dos testemunhos entre si, o grau de coerência com outras provas que existam e com outros factos objetivamente comprováveis, quer dizer, a apreciação conjunta das provas, são elementos fundamentais para dar maior credibilidade a um testemunho que a outro.
Para tal, a convicção do Tribunal tem de ser formada na ponderação de toda a prova produzida, não podendo censurar-se aquele por nesse juízo ter optado por uma versão em detrimento de outra. Não existindo prova legal ou tarifada que se impusesse ao Tribunal, o Tribunal julga a prova segundo as regras de experiência comum e a livre convicção que sobre ela forma (art. 127.º do Código de Processo Penal).»
Ou seja, é comumente aceite que a (re) apreciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso não implica a realização de um “segundo julgamento”, agora baseado na prova gravada, em que o tribunal ad quem aprecia toda a prova produzida e documentada em primeira instância, como se o julgamento ali realizado não existisse. Como se refere, de modo impressivo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19/05/2015, processo 441/10.5TABJA.E2, acessível em www.dgsi.pt, «O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância. Os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.»

Relevantes ainda as seguintes palavras de Paulo Saragoça da Matta (4):

«Ao Tribunal de recurso não cabe repetir a produção de prova havida, nem a prova anteriormente produzida na instância recorrida perde seja o que for de vivacidade. Pelo contrário, o Tribunal de recurso limitar-se-á a aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração. Com o que em nada se viola a imediação da prova, que fica acessível, imediatamente, ao juiz de recurso tal e qual como foi produzida em primeira instância.»
Concluindo: o artigo 412º, nº3, al. b) do CPP, ao exigir que o recorrente que impugne a decisão proferida sobre matéria de facto especifique as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, implica que o tribunal de recurso só pode (e deve) alterar aquela decisão se da análise que faz das provas documentadas indicadas pelo recorrente, em concatenação com as regras da experiência comum e da lógica, concluir que o juízo probatório levado a cabo pelo tribunal a quo é, à luz daqueles elementos, insustentável, indefensável (porque decidiu claramente sem prova ou em indiscutível contradição com as preditas regras), revelando-se por isso “obrigatório” decidir de forma distinta.
Diferentemente, «se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está» - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2015, processo 159/11.5PAPTL.G1, acessível em www.dgsi.pt.

