Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7/15.3GBBRG-E.G1
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
REEXAME DOS PRESSUPOSTOS
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/24/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I) O despacho proferido nos termos do disposto no artº 213º do CPP tem por único e exclusivo objetivo proceder à reavaliação dos pressupostos que, no despacho que determinou a aplicação da medida de prisão preventiva, sustentaram o decretamento da medida.
II) A fundamentação do referido despacho tem por objeto, apenas, a análise de circunstâncias supervenientes cuja ocorrência possa abalar a sustentabilidade dos pressupostos que conduziram à aplicação da medida de coação, alterando-os, e, por esta via, levando à sua substituição ou revogação.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

1. Nos autos de inquérito n.º 794/12.0JACBR, a correr termos na Comarca de Braga – Ministério Público – Vila Nova de Famalicão – DIAP – 1ª Secção –, em que, entre outros, é arguido T… F…, foi proferido, em 16 de Outubro de 2015, no âmbito de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, despacho judicial que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, o qual foi confirmado por decisão sumária deste Tribunal da Relação de 25 de Fevereiro de 2016.
2. Em 26 de Julho de 2016, o Ministério Público deduziu acusação, além de outros, contra o arguido, imputando-lhe a prática, em concurso real, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo disposto nos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea c) do DL n.º 15/3, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-C e II-A, anexas a tal diploma, e de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, nºs 1 e 2 do Código Penal.
3. Por despacho proferido em 29 de Julho de 2016, ao abrigo do disposto no artigo 213.º, n.º 1, b) do Código de Processo Penal, foi reapreciada e mantida a medida de coacção aplicada ao arguido, por se ter entendido que se mantinham inalterados os pressupostos de facto e de direito que tinham determinado a sua aplicação.
4. Inconformado com esta decisão, recorreu o arguido, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1) O Arguido encontra-se em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Braga, em virtude de, em sede de primeiro interrogatório judicial, ter aquela medida sido decretada, pelo facto de o Arguido se encontrado indiciado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei em concurso com crime de resistência e coação sobre funcionário (p. e p. no artigo 347.º Código Penal) e posse de arma proibida (p. e p. nos artigos 2.º a) e b) e 86.º d) da Lei 5/2006).
2) O presente recurso tem como objecto toda a matéria do despacho que aplicou a prisão preventiva ao Recorrente, a qual fundou-se no perigo de fuga e no perigo de continuação da actividade criminosa.
3) Não se verificam as condições e os pressupostos legais exigíveis para a aplicação e manutenção de medida tão gravosa.
4) O Recorrente tem 31 anos e não tem qualquer antecedente criminal, tem um sólido suporte familiar, é uma pessoa educada e humilde que sempre viveu do seu trabalho.
5) Antes de ser preso, deixou de trabalhar na empresa onde sempre trabalhou, de forma a ter um horário flexível para cuidar da sua mãe, sendo certo que mesmo assim gere um pequeno negócio de família que neste momento se encontra parado.
6) Do ponto de vista social, o recorrente é visto por todos como uma pessoa pacífica, respeitadora e humilde, encontrando-se perfeitamente inserido na sociedade, no meio onde vive.
7) Um dos Princípios fundamentais da Constituição da República Portuguesa e de um Estado de Direito é o Principio da liberdade, tal como se encontra consagrado no artigo 27.º, n.º 1 da CRP.
8) Ao princípio constitucional supra referido acresce o princípio previsto no art. 18º da CRP, que sob a epígrafe “força jurídica”, estabelece no seu nº 2 que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na CRP, devendo tais restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
9) A aplicação da prisão preventiva está sujeita não só às condições gerais reguladas nos artigos 191.º a 195.º do Código de Processo Penal, os quais realçam os Princípios da Adequação, Necessidade e Proporcionalidade, como também está sujeita aos requisitos gerais previstos no art. 204.º e específicos p. e p. no 202.º, ambos do CPP.
10) Neste contexto, a aplicação de tal medida, pautando-se pelo princípio constitucional da presunção da inocência, deve respeitar os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade.
11) A prisão preventiva, enquanto medida de coacção de natureza excepcional e de aplicação subsidiaria, só pode ser determinada quando as outras medidas se revelem desadequadas ou insuficientes, devendo ser dada prioridade a outras menos gravosas por ordem crescente “cfr. Conjugadamente o art. 28º, nº2 da CRP e o art. 193º, nºs 2 e 3 do CPP”.
