Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2187/20.7T8VCT.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ARRESTO
QUOTA
ÓNUS DO CREDOR
IMPUGNAÇÃO DA TRANSMISSÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

Deve manter-se o arresto de uma quota transmitida a terceiro pelo devedor, provado que está o crédito do requerente por via de ação já transitada, e provados sumariamente factos que constituem razões objetivas de fundado receio de perda de garantia patrimonial, bem como factos que tornam provável a procedência da impugnação.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I RELATÓRIO

T. F. intentou procedimento cautelar de arresto contra L. C., Y Inc Unipessoal, Lda. e M. B., alegando em suma que, detém sobre o requerido um crédito no valor de € 139.239,56.
Produziu-se prova testemunhal.

Foi proferida decisão em que se julgaram indiciariamente provados os seguintes factos:

“1 - Mediante acção declarativa com processo comum, que correu termos junto do Juiz 3 do Juízo Central Cível de Viana do Castelo, sob o n.º 1002/18.6 T8VCT, o aqui Requerente demandou, em 19 de março de 2018, o primeiro Requerido.
2 - Por sentença proferida em 1.ª instância, em 09 de setembro de 2019, foi julgada procedente a acção assim intentada, e em consequência, condenado o ali Réu, aqui Primeiro Requerido, a pagar ao Autor, aqui Requerente, a quantia de € 130.000,00 (cento e trinta mil euros), quantia essa acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação em relação a si promovida nos autos em que a sobredita decisão foi proferida, até efectivo e integral pagamento, e a pagar ainda a quantia de € 1.000,00 (mil euros), também ela acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde o trânsito em julgado da decisão, até integral pagamento.
3 - Notificadas as partes, e por com o teor da decisão proferida não concordar, veio o Réu (aqui Primeiro Requerido) interpor recurso de apelação, para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, recurso esse, todavia, que veio a ser julgado improcedente, confirmando, por sua vez, a decisão posta em crise, tudo conforme Acórdão datado de 05 de março de 2020.
4 - A decisão jurisdicional assim formada transitou em julgado, pelo que a mesma se consolidou em relação às partes.
5 - Esta quantia, até ao momento, não foi voluntariamente paga, sendo que o Requerente teve de despoletar o respectivo processo executivo contra o aqui Primeiro Requerido, sendo que o valor da execução é de € 139.239,56.
6 - Neste contexto, em primeiro lugar, logrou-se concretizar a penhora no registo de Logotipo n.º …93, de que é titular o Primeiro Requerido.
7 - Por sua vez, procedeu-se à penhora do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob a ficha n.º ... (freguesia de …), correspondendo a uma habitação e respectivo lugar de garagem, identificado pela letra “G” do prédio sito à Praça ..., n.º ..., inscrito na matriz predial urbana da sobredita freguesia sob o artigo ....
8 - Sobre a penhora assim realizada tem, porém, precedência duas hipotecas voluntárias, também elas registadas, em que são sujeitos activos o Banco …, S.A., e X – Mobiliário Expositor, Unipessoal, Lda., destinadas a garantirmos um montante máximo global de € 330.832,00.
9 - Em terceiro lugar, penhorou-se a expectativa de aquisição de posição contratual que o Executado, conjuntamente com mais duas pessoas, tem no âmbito de Contrato de Locação Financeira Imobiliária, celebrado em 17 de novembro de 2005, relativo ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia e concelho da Póvoa de Varzim.
10 - Em quarto lugar, penhorou-se o direito do Executado à herança aberta por óbito de S. V. e de C. M..
11 - Por fim, e mais recentemente, promoveu-se à penhora de bens móveis do Executado no seu domicílio, melhor identificado no intróito.
12 – O primeiro Requerido foi sócio da Segunda Requerida, sendo presentemente ainda seu gerente.
13 - Efectivamente, nos termos da respectiva certidão permanente, a Segunda Requerida é uma sociedade unipessoal por quotas cujo objecto é o comércio a retalho de animais de companhia e respectivos alimentos, em estabelecimentos especializados; tratamento e embelezamento; alojamento de animais; [e] actividade veterinária.
14 - Esta sociedade, constituída em 17 de dezembro de 2015, única e exclusivamente pelo Primeiro Requerido, como sócio (titular de uma quota de € 5.000,00) e gerente, tinha a sua sede no domicílio pessoal daquele, sito à Praça ..., n.º ..., Viana do Castelo.
15 - Todavia, a verdade é que já após a prolação da decisão condenatória nos autos declarativos em 1.ª instância, mas antes da instauração da respectiva acção executiva, o primeiro Requerido promoveu à transmissão da sua quota, entretanto de € 40.000,00, atento o aumento de capital que fizera, para a Terceira Requerida, M. B., sua mãe – toda a factualidade até aqui narrada emana do vertido no documento nº 17.
16 - Efectivamente, sendo já conhecedor da pendência dos autos executivos que o Requerente em relação a si intentara, e embora não fosse já (formalmente) seu sócio, o Primeiro Requerido comprou, designadamente para a sua sala de jantar e de estar um conjunto alargado de bens móveis (para além de outros serviços), faturando-os todavia em nome da Segunda Requerida.
17 - Neste contexto procedeu à aquisição dos seguintes bens:
6 Cadeiras Paris com pés em carvalho mate com tecido Casamance + Mude, pelo valor total de € 1.519,20;
2 Pouf com tecido Mude, pelo valor de € 261,00;
Sofá Orion c/ Chaise e Arca de Arrumação na Chaise, pelo montante de € 1.702,50;
2 Cadeirões, com pés arredondados em carvalho mate, no montante de € 1.288,00;
1 Tapete Jacarta Ivory, de 2,00m x 2,90m, pelo valor de € 537,95;
1 Tapete Jacarta Ivory, de 2,50m x 5,20m, pelo valor de € 832,00;
1 Pouf Orion com Tampa de Arrumação, no valor de € 426,00;
Sistema de Arca para o Sofá Orion, pelo montante de € 150,00;
Duas almofadas, de 60cm x 40cm, por € 65,00;
Duas almofadas com tecido damasceno, de 50cm x 30cm, pelo valor de € 113,00
Duas almofadas com tecido Mude, de 50cm x 30cm, pelo valor de € 63,00
Mesa de Jantar com pés em Lacado, com duas extensões, de 1,80m por 1,00m, no valor de € 1.121,33;
Aparador em carvalho mate, com lacado em branco mate, de 1,80m x 50 cm x 80, pelo valor de € 1.226,68;
Móvel de TV em carvalho mate, com duas portas e mais duas gavetas lacado, pelo valor de € 1.015,18;
Móvel para costas do sofá, no valor de € 762,46;
Mesa de centro Formati U, em carvalho mate, pelo preço de € 285,92
Duas cortinas pelo montante de € 615,72.
18 – A segunda Requerida desenvolve toda a sua actividade num centro que tem em Vila do Conde, mais precisamente na Rua ….
19 - Falamos de um espaço físico, identificado pela própria sociedade no seu sítio de internet como sendo a sede (…), em que, a par de outros pólos, a Segunda Requerida tem instalada uma escola de educação ou treino de animais, actividade que completa, conforme veiculado, com treinos e reabilitações ao domicílio.
20 – O requerido tem as contas bancárias sem saldo penhorável.”