Volvendo ao caso sub judice:
Nas conclusões 4ª a 6ª do seu recurso, o arguido manifesta estupefação e discordância pela circunstância de o tribunal ter expresso no início da motivação da decisão de facto as atitudes e o comportamento corporal adotados pelo arguido no decurso da audiência de julgamento, como percecionados pelo julgador.
Contudo, não colhe o entendimento do recorrente de que tais circunstâncias não devem constar da motivação, atento o seu subjetivismo. Na verdade, vigorando em processo penal o princípio da imediação e estando a decisão sujeita à sindicância do tribunal superior, o julgador pode e deve verter na motivação todas as circunstâncias ocorridas durante a audiência de julgamento que entenda pertinentes para a formação da sua convicção sobre a credibilidade que atribuiu a cada um dos meios de prova produzidos, no caso para considerar a postura e o discurso do arguido encenados e pouco espontâneos. Essa foi a perceção do tribunal a quo, está fundamentada e o recorrente não alega nada que a infirme, ou seja, que justifique doutra forma o descrito comportamento do arguido.
Ademais, como implicitamente reconhece o recorrente ao discorrer sobre eles nas suas alegações recursórias, o tribunal invocou os concretos meios probatórios em que estribou a sua decisão sobre a matéria de facto, não cingindo a sua análise crítica às conclusões que extraiu da observada conduta do arguido ou do modo como prestou as suas declarações, nem fazendo depender o seu juízo probatório destas circunstâncias.
Como vimos, o arguido não se conforma com o facto de o tribunal de primeira instância ter dado como provados factos apenas com fundamento no depoimento da ofendida O. M., e outros ainda que corroborados por testemunhas da acusação, mesmo que, no seu entender, contrariados pelo depoimento de outras testemunhas, arroladas pela defesa, ou negados ou apresentados em distinta versão pelo arguido nas declarações que prestou. Assim sucedeu, diz, com o julgamento dos pontos fácticos nºs 5, 6, 7, 9 a 13, 15, 17, 18, 20 e 23 a 27.
Sucede que, vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova, vertido no art. 127º do CPP, e não estipulando a lei qualquer limitação às declarações do ofendido, o julgador pode assentar a sua convicção nessas declarações se lhe merecerem confiança, e ainda que exclusivamente.
Aliás, tal sucede com frequência nos casos de violência doméstica em que os factos ajuizados ocorrem amiúde no recato do lar, sem a presença de testemunhas.
No caso vertente, o Tribunal o tribunal conferiu credibilidade ao depoimento prestado pela ofendida O. M., entendendo que o mesmo foi espontâneo, objetivo e corroborado por outros elementos de prova, sendo certo que também justificou o não atendimento a outros meios de provas em sentido contrário ao daquelas declarações, designadamente dos depoimentos prestados por testemunhas arroladas pela defesa do arguido, tidos por não credíveis ou irrelevantes para a matéria em discussão.
Assim sucedeu relativamente ao depoimento prestado por H. V., filho comum do casal, cujo depoimento o Tribunal adjetivou de parcial, em claro benefício do arguido, e com ostensivo desprezo pela mãe (que, assumidamente, não considera como tal e com quem estava de relações cortadas); por outro lado, explicou que as testemunhas R. V. (irmão do arguido) e J. S. não demonstraram conhecimento direto, atendível, sobre os factos em causa, já que pouco ou nada, respetivamente, privavam com o casal; também considerou que o depoimento de M. V., mãe do arguido, não foi isento e objetivo, pretendendo proteger, como é compreensível, o filho.
Ademais, quanto aos factos apurados que se diz terem ocorrido no interior da residência comum do casal, não se diz que ocorreram na presença dos filhos, e, por outro lado, é natural que as pessoas que não faziam parte do agregado familiar não tivessem assistido àqueles comportamentos por parte do arguido.
Por outro lado, quando o Tribunal chama à colação o depoimento da mãe da ofendida, I. C., ou das testemunhas S. F. e M. F., como sucedeu na motivação da prova dos factos 7 e 20, respetivamente, fá-lo, e bem, para conferir credibilidade ao depoimento da ofendida O. M., apelando ainda às regras da experiência comum e da lógica; com efeito, os factos narrados por cada uma dessas testemunhas (e que o arguido reproduz no seu recurso), ainda que não tenham presenciado todos os comportamentos imputados ao arguido ou ouvido expressões alegadamente dirigidas por esta à ofendida, adiantam pormenores das condutas adotadas pelo recorrente, a que assistiram, que, apreciados em concatenação com o depoimento da ofendida, sufragam a versão dos factos por esta adiantada ao tribunal, e, concomitantemente, retiram qualquer credibilidade às justificações apresentadas pelo arguido e por outros seus familiares para os apurados comportamentos daquele.
A acolher-se a tese do recorrente de que havendo versões contraditórias sobre os factos decorrentes dos diferentes meios de prova produzidos, designadamente das declarações dos sujeitos processuais e/ou depoimentos das testemunhas, tal redundaria sempre numa dúvida que teria de ser valorada pelo tribunal a favor do arguido, em obediência ao princípio in dubio pro reo, raramente se provaria algo nos tribunais considerando a frequência com que tais situações ocorrem.
Ora, a função do julgador é precisamente julgar, passe a redundância, o que implica que faça uma análise crítica e concatenada de todas as provas produzidas e a correlativa triagem das que se assumem como credíveis, socorrendo-se destas em detrimento daquelas que, fundadamente, se lhe afigurem não merecedoras de crédito.
Era isso que se impunha que o tribunal a quo fizesse e foi efetivamente isso que, no caso, fez.
Só perante uma situação de dúvida insanável acerca da ocorrência de determinado(s) facto(s) é que o Tribunal se devia socorrer da regra in dubio pro reo, situação, contudo, com a qual o tribunal não se deparou - infra retomaremos este ponto.
No que concerne ao ponto 4 dos factos provados insurge-se o recorrente pelo facto de a respetiva matéria, na parte que respeita ao momento em que a ofendida começou a trabalhar, ao depósito do salário em conta bancária unicamente da titularidade desta e ao controlo diário dos quilómetros percorridos pela ofendida no automóvel e dos contactos que fazia com terceiros através do seu telemóvel, não corresponder ao que a própria ofendida declarou na audiência de julgamento e, quanto a esta último aspeto, também ao que foi dito pelo filho H. V..
O Tribunal procedeu à audição da gravação atinente ao depoimento prestado em audiência de julgamento por O. M. (cf. art. 412º, nº6, do CPP).
Do teor dessas declarações, mais especificamente a minutos 12 e 13:56 a 14:20 do primeiro ficheiro, e minutos 35:15 a 36:10 do segundo ficheiro (questões formuladas pelo ilustre defensor do arguido), ressalta que assiste razão ao recorrente quando afirma que a própria ofendida mencionou que já trabalhava antes de 2010.
