Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2789/21.4T8VNF.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: DIREITO DE TAPAGEM
AÇÃO DIRETA ILÍCITA
DECISÃO SURPRESA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Ao taparem as janelas e a superfície vidrada da marquise dos requerentes, encostando-lhes na vertical umas chapas metálicas opacas, que tapam por completo os vidros e as janelas da marquise, os requeridos agem em ação direta, porém, sem estarem reunidos os requisitos para tal (art. 336º CC).
II- Apesar de, no seu articulado de oposição, os requeridos não terem invocado esse instituto jurídico, isso não significa que o Tribunal não possa decidir o litígio com esse fundamento, pois da leitura da referida oposição resulta que o que moveu os requeridos foi justamente reagir contra a construção da marquise pelos requerentes, que consideraram violadora dos seus direitos. Só que deviam tê-lo feito por recurso aos Tribunal, e não tapando a marquise com chapas, por sua livre iniciativa.
III- Não faz qualquer sentido, nestas circunstâncias, invocar que o recurso pelo Tribunal ao instituto da ação direta ilegal constitui uma decisão surpresa, que violou o princípio do contraditório.
IV- A regra da proibição das decisões surpresa tem de ser conjugada com a regra iura novit curia, sendo que só no concreto, caso a caso, será possível decidir qual deve prevalecer.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

R. F. e L. A. intentaram procedimento cautelar comum contra V. N. e A. C. peticionando o decretamento da seguinte providência: «Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exª. doutamente suprirá, deve o presente procedimento cautelar ser julgado procedente e provado e, em consequência, ser determinada a imediata remoção das chapas metálicas colocadas pelos Requeridos a cobrir toda a face exterior da marquise dos Requerentes, notificando-se aqueles para procederem à remoção de todas essas chapas no prazo de cinco dias, com as demais cominações legais, designadamente, a eventual incorrência na prática do crime de desobediência qualificada, tudo com as demais consequências legais».
Alegam, em suma, que são proprietários de uma fracção autónoma na qual, há mais de 15 anos, se encontra construída uma marquise através da qual beneficiam da entrada de ar e luz em benefício da sua fracção, situação a que obstaram os requeridos através da colocação de umas chapas metálicas encostadas de encontro à mesma.

Os requeridos deduziram oposição à providência, referindo, em síntese, que não estão reunidas as condições para declarar a existência de uma servidão predial de vistas que imponha aos requeridos a obrigação de removerem as chapas que colocaram.

Foi produzida a prova pessoal oferecida pelas partes.
Foi proferida decisão final, que julgou o procedimento cautelar totalmente procedente, e determinou que os requeridos V. N. e A. C., no prazo 5 (cinco) dias, procedam à remoção das chapas metálicas referidas em 16) e que se encontram encostadas à marquise descrita em 10) e erigida no logradouro da fracção dos requerentes R. F. e L. A..
A decisão consignou ainda, nos termos e para os efeitos do art. 375º do CPC, que incorre na pena do crime de desobediência qualificada todo aquele que infrinja a providência cautelar decretada, sem prejuízo das medidas adequadas à sua execução coerciva.

Inconformados com esta decisão, os requeridos dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos autos e com efeito meramente devolutivo (art. 647º,1 CPC).