Fundamentou-se a decisão além do mais, dizendo que (…):

“Revertendo ao caso presente, constata-se que o requerente tem um evidente direito de crédito sobre o primeiro requerido, por força da decisão transitada em julgado que condenou este no pagamento da quantia de €130.000,00.
Por outro lado, quer a transmissão da quota, quer a compra de bens móveis para a residência do primeiro requerido em nome da sociedade, parecem reunir todas as condições para serem anuladas, na medida em que configuram uma forma de defraudar o credor, obstando à satisfação integral do crédito do requerente.
Igualmente, e no que se refere ao invocado justo receio de perda da garantia patrimonial, afigura-se-nos evidente que o mesmo se verifica, pois que os actos supra descritos – transmissão da quota e compra em nome da sociedade de bens móveis de avultado valor -, parecem traduzir uma estratégia de ocultação de bens.”
E decidiu-se: “Pelo exposto, julgo procedente, por provado, o presente procedimento cautelar de arresto e, em consequência, ordeno o arresto de todos os bens descritos a fls. 14 e 14 verso dos autos.”
L. C., Y Inc., Unipessoal, Lda. e M. B., requeridos, vieram deduzir oposição contra o arresto decretado, requerendo a revogação da providência e o levantamento do arresto.
O requerente foi notificado da oposição apresentada.
Realizou-se audiência de julgamento.

Deram-se como factos provados os seguintes:
“1) A Y dedica-se especialmente a treinos e modificação comportamental em cães e, para tal, muitas vezes os treinos têm de ser levados a cabo em formato de internato, no âmbito dos quais o cão passa a estar 24h com um treinador durante um certo período.
2) A Y também dá formação de comportamento e treino canino e têm vários pedidos para dar formação intensiva (formação de 30 a 60 dias seguidos) de pessoas residentes fora da zona do Norte.”