Com efeito, a queixosa referiu que já dava aulas numa escola em Barcelos desde 2006.
Aliás, na motivação constante da sentença também se refere que aquela já tinha trabalhado antes de 2010 (cf. último parágrafo da página 59 e primeiro parágrafo da página 60 da sentença).
Contudo, não assiste qualquer razão ao recorrente quanto ao demais por si alegado.
Assim, contrariamente ao que diz o arguido, a ofendida não refere (muito menos ao minuto 13 da gravação) que a conta bancária para onde passou a ser transferida a sua retribuição mensal, a partir de 2010, era conjunta, sendo co titulada pelo arguido ou estando este autorizado a movimentá-la (a aceder à mesma).
O que O. M. declarou, aliás em conformidade com o invocado pelo Tribunal a quo na motivação, foi que anteriormente a 2010 o salário que auferia era pago através da conta conjunta titulada por ambos os cônjuges, mas que a partir dessa altura, a seu pedido, a entidade patronal passou a transferi-lo mensalmente para uma conta bancária que ela já possuía, unicamente titulada por si – cf. minutos 08:45 a 09:56 e 13 do primeiro ficheiro da gravação.
Por outro lado, sendo verdade que a ofendida declarou que à semana o arguido não a via durante o dia (cf. minuto 23 do segundo ficheiro da gravação, na sequência de perguntas formuladas pelo MP), não se compreende a estupefação demonstrada pelo recorrente face ao facto de o tribunal ter dado como provado que o arguido controlava diariamente o número de quilómetros aquela fazia. Olvida o recorrente que as 24 horas de um dia incluem o período da noite, altura em que o casal se encontrava.
Finalmente, para além da circunstância já acima apontada de o tribunal ter descredibilizado o depoimento prestado por H. V., não seria o facto por ele adiantado ao tribunal de nunca ter visto o pai a pegar no telemóvel da mãe, que tinha sempre o telemóvel com ela, idóneo e suficiente para infirmar a factualidade dada por provada no segmento do ponto 4 atinente ao controlo que o arguido exercia sobre as chamadas que a sua mulher efetuava, pois que, para além de ser absolutamente inverosímil que o filho estivesse ininterruptamente junto aos pais, resultou claro do declarado pela ofendida e acolhido como verídico pelo tribunal, que o arguido tomava conhecimento dos contactos telefónicos efetuados por via do acesso que tinha à conta (fatura) do telemóvel dela, que lhe tinha sido oferecido por ele e cujo contrato estava em seu nome – cf. declarações prestadas a minutos 16:50 a 17:32 do primeiro ficheiro da gravação.
No que tange ao ponto 8 da factualidade provada, ancora o recorrente a sua discordância na circunstância de ter sido dado por provado que o arguido desferiu murros no corpo da ofendida, já que no seu entendimento tal só se justifica por “distração ou erro do tribunal”, porquanto a queixosa confirmou em audiência de julgamento que para efeitos do relatório social que foi junto ao processo do Tribunal de Família e Menores declarou que o ora arguido nunca a agrediu fisicamente (só verbalmente).
É verdade que a ofendida declarou isso, mas o recorrente truncou, convenientemente, as declarações da mesma, esquecendo-se de dizer que ela também justificou essa afirmação que fez perante a técnica que lavrou o relatório em causa pela circunstância de nessa altura estar muito preocupada com os seus filhos e não querer agravar a situação – cf. declarações a minutos 40:46 a 41:30 do segundo ficheiro, a questão formulada pelo ilustre defensor do arguido. Tal explicação é plausível, e foi acolhida pelo tribunal a quo ao dar credibilidade às declarações da ofendida no presente processo quanto ao facto de ter sido vítima de ofensas à sua integridade física perpetradas pelo arguido.
O recorrente discorda ainda da decisão do tribunal a quo sobre o facto dado por provado no nº 16, alegando que ninguém falou sobre isso, não constando do depoimento da ofendida nem da motivação.
Não tem razão o recorrente.
Na fundamentação aduzida pelo tribunal estão espelhadas, em conformidade com a realidade ocorrida na audiência, as declarações prestadas pela ofendida sobre o episódio em apreço – cfr. terceiro parágrafo da página 62 da douta sentença.
O recorrente igualmente discorda da decisão do tribunal a quo sobre o facto dado por provado no nº 17, alegando que ninguém falou sobre isso, não constando do depoimento da ofendida nem da motivação.
Não tem razão o recorrente.
Na fundamentação aduzida pelo tribunal estão espelhadas, em conformidade com a realidade ocorrida na audiência, as declarações prestadas pela ofendida sobre o episódio em apreço – cfr. terceiro parágrafo da página 62 da douta sentença e declarações de O. M. prestadas a 01h06m56s a 01h07m44s do primeiro ficheiro.
Por último, note-se que apesar de o recorrente se referir ao ponto 22 dos factos provados, limita-se a mencionar a justificação que adiantou ao tribunal sobre a factualidade em causa, sem que expresse e fundamente a sua discordância sobre o juízo probatório que foi proferido.
Dito isto, sumariando o predito, diremos que não assiste razão ao recorrente, não merecendo censura a decisão de facto tomada pelo tribunal a quo, excetuando a relativa ao ponto 4 da factualidade provada, cuja redação será parcialmente alterada em função da prova produzida e aqui apreciada, ainda que sem relevo para a qualificação jurídica dos factos operada pelo tribunal a quo, como infra veremos, uma vez que o releva nesse segmento factual é a circunstância de a ofendida, por via do depósito da sua remuneração pelo trabalho ter passado a ser feito numa conta apenas por ela titulada, ter ganho autonomia financeira. Contudo, improcede a pretensão do recorrente de ser agora dada por não provada toda a factualidade constante do ponto 4 que foi dada por provada.
À parte a sobredita exceção, o tribunal a quo cumpriu os requisitos e finalidades da motivação decisória (5), explicando na sentença, de modo que torna percetível para os seus destinatários o raciocínio seguido, como adveio para o tribunal o convencimento de que os factos ocorreram no circunstancialismo de tempo, modo e local que foi dado por provado.
O entendimento lavrado pelo Tribunal a quo na decisão recorrida é perfeitamente defensável face às regras da experiência comum e da lógica.
É certo que o recorrente discorda do sentido que o tribunal recorrido conferiu à prova produzida, defendendo que a factualidade dada por provada nos pontos fácticos que especifica no recurso deve ser considerada como não provada, uma vez que não concede outra realidade resultante da prova que não a por si apreendida; porém, essa (legítima) discordância não basta para que este Tribunal de recurso altere aquela decisão, já que para tal era forçoso concluir que o juízo probatório assumido pelo tribunal a quo afrontava de modo crasso, evidente, inequívoco, as regras da experiência comum e da lógica, impondo-se por isso a sua revogação, o que, frisa-se, não sucede (6).