Terminam a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1. Porque o Tribunal a quo, oficiosamente, conheceu questões que não foram invocadas pelas partes, sem contudo, ter dado a possibilidade das mesmas se pronunciarem, violando flagrantemente o princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n. º 3, do CPC.
2. Porque o Tribunal a quo considerou verificado o requisito do “fumus boni iuris” por entender que a conduta dos recorrentes corresponde ao exercício ilícito de acção directa.
3. Porque, por um lado, o Tribunal a quo entendeu que a transformação do logradouro dos recorridos numa marquise corresponde ao fiel exercício dum direito de tapagem, por outro, que a colocação das chapas metálicas opacas a isolar o logradouro dos recorrentes corresponde ao exercício ilícito de acção directa.
4. Porque não se extrai da alegação dos recorridos, no requerimento inicial, que a conduta dos recorrentes corresponde ao exercício ilícito de acção directa, não tendo sido tal instituto jurídico invocado.
5. Porque depreende-se do requerimento inicial, que o pedido dos recorridos, em concreto, a remoção das chapas metálicas opacas, decorre da pretensão dos mesmos em verem reconhecida a constituição de uma servidão de vistas por usucapião, relativamente à marquise.
6. Porque quando o Tribunal a quo resolveu lançar mão do supra referido instituto legal, por via do conhecimento oficioso, a problemática do litígio encaminhou-se para uma relação fáctico-jurídica que não havia sido contemplada pelas partes.
7. Porque durante todo o processo os recorrentes cingiram a sua produção de prova com vista a obter a declaração do Tribunal a quo de que a servidão de vistas por usucapião pretendida pelos recorridos, não se verificava.
8. Porque os recorrentes sufragam o entendimento de que a Decisão recorrida é uma “decisão surpresa” que não se baseou na relação material controvertida estabelecida pelas partes, uma vez que trata-se de uma decisão baseada em fundamentos que não tenham sido previamente considerados pelas partes.
9. Porque a ausência do contraditório, no tocante ao instituto da acção directa, acarretou num grande prejuízo aos recorrentes, que ficaram impossibilitados de arguir teses e, por conseguinte, da alegação prévia e análise dessa alegação pelo Tribunal a quo.
10. Porque estas teses seriam formuladas numa série de quesitos que, por força do agir inesperado do Julgador a quo, ao proferir uma “decisão surpresa”, ficaram sem respostas.
11. Porque os recorridos e recorrentes compartilham do mesmo status quo, em relação ao logradouro em que foram realizadas as intervenções, isto é, tanto um, como outro, eram (e são) proprietários do respectivo imóvel onde está situado o espaço em questão.
12. Porque as janelas existentes na marquise dos recorridos não respeitam a distância de 1,50 metros imposta pelo artigo 1360.º do CC, em relação ao logradouro dos recorrentes.
13. Porque a marquise está construída sobre o murete que divide os logradouros, de modo que, ao levar a cabo tal construção, os recorridos extravasaram o seu direito de propriedade em detrimento do direito de propriedade dos recorrentes.
14. Porque não se verificou a constituição de uma servidão de vistas ou uma servidão predial inominada sobre a marquise dos recorridos.
15. Porque a colocação das chapas metálicas opacas no logradouro, pelos recorrentes, respeitam a distância de 1,50 metros das janelas existentes na fachada do edifício dos recorridos.
16. Porque corresponde ao exercício do direito de tapagem, uma vez que a colocação das chapas metálicas opacas para obter privacidade e maior segurança no logradouro, não violou, nem prejudicou um qualquer direito dos recorridos, e não necessitava de uma autorização judicial.
17. Porque a “impossibilidade dos recorridos de receberem luz natural e de beneficiarem de arejamento, com a inerente deterioração do conforto habitacional e do estar-físico dos requerentes e das crianças que compõe o seu agregado familiar” (sic), não decorre da colocação das chapas metálicas opacas, mas antes da própria marquise que eles construíram a ultrapassar os limites legais.
18. Porque uma marquise ilegal, sobre a qual não se verificou a constituição de uma qualquer servidão, não é bastante para tolher o direito de propriedade dos recorrentes.
19. Porque o Tribunal a quo não poderia ter proferido uma decisão sem se debruçar sobre o mérito da presente acção, isto é, não poderia ter proferido a Decisão recorrida sem permitir que os recorrentes pudessem enfrentar tais questões e obter resposta a cada uma delas.
20. Porque a inobservância do princípio do contraditório configura a nulidade da Decisão recorrida.
21. Deverá o Tribunal ad quem declarar a nulidade da mesma por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, do CPC, uma vez que o Tribunal a quo violou flagrantemente o princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, ao proferir uma verdadeira “decisão surpresa”.
22. Sendo que, a interpretação conferida pelo Tribunal a quo, ao disposto no artigo 1356.º do CC, relativamente à colocação das chapas metálicas opacas no logradouro, é inconstitucional por violar o princípio da igualdade e o direito de propriedade, consagrados, respectivamente, nos artigo 13.º e 62.º, ambos da CRP, uma vez que atribuiu-se uma qualificação jurídica diferente para a conduta dos recorridos.

