Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
134/21.8T8GMR.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: INADMISSIBILIDADE DO MEIO PROCESSUAL
PROCESSO DE ARBITRAGEM PRÉVIO
ACESSO AO DIREITO
ACESSO AOS TRIBUNAIS
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Nos termos do disposto no § 2.º do artigo 38º do Decreto-Lei n.º 43335 de 19.11.1960, o valor da indemnização devida ao proprietário, na falta de acordo, será determinado por arbitragem, desde que um dos interessados o requeira, e tal requerimento solicitando a arbitragem impede a propositura de acção nos tribunais competentes sobre o objecto dela.
2. Esta interpretação não ofende o texto Constitucional, nomeadamente o art. 20º,1 CRP.
3. Não obstante, se o particular desprezar a arbitragem que está em curso, e for posteriormente intentar acção no Tribunal competente com o mesmo objecto, estará verificada uma excepção dilatória inominada (inadmissibilidade do meio processual utilizado), que implica a absolvição do réu da instância (artigos 576º,2, 577º e 578º CPC).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

M. N. e R. N., com os sinais dos autos, intentaram acção administrativa contra a X – Rede Eléctrica ..., SA e o Município de …, pedindo a condenação solidária dos réus a pagar solidária ou subsidiariamente às autoras a quantia global de € 950.500,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, causados pelas condutas descritas na petição inicial, acrescida de juros legais vincendos, contados desde a data da citação e até integral pagamento.

Alegam, numa breve síntese que em 6.11.2015 a primeira ré invadiu alguns prédios de que são proprietárias, no âmbito de uma obra que deveria ter sido autorizada pelo segundo réu, o que não sucedeu, assim lhes causando vários danos.

A Jurisdição Administrativa declarou-se materialmente incompetente para conhecer deste litígio, absolvendo os réus da instância.

As rés requereram então ao abrigo do art. 14º do CPTA a remessa dos autos para o Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Central Cível de Guimarães.
Pretensão que foi deferida, por decisão do Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 28.10.2020.

Chegados os autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Braga, – Juízo Central Cível de Guimarães, em sede de despacho saneador, foi proferida decisão em 12.10.2021 que declarou verificada a excepção dilatória inominada da inadmissibilidade do meio processual utilizado pelas Autoras para fazerem valer o direito fundado na factualidade que constitui a causa de pedir da presente acção, e em consequência absolveu as Rés da instância (artigos 576º,2, 577º e 578º, todos do CPC).

Inconformadas com esta decisão, as autoras dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).
Terminam a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