▪ A presunção de inocência constitucionalmente consagrada no art. 32º, nº1 e 2, da Constituição da República Portuguesa e o princípio in dubio pro reo:

A Constituição da República Portuguesa, no seu art. 32º, nº1, estabelece o comando que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa”. Nestas garantias inclui-se e emerge de modo assaz relevante o princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 32º, nº2 do Texto Fundamental.
Por seu turno, o princípio in dubio pro reo é complementar do princípio da presunção da inocência e o seu campo de aplicação encontra-se após a conclusão da tarefa judicial da valoração da prova produzida e quando o resultado desta não é conclusivo; neste caso, por via desta regra atinente à decisão, a dúvida insanável, inultrapassável sobre os factos deve favorecer o arguido.
O princípio in dubio pro reo encerra uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.
À semelhança do que sucede com os vícios consagrados no n.º 2 do artigo 410.º, em sede de recurso a violação do princípio in dubio pro reo apenas ocorre quando tal vício resulte da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois o recurso não constitui um novo julgamento, antes sendo um remédio jurídico - cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.04.2008, processo 08P3456, do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.01.2015, processo 72/11.2GDSTR.C1, de 03.06.2015, processo 12/14.7GBSTR.C1, e de 12.09.2018, processo 28/16.9PTCTB.C1, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.07.2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

No caso vertente, salvo o devido respeito por opinião contrária, não resulta do texto da decisão recorrida, designadamente da motivação da decisão de facto, que a Exma. julgadora tenha sido assolada por uma dúvida razoável, muito menos insanável, que a forçasse a recorrer ao princípio in dubio pro reo para dar por não provada a factualidade cujo julgamento o recorrente discorda.
Pelo contrário, o tribunal a quo não se posicionou numa situação de dúvida quanto ao sentido da prova produzida sobre os factos em questão, sendo que o respetivo entendimento lavrado na decisão recorrida, atenta a prova produzida, é defensável face às regras da experiência comum e da lógica, que o não contrariam.
Conclui-se, destarte, que inexiste violação da presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo.
Por outro lado, salvo o devido respeito, julgámos que o recorrente incorre em confusão conceptual quando chama à colação o “non liquet” da prova.
Preceitua o art. 8º, nº1, do Código Civil, que o Tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio.
Significa o normativo, na parte que ora releva, que, em processo civil, o tribunal tem a obrigação de julgar o caso, ainda que lhe assome dúvida sobre a verificação dos factos objeto do processo, pois que deve socorrer-se para o efeito às regras do ónus da prova dos respetivos factos, a fim de os dar por provados ou não provados.
Ora, in casu, é notório que inexiste “non liquet” da prova e que o tribunal desempenhou a sua função de julgar o caso concreto.

▪ Ressuma já do exposto que igualmente não encerra qualquer inconstitucionalidade a norma do art. 127º do Código de Processo Penal na interpretação que lhe foi dada pelo tribunal a quo.
O princípio da livre apreciação da prova, constituindo um princípio estruturante do direito processual penal português, encontra-se vertido no art. 127º do Código Processo Penal, que preceitua: «Salvo quando a lei dispuser diferentemente a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção da entidade competente.»
Tal princípio está intimamente conexionado com o princípio da descoberta da verdade material e contrapõe-se ao sistema probatório fundado nas provas tabelares ou tarifárias que estabelece um valor racionalizado a cada prova, porquanto por via da livre apreciação da prova concede-se ao julgador um âmbito de discricionariedade, ainda que limitada, na valoração de cada uma das provas atendíveis que estribam a decisão de facto.
Tal discricionariedade não é absoluta, antes balizada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação que devem nortear o decisor na apreciação da prova produzida. Por conseguinte, o juiz, na fundamentação da decisão de facto, deve justificar, fundamentando convenientemente, as suas próprias escolhas, ou seja, porque valorou cada prova de determinado modo (por exemplo, porque concedeu credibilidade ao depoimento de uma testemunha e negou credibilidade ao depoimento de outra testemunha). Compreende-se que assim seja, sob pena de a convicção do tribunal se tornar não sindicável, caindo no mero livre arbítrio, o que não se coaduna com um sistema de justiça próprio de um estado de direito democrático.
É por isso que José Mouraz Lopes, in “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo II, p. 78, entende que a «livre apreciação da prova» é, de alguma forma, um sofisma, na medida em que se deve falar é de uma livre apreciação racional e fundamentada da prova.
Nas palavras de José Tomé de Carvalho, in “Breves palavras sobre a fundamentação da matéria de facto no âmbito da decisão final penal no ordenamento jurídico português”, Revista Julgar, nº21, 2013, p. 84, “o livre convencimento não equivale assim a valoração livre, estando o processo deliberativo condicionado pelas regras de lógica, experiência, técnica e ciência, apesar de na reconstrução de determinado facto o juiz ser livre de crer (ou não) numa determinada fonte probatória, agora que o tempo das provas legais e tabelares se finou”.
Assim também tem sido entendido, reiteradamente, pelo Tribunal Constitucional, num juízo de conformidade do disposto no art. 127º do CPP com a Constituição.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 1165/96, de 19.11.1996, in DR, Série II, de 06.02.1197 (reiterado pelo acórdão do mesmo Tribunal nº 464/97, de 01.07.1997, in DR, Série II, de 12.01.1998): “A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objetivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efetiva motivação da decisão”.
Ainda o acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/02, no âmbito do processo nº 528/02, onde se lê “…de acordo com o entendimento que tem vindo a ser professado por este tribunal, a valoração da prova segundo a livre convicção do julgador não significa uma apreciação contra a prova ou uma valoração que se desprendeu da legalidade dos meios de prova ou das regras gerais de produção da prova, ou seja, não é admissível uma valoração arbitrária da prova, sendo a convicção do julgador «objetivável e motivável», conjugando-se com dever de fundamentar os actos decisórios e de promover a sua aceitabilidade”.
Dito isto, tomando em conta as considerações já acima expendidas por nós, facilmente se conclui que o tribunal a quo interpretou corretamente e em conformidade com os ditames constitucionais o disposto no art. 127º do Código de Processo Penal.
Na verdade, a Mma. Juíza explanou, de modo claro e percetível, na fundamentação da decisão de facto da douta sentença as fontes probatórias que acolheu para a tomada de decisão, o respetivo conteúdo e alcance, e, outrossim, por que motivo credibilizou umas e descredibilizou outras, sempre dentro dos limites legais da livre convicção, respeitando as regras da experiência e da lógica.