Os recorridos contra-alegaram, findando com as seguintes conclusões:

1.ª Devem com os fundamentos melhor expostos supra improceder todas as conclusões do douto recurso;
2.ª Ao contrário do alegado a douta sentença não padece de qualquer nulidade;
3.ª A adopção pelo julgador da liberdade de decisão subjacente ao latino iura novit curia não importou qualquer violação do contraditório nos autos sub judice;
4.ª Inexiste qualquer violação do princípio da igualdade e inerente inconstitucionalidade porque concorreram diferentes direitos de natureza subjectiva na formação da convicção do julgador, na fundamentação da decisão e na sentença agora sindicada;
5.ª A douta sentença não merece qualquer reparo por ter realizado correcta aplicação da lei;

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber se:

a) o Tribunal a quo conheceu de questões que não foram invocadas pelas partes, sem ter dado a possibilidade das mesmas se pronunciarem, violando o princípio do contraditório, previsto no artigo 3º,3 CPC ?
b) a interpretação conferida pelo Tribunal a quo ao disposto no artigo 1356º do CC, relativamente à colocação das chapas metálicas opacas no logradouro, é inconstitucional por violar o princípio da igualdade e o direito de propriedade, consagrados, respectivamente, nos artigo 13.º e 62.º, ambos da CRP, uma vez que atribuiu uma qualificação jurídica diferente para a conduta dos recorridos ?

III
A decisão recorrida considerou indiciariamente provados os seguintes factos:

1. Os requerentes R. F. e L. A. são os únicos proprietários da fracção autónoma designada pela letra “B” do prédio constituído em propriedade horizontal que se acha descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .../19921207-B, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, destinado a habitação, com garagem, do sito na Rua …, da freguesia de …, concelho de Vila Nova Famalicão, a qual tem direito ao uso exclusivo «de duas parcelas de terreno, sendo uma a norte do edifício destinada a jardim e logradouro com a área de 44 m2 e outras a sul do edifício para o 1.º logradouro e acesso à garagem», propriedade essa que se encontra registada a seu favor através da Ap. n.º …, de 2011/03/09;
2. Os requeridos V. N. e A. C. são os únicos proprietários da fracção autónoma designada pela letra “D” do prédio constituído em propriedade horizontal que se acha descrito na Conservatória do registo Predial sob o n.º .../19921207-D, correspondente ao 1.º andar esquerdo, destinado a habitação, com garagem, do sito na Rua da …, da freguesia de …, concelho de Vila Nova Famalicão, a qual tem direito ao uso exclusivo «de uma parcela de terreno a sul do edifício para logradouro e acesso à garagem, com a área de 14,50 m2, bem como da escada exterior acesso da à habitação», propriedade essa que se encontra registada a seu favor através da Ap. n.º …, de 2014/12/17;
3. O prédio constituído em propriedade horizontal mencionado em 1) e 2) é composto por um total de 4 fracções, sendo que a fracção referida em 2) («D») situa-se por cima da fracção indicada em 1) («B»);
4. Os requerentes R. F. e L. A. adquiriram a fracção autónoma referida em 1) por escritura pública outorgada o dia 09 de Março de 2011;
5. Os requerentes, por si e anteriores proprietários, há mais de 15 e 20 anos que ocupam a fracção autónoma referida em 1), afectando-a à habitação, o que fazem ano após ano, à vista de todos, sem oposição de ninguém, sempre na convicção de que dela são donos exclusivos e de que não lesam interesses de outrem com tal actuação;
6. A fracção autónoma referida em 1), na parte de trás voltada a sul, tem duas janelas (de um quarto e de uma casa de banho) e uma porta (da cozinha) que deitam para uma área de logradouro referida em 1), destinado a acesso à garagem, como uma extensão total de 6,5mts de comprimento e que percorre toda a fachada sul da fracção;
7. A fracção autónoma referida em 2) detém o uso exclusivo, ao nível do rés-do-chão, de uma parcela de terreno exterior, com a área de 14,50 m2, destinada a logradouro e acesso à garagem;
8. A divisão da área de logradouro referida em 6) e a indicada em 7) faz-se através de um murete com cerca de 50 cm de altura;
9. Em data não determinada, mas sempre posterior a 9 de Março de 2011, os requerentes transformaram a área de logradouro referida em 6) numa marquise, erigida sobre o murete indicado em 8);
10. A marquise referida em 9) foi construída em alumínio e, na parte erigida sobre o referido murete, está vedada com vidro fosco transparente, em toda a altura e extensão, detendo na parte superior uma janela de oscilo-batente e duas janelas de correr, através das quais é possível ver-se o logradouro referido em 7) quando abertas;
11. A cobertura da marquise foi efectuada com painel tipo «sandwich» opaco;
12. As janelas e o vidro fosco referidos em 10) permitiam o arejamento e a iluminação natural da marquise assim construída;
13. Desde o momento referido em 9), os requerentes vêm-se se servindo da marquise assim construída e fechada para os diversos fins de utilidade doméstica e habitacional;
14. Desde o momento referido em 9), os requerentes servem-se das janelas e vidro fosco referidos em 10) para obter também o arejamento e a iluminação natural da fracção autónoma;
15. Desde o momento referido em 9), os requerentes praticam os actos e beneficiam das utilidades indicadas em 13) e 14), à vista de todos, sem oposição dos demais condóminos ou dos requeridos, neste caso, até ao momento referido em 16);
16. No dia 30 de Abril de 2021, no interior do logradouro referido em 6), os requeridos taparam as janelas e a superfície vidrada da marquise, encostando ao murete referido em 8) e na vertical, umas chapas metálicas opacas;
17. Em virtude da colocação das chapas referidas em 16), os vidros e janelas referidos em 10) ficaram tapados;
18. Em consequência do referido em 17), a marquise descrita de 9) a 11) e a fracção autónoma indicada em 1) deixaram de ter a luz natural e o arejamento de que antes beneficiavam pelo modo indicado em 12) e 14);
19. A falta de luz natural, arejamento e ventilação deteriora o conforto habitacional e bem-estar dos requerentes e do seu agregado familiar composto por duas crianças menores, assim como prejudica as condições de salubridade da fracção dos requerentes, que ficou privada de ar, luz e arejamento naturais;
20. Entre a porta e janelas existentes na fachada do edifício [referidas em 6)] e as chapas indicadas em 16) dista, pelo menos, 1,50 metros.

IV
Conhecendo do recurso.

Em primeiro lugar, os recorrentes não impugnaram a decisão sobre a matéria de facto, pelo que a lista dos factos provados é tida como definitiva.
Tal como resulta do art. 362º,1,2 CPC, sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado, podendo fundar-se o interesse do requerente num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção já proposta ou a propor.
Como bem se afirma na decisão recorrida, “a tutela cautelar decorre, por um lado, da proibição da autodefesa (art.º 1.º do CPC) e, por outro, da protecção que a ordem jurídica deverá proporcionar e que abrange, quer a acção adequada a reconhecer o direito em juízo, quer a acção destinada a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, quer ainda os procedimentos necessários a acautelar o efeito útil da acção (art.º 2.º do CPC)”.