12) O Recorrente apenas é acusado de duas alegadas entregas de haxixe, não sendo, sequer apuradas as quantidades!
13) Não foram mencionados factos susceptíveis de permitir a aplicação de medida tão gravosa ao Rte., tendo a mesma assentado apenas em meros juízos abstractos, não concretizados em factos, tal como exige o art. 204º do CPP.
14) No que concerne ao perigo de fuga, que terá justificado a aplicação da prisão preventiva, diga-se que, ao contrário do que se afirma, não se afere fortes indícios da prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punível pelo art. 347º do Código do Trabalho
15) De facto, tudo se tratou de um colossal equivoco, em virtude de os agentes de autoridade se encontrarem descaracterizados e encapuzados, e, como tal, o Rte. julgou tratarem-se de assaltantes, tendo por isso, fugido daquilo que julgou ser uma tentativa de roubo.
16) Acresce que o Arguido contactou o número de emergência 112, numa tentativa de pedir socorro e instruções sobre como proceder, de forma a salvaguardar a sua integridade física.
17) Após este momento, o Arguido mostrou-se totalmente colaborante com as autoridades, não mostrando qualquer resistência, tendo incluisve autorizado expressamente a busca domiciliária.
18) Tal como refere PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE: “O perigo de fuga deve tomar em conta a gravidade das sanções criminais e civis previsíveis para os crimes imputados ao arguido e outros factores relacionados com o carácter do arguido, a sua casa, a sua ocupação, as suas posses, os seus laços familiares e os laços que tem com o país onde é investigado”.
19) Não foram considerados os factos acima descritos, pois, a serem, nunca seria aplicada a medida de prisão preventiva, uma vez que, tal como já foi referido, o recorrente tem um ambiente familiar sólido, tem a sua mãe a seu cargo e depende do acompanhamento do mesmo.
20) Acresce o facto de o mesmo ser primário, ter um historial de integração social e laboral e ainda de se encontrar a gerir um negócio familiar.
21) Entendeu o despacho recorrido que o arguido contém o elevado perigo de continuação da actividade criminosa, não sendo tal constatação, sequer fundamentada!
22) Destaque-se que, aquando da detenção, o Recorrente não tinha em sua posse estupefacientes e no seu domicílio tinha apenas as quantidades de 64,88 gramas de haxixe, 0,64 gramas de haxixe e duas doses de MDMA (cfr. fls 97 e 98 dos autos) e € 885,00 na posse do Rte. aquando da detenção e € 50,00 no seu domicílio
23) Ora, as quantidades de estupefaciente encontradas no domicílio do Rte. eram bastante reduzidas pelo que, não podem fundamentar que o Arguido se dedicava ao tráfico de droga, nem tampouco que fazia parte de uma rede de tráfico de droga, assumindo uma posição de topo.
24) Tais doses destinavam-se ao consumo do próprio arguido, e por esse motivo, será de afastar o alegado tráfico através do seu domicílio.
25) Na verdade, nunca, em momento algum, é referida a residência do recorrente como meio da “actividade criminosa”
26) Contrariamente ao que resulta dos autos, mais concretamente da transcrição das conversações mantidas entre os Arguidos N... C... e S... O... e o aqui Recorrente, os contactos entre estes apenas tiveram uma duração de 13 dias.
27) Acresce que, a única transacção alegadamente efectuada entre o aqui Requerente e os Arguidos N... C...e S... O...ocorreu a 12/10/2015.
28) Assim, somando os dias em que o Recorrente foi investigado, atendendo à matéria e provas constantes dos autos (nomeadamente fls. 163 e ss.), resulta que este apenas foi investigado durante 13 dias!
29) Ora, daqui resulta que jamais se poderá sustentar que o Arguido esteja integrado numa rede de tráfico de droga, quando a sua alegada conduta ilícita apenas resulta de um único acontecimento
30) E de uma análise de apenas 13 dias, num universo de 6 meses de investigação relativo aos restantes Arguidos do processo.
31) Acresce que, o nível de integração de um agente numa rede de tráfico de droga de regime piramidal, jamais permitiria qua alguém que apenas surge alegadamente na rede há 13 dias, possa durante esse curto lapso assumir uma posição no topo da pirâmide.