▪ Preceitua o art. 355º, nº1 do Código de Processo Penal que «Não valem em julgamento, nomeadamente para efeito de formação da convicção do tribunal, provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência».
A norma visa apenas evitar que concorram para a formação da convicção do tribunal provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo com respeito pelo princípio do contraditório (não impondo que todas as provas tenham de ser reproduzidas na audiência de julgamento) – assim, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 08/10/2014, processo nº 956/10.5PJPRT.P1 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/11/2017, processo nº 1176/16.0PBCBR.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Ora, face ao teor do douto recurso apresentado pelo arguido, cremos que a sobredita norma legal não tem aplicação no caso que nos ocupa.
Com efeito, o recorrente discorda é da apreciação da prova produzida em audiência de julgamento que foi feita pelo tribunal a quo, não estando em causa que tenha sido valorado para a formação da convicção do tribunal um qualquer meio probatório que não tenha sido produzido na audiência.
Por conseguinte, a decisão recorrida não violou o disposto no art. 355º do Código de Processo Penal.


Da pretendida irrelevância dos factos provados nos pontos 3, 9, 10, 14, 16, 17, 19 e 20 para o preenchimento do tipo legal de crime de violência doméstica:

No seu douto recurso, o arguido não vislumbra qual a importância dos sobreditos factos dados por provados para o apuramento da verdade e para a inserção no crime de violência doméstica.

Vejamos:

Prescreve o art. 152º do Código Penal, onde se prevê o crime de violência doméstica, na parte que ora releva:

“1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;

é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 – Nos casos previsto nos números anteriores, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
…”
Como referido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.09.2011, processo nº 170/10.0GAVLC.P1, disponível em www.dgsi.pt., “no ilícito de violência doméstica é objectivo da lei assegurar uma “tutela especial e reforçada” da vítima perante situações de violência desenvolvida no seio da vida familiar ou doméstica que, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, evidenciem um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal quanto ao perigo ou de ameaça de prejuízo sério para a saúde e para o bem-estar físico e psíquico da vítima”.
O sobredito aresto seguiu, nesta parte, a tese proposta por Nuno Brandão, in “A Tutela penal especial reforçada da violência doméstica”, Revista Julgar, 12 (Especial), p. 9-24, segundo a qual “o desvalor potencial fundamentalmente tomado em consideração para justificar esta específica modalidade de incriminação se prende com os riscos para a integridade psíquica da vítima que podem advir da sujeição a maus tratos físicos e/ou psíquicos, sobremaneira quando se prolongam no tempo” (pág. 18).
No crime de violência doméstica tutela-se a dignidade humana dos sujeitos passivos aí elencados, mormente na vertente da sua saúde, seja a nível físico ou psíquico, ou na vertente da sua privacidade, seja de liberdade pessoal ou de autodeterminação sexual – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.05.2010, processo nº 179/08.3GDSTS.P1, in www.dgsi.pt.
O bem jurídico protegido por este tipo legal de crime é, assim, primordialmente, a saúde da vítima, entendida nas suas vertentes de saúde física, psíquica e mental, visando a incriminação protegê-la de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal desenvolvimento de uma pessoa, afetem a dignidade pessoal e individual da pessoa que com o agente mantém (ou manteve) vínculos relacionais estreitos e/ou duradouros.
E a necessidade prática da criminalização das espécies de comportamentos descritos no art. 152º, nº1, als. a) e b) resultou da consciencialização ético-social dos tempos recentes sobre a gravidade individual e social destes comportamentos; não porque estejamos perante um fenómeno novo ou recente, mas antes porquanto atualmente vinga uma maior e mais ampla consciencialização acerca da inadequação e da gravidade e perniciosidade desses comportamentos, o que os faz encarar como um problema de dimensão social.

No apontado sentido, também Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette (in “Código Penal Anotado e Comentado, 2ª Edição, anotação 4 ao art. 152º, págs. 438 e 439):