Também se escreve que o decretamento das providências cautelares não especificadas depende da verificação dos seguintes requisitos:

a) Probabilidade séria da existência do direito (arts. 365º,1 e 368º,1 do CPC);
b) Fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável desse direito antes da decisão de mérito ou na sua pendência (art. 362º,1, 365º,1 e 368º,1 CPC);
c) O prejuízo resultante da providência não pode exceder o dano que com ela se pretende evitar (art. 368º,2 CPC), isto é, exige-se a observância do princípio da proporcionalidade.
d) A prova da existência do direito ameaçado obedece a um juízo de probabilidade, isto é, em vez da sua certeza, basta que sumariamente («summaria cognitio») se conclua pela séria probabilidade da existência do direito invocado («fumus boni iuris») e pelo justificado receio de que a natural demora na resolução definitiva do litígio cause prejuízo irreparável ou de difícil reparação («periculum in mora»).

Também nada a opor, nesta parte.
De seguida, a sentença recorrida analisa o direito dos requerentes cuja violação poderia estar em causa, dizendo que poderíamos estar perante a constituição de uma servidão de vistas (ou inominada) por usucapião, que imporia aos requeridos o terem de respeitar um afastamento de 1,50 metros (art.º 1362.º do CC). Mas logo a seguir reconhece que tal pressuporia o decurso de uma situação possessória com, pelo menos, 15 anos de existência, o que no caso, não se verifica, visto que a situação descrita data, no máximo, do ano de 2011.
Mas em vez de considerar a pretensão cautelar improcedente, a sentença considerou que “a conduta dos requeridos, ainda assim, corresponde ao exercício ilícito de acção directa (art. 336º CC), na medida em que a reposição da legalidade da situação apenas poderá ser obtida por via judicial, dado que a acção directa apenas é justificada «com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, quando a acção directa for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo”. E assim concedeu a providência peticionada.
Os recorrentes não se conformam porque, essencialmente, dizem que foram confrontados com uma decisão-surpresa, porque o Tribunal, oficiosamente, conheceu questões que não foram invocadas pelas partes, sem contudo, ter dado a possibilidade das mesmas se pronunciarem, violando flagrantemente o princípio do contraditório, previsto no artigo 3º,3 CPC.
Porém, a nosso ver, não lhes assiste qualquer razão.

O que dispõe o art. 3º,3 CPC é o seguinte:
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Mas em estreita conjugação com esta norma devemos ter presente a do art. 5º,3 do mesmo Código:
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