E como não provados:
“a) Os bens móveis descritos no art. 17 dos factos indiciariamente provados, constante da decisão preliminar, pertencem à sociedade 2ª requerida e não ao 1º requerido.
b) Tais bens não foram comprados pelo 1º requerido, mas antes pela 2ª requerida, a sociedade Y.
c) Tais bens foram pagos pela 2ª requerida, através dos fundos próprios desta, depositados na sua conta bancária e não pelo 1º requerido.
d) Para pagamento do preço dos bens móveis em causa, a 2ª requerida efectuou os seguintes pagamentos à empresa vendedora, denominada “W Unip Lda.”, através de transferências bancárias da sua conta para a desta empresa: 25/11/2019 – 500,00€, 23/11/2019 – 1.150,00€, 29/11/2019 – 4.150,00€, 04/03/2020 – 3.153,71€ e 09/03/2020 – 2.513,65€.
e) A 2ª requerida não desenvolve a sua actividade apenas no centro que tem em Vila do Conde, mas também no local da sua sede.
f) A Y decidiu equipar o espaço da sua sede para poder trabalhar e simular uma casa em contexto real para a modificação comportamental ter melhores resultados.
g) A Y precisaria de um apartamento equipado e mobilado, para que os seus clientes pudessem dormir e descansar junto do seu cão, durante o período de formação.
h) No decorrer desta estratégia comercial, a Y teve diversos contactos de pessoas que gostariam de vir de férias para Viana do Castelo, mas tinham muita dificuldade em arranjar um hotel ou alojamento que aceitassem os seus cães.
i) A empresa tomou a decisão de poder fazer também alojamento para pessoas com interesse em trazer os seus cães nos seus períodos de férias.
j) Tendo sido todos estes os motivos que presidiram à decisão da Y de adquirir o mobiliário em causa para o referido apartamento.
k) O referido mobiliário foi concebido por uma desenhadora da empresa vendedora para melhor se adaptar a este fim.
l) Tendo a 3ª requerida feito diversos empréstimos ao 1º requerido, no valor global de 20.000,00€, designadamente para este fazer face a compromissos de outra sociedade de que este é igualmente sócio denominada “C. & V., Lda.”.
m) Não tendo o 1º requerido outra forma de proceder ao reembolso de tal quantia, foi convencionado, em 2 de Outubro de 2019, entre o 1º e a 3ª requeridos, a transmissão da quota de que aquele era titular na Y para pagamento, por dação em cumprimento, de tal dívida.
n) Tendo sido condição de aquisição da referida quota pela 3ª requerida, a manutenção do 1º requerido como gerente, visto que é este que tem conhecimento do mercado, do negócio e dos clientes, pelo que sem ele a empresa não tem qualquer valor.
o) Sendo intenção da 3ª requerida receber os lucros resultantes da actividade dessa empresa, com vista ao reembolso da quantia que emprestou ao 1º requerido, e não exercer ela própria qualquer actividade directa na sociedade.
p) O arresto dos bens aqui em causa está já a causar graves constrangimentos à 2ª requerida, que se vê impedida de se dedicar às projectadas actividades melhor descritas nos arts. 22º a 28º da p.i.
q) O requerente actua com má fé.”

E decidiu-se: “Pelo exposto e nos termos do disposto no art. 372º nº 3 do Código de Processo Civil, decide-se julgar improcedente a oposição deduzida e manter integralmente a decisão anteriormente proferida, pela qual foi decretado o arresto, absolvendo integralmente o requerente do pedido.”

Inconformados, vieram os requeridos interpor recurso que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