A) O Tribunal a quo absolveu as Rés da Instância por considerar que está em curso (ou seja, que ainda não terminou e dará “frutos”) a realização de uma arbitragem, que irá fixar o valor da indemnização a atribuir às A.A. pelos prejuízos advindos da actuação das R.R.
B) Nunca os Árbitros indicados pela R. X e pela Direcção-Geral de Energia e Geologia iniciaram os seus trabalhos nem tão pouco proferiram qualquer decisão!
C) Nunca às A.A. foi atribuída qualquer indemnização!
D) É a própria Direcção-Geral de Energia e Geologia que, na sua comunicação ao Tribunal a quo, confessa que o processo de arbitragem não teve mais seguimento face às declarações das A.A. e que o mesmo foi arquivado: “… o processo administrativo referente a arbitragem, registado sob o número EI 4.1/1423 … se encontra arquivado na Direcção de Serviços de Energia Eléctrica desta Direcção-Geral”.
E) Dos autos resultam assentes várias comunicações entre A.A. e R.R.
F) O Tribunal a quo deveria ter realizado a Audiência de Julgamento para apurar a verdade material e fáctica dos factos, não se escudando na mera afirmação de que as A.A. não poderiam ter oposto a nulidade, por falta de acordo, “…. ao procedimento de arbitragem em curso na Direcção Geral de Energia e Geologia.”
G) Nunca o Tribunal a quo deveria ter proferido a Sentença nesta fase processual, lançando mão da inadmissibilidade do meio processual utilizado pelas A.A. pois que não tendo havido Arbitragem nem tendo sido atribuída qualquer indemnização às A.A. mais não lhes restaria do que recorrer ao Tribunal Administrativo ou Judicial, como o fizeram.
H) A.A. mereceriam ao menos um Julgamento e não uma pura denegação de Justiça, como foi e é o caso desta Sentença!
I) Sentença baseou-se numa lei completamente desfasada da realidade (ela própria inconstitucional)
J) O Tribunal a quo andou mal na interpretação e aplicação que fez do parágrafo 2º do Artº. 38º. do DL Nº. 43335, de 19 de Novembro de 1960: “O requerimento solicitando a arbitragem impede a propositura de acção nos tribunais competentes sobre o objecto dela, mas a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver acção pendente acerca do mesmo objecto.”.
K) Este preceito não fala de acção judicial. Somente fala de “acção”.
L) Antes da propositura da acção judicial, A.A. e Ré X já tinham começado a discutir, a agir em sede de negociação extra-judicial, através de várias comunicações e reuniões.
M) Houve acção. Não houve inércia por parte das A.A. nem da Ré X.
N) A Arbitragem requerida pela Ré X não poderia ter lugar uma vez que já havia acção quanto ao objecto da mesma.
O) A Acção Judicial foi interposta em 19-12-2016, mas já em 14-07-2016, as partes (ora A.A. e a Ré X) tinham em cima da mesa a discussão dos prejuízos e da legalidade da actuação da X, em sede de tentativa de resolução extra-judicial do conflito.
P) Desde a invasão das suas propriedades por parte da R. X até à propositura da acção judicial, decorreram vários meses de negociações inter partes com vista à resolução extra-judicial do diferendo.
Q) O Tribunal a quo precipitou-se ao preferir a Sentença ora recorrida dando por certo que, aquando foi intentada Acção Judicial, já haveria Arbitragem, não tendo tomado em atenção que essa mesma Arbitragem quando foi requerida não o poderia ter sido, por já haver acção/acções concreta(s) para a resolução do diferendo inter partes.
R) As A.A. sempre poderiam ter intentado a acção judicial que intentaram, não ficando coarctada a sua liberdade e o seu direito de acesso aos Tribunais.
S) O art. 38º do DL nº. 43335, de 19 de Novembro de 1960 é inconstitucional por violação do nº. 1 do Artº. 20º. da C.R.P.: “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos…”.
T) O art. 38º do dito DL 43335, que viu a luz do dia em 1960, fere de morte os princípios básicos do nosso Estado de Direito.
U) A sua aplicação e interpretação literal in casu negou o acesso ao Direito e aos Tribunais na exacta medida que impõe uma arbitragem a quem não a quer e merece uma decisão judicial.
V) Este preceito já há muito que deveria ter sido alterado por forma a adaptar-se à Constituição da República Portuguesa e à própria L.A.V. (Lei da Arbitragem Voluntária) referida na Sentença de que ora se recorre.
W) Esta norma é inconstitucional na interpretação feita pelo Tribunal a quo segundo a qual a R. X, ao requerer a Arbitragem, impediu imediatamente as A.A. de intentarem acção judicial, negando-lhes o acesso ao Direito e aos Tribunais, plasmado no nº. 1 do Artº. 20º. da C.R.P.
X) A Douta Sentença recorrida viola entre outras as normas ínsitas no Artigo 20.º da C.R.P.