32) Como se viu supra, e resulta do inquérito, no caso em apreço não se verificaram fortes indícios da prática, em autoria material dos crimes de tráfico de estupefacientes pp. Pelo art. 21º do DL nº 15/93, de 22/01 em concurso efectivo com um crime de resistência e coacção sobre funcionário pp. pelo art. 347º, nºs 1 e 2 do C.P. e um crime de detenção de arma proibida pp. pelos artigos 2º, nº1, a), 3º, nº2, e) e 86º, d) da Lei nº 5/2006, de 23/02.
33) Pelo que, não existindo fortes indícios da prática dos referidos crimes, não estão preenchidos sequer, os requisitos formais e objectivos de aplicação da prisão preventiva ao aqui Rte.
34) Termos em que, jamais poderia ter sido aplicada prisão preventiva no caso em apreço.
35) Ora, no próprio despacho recorrido não é abordada qualquer relação de probabilidade que se possa considerar adequada para caracterizar a indiciação exigida por lei, “ fortes indícios “, nem no mesmo se contém uma concreta, rigorosa e inequívoca referência à alínea a) do nº 1 do artigo 202º do Código de Processo Penal, pelo que a prisão preventiva, não tendo a apoiá-la uma forte indiciação, não tem assim condições para subsistir, devendo, por isso, ser revogada por efeito do presente recurso.
36) Na Acusação e no despacho de manutenção da medida de coação não consta sequer a ponderação de que a quantidade de material estupefaciente encontrada na habitação do Rte. – pois não foi encontrado qualquer produto estupefaciente na posse do Rte. aquando da detenção – em virtude da sua reduzida dimensão ser para consumo próprio do Rte.,
37) O despacho não é coerente com a Douta Acusação, uma vez que no primeiro são imputados factos ao arguido que não constam sequer da Acusação, é assim, mantida uma medida de coação por factos que nem sevem de acusação ao arguido…
38) Tal não se poderá permitir num Estado de Direito!
39) O que implicaria que estivesse preenchido o tipo legal previsto no art. 26º ou seja, “traficante-consumidor”,
40) Sancionado com pena de prisão até 1 ano, por se tratar de substância contida na tabela I da Lei nº 15/93.
41) Deste modo, a pena aplicável ao Rte., nos termos do art. 195º do CPC, atendendo ao que se indicia no despacho de aplicação da medida de coação, não preenche os requisitos do art. 202º do CPC.
42) Na decisão que decretou a prisão preventiva ora impugnada, o tribunal a quo não valorou, conforme devia, a inserção familiar e social do Recorrente, a sua personalidade, a ausência de antecedentes criminais e a reduzida gravidade da conduta criminal indiciada.
43) Podemos assim concluir que, na manutenção da prisão preventiva ora em causa, não foram observados os princípios e regras que lhe estão subjacentes, designadamente, os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade, o que torna a mesma ilegal, por violação, entre outros, dos artigos 18º, nº2, 28º, n2 e 32º, nº2 da CRP e dos artigos 191º, nº1, 192º, nº2, 193º, 202º e 204º do CPP.
44) Os referidos preceitos deveriam ter sido interpretados no sentido de ser suficiente, face à personalidade do Recorrente, à ausência de antecedentes criminais, às necessidades cautelares em causa e à gravidade da conduta criminal indiciada, a aplicação de outra medida de coacção menos gravosa, como a obrigação de permanência na habitação com proibição de contacto com todos os restantes Arguidos constituídos no processo.

TERMOS EM QUE DEVE O DESPACHO RECORRIDO SER SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE REVOGUE A PRISÃO PREVENTIVA APLICADA AO RECORRENTE E APLIQUE A ESTE OUTRA MEDIDA DE COACÇÃO QUE RESPEITE OS PRINCÍPIOS DA NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO, PROPORCIONALIDADE E MENOR INTERVENÇÃO, DESIGNADAMENTE E POR ORDEM CRESCENTE DE GRAVIDADE, A OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO PERIÓDICA, A PROIBIÇÃO E IMPOSIÇÃO DE CONDUTAS OU, NÃO SENDO ESTAS SUFICIENTES, A OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO.
FAZENDO-SE ASSIM A HABITUAL E SÃ JUSTIÇA!»
5. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da medida de coacção imposta ao recorrente.
6. Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se refere o artigo 417.º, n.º 1 do CPP, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
7. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP.
8. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
1. É do seguinte teor o despacho recorrido (transcrição):
«O Ministério Público promoveu a manutenção das medidas de coação de prisão preventiva aplicadas aos arguidos E… A…, N... C... C…, S... O..., T… F…, A… e V….