A) Os recorrentes consideram que os factos considerados provados sob os nºs 16 e 17 da decisão que decretou o arresto bem como os factos não provados constantes das alíneas a), b), c) e d) da sentença que manteve tal decisão inicial, foram incorrectamente julgados.
B) Os meios probatórios, constantes de gravação da audiência de julgamento, que impunham decisão diversa sobre os supra referidos pontos da matéria de facto impugnada são os seguintes:
C) Depoimentos das testemunhas arroladas pelo recorrido (M. H., M. P. e F. C.), prestados na sessão da diligência de inquirição de testemunhas realizada no dia 03/08/2020, (gravados no sistema “Habilus Media Studio”, das 10h.13.23 às 10h.21.34, das 10h.24.04 às 10h.26.47 e das 10h.27.31 às 10h.31.49, respectivamente),dos quais resulta, sem margem para quaisquer dúvidas, que nenhuma delas foi questionada quanto à matéria dos factos ora em crise, designadamente no que respeita à propriedade dos bens em questão, pelo que também absolutamente nada referiram quanto a tal matéria.
D) Aliada a esta total e absoluta ausência de prova testemunhal quanto aos factos dos pontos 16 e 17 da matéria considerada provada, temos ainda que os documentos juntos pelo recorrido com o seu requerimento inicial, indiciam exactamente o contrário do que vem alegado e foi considerado provado quanto a tal matéria.
E) Tais documentos são declarações de recebimento de quantias pagas por conta dos bens móveis em causa bem como declarações de entrega dos mesmos móveis, efectuadas em diversas datas, todas emitidas pela empresa vendedora (W, Unipessoal, Lda.) em nome da ora recorrente, Y (e não em nome do recorrente L. C. – Primeiro Requerido), pelo que, obviamente, não podem tais documentos servir para sustentar, mesmo que indiciariamente, qualquer prova da compra de tais bens pelo dito 1º Requerido (L. C.), conforme resulta dos pontos 16 e 17 dos factos provados.
F) Donde resulta a total e absoluta ausência de prova (quer testemunhal quer documental) quanto ao facto de ter sido o 1º requerido (L. C.) que comprou tais bens.
G) O que, sem necessidade de mais considerações, é motivo mais do que bastante para a cabal e inequívoca demonstração da incorrecta decisão proferida pelo tribunal “a quo” quanto aos pontos 16 e 17 da matéria de facto provada, que, em consequência, devem ser julgados como “não provados”.
H) No que respeita aos factos considerados não provados nas alíneas a), b), c) e d) da sentença que decidiu manter o arresto decretado, a prova documental junta com a oposição, aliada ao depoimento prestado na sessão do julgamento em 03/09/2020, pela testemunha R. N., contabilista da Y (depoimento gravado no sistema Habilus, das 10h.29.19 a 10h.54.22), demonstram inequivocamente a incorrecta decisão quanto à consideração de tais factos como não provados, conforme resulta da transcrição do excerto do depoimento da referida testemunha (minuto 2.33 a 3.41), que aqui se dá por reproduzido.
I) Ora, tal depoimento da referida testemunha conjugado com os documentos juntos com a oposição (Docs. 1 a 6), que são constituídos pelos 5 comprovativos das transferências a que se faz referência na alínea d) dos factos não provados, acima referida, e factura-recibo emitida pela empresa vendedora dos bens móveis em causa (W Unipessoal, Lda.), em nome da empresa Y, constituem prova (pelo menos indiciária) mais do que suficiente para que se considere provada a aquisição e pagamento dos mesmos pela dita empresa e não pelo 1º requerido (L. C.).
J) É inequívoco que os factos considerados não provados na sentença que decidiu manter o arresto previamente decretado, nas alíneas a), b), c) e d) devem ser considerados indiciariamente provados.
K) Donde decorre que, em função da alteração dos factos provados e não provados, nos termos supra expostos, contrariamente ao que resulta da decisão que decretou o arresto e da sentença que o manteve (e que constitui complemente e parte integrante daquela decisão inicial) ora em crise, os bens móveis em causa não pertencem ao 1º requerido mas antes à sociedade Y (que os comprou e pagou) e que nada deve ao ora recorrido, pelo que tais bens móveis não podem responder pela satisfação do crédito de que o mesmo é titular apenas relativamente ao 1º requerido (L. C.).
L) Donde resulta que tais bens móveis não podem ser objecto de arresto por dívida do 1º Requerido, a quem não pertencem, visto que integram o património social da 2ª requerida (a sociedade Y), e apenas respondem pelas dívidas desta sociedade e não pelas dívidas dos sócios (ou ex-sócios).
M) Sem prejuízo de tudo quanto já se expôs, ainda se dirá que a apreensão dos referidos bens móveis sempre seria inconciliável com a apreensão da quota da Y de que é titular a 3ª requerida (M. B.).
N) Com efeito, sendo o corolário da apreensão dos bens a sua posterior venda em processo executivo para satisfação do crédito do requerente, mal se compreende como poderia a referida quota ser vendida sem parte do património da sociedade a que a mesma respeita.