A recorrida X – Rede Eléctrica ..., S.A., contra-alegou, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. As Recorrentes recorreram da sentença proferida que considerou verificada a excepção dilatória inominada da inadmissibilidade do meio processual utilizado pelas Recorrentes não tendo a pretensão destas qualquer fundamento de facto e de direito.
II. A douta sentença, deu como provados os factos resultantes do teor da certidão do procedimento de arbitragem junta aos autos no dia 14 de Junho de 2021 (fls. 285 e ss. dos autos) pela Direcção-Geral de Energia e Geologia:
-Por requerimento datado de 30 de Maio de 2016, remetido pela X – Rede Eléctrica ..., S.A. ao Sr. Director Geral de Energia e Geologia, foi requerida arbitragem, a realizar após a conclusão dos trabalhos, para fixação do valor da indemnização a liquidar a R. N. e a M. N., na qualidade de comproprietárias do …Prédio n.º .. – Terreno rústico, com aptidão e uso florestal, localizado em tapada, na freguesia de ..., compreendido entre os apoios nºs 34 e 35, onde será constituída uma faixa de protecção de 2319m2 em terreno com inclinação compreendida entre 10% e 15%, ocupado com povoamento de eucaliptos 2º corte de regeneração natural, com algumas falhas, contabilizando-se vários eucaliptos com (Diâmetro à Altura do Peito) DAP entre 10 e 20.
-Foi remetida pela Direcção-Geral de Energia e Geologia, a R. N. e a M. N., a carta subscrita pela Sr.ª Directora dos Serviços de Energia Eléctrica, datada de 17 de Junho de 2016, cujo teor se reproduz a fls. 294 dos presentes autos, onde, entre outras coisas, se deu conta de que foi requerida pela X – Rede Eléctrica ..., S.A. a arbitragem destinada a fixar a indemnização a satisfazer pelos prejuízos causados com a instalação da …linha aérea Terras Altas de ... – ..., para a futura subestação de ...… no prédio mencionado no parágrafo anterior, e solicitando que indicassem …nome e morada do árbitro que representará V. Ex. na respectiva Comissão Arbitral.
-Por carta registada com A/R, datada de 14 de Julho de 2016, subscrita por M. C., na qualidade de Procuradora de R. N. e M. N., remetida à Direcção-Geral de Energia e Geologia, com o teor que se reproduz a fls. 188 dos presentes autos, foi, entras coisas: negada a existência de Convenção de Arbitragem entre as partes; invocada …a nulidade da mesma V/ “Convenção de Arbitragem” nos termos e para os efeitos da legislação aplicável, nomeadamente nos do artigo 3º da Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro (…); declarado que …em face do exposto, não indicaremos Árbitro algum para a V/ Comissão Arbitral (…); e que …iremos, isso sim, intentar Acção Judicial no respectivo Tribunal Estadual.
III. Ora, no âmbito do processo especial previsto no Decreto-Lei nº 43335, de 19 de Novembro de 1960, relativamente à indemnização em consequência de servidão administrativa pelo estabelecimento do serviço público de instalação de rede de muito alta tensão prevê o artigo 38º que: «O valor das indemnizações será determinado de comum acordo entre as duas partes e, na falta de acordo, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados, estabelecendo o nº 2 que “o requerimento solicitando a arbitragem impede a propositura de acção nos tribunais competentes sobre o objecto dela, mas a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver acção pendente acerca do mesmo objecto”, impedindo-se assim o recurso a acção judicial até que finde a arbitragem em curso.
IV. Ora, as Recorrentes tinham noção que à data da propositura da acção, em 18 de Dezembro de 2016, já se encontrava em curso a arbitragem e que a mesma não podia prosseguir sem a indicação do árbitro por partes das mesmas.
V. Assim as Recorrentes, que deliberadamente boicotaram o processo de arbitragem em curso, é que afastaram e impediram o seu acesso à justiça e não o normativo em questão que não padece de qualquer inconstitucionalidade, ao contrário do alegado pelas Recorrentes.
VI. Diga-se que as Recorrentes poderiam após decisão da Comissão Arbitral, e não concordando com a mesma, apresentar recurso nos termos do artigo 42º do Decreto-Lei nº 43335, de 19 de Novembro de 1960, no prazo de oito dias após a notificação da decisão da Comissão Arbitral, pela Direcção Geral de Energia e Geologia; as partes poderiam ainda, caso nenhum interessado tivesse recorrido à arbitragem, solicitar a fixação do valor da indemnização através de acção declarativa de condenação, prerrogativa conferida pela lei.
VII. Assim, percebe-se que o presente recurso interposto resulta de uma série de argumentos justificativos sem qualquer fundamento de facto ou de direito, pelo que se deverá manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo, nos exactos termos,

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se se verifica a excepção dilatória inominada da inadmissibilidade do meio processual utilizado pelas Autoras.