“As relações conjugais, como outras – de certa analogia ou proximidade, que o legislador equipara àquelas –, desenrolam-se, por via de regra, num determinado clima de confiança, solidariedade e respeito, que resiste à atinente cessação, persistindo para além dela. O aproveitamento da cobertura que as mesmas relações podem facultar à prática de condutas violentas por qualquer dos respetivos sujeitos, atuando sobre o outro, em contradição com a índole mesma daquele clima e com os ditames do vínculo estabelecido, seja ele qual for, torna-se, por isso, muito em particular reprovável. A lei, assim, dado que tais condutas vão acontecendo com alguma regularidade, optou por enérgica intervenção específica, tentando reagir contra a violação da harmonia estruturante das relações em causa. Repugna-lhe, com efeito, toda a forma de violência, em nome da preservação da paz doméstica (lato sensu), cuja negação gravemente se repercute na própria paz social – minando-lhe os alicerces –, a cujo nível as referidas relações dispõem de precípuo lugar. Por isso, acorre em defesa das vítimas, atribuindo-lhes um meio capaz de garantir boa proteção da vida, da integridade física e psíquica, da liberdade e da dignidade, contra qualquer inflição de maus tratos, dos quais se não excluem, v.g., «castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais». Em tal proteção se consubstancia a tutela penal aqui estruturada e conferida. A qual, mediatamente, não deixa de alastrar ao bem supra-individual que é a referida paz doméstica”.
Estamos perante um crime específico, porquanto pressupõe que o sujeito activo se encontre numa determinada relação para com o sujeito passivo, a vítima dos seus comportamentos. O sujeito passivo ou vítima só pode ser a pessoa que se encontre, para com o agente ou sujeito activo, numa relação de coabitação conjugal ou seja cônjuge.
As condutas típicas preenchem-se com a inflição de maus tratos físicos (ofensas à integridade física simples) e maus tratos psíquicos (ameaças, humilhações, provocações, molestações).
Estes maus tratos podem ser infligidos de modo reiterado ou não (conduta isolada).
A este propósito urge ter presente a jurisprudência que já antes da alteração legislativa de 2007 considerava que uma conduta ainda que isolada podia configurar um crime de maus tratos desde que pela sua gravidade pusesse em causa a dignidade humana do cônjuge ofendido – cf., a título exemplificativo, os Acórdãos da Relação de Coimbra de 13.06.2007, in www.dgsi.pt, do Supremo Tribunal de Justiça de 14.11.1997, CJSTJ, III, 235, e de 17.10.1996, CJSTJ, IV, 170, da Relação de Évora de 23.11.1999, CJ, V, 283 e de 25.01.2005, CJ, I, 260, e da Relação do Porto, de 12.05.2004, Recurso 6422/03-4ª Secção.
Neste sentido, também o Acórdão da Relação do Porto de 06.10.2010, processo nº 296/08.0PDVNG.P1, in www.dgsi.pt.
Importa aquilatar nessas situações se o comportamento único do agente reveste, ainda assim, uma certa gravidade, traduzindo crueldade, insensibilidade ou até vingança desnecessária da sua parte, a ponto de constituir causa justificativa da dissolução do vínculo conjugal, por comprometer a possibilidade de vida em comum.
O conjunto de ações típicas que integram o ilícito criminal em apreço, uma vez analisadas à luz do contexto especialmente desvalioso em que são cometidas, constituirão maus tratos quando revelem uma conduta maltratante especialmente intensa, uma relação de domínio que deixa a vítima em situação degradante ou em estado de agressão permanente.
Tais comportamentos integram o conceito legal de “maus tratos” quando geram uma situação consubstanciadora de um padrão comportamental associado a uma perigosidade típica para o bem-estar físico e psíquico da vítima.
O que justifica a punição mais severa do agente através deste tipo legal de crime numa situação de concurso aparente com as ofensas à integridade física simples, é precisamente o desprezo do agressor pela dignidade pessoal da vítima, enquanto revelador de um pesado desvalor de acção que agrava a ilicitude material do facto – Cf. Nuno Brandão, ob. cit., p. 18.
Como referido no aludido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.09.2011 - citando também Nuno Brandão e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17.05.2010, relatado pelo Desembargador Cruz Bucho - “o importante é, pois, analisar e caracterizar o quadro global da agressão física de forma a determinar se ela evidencia um estado de degradação, enfraquecimento, ou aviltamento da dignidade pessoal da vítima que permita classificar a situação como de maus tratos, que, por si, constitui um risco qualificado que a situação apresenta para a saúde psíquica da vítima. Nesse caso, impõe-se a condenação pelo crime de violência doméstica, do art. 152º do CP. Se não, a situação integrará a prática de um ou vários crimes de ofensas à integridade física simples, do art. 143º, do CP”.
E acrescenta-se: “a acção não pode limitar-se a uma mera agressão física ou verbal, ou à simples violação de alguma ou algumas das liberdades da pessoa (vítima) tuteladas por outros tipos legais de crimes. Importa que a agressão (em sentido lato) constitua uma situação de “maus tratos”. E estes (maus tratos) só se dão como verificados quando a acção do agente concretiza actos violentos que, pela sua imagem global do facto e pela gravidade da situação concreta são tipificados como crime pela sua perigosidade típica para a saúde e bem-estar físico e psíquico da vítima”.
A agravação do nº2 do art. 152º funda-se no propósito legislativo de censurar mais gravemente os casos de violência doméstica com vítimas menores ou ocorridos diante de menores, por se considerar que os menores são vítimas “indiretas” dos maus tratos contra terceiros quando eles têm lugar diante dos menores. Por outro lado, o legislador quis também censurar mais gravemente os casos de violência doméstica velada, em que a acção do agressor é favorecida pelo confinamento da vítima ao espaço do domicílio e pela inexistência de testemunhas (7) – cf. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, anot. 13 ao art. 152º, p. 406.
O elemento subjetivo do tipo preenche-se por qualquer forma de dolo e deve abranger a circunstância que agrava o crime.
Dito isto, claramente se extrai do teor do douto recurso deduzido pelo arguido que o seu entendimento sobre o ilícito criminal em questão é restritivo, estanque, procurando verificar face a cada ação desenvolvida pelo arguido sobre a ofendida se a mesma integra, de per si, os elementos objetivos do tipo de crime, quando o que importa é atentar no quadro global de atuação do agente para inferir se o padrão comportamental que ele denota está associado a uma perigosidade típica para o bem-estar físico e psíquico da vítima, se dele ressuma o desprezo do agressor pela dignidade pessoal da vítima (enquanto elemento revelador de um acentuado desvalor de acção que agrava a ilicitude material do facto).