O) Ou seja, o arresto dos bens móveis adquiridos e pertencentes ao património da Y é legalmente incompatível com o arresto da quota da mesma sociedade, visto que aqueles não podem ser vendidos separadamente do universo dos demais bens que constituem o activo da sociedade (bem como o seu passivo), nem a quota da sociedade pode ser vendida sem parte do património dessa mesma sociedade.
P) Resulta, portanto, de tudo quanto se vem de expor, que o arresto decretado sobre os bens móveis em causa não se pode manter, devendo ser ordenado o seu imediato levantamento, revogando-se a sentença que decidiu manter o arresto inicialmente decretado.
Q) No que respeita ao arresto decretado sobre a quota da sociedade Y, de que é titular a 3ª requerida (M. B.), inexiste igualmente qualquer fundamento legal para a manutenção do mesmo.
R) A este respeito, apenas foi considerado indiciariamente provado que “após a prolação da decisão condenatória nos autos declarativos em 1ª instância, mas antes da instauração da respectiva acção executiva, o primeiro Requerido promoveu à transmissão da sua quota, entretanto de € 40.000,00, atento o aumento de capital que fizera, para a Terceira Requerida, M. B., sua mãe” (cfr. art. 15 dos factos indiciariamente provados na decisão inicial).
S) Não tendo, portanto, sido indiciariamente provado, qualquer outro facto donde pudesse resultar a possibilidade, mesmo que remota, de vir a ser declarada a nulidade ou anulação da referida venda.
T) Ora, assim sendo, e tendo presente o facto do requerente não ser titular de qualquer crédito relativamente à 3ª requerida, não se descortina qualquer fundamento para a apreensão da quota que a mesma adquiriu ao 1º requerido e cuja titularidade se encontra devidamente registada a seu favor na Conservatória do Registo Comercial.
U) Para a comprovação do justo receio de perda da garantia patrimonial, quando o arresto é requerido contra o adquirente de bens do devedor, como é o caso dos presentes autos, necessário se torna que se prove indiciariamente, o justo receio da prática pelo adquirente de actos de alienação ou oneração dos bens em causa.
V) Com relevância para esta questão nada foi considerado indiciariamente provado.
W) E no que respeita aos bens móveis adquiridos pela sociedade Y, igualmente não se descortina qualquer facto indiciariamente provado que consubstancie qualquer justo receio da dita sociedade proceder à venda dos mesmos bens.
X) Tanto mais que tais bens não foram sequer adquiridos ao 1º requerido mas antes a uma empresa terceira, sem qualquer ligação com qualquer das partes destes autos.
Y) A não se entender assim, estaria aberta a porta para a violação do princípio da autonomia patrimonial das sociedades, com prejuízo para os seus credores e para a prossecução do seu objecto social, conduzindo à paralisação da sua actividade e à sua mais do que certa insolvência, ademais, em clara violação do disposto no art. 737º, nº 2 do CPC.”
Pede que o recurso seja julgado procedente e por via disso, seja revogada a sentença e ordenado o levantamento do arresto sobre todos os bens.
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Não foram apresentadas contra alegações.
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Em 21/10/2020 a requerida Y Inc. - Unipessoal, Lda., foi declarada insolvente.
Nos presentes autos foi proferido despacho a suspender a instância ao abrigo do artº. 88º, nº. 1, CIRE.
Foi proferido o seguinte despacho: “Tendo em conta que a sentença de homologação do plano de insolvência da Y Inc. – Unipessoal, Ld.ª, proferida em 18-02-2021, transitou em julgado em 09-03-2021, declara-se extinta a presente providência relativamente à mesma, ao abrigo do disposto no art. 88º nº 3 do CIRE.”
Notificados para o efeito, os requeridos vieram informar que “mantêm interesse na apreciação do recurso interposto da sentença, na parte não abrangida pela extinção da presente providência, ou seja, quanto ao arresto da quota de que é titular a ora requerida M. B. no capital social da “Y Inc., Unipessoal, Lda.”.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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Questão prévia: delimitação do âmbito objetivo do recurso.
Face ao requerimento apresentado pelos recorrentes o recurso versará apenas sobre os argumentos relativos ao pretendido levantamento do arresto sobre a quota de que é titular a requerida M. B. na sociedade “Y Inc., Unipessoal, Lda.”. Significa isto que fica, além do mais, prejudicada a impugnação da matéria de facto que respeitava apenas à questão do arresto decretado sobre os bens móveis –conclusões de recurso até à alínea L). Se assim não se entender, considera-se de qualquer modo inútil (e por isso desnecessária) uma vez que os factos impugnados não são matéria relevante para efeitos da apreciação do presente recurso.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se:

-deve ser revogada a decisão que julgou improcedente a oposição ao arresto decretado no que concerne à sua incidência sobre a quota de que é titular a requerida M. B. na sociedade “Y Inc., Unipessoal, Lda.”.
***
III- MATÉRIA DE FACTO.

A matéria de facto a considerar prende-se tão só com a factualidade que consta do relatório “supra”, nomeadamente os factos considerados provados e não provados nas duas decisões proferidas e que nos dispensamos de aqui repetir uma vez que foram já reproduzidos no mesmo relatório.
***
IV O MÉRITO DO RECURSO.

No caso dos autos o Tribunal decretou o arresto da quota “supra” mencionada com justificação na existência de um direito de crédito do requerente sobre o primeiro requerido, por força da decisão transitada em julgado que condenou este no pagamento da quantia de €130.000,00; no facto de a transmissão da quota parecer reunir todas as condições para ser anulada, na medida em que configura uma forma de defraudar o credor, obstando à satisfação integral do crédito do requerente; e no mesmo contexto, e no que se refere ao justo receio de perda da garantia patrimonial, porque se afigura evidente que o mesmo se verifica, pois que, além do mais, o acto supra descrito parece traduzir uma estratégia de ocultação de bens.
A primeira questão que os recorrentes levantam tem que ver com a incompatibilidade entre o arresto de bens móveis da sociedade e a quota; e nessa sequência requeria o levantamento do arresto sobre os móveis. Ora, esta questão mostra-se também prejudicada já que os autos de recurso prosseguem apenas para apreciação da manutenção do arresto da quota.
A segunda questão, e esta mantendo pertinência, respeita ao facto de “apenas” (na posição dos recorrentes) o que resulta do ponto 15 dos factos provados na decisão que decretou o arresto suportar aquele arresto da quota, bem como no facto da terceira requerida não ser devedora de qualquer quantia ao requerente e por isso os seus bens não poderem ser atingidos.
Nos termos do artº. 391º, nº. 1, do C.P.C. “O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.”. Cfr. também o artº. 619º, nº. 1, do C.C. donde decorre como princípio que só tais bens garantem o cumprimento da obrigação.
Nos termos do artº. 392º, nº. 1, do C.P.C., o requerente tem de deduzir os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o dito receio.
A lei, no entanto, concede ao credor o direito de requerer o arresto contra o adquirente dos bens do devedor conforme decorre do nº. 2 do mesmo artº. 619º.
Neste caso, o requerente do arresto, acrescenta o nº. 2 do artº. 392º do C.P.C., se não mostrar ter sido judicialmente impugnada a aquisição, deduzirá ainda os factos que tornem provável a procedência da impugnação.
Esta ação acresce à ação de dívida e pode ser uma ação de declaração de nulidade ou de anulação do negócio (artºs. 286º ou 287º do C.C.), ou a ação pauliana (artºs. 610º e segs. do C.C.).
O requerente no caso não alegou ter já impugnado judicialmente a aquisição.
Para pedir o arresto de bens adquiridos por terceiro ao devedor, tentou alegar e provar os factos que tornem provável a invalidade do negócio, assim dando cumprimento ao exigido pelo artº. 342º, nº. 1, do C.C. que lhe impunha o ónus da prova.
Neste sentido provou-se não só o que resulta do ponto 15, mas também toda a sequência de atos descritos de 1 a 15, e o constante do 20, ou seja, a condenação no pagamento do crédito em questão, e a transmissão da quota para a mãe, precedida de aumento de capital, e antes de ser instaurada a ação executiva tendente à cobrança coerciva daquele crédito; o tipo de bens que se logrou penhorar e os ónus, bem como a falta de saldo bancário. E que da sociedade cuja quota está em causa, o 1º requerido e devedor era o único titular desde o seu início, e gerente, como continua a ser.
Conforme se defendeu já no Ac. desta Relação de 28/5/2015 (www.dgsi.pt), há razões para entender que nesta modalidade específica de providência a lei é menos exigente do que na generalidade dos restantes casos. “O nº 1 do art. 619º do CC condiciona o arresto comum à existência do justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito, o que faz recair sobre o credor o ónus de alegar e provar, com suficiente grau de probabilidade, que o crédito existe e que a sua efectivação prática, ou cobrança, corre risco se não for decretado o arresto. O art. 392º, nº 2 do CPC é espelho fiel deste encargo. Mas o nº 2 daquele art. 619º estatui, de modo mais sumário, que o arresto pode ser requerido pelo credor contra o adquirente de bens do devedor, caso tenha sido judicialmente impugnada a transmissão. Não se afirma aqui, designadamente, que esta segunda modalidade de arresto está condicionada à verificação da viabilidade da impugnação nem da necessidade da apreensão do bem transmitido para acautelamento da eficácia prática do direito de crédito invocado. E o nº 2 do citado art. 392º confirma esta diferença, na medida em que, alargando a possibilidade de ser requerido o arresto aos casos em que ainda não tiver sido impugnada a aquisição - com o que excede aquela previsão do CC -, manda que nestes casos - e, naturalmente, só neles, ao contrário do que se passa na primeira hipótese visada - sejam deduzidos os factos que tornem provável a procedência da impugnação.”- Cfr. Ac. do STJ de 08.02.2001 (www.dgsi.pt). Veja-se ainda o Ac. também desta Relação de 9/4/2019 na mesma publicação.