III
O teor integral da decisão recorrida é este:
Da inadmissibilidade do meio processual utilizado pelas Autoras
Veio a Ré X – Rede Eléctrica ..., S.A.”, na sua contestação (fls. 11 e ss.) invocar a inadmissibilidade de propositura da presente acção judicial, ao abrigo do disposto no artigo 38º do Decreto-Lei n.º 43335, de 19 de Novembro de 1960, por estar em curso a realização de arbitragem requerida pela Ré X, à Direcção de Energia e Geologia, nos termos e para os efeitos previstos para o número 2 daquele artigo.
Notificadas, na sequência dos despachos proferidos a 17.01.2021 (fls. 275) e 30.06.2021 (fls. 284) para se pronunciarem sobre a matéria de excepção em apreço, as Autoras nada disseram.
Resulta do teor da certidão do procedimento de arbitragem junta aos autos no dia 14 de Junho de 2021 (fls. 285 e ss. dos autos) pela Direcção-Geral de Energia e Geologia que:
-Por requerimento datado de 30 de Maio de 2016, remetido pela X – Rede Eléctrica ..., S.A. ao Sr. Director Geral de Energia e Geologia, foi requerida arbitragem, a realizar após a conclusão dos trabalhos, para fixação do valor da indemnização a liquidar a R. N. e a M. N., na qualidade de comproprietárias do …Prédio n.º .. – Terreno rústico, com aptidão e uso florestal, localizado em tapada, na freguesia de ..., do concelho de ..., compreendido entre os apoios nºs 34 e 35, onde será constituída uma faixa de protecção de 2319m2 em terreno com inclinação compreendida entre 10% e 15%, ocupado com povoamento de eucaliptos 2º corte de regeneração natural, com algumas falhas, contabilizando-se vários eucaliptos com (Diâmetro à Altura do Peito) DAP entre 10 e 20.
-Foi remetida pela Direcção-Geral de Energia e Geologia, a R. N. e a M. N., a carta subscrita pela Sr.ª Directora dos Serviços de Energia Eléctrica, datada de 17 de Junho de 2016, cujo teor se reproduz a fls. 294 dos presentes autos, onde, entre outras coisas, se deu conta de que foi requerida pela X – Rede Eléctrica ..., S.A. a arbitragem destinada a fixar a indemnização a satisfazer pelos prejuízos causados com a instalação da linha aérea Terras Altas de ... – ..., para a futura subestação de ...… no prédio mencionado no parágrafo anterior, e solicitando que indicassem …nome e morada do árbitro que representará V. Ex. na respectiva Comissão Arbitral.
-Por carta registada com A/R, datada de 14 de Julho de 2016, subscrita por M. C., na qualidade de Procuradora de R. N. e M. N., remetida à Direcção-Geral de Energia e Geologia, com o teor que se reproduz a fls. 188 dos presentes autos, foi, entras coisas: negada a existência de Convenção de Arbitragem entre as partes; invocada …a nulidade da mesma V/ “Convenção de Arbitragem” nos termos e para os efeitos da legislação aplicável, nomeadamente nos do artigo 3º da Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro (…); declarado que …em face do exposto, não indicaremos Árbitro algum para a V/ Comissão Arbitral (…); e que …iremos, isso sim, intentar Acção Judicial no respectivo Tribunal Estadual.
Entre as normas jurídicas aplicáveis à questão em apreço temos, em primeira linha, o artigo 38º do Decreto-Lei n.º 43335, de 19 de Novembro de 1960, com o seguinte teor:
O valor das indemnizações será determinado de comum acordo entre as duas partes e, na falta de acordo, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados. (…)
§ 2.º O requerimento solicitando a arbitragem impede a propositura de acção nos tribunais competentes sobre o objecto dela, mas a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver acção pendente acerca do mesmo objecto.
A norma em apreço encontra-se integrada no DL n.º 43335 de 19.11.1960, regulador da Lei n.º 2002 de 26.12.1944 que definiu a doutrina dentro da qual se enquadra a execução da política nacional de electrificação.
Como anuncia o preâmbulo do DL n.º 43335, prevê-se a imposição aos proprietários, com algumas restrições, o dever de suportar a servidão de passagem das linhas, mediante justa indemnização dos prejuízos causados.
O supracitado artigo 38º do DL n.º 43335 é claro quando determina a realização da arbitragem …na falta de acordo (…) desde que assim requeira um dos interessados… (sublinhados meus).
Aí se prevê também (cfr. § 2.º) que a mera apresentação daquele requerimento por um dos interessados, … solicitando a arbitragem impede a propositura de acção nos tribunais competentes sobre o objecto dela (sublinhados meus).
Isto significa que estamos perante um procedimento legal de arbitragem que se realiza na falta de acordo das partes, a requerimento de apenas uma delas, contrariamente à Convenção de arbitragem que constitui acordo voluntário prévio, sujeito a forma escrita, pelo qual as partes acordam entre si sujeitar a apreciação de determinado litígio a um ou vários (em número ímpar) árbitros independentes e imparciais (cfr. artigos 1º, 2º, 8º e 9º da Lei da Arbitragem Voluntária – Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro).
A arbitragem prevista pelo artigo 38º do DL 43335 de 19.11.1960, requerida pela X, é uma arbitragem decorrente de lei especial que, como a própria norma prevê, se despoleta a impulso de um dos interessados, distinta do regime jurídico da Lei da Arbitragem Voluntária – Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro, pelo que R. N. e M. N. não encontram respaldo no artigo 3º da mesma L.A.V. para oporem nulidade, por falta de acordo, ao procedimento de arbitragem em curso na Direcção-Geral de Energia e Geologia.
O entendimento acabado de apresentar não é inédito, tendo sido sufragado pelo douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.12.2018, relatado pelo Juiz Desembargador Moreira do Carmo no processo n.º 6500/16.3T8VIS.C1 (in www.dgsi.pt), sumariado pelo seu relator nos seguintes termos: (…)
2. No tocante a servidões administrativas de linhas eléctricas e atribuição da respectiva indemnização mantêm-se em vigor as disposições do DL 43.335, de 19.11.1960, designadamente o seu art. 37º.
3. Em caso de desacordo sobre o montante a atribuir o art. 38º do mesmo DL faculta aos interessados recurso a arbitragem.
4. Requerida a arbitragem, fica impedida a propositura de acção nos tribunais sobre o objecto dela, assim como a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver acção pendente acerca do mesmo objecto.
5. O requerimento para a arbitragem apresentado por um interessado à DGEG (Direcção Geral de Energia e Geologia) dá início ao processo arbitral, a ser conduzido por tal entidade, não sendo obrigatório a prévia concordância do outro interessado(s) ou prévia notificação ao mesmo(s). (sublinhados meus).
Razões pelas quais se entende que, face ao preceito legal do § 2.º do artigo 38º do Decreto-Lei n.º 43335 de 19.11.1960, as Autoras estão impedidas de propor a presente acção judicial, por força da precedência do procedimento de arbitragem requerido pela X à Direcção Geral de Energia e Geologia.
Deste modo, a propositura da presente acção comum declarativa constitui meio processual vedado por lei às Autoras para fazerem valer o direito indemnizatório alegadamente titulado.