Para tanto alega, em suma, que se verificam, em concreto, o perigo de que os arguidos persistam na atividade criminosa, de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e de perigo para a aquisição conservação ou veracidade da prova, bem como o perigo de fuga (quanto aos arguidos T…F… e V…) com fundamento na gravidade das condutas imputadas aos arguidos, das molduras penais que lhes correspondem bem como o perigo de contactarem com as testemunhas arroladas na douta acusação pública, de forma a influenciar os seus depoimentos em sede de julgamento (artigos 191º, 193º, n.º 1 e n.º 2, 202º, n.º 1, alínea a) e 204º, alínea c), todos do Código de Processo Penal).
Posto isto, cumpre decidir.
Em primeiro lugar, importa realizar uma pequena súmula dos factos indiciariamente imputados aos arguidos.
Com efeito todos os arguidos se vinham dedicando à venda de produtos estupefacientes, nomeadamente haxixe mas igualmente MDMA e cocaína; os arguidos E… e T.. F… encontram-se acusados de fornecerem produto estupefaciente aos arguidos N... C... e S... O...Inês; os arguidos E…, N... C..., S... O... e V… encontram-se acusados de fornecer produto estupefaciente ao arguido A…; todos estes encontram-se acusados de, além da venda de produto estupefaciente entre si, nos termos descritos nas linhas anteriores, ainda procederem à revenda a terceiros que os procuravam para esse efeito.
Por outro lado, os arguidos encontram-se ainda acusados de, nas suas residências, terem sido encontradas quantidades substanciais de produto estupefaciente (as quantidades e os produtos concretamente apreendidos encontram-se descritos com precisão na douta acusação pública, considerando esta como reproduzida para todos os efeitos legais).
Em segundo lugar, posto isto, o Tribunal considera que se verificam os pressupostos de manutenção da prisão preventiva.
Com efeito, mantêm-se os fundamentos de facto e de direito que determinaram a verificação dos pressupostos da aplicação aos arguidos da medida de coação mais gravosa, a de prisão preventiva em sede de primeiro interrogatório judicial.
Na verdade, conforme aí se explanou e atendendo à personalidade dos arguidos manifestada nos factos indiciados, existem fortes indícios de perigo de perturbação do decurso do inquérito, perigo para a aquisição e conservação da prova, perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e de continuação da atividade criminosa se não permanecessem presos preventivos. Note-se que os arguidos se encontram acusados de manterem uma «rede de tráfico» de estupefacientes entre si.
Acresce que com a notificação do despacho de acusação os arguidos ficarão a conhecer a identidade das testemunhas indicadas o que agudiza o perigo de as intimidarem para alterarem os seus depoimentos em sede de julgamento.
Assim, mantenho as medidas de coação de prisão preventiva aplicadas aos arguidos E…, N... C..., S... O..., T… F…, A… e V,,, nos autos, nos termos dos artigos 191º, nº 1, 192º, 193º, nº 1,2 e 3, 194º, 202º, nº1, al a) e 204º, al a), b) e c), todos do CPP.»

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2. Apreciando
Como é sabido, o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso.
A questão que constitui objecto do presente recurso consiste em saber se deve ser mantido o despacho recorrido que determinou, em reapreciação da medida de coacção aplicada ao arguido, a manutenção da prisão preventiva fixada anteriormente.
O despacho em crise não determinou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido, antes se limitou, na sequência da dedução da acusação pelo Ministério Público, e nos termos prescritos no artigo 213.º, n.º 1, b) do Código de Processo Penal, ao reexame dos pressupostos que, no despacho que aplicou a medida de coacção, fundaram tal aplicação.
O despacho proferido nos termos do disposto no artigo 213.º do Código de Processo Penal tem por único e exclusivo objectivo proceder à reavaliação dos pressupostos que, no despacho que determinou a aplicação da medida de prisão preventiva, sustentaram o decretamento da medida.
A fundamentação do despacho que procede ao reexame dos pressupostos tem por objecto, apenas, a análise de circunstâncias supervenientes cuja ocorrência possa abalar a sustentabilidade dos pressupostos que conduziram à aplicação da medida de coacção, alterando-os, e por esta via, levando à sua substituição ou revogação.
Assim, não está, neste momento, em causa saber se a medida de coacção imposta ao arguido – prisão preventiva – o foi em conformidade, ou não, com as exigências prescritas nos artigos 191.º, 193.º, 202.º e 204.º, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal.