Efetivamente e embora não constando dos factos indiciados qualquer conclusão, como não tinha de constar, do elenco destacado podemos nós intuir de modo a satisfazer a exigência da probabilidade séria da procedência da impugnação, que o 1º requerido atuou de modo a subtrair do seu património a quota enquanto direito que responderia pela dívida, diminuindo as garantias que decorrem do seu património, tratando-se a sua transmissão de um ato viciado.
A ação de impugnação pauliana que em termos substantivos apela ao disposto nos artºs. 610º e segs. do C.C., insere-se nas medidas à disposição dos credores tendo em vista a conservação das suas garantias patrimoniais. Trata-se do direito conferido ao credor de perseguir os bens do devedor quando se verifique a prática de atos de que resulte a diminuição da garantia patrimonial. São seus pressupostos que o ato que se visa atingir envolva diminuição da garantia patrimonial, ou seja, diminuição dos valores patrimoniais que nos termos do artº. 601º do C.C. respondem pelo cumprimento da obrigação, e que pode suceder tanto pela diminuição do activo como aumento do passivo; e é ainda necessário que resulte do acto a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade, aferida à data do acto impugnado; e ainda que o crédito seja anterior ao acto, ou, sendo posterior, tenha sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; a alegar e provar pela A./credora impende ainda e desde logo o montante das dívidas –artº. 611º do C.C.(e 342º, nº. 1, do mesmo). Impõe a lei no artº. 611º ao terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor (-o que aqui não foi alegado pelos requeridos em sede de oposição). A impugnação pauliana tem carácter pessoal –artº. 616º, nº. 4, do C.C.; e a decisão a proferir tem em vista a declaração de ineficácia do ato. Veja-se ainda o nº. 1 deste último.
Mas esta configuração não é a única, como já adiantamos.
Segundo José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, pag. 151), a “impugnação em causa tanto pode dirigir-se contra a validade do negócio, nos termos do art. 286 CC ou do art. 287 CC (ação de declaração de nulidade; ação de anulação), como consistir na sua impugnação pauliana, nos termos do art. 610º (ação pauliana).(…)”.
O arresto contra o adquirente dos bens do devedor vem dar resposta aos casos em que o devedor transmite os seus bens para impedir a satisfação do direito do credor.
Efetivamente essas transmissões, verificados os respetivos requisitos, podem ser declaradas ineficazes, seja mediante o recurso à impugnação pauliana, seja à declaração de nulidade -Antunes Varela, “das Obrigações”, Vol II, pags. 453 e 454. E se o ato translativo for declarado ineficaz em relação aos credores, o arresto torna-se possível em consequência da própria ineficácia; tudo se passa como se os bens continuassem no património do devedor -Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado, Vo. I, 4ª edição, pag. 637. Julgada procedente a ação, o terceiro adquirente não pode obstar a que o credor execute no seu património o bem objeto do ato impugnado –artºs. 616º e (817º) e 818º do C.C..
Os elementos constitutivos do fundamento para que seja decretado o arresto são a provável existência do direito invocado e o justo receio de perda da garantia patrimonial.
Os requisitos são cumulativos.
A prova da existência do crédito será feita na ação principal, e o arresto basta-se com a mera probabilidade da existência deste à data do pedido, o que se reconduz à ideia da “aparência do direito de crédito” que vai buscar fundamento ao princípio geral dos procedimentos cautelares –artº. 365º, nº. 1, C.P.C.. A titularidadade do crédito terá de ser inequívoca, pode fundar-se em qualquer fonte das obrigações, e não é necessário que o crédito seja exigível e líquido à data da instauração ou do deferimento da providência, conquanto deva ser apresentada uma estimativa aproximada do seu montante.
No caso o crédito está reconhecido por sentença.
O requerente tem então de alegar provar o justo receio de perda da garantia patrimonial.
Conforme Ac. da Rel. de Évora de 4/05/2006 (www.dgsi.pt) o fundado receio de perder a garantia patrimonial só será justificado, fundado ou justo quando está criado um perigo de insatisfação do crédito, por o seu titular se deparar com a ameaça de estar a ser lesado aquilo que lho garantia: o património do devedor.
No caso o requerente alegou e resulta demonstrado através do elenco dos factos indiciariamente apurados que o requerido praticou factos que, razoavelmente interpretadas, conduzem à suspeita de que está a subtrair os seus bens à acção do devedor, o que satisfaz aquele requisito.
O justo receio tem de ser analisado em termos objectivos e não em termos subjectivos ou em simples conjecturas da perspectiva do credor ou do próprio juiz, ou seja, deve consubstanciar-se em factos ou circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor de potencialidade da eficácia da ação declarativa ou executiva -cfr., neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. IV, pag. 176.
O justo receio da perda da garantia patrimonial terá de se fundar em razões objectivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente, que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular –cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, pag. 144.
Os mesmos factos já “supra” destacados, no caso dos autos, permitem esta conclusão, nomeadamente atentos os ónus que impendem sobre o imóvel penhorado, e o desconhecimento do valor dos direitos que se logrou assegurar, em confronto com o valor do crédito do requerente.