Termos em que, declaro verificada a excepção dilatória inominada da inadmissibilidade do meio processual utilizado pelas Autoras para fazerem valer o direito fundado na factualidade que constitui a causa de pedir da presente acção, absolvendo as Rés da instância (cfr. artigos 576º, n.º 2, 577º e 578º, todos do CPC).
Custas pelas Autoras, sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário.
Registe e notifique”.

IV
Conhecendo do recurso.
Cumpre então averiguar se, face ao preceito legal do § 2.º do artigo 38º do Decreto Lei n.º 43335 de 19.11.1960, as autoras estavam impedidas de propor a presente acção judicial, por força da precedência do procedimento de arbitragem requerido pela X à Direcção Geral de Energia e Geologia.

Vejamos então o texto legal de onde resultou o presente litígio e de onde irá emergir a solução:

Art. 38.º
O valor das indemnizações será determinado de comum acordo entre as duas partes e, na falta de acordo, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados.
§ 1.º A faculdade de requerer a arbitragem cessa um ano depois da data em que tiver sido efectuada pela fiscalização do Governo a primeira vistoria das linhas referidas no artigo anterior.
§ 2.º O requerimento solicitando a arbitragem impede a propositura de acção nos tribunais competentes sobre o objecto dela, mas a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver acção pendente acerca do mesmo objecto.
O texto do preceito legal não é particularmente feliz: o legislador começa por dar a entender que quer que o valor da indemnização seja, de preferência, determinado por acordo das partes, e, na falta de acordo, basta que só um dos interessados requeira a fixação por arbitragem, para ser esse o meio seguido. Mas do parágrafo segundo, com uma redacção ainda menos feliz, resulta que, afinal, seguir-se-á a arbitragem ou uma acção nos tribunais competentes, consoante a primeira a ser instaurada.
Tal como se afirma na decisão recorrida, do teor da certidão do procedimento de arbitragem junta aos autos no dia 14 de Junho de 2021 (fls. 285 e ss. dos autos) pela Direcção-Geral de Energia e Geologia resulta que, e agora em síntese, em 30 de Maio de 2016 foi requerida arbitragem pela X, a realizar após a conclusão dos trabalhos, para fixação do valor da indemnização a liquidar a R. N. e a M. N., as ora recorrentes. E resulta ainda que a Direcção-Geral de Energia e Geologia remeteu-lhes carta solicitando que indicassem “…nome e morada do árbitro que representará V. Ex. na respectiva Comissão Arbitral”. E em resposta, as ora recorrentes vieram invocar a nulidade da referida “Convenção de Arbitragem”, declararam que não irão indicar Árbitro algum, e que irão isso sim, intentar acção judicial no respectivo Tribunal Estadual.
Daqui já resulta que, se as ora recorrentes afirmaram na altura que não queriam arbitragem e por isso não iriam sequer indicar o seu árbitro para a comissão arbitral, mas que iriam, sim, intentar acção judicial no respectivo Tribunal Estadual, então é óbvio que a arbitragem foi requerida antes de ter sido proposta qualquer acção judicial com o mesmo objecto, pelo que, nos termos da disposição legal supracitada, teria ficado impedida a propositura da acção nos Tribunais Estaduais.
E, com efeito, a acção judicial foi intentada em 19.12.2016, data em que já fora apresentado o requerimento solicitando a arbitragem, o que, por força da lei citada, impede a propositura de acção nos tribunais competentes sobre o objecto dela.
Tudo isto parece linear, sem qualquer complicação que se vislumbre.
As recorrentes vêm alegar nas conclusões j), k) e r) que o Tribunal andou mal na interpretação e aplicação que fez do parágrafo 2º do citado art. 38º. Mas não conseguimos entender a lógica das recorrentes. Elas afirmam que sempre poderiam ter intentado a acção judicial que intentaram, não ficando coarctada a sua liberdade e o seu direito de acesso aos Tribunais. Mas, como já vimos, isso vai directamente ao arrepio do parágrafo segundo supra citado, que, apesar de redigido de forma ínvia, é claro ao estatuir que o litígio será resolvido por arbitragem ou por acção judicial consoante a primeira via a ser intentada.
E assim, é incontroverso do que resulta dos autos que a arbitragem foi requerida em 30 de Maio de 2016, pela X – Rede Eléctrica ..., S.A. E é igualmente incontroverso que as ora recorrentes se recusaram a indicar árbitro para a Comissão Arbitral, anunciando ao invés que iriam intentar acção em tribunal estadual, o que fizeram cerca de 7 meses depois.
É linear que a arbitragem foi intentada muito antes da acção judicial, e que ficou paralisada por culpa exclusiva das ora recorrentes, que não colaboraram com a mesma.
Assim, a argumentação das recorrentes, no sentido de um qualquer erro interpretativo do Tribunal recorrido, não colhe, manifestamente.