Com efeito, o crime de violência doméstica previsto no artº152º do CP supera a soma dos diversos ilícitos que o podem preencher, não sendo as condutas que integram o tipo consideradas autonomamente, mas antes valoradas globalmente na definição e integração de um comportamento repetido revelador daquele crime – neste sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/11/2011, CJ, 2011, Tomo V, pág. 319, do Tribunal da Relação de Guimarães de 06/02/2017, processo nº 201/16.0GBBCL.G1, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 07/02/2018, processo nº 663/16.5PBCTB.C1, os dois últimos acessíveis em www.dgsi.pt.
É precisamente por isso que para a prática do crime de violência doméstica não são inócuos os factos que, globalmente considerados, são reveladores de um comportamento de perseguição agressiva, de um constante importunar, de uma vontade conseguida de amedrontar através da inesperada abordagem pessoal e da ameaça velada; o âmbito do crime comporta, pois, as condutas que geram, inclusive através do reiterado e incessante envio de SMS ou de constantes ligações telefónicas, maus tratos psíquicos, configurados como stalking, comportamento criminalmente punível nos termos do art. 154º-A do CP (artigo aditado pela Lei nº 83/2015, de 05.08, que entrou em vigor no dia 05.09.2015) – assim, também os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 04.03.2013, processo nº 746/11.8PBGMR.G1, e do Tribunal da Relação do Porto de 08.10.2014, processo nº 956/10.5PJPRT.P1, disponíveis em www.dgsi.pt.
A conduta típica do crime de violência doméstica inclui ainda, para além da agressão física (mais ou menos violenta, reiterada ou não), a agressão verbal, a agressão emocional (p. ex., coagindo a vítima a praticar atos contra a sua vontade), a agressão sexual, a agressão económica (p. ex., impedindo-a de gerir os seus proventos) e a agressão às liberdades (de decisão, de ação, de movimentação, etc.), as quais, analisadas no contexto específico em que são produzidas e face ao tipo de relacionamento concreto estabelecido entre o agressor e a vítima, indiciam uma situação de maus tratos, ou seja, um tratamento cruel, degradante ou desumano da vítima.
Donde, contrariamente ao pugnado pelo recorrente, são relevantes para a integração das respetivas condutas, analisadas globalmente e no contexto dos demais factos provados, no ajuizado crime de violência doméstica, os factos referidos nos pontos 3, 9, 10, 14, 16, 17, 19 e 20 da matéria de facto provada, atinentes ao controlo exercido pelo arguido sobre o vestuário da vítima e relativamente às pessoas com quem falava; arremessar de vinho para a cara daquela na sequência de uma discussão, que culminou com o arguido a insultá-la e a ameaçá-la de morte; ao asfixiante controlo diário exercido pelo arguido sobre a ofendida através da verificação do telemóvel desta e do envio de dezenas de mensagens telefónicas, bem como de chamadas telefónicas, para se inteirar sobre o local onde a cônjuge se encontrava e com quem; à insistência do arguido junto da ofendida, contra a vontade desta, após a separação de facto, para que ela ficasse com uma chave da sua casa; arremesso de papéis, após rasgar envelope contendo chave da casa do arguido que a ofendida lhe tinha enviado por via postal, para cima da queixosa; indagação junto da patroa da ofendida sobre esta mantinha alguma relação amorosa com outrem; comunicação forçada com a ofendida através da rede social facebook, com intromissão no círculo de amigos desta; e a prolação de expressões dirigidas à vítima, dizendo-lhe que “não prestava”, que era “mentirosa” e “falsa”.
Em conformidade, como também entendeu, acertadamente, o tribunal a quo, ponderando a factualidade dada por provada nos nºs 1 a 27 – ainda que a correção que se impõe ao segmento inicial do ponto 4 –, dúvidas não sobejam de que se mostra integralmente preenchida a tipicidade objetiva e subjetiva do crime de violência doméstica pelo qual foi condenado o arguido.
Os diversos comportamentos do arguido ali descritos, reiterados e dolosos, consubstanciando episódios de ofensas corporais, de ofensas à honra e consideração, de ameaça e de perseguição (stalking) cometidas sobre a O. M., sua mulher, no quadro global de agressividade, desrespeito e humilhação a que a sujeitou, são, em nosso entendimento, suficientes para integrar o predito conceito de “violência doméstica” por tais factos representarem, em relação à vítima, no quadro do relacionamento interpessoal por eles vivenciado, um potencial de agressão que supera a proteção oferecida pelos também tipificados crimes de ofensas à integridade física simples, injúrias, ameaças e perseguição quando considerados isoladamente.
Destarte, é possível descortinar um quadro global de atuação do arguido em que impera uma impossibilidade de controlar os seus ciúmes excessivos, a sua propensão para tentar controlar a vida do cônjuge, a sua personalidade violenta, associada a um total desrespeito pela pessoa da ofendida O. M., não se coibindo de, recorrentemente e sem motivo que pudesse minimamente tentar justificar tais comportamentos, afetar a integridade física e psíquica, a honra e a consideração e o direito a uma existência em paz daquela, tratando-a como “algo” e não “alguém”.
A conduta do agente, pelo seu carácter violento e, mormente, pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima e manifesto desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, é suscetível de ser classificada como “maus tratos”, implicando sérios riscos para a integridade física e psíquica da ofendida.
Os atos perpetrados pelo arguido, perspetivados em conjunto, afetam, de modo assaz relevante, a dignidade humana da ofendida, a sua saúde física e psíquica, a sua liberdade de determinação, não apenas através de ofensas, ameaças ou injúrias, mas também através da criação de um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade e humilhação. Tais comportamentos geraram, causal e adequadamente, efeitos destrutivos na vivência pessoal, familiar e social da vítima.
Aliás, a motivação de direito aduzida pelo tribunal a quo apresenta-se bem estruturada e fundamentada, não merecendo qualquer censura.
Por outro lado, o arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Inexiste qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Pelo exposto, bem andou o tribunal a quo ao condenar o arguido, como autor material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, al. a), e 2 do C.P.