O que está agora em causa é saber se, após o interrogatório judicial do arguido em que lhe foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva, sobreveio algum facto ou circunstância que implique a insubsistência ou a diminuição das exigências cautelares.
No caso da prisão preventiva é a própria lei que, no artigo 213.º, determina que o juiz proceda oficiosamente, pelo menos de três em três meses, ao reexame da subsistência dos seus pressupostos, e bem assim sempre que no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça, a final, do objecto do processo e não determine a extinção da medida aplicada.
O artigo 212.º regula os casos de revogação ou de substituição da medida de coacção por outra menos gravosa e o artigo 203.º prevê a imposição de medida mais gra-vosa que a anterior.
Em ambos os casos a lei pressupõe sempre que algo mudou entre a primeira e a segunda decisão, conforme tem sido acentuado pela jurisprudência.
Em caso algum pode o juiz, sem alteração dos dados de facto ou de direito, “repensar” o despacho anterior ou, simplesmente, revogar a anterior decisão na medida em que, também aqui, proferida a decisão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto ao seu objecto – artigo 666.º, nºs 1 e 3 do anterior CPC/artigo 613.º, nºs 1 e 3 do NCPC( - Neste sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 28/4/2004, 10/11/2004 e de 30/3/2005 e da Relação de Lisboa de 31/1/2007 e 13/10/2009, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
As medidas de coacção estão, portanto, sujeitas à cláusula rebus sic stantibus, ou seja, o tribunal que aplicou a medida só a pode substituir ou revogar quando tenha ocorrido uma alteração dos pressupostos de facto ou de direito.
No caso em apreço, após o despacho que aplicou a prisão preventiva em sede de primeiro interrogatório judicial, nenhum facto ou circunstância ocorreu susceptível de atenuar as exigências cautelares que estiveram na base da aplicação desta medida de coação ao arguido.
Aliás, com o presente recurso que vem interposto do despacho que manteve a medida de prisão preventiva, o arguido mais não pretende do que atacar novamente os fundamentos da anterior decisão que a decretou e voltar a discuti-los, o que não pode fazer pelas apontadas razões.
Apenas assim se compreende que o arguido – como afirma expressamente na conclusão 2) – venha questionar toda a matéria do despacho que aplicou a prisão preventiva, a saber, a existência dos indícios bem como a verificação do perigo de fuga, do perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas declarada nesse despacho, pressupostos que já haviam sido declarados como verificados e que foram impugnados pelo arguido em recurso próprio, tendo esta Relação confirmado a decisão que aplicou a prisão preventiva.
Assim, enquanto não houver – e não houve – alteração dos factos que determinaram a declaração de fortes indícios da prática, além do mais, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, agravado nos termos da alínea c) do artigo 24.º, ambos do DL n.º 15/93, de 22/1, assim como da verificação do perigo de fuga, do perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, esse é um dado adquirido no processo que não pode ser discutido neste momento, sendo até de notar que os indícios, que já resultavam dos autos, encontram-se agora mais reforçados pela acusação entretanto deduzida pelo Ministério Público.
Ao declarar a inexistência de qualquer atenuação das exigências cautelares, a Mma. Juíza de Instrução Criminal nada mais poderia mencionar do que a falta de novos elementos, pois não podia invocar o que não existe: novos factos (no sentido de posteriores ao despacho que aplicou a medida de coacção) que justificassem uma outra decisão, a alteração da medida.
Deste modo, porque não existem novos factos a salientar, que possam e devam ser ponderados, outra coisa não poderia ter sido decidida senão a manutenção da medida anteriormente aplicada.
Nem se diga, como faz o arguido, que não foi sequer ponderado o enquadramento da sua conduta no tipo legal do artigo 26.º do DL n.º 15/93, de 22/01, pois, para além de se encontrar indiciada a venda de estupefacientes, o que afasta, desde logo, tal enquadramento, não menos certo é que não resulta dos autos que o arguido seja consumidor de estupefacientes, o que, aliás, também não foi por ele invocado em sede de primeiro interrogatório judicial, posto que as suas declarações restringiram-se aos factos atinentes ao indiciado crime de resistência e coacção sobre funcionário.
Assim sendo, porque não houve alteração dos respectivos pressupostos, a manutenção da medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido não implicou qualquer violação das normas legais invocadas por este.
Não merece, portanto, qualquer censura a decisão recorrida.

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III – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.
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(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)
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Guimarães, 24 de Outubro de 2016