Mas as recorrentes usam um outro argumento para ver a decisão revogada.
Afirmam que a Sentença se baseou numa lei completamente desfasada da realidade, e inconstitucional, por violação do nº. 1 do artigo 20º da CRP. Para fundamentar essa afirmação dizem que “a interpretação e aplicação dessa norma in casu negou o acesso ao Direito e aos Tribunais na exacta medida que impõe uma arbitragem a quem não a quer e merece uma decisão judicial”.
E por isso entendem que a norma em causa é inconstitucional na interpretação feita pelo Tribunal a quo segundo a qual a R. X, ao requerer a Arbitragem, impediu imediatamente as A.A. de intentarem acção judicial, negando-lhes o acesso ao Direito e aos Tribunais, plasmado no nº. 1 do art. 20º da CRP.
Não cremos que assim seja.
Em primeiro lugar, quanto à afirmação de a lei supracitada, de 1960, estar desfasada da realidade, ela é desde logo rebatida pelo art. 1136º do actual CPC, (aditado pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2020), o qual dispõe, sob a epígrafe “regime do julgamento arbitral necessário”, que
Se o julgamento arbitral for prescrito por lei especial, atende-se ao que nesta estiver determinado; na falta de determinação, observa-se o disposto nos artigos seguintes”.
Assim se vê que não há nada de anacrónico em haver legislação especial que prescreva o julgamento arbitral como forma obrigatória ou preferencial de resolução de litígios. É o que sucede no presente caso.

Resta apreciar o anátema de inconstitucionalidade que as recorrentes fazem recair sobre a interpretação e aplicação que o Tribunal recorrido fez da norma do artigo 38º citado.

O comando Constitucional alegadamente violado seria o do art. 20º,1, que, sob a epígrafe “acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”, dispõe:
A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.

Como escreve Carlos Lopes do Rego, in Revista JULGAR - N.º 29 – 2016, “a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz, que abrange, nomeadamente: (a) o direito de acção, no sentido do direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos e dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão n.º 440/94). Acresce ainda que o direito de acção ou direito de agir em juízo terá de efectivar-se através de um processo equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais”.
Adiantamos desde já que não vemos como a norma do art. 38º do Decreto Lei n.º 43335 de 19.11.1960, interpretada e aplicada como vimos, possa violar este art. 20º,1 CRP.
Recordemos que o regime legal que se retira desse artigo 38º consiste, em primeiro lugar, em afirmar a preferência em que o valor da indemnização seja alcançado por acordo das partes, e, na falta de acordo, que seja fixado através de arbitragem. Até aqui, nada que possa ofender o Texto Constitucional. E para que não fique qualquer dúvida, o parágrafo segundo coloca nas mãos dos interessados, ou, melhor dizendo, do que primeiro reagir, a escolha em levar a resolução do litígio a um tribunal arbitral ou a um tribunal estadual, sendo que se o interessado que primeiro suscitar a questão em tribunal o fizer sob a forma de arbitragem, impede que o outro instaure acção no tribunal estadual.
Esta é a interpretação que foi feita na decisão recorrida. E ela corresponde à única interpretação válida que é possível fazer do normativo em causa.