Mais uma vez conforme estes últimos autores (pags. 151 e152) a “alegação e a prova do justo receio da prática, pelo adquirente, de atos de alienação e/ou oneração dos bens objeto do ato de transmissão impugnado pode reforçar a alegação e a prova deste ato […] mas para o preenchimento desse requisito basta a alegação e a prova do risco decorrente para o credor da constituição, na esfera jurídica de terceiro, do direito real sobre um bem cuja falta no património do devedor afete a solvabilidade deste. Aliás, a alienação ou oneração feita pelo devedor, nestas condições, implica, por si só, ao menos na generalidade dos casos, a justificação do receio da subsequente perda, por alienação ou outro modo de sonegação, do bem alienado ou onerado”, se bem que a “alegação e a prova do justo receio da prática, pelo adquirente, de atos de alienação e/ou oneração dos bens objeto do ato de transmissão impugnado pode reforçar a alegação e a prova deste ato.
Nesta última afirmação coloca-se a questão da posição do terceiro adquirente dos bens, suscitada no recurso –conclusões U e V.
O Ac. da Rel. do Porto de 24/9/2020 (www.dgsi.pt) dá-nos conta da posição da jurisprudência nesta matéria, sendo que aqui o seguiremos em igual exposição, com destacado nosso.
Em primeiro lugar a “jurisprudência divide-se quanto a saber se neste caso o credor também deve alegar e provar a solvabilidade do adquirente dos bens do devedor, em relação ao concreto bem objeto de arresto e objeto do ato impugnado, ou seja, o justo receio de perda da garantia patrimonial. No sentido de não ser necessário tal alegação e prova, argumenta-se que o justo receio de perda da garantia patrimonial se afere em relação à pessoa do devedor, pois que é a sua insolvabilidade (e não a do adquirente do bem) que legitima o credor a requerer a apreensão dos bens necessários à satisfação do seu crédito. A intervenção do adquirente tem a ver com a faculdade concedida ao credor de obter a declaração de ineficácia dos atos de transmissão dos bens do devedor que se poderia vir a revelar inútil, caso não fosse possível pedir a sua prévia apreensão. Este é demandado na lide cautelar para que conserve intacto o bem adquirido e o entregue quando lhe for pedido, para eventual execução. São, portanto, apenas os pressupostos da impugnação da transmissão, cuja alegação e prova sumária se reclama do requerente do arresto, no que se refere ao adquirente do bem.” Veja-se o aí citado Ac. do STJ 29/5/2007 (www.dgsi.pt) e os artºs. 1185º C.C. e 854º C.P.C. versão anterior,
“E tanto assim é que nesta lide só o ónus da prova do montante da divida incumbe ao credor-autor, havendo uma inversão relativamente à garantia patrimonial. Assim, e ao contrário do disposto no artigo 342º nº 1, o artigo 611º do Código Civil impõe ao adquirente que prove a existência de bens penhoráveis de igual ou maior valor no património do devedor, irrelevando, em absoluto, o seu património”.
Veja-se ainda a jurisprudência ali citada.
Efetivamente o Ac. “supra” citado e cuja exposição aqui seguimos, refere que “Seguindo uma orientação diferente, defende-se que o terceiro perante a relação obrigacional, uma vez julgada procedente a impugnação, não pode obstar a que o credor execute no seu património o bem objeto do ato impugnado (cfr. artºs 616º, nº1, e 818º, ambos do CPC), tendo este último direito à sua restituição na medida do seu interesse, no âmbito da providência do Arresto requerido contra o adquirente de bens do devedor (cfr. nº2, do artº 407º, do CPC) justifica-se que, pelo menos no tocante ao bem objeto do ato impugnado, se exija a alegação e a prova indiciária (ónus a cargo do credor) do justo receio da prática pelo terceiro de atos (alienação e/ou oneração). Argumenta-se, ainda, que o terceiro adquirente, na sequência do arresto, passa a estar obrigado a manter incólume o bem arrestado, numa situação equiparada à do depositário (guardar o bem e proceder à sua restituição para eventual execução, quando tal lhe for exigido – artigos 1185º CC e 854º CPC), servindo pois a providência para o vincular, desde logo, às eventuais consequências da impugnação pauliana.” E cita jurisprudência em abono desta posição (os Ac. Rel. Lisboa 17/5/2011, e de 20/9/2018, www.dgsi.pt.).
Tal como nós aqui, também naquele acórdão se entendeu seguir a posição defendida na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e por isso, considerar que instaurada a providência cautelar como preliminar da ação de impugnação pauliana ou de nulidade/anulação, constitui um ónus do credor alegar e provar apenas os pressupostos da impugnação da transmissão no que se refere ao adquirente do bem, bem como o justo receio de perda da garantia patrimonial em relação aos bens do devedor, e não tem em qualquer dos casos de provar a solvabilidade do adquirente dos bens do devedor, ou justo receio de atos de alienação ou oneração do bem por parte deste.
Nos termos e fundamentos expostos, deve improceder o recurso interposto e deve manter-se a decisão recorrida integralmente.
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negam provimento à apelação e confirmam a douta decisão recorrida.
Custas do recurso pelos recorrentes (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.).
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Guimarães, 20 de maio de 2021.
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Os Juízes Desembargadores

Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Jorge dos Santos
2º Adjunto: Maria da Conceição Bucho.