Concluindo: improcede o douto recurso interposto pelo arguido V. H. e, em conformidade, cumpre manter a douta sentença recorrida.



IV - DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em:

A) Nos termos conjugados dos arts. 412º, nº3 e 431º, al. b), ambos do Código de Processo Penal, altera-se a redação do ponto 4 dos factos provados na sentença recorrida, que passará a ser a seguinte:

“A partir de 2010, o relacionamento entre ambos, mercê do facto de o salário do trabalho de O. M. passar a ser transferido para uma conta só sua … [mantendo-se integralmente o demais dado por provado nesse ponto].

B) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido V. H. e, consequentemente, manter a douta sentença recorrida.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (arts. 513º e 514º, ambos do Código de Processo Penal, arts. 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este diploma legal).
*
Guimarães, 08 de junho de 2020,

Paulo Correia Serafim (relator)
Nazaré Saraiva

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos – cfr. art. 94º, nº 2, do CPP)



1. Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e seguintes; o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém atualidade.
2. Daí que o recorrente deva especificar os concretos pontos da factualidade que considera incorretamente julgados (cf. art. 412º, nº3, al. a), do CPP), porquanto se trata de elemento fundamental na delimitação do objeto do recurso.
3. Neste sentido, a título exemplificativo, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2015, processo 159/11.5PAPTL.G1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/03/2011, processo 288/09.1GBMTJ.L1-5, de 18/07/2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, de 21/05/2015, processo 3793/09.6TDLSB.L1-9, e de 08/10/2015, processo 220/15.3PBAMD.L1-9; e do Tribunal da Relação de Évora de 19.05.2015, processo 441/10.5TABJA.E2, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
4. “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, in “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, Almedina, pp. 253-254.
5. A fundamentação das decisões judiciais assume duas funções: a) uma função endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com cabal conhecimento da situação, e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, com maior segurança, um juízo concordante ou divergente. Nesta vertente, a fundamentação é pensada como mecanismo orientado a proporcionar o perfeito desenrolar do processo e a garantir os interesses dos litigantes. É um instrumento de racionalização técnica do processo e da decisão dirigida ao próprio juiz e às partes. Enquanto meio, imprime racionalidade à decisão, e enquanto resultado, exprime a racionalidade da decisão: isto é, a fundamentação estimula e obriga o julgador a racionalizar a sua própria decisão, salvaguardo-o de juízos mais precipitados. b) uma função extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz ad quem, que procura, principalmente, tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, ou seja, que visa garantir a transparência do processo e da decisão. A função extraprocessual visa, pois, possibilitar que os cidadãos em geral, enquanto destinatários da administração da justiça e, concomitantemente, sujeitos do seu controlo, possam conhecer o processo decisório adotado pelos tribunais, controlar a legalidade das suas decisões, e, idealmente, se deixem convencer pela justeza da decisão. (cfr., a este propósito, a profusa e concordante jurisprudência do Tribunal Constitucional; na Doutrina, por todos, Michele Taruffo, “Note sulla Garanzia Costituzionale della Motivazione”, Boletim da Faculdade de Direito, Ano 55 (1979), p. 31 e ss., e Marta João Dias, “A Fundamentação do Juízo Probatório – Breves Considerações”, in Revista Julgar, nº13, 2011, pp. 182-183).
6. Como pertinente observado no já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19-05-2015, se, perante determinada situação, as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis, e o Juiz, fundamentadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável: o recorrente, ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efetuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso, que opte por ela. No mesmo sentido, o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06/03/2002, processo 0111381, acessível em www.dgsi.pt: «Mesmo quando houver documentação da prova, a sua livre apreciação, devidamente fundamentada segundo as regras da experiência, no sentido de uma das soluções plausíveis torna a decisão inatacável. Doutro modo seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação da prova.»
7. Fenómeno há muito estudado e constatado. Assim, segundo dados das Nações Unidas (1995) e da Unicef (2000), “os riscos de mulheres e crianças serem alvo de prática de violência em casa é largamente superior ao risco de os sofrerem no exterior, sendo que alguns estudos referenciados pela O.N.U. (1995) apontam no sentido de que cerca de 70% dos homicídios perpetrados contra as mulheres ocorreram no seu próprio lar – cfr. Nelson Lourenço e Maria João Leote de Carvalho, in “Violência Doméstica”, edição conjunta da PGR e do Gabinete da Ministra para a Igualdade, Junho de 2000, pág. 36.