O que pode acontecer aos pretensos titulares do direito a indemnização, perante este regime ?
Uma de duas coisas. Ou são eles a tomar a iniciativa de levar a questão a tribunal, e então podem escolher se preferem tribunal arbitral ou estadual, nenhuma inconstitucionalidade se podendo sequer imaginar aí, ou então é a entidade que tem a obrigação de ressarcir os proprietários prejudicados que toma a iniciativa e requer a arbitragem, e então aí, e só aí, de acordo com o regime legal, os particulares lesados ficam impedidos de recorrer aos tribunais estaduais, tendo de aceitar que a fixação da indemnização seja feita por tribunal arbitral. Mas mesmo aí está salvaguardada sempre a interposição de recurso da decisão arbitral para o Tribunal Estadual (art. 46º LAV).
Existe assim a possibilidade de o particular ficar impedido de recorrer ao tribunal Estadual, por o legislador ter criado um regime que dá preferência à arbitragem.
E então a questão a que importa responder é esta: será que o facto de em determinadas áreas, decorrentes de legislação especial, a lei obrigar o particular que se considera lesado a ver o litígio resolvido através de arbitragem, viola o art. 20º,1 do Texto Constitucional ?
Perguntando de outra forma, a figura do tribunal arbitral necessário está proscrita pelo texto fundamental ?
Antes de procurar a resposta, vejamos que a arbitragem necessária não surge apenas no contexto deste diploma em análise. Como escreve António Menezes Cordeiro (Tratado da Arbitragem, 2016, fls. 19), definindo o conceito de arbitragem necessária, “a lei veda, às partes, o acesso aos tribunais em favor de esquemas de arbitragem. Assim sucede: no domínio dos utentes de serviços públicos, segundo o art. 15º da Lei 23/96 de 26 de Julho, alterado pela L 6/2011 de 10-mar; no da propriedade industrial, incluindo procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência e com medicamentos genéricos, de acordo com o art. 3º da L 62/2011 de 12-dez”.
Vamos começar por ver que o art. 209º,2 da Constituição dispõe que “podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz”. E o texto não distingue entre tribunais arbitrais voluntários e necessários.
Estando a existência de tribunais arbitrais expressamente prevista na Constituição, a tese das recorrentes apenas poderia ter alguma sustentação se aplicada a situações em que o recurso ao tribunal arbitral fosse necessário.
Só que é o próprio Tribunal Constitucional a fechar frontalmente a porta a essa pretensão das recorrentes no Acórdão de 28 de Janeiro de 1987, de que foi Relator o Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa (Processo n.º 30/85 – 2ª secção).
Embora no caso desse Acórdão estivesse no centro das atenções um outro artigo do Decreto-Lei n.º 43.335 – o artigo 49º (Comissão de peritos) – “as dúvidas ou divergências que se levantarem entre o consumidor e o distribuidor sobre a execução ou a interpretação das disposições destas condições gerais, do caderno de encargos da concessão ou da apólice aprovada serão decididos por uma comissão de três peritos – árbitros, um indicado por cada uma das partes e o terceiro designado pelo Secretário de Estado da Indústria”, o certo é que as considerações feitas colhem em pleno para o caso destes autos.

Vejamos alguns excertos daquele Acórdão:
É irrecusável – em particular face à actual redacção do preceito questionado – que a instância neste delineado se configura como um verdadeiro “tribunal arbitral”, e um tribunal arbitral “necessário”, assim, de resto, vem agora expressamente qualificada no § 3.º”.
Assente, pois, a natureza da instância em causa como um “tribunal arbitral necessário”, a primeira pergunta a que importa dar resposta é a de saber se a Constituição portuguesa admite instituições com essa precisa natureza; é uma tal admissibilidade, de resto, que a recorrente logo começa por contestar, face ao disposto nos artigos 205.º e 206.º da lei fundamental, onde vê consagrado o “princípio do monopólio estadual da função jurisdicional. Mas não tem o recorrente razão”.
Na verdade, depois da Revisão Constitucional de 1982, e face à nova redacção então dada ao artigo 212.º, n.º 2, da Constituição, passou a ser insusceptível de qualquer discussão a admissibilidade, na ordem jurídica portuguesa, de tribunais arbitrais. E, não distinguindo o preceito entre tribunais arbitrais “voluntários” e “necessários”, não existe razão para se haver por consentidos só os primeiros, e não os segundos; não existe razão, sendo certo, nomeadamente, que os tribunais “necessários” não seriam uma instituição desconhecida, e nova, no nosso ordenamento, mas de há muito nele encontram acolhimento (cfr. Titulo II do livro IV do Código de Processo Civil). Mais, tendo em conta que a natureza e a fonte ou fundamento dos tribunais arbitrais “voluntários” sempre permitiria “justificá-los” constitucionalmente, se outras “justificações” não pudessem ser encontradas, enquanto uma modalidade inteiramente “privada” e “consensual” de composição de interesses e resolução de litígios (no domínio da zona de disponibilidade dos direitos), bem poderia inclusivamente sustentar-se que a expressa referência a “tribunais arbitrais” no novo texto constitucional só se justificaria, em boa verdade, para dissipar quaisquer dúvidas acerca da admissibilidade de tais instâncias na sua modalidade “necessária”.
Mas se as coisas são assim no quadro da actual versão da lei fundamental, também antes não deviam entender-se diferentemente, face ao texto originário da Constituição. E, de facto, não o eram, ao menos em geral (que se saiba, apenas G. CANOTILHO – V. MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1ª ed. p. 400, advertiriam para “um grave problema” acerca da legitimidade constitucional dos tribunais arbitrais, mas sem irem mais além)”.
A verdade, numa palavra, é que ao nosso direito era estranho – e continua a ser estranho, ao contrário do que pretende a recorrente – o princípio do “monopólio estadual da função jurisdicional”, ou da exclusividade da “justiça pública”; e, assim sendo, não pode admitir-se que a Constituição, com o seu silêncio que apenas prolongava silêncios constitucionais anteriores, o tivesse querido consagrar (a esse tal princípio), invertendo radicalmente todo o sentido da tradição jurídica nacional”.
Decorre do exposto, em suma, que, quer já face ao texto primitivo da Constituição, quer agora, face à disposição expressa do artigo 212.º, n.º 2, se havia e hão-de considerar admissíveis os tribunais arbitrais necessários – e, por consequência, admissível também, em si mesma, isto é, no seu “principio” ou desenho geral, a instância arbitral estabelecida pelo artigo 49.º das Condições Gerais de Venda de Energia Eléctrica em Alta Tensão”.
E diríamos nós, por maioria de razão, não ofende a Constituição o regime agora em análise, que, como vimos, não impõe em absoluto a instância arbitral, antes dá aos interessados a opção de recorrer a uma das duas vias jurisdicionais possíveis.
Como se afirma na decisão recorrida, e as recorrentes não impugnam, e de resto surge comprovado a fls. 151 e seguintes do histórico dos autos, A Direcção Geral de Energia e Geologia enviou ao Tribunal cópia certificada do processo de arbitragem ali existente, que não teve seguimento face às declarações constantes da carta da Procuradora das proprietárias junta ao processo. Como já tínhamos referido supra.
Daqui decorre que é pacífico que foi por acto deliberado das ora recorrentes que a arbitragem não correu os seus termos até ao seu fim normal.
Estas optaram por não aceitar a fixação da indemnização por arbitragem, sendo que não o poderiam ter feito, pois uma vez apresentado o requerimento de arbitragem, ficaram por lei impedidas de intentar acção judicial com o mesmo objecto.
Assim, assiste inteira razão à recorrida, quando afirma nas suas contra-alegações que “as Recorrentes tinham noção que à data da propositura da acção, em 18 de Dezembro de 2016, já se encontrava em curso a arbitragem e que a mesma não podia prosseguir sem a indicação do árbitro por partes das mesmas. Assim as Recorrentes, que deliberadamente boicotaram o processo de arbitragem em curso, é que afastaram e impediram o seu acesso à justiça e não o normativo em questão que não padece de qualquer inconstitucionalidade, ao contrário do alegado pelas Recorrentes”.
Estava em curso um processo de arbitragem para determinar a indemnização devida às ora recorrentes. Nos termos da lei, como já vimos, estas estavam assim impedidas de propor acção com esse mesmo objecto no tribunal competente. E mesmo assim, optaram por desprezar o processo de arbitragem e ir intentar acção no tribunal estadual. O que não podiam fazer. Sibi imputet.
Assim sendo, como é, não restava ao Tribunal recorrido outra solução que não considerar que estava perante uma excepção dilatória inominada, e absolver a ré da instância.
O recurso improcede integralmente.

Sumário:

1. Nos termos do disposto no § 2.º do artigo 38º do Decreto-Lei n.º 43335 de 19.11.1960, o valor da indemnização devida ao proprietário, na falta de acordo, será determinado por arbitragem, desde que um dos interessados o requeira, e tal requerimento solicitando a arbitragem impede a propositura de acção nos tribunais competentes sobre o objecto dela.
2. Esta interpretação não ofende o texto Constitucional, nomeadamente o art. 20º,1 CRP.
3. Não obstante, se o particular desprezar a arbitragem que está em curso, e for posteriormente intentar acção no Tribunal competente com o mesmo objecto, estará verificada uma excepção dilatória inominada (inadmissibilidade do meio processual utilizado), que implica a absolvição do réu da instância (artigos 576º,2, 577º e 578º CPC).

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso integralmente improcedente, e confirma na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelas recorrentes (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 24.2.2022

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)