Comentando o regime legal, escrevem Abrantes Geraldes e outros (Código de Processo Civil anotado) que “ao princípio do contraditório subjaz a ideia de que repugnam ao nosso sistema processual civil decisões tomadas à revelia de algum dos interessados, regra que apenas sofre desvios quando outros interesses se sobreponham. (…) A liberdade de aplicação das regras do direito (art. 5º,3) ou a oficiosidade no conhecimento de determinadas excepções, sem outras condicionantes, potenciariam decisões que, em divergência com as posições jurídicas assumidas pelas partes, constituiriam verdadeiras decisões-surpresa (STJ 17-6-14, 233/2000). A regra do nº 3 pretende impedir que a coberto desse princípio, as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas ou surpreendentes, por não terem sido objecto de qualquer discussão. (…) A audição das partes apenas pode ser dispensada em casos de manifesta desnecessidade (conceito indeterminado que deve ser encarado sob uma perspectiva objectiva), quando se trate de indeferimento de nulidades (art. 201º e sempre que as partes não possam, objectivamente e de boa-fé, alegar o desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir ou as respectivas consequências). (…) Na formulação do nº 3 foram adoptados conceitos indeterminados ou cláusulas gerais cuja maleabilidade permite assegurar a instrumentalidade do processo face ao direito substantivo sem, no entanto, dispensar critérios rigorosos e convincentes relativamente à sua delimitação a partir da análise ou resolução de casos concretos. Cabe ao Juiz um papel fundamental na compatibilização dos diversos interesses que no processo se interligam (STJ) 19-5-16, 6473/03”.
Esta última referência é, quanto a nós, a mais importante.
Quer dizer, no fundo que a necessidade ou desnecessidade de cumprimento do contraditório quando está em causa a aplicação de regras de direito, só pode ser aferida casuisticamente, perante as circunstâncias do litígio em concreto.
E, em concreto, não vemos nada que permita dizer que mal andou o Tribunal recorrido em ter fundamentado a decisão no instituto da acção directa ilegal.
Desde logo, todos os factos necessários para a decisão foram alegados pelas partes e são os que resultaram provados. O Tribunal não andou a inventar factos novos, não introduziu na matéria de facto algum facto que as partes não tivessem atempadamente alegado.
Só por aqui já sai enfraquecida a tese da decisão-surpresa.
Em síntese, o que está em discussão neste litígio é que requerentes e requeridos são condóminos do mesmo prédio constituído em propriedade horizontal, sendo que a fracção autónoma pertencente aos requerentes está exactamente por baixo da fracção autónoma pertencente aos requeridos/recorrentes.
Sucede que de cada uma dessas fracções autónomas faz parte ainda uma parcela de terreno exterior, destinadas a logradouro e acesso a garagem, sendo que a divisão entre a parcela dos requerentes e a dos requeridos se faz através de um murete com cerca de 50 cm de altura.
Em data posterior a 9 de Março de 2011, os requerentes transformaram a sua área de logradouro numa marquise, que erigiram sobre o murete supra-referido, a qual tinha janelas e vidro fosco que permitiam o seu arejamento e iluminação natural. E desde então sempre usaram a referida marquise, beneficiando das utilidades da mesma, à vista de todos, sem oposição dos demais condóminos ou dos requeridos.
Tudo mudou quando estes últimos, no dia 30 de Abril de 2021, taparam as janelas e a superfície vidrada da marquise, encostando ao murete referido em 8) e na vertical umas chapas metálicas opacas. Essas chapas metálicas opacas taparam por completo os vidros e as janelas da marquise dos requerentes.
Para ter uma noção nítida do efeito e do significado das referidas chapas nada melhor do que olhar para as fotografias que os requerentes juntaram aos autos. É um daqueles casos em que uma imagem diz mais que mil palavras. E torna-se certeira a afirmação constante da sentença recorrida, segundo a qual “a atitude dos requeridos, consistente na tapagem das janelas e toda a superfície envidraçada da marquise, com a consequente subtracção de ar e luz àquele espaço e, por inerência, ao interior da habitação, atesta contornos de inequívoca retorsão (fruto de desentendimento entre as partes com repercussões criminais) e, como tal, o exercício do direito de tapagem que, eventualmente, poderiam invocar (art.º 1356.º do CC), pelo modo como foi levado a cabo, sempre seria violador dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito, por ser evidentemente ofensivo da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante, considerando a desproporção grave entre a vantagem obtida com a colocação daquelas chapas e o sacrifício imposto aos requerentes (art.º 334.º do CC)”.
A consequência da colocação das chapas foi que a marquise dos requerentes, bem como a sua fracção autónoma, deixaram de ter a luz natural e o arejamento de que antes beneficiavam. E, como emergiu naturalmente provado, a falta de luz natural, arejamento e ventilação deteriora o conforto habitacional e bem-estar dos requerentes e do seu agregado familiar composto por duas crianças menores, assim como prejudica as condições de salubridade da fracção dos requerentes, que ficou privada de ar, luz e arejamento naturais.
Em sede de aplicação do Direito a este enquadramento factual, temos que começar por olhar para o requerimento da providência, no qual os requerentes afirmam que a conduta dos requeridos restringe a possibilidade de fruição pelos Requerentes, na sua plenitude, do aconchego e conforto da sua habitação, e retira ao seu lar as normais condições de conforto, bem-estar e salubridade. A manutenção da situação actualmente existente, de vedação da luz e arejamento que eram propiciados pela marquise dos Requerentes e pelas janelas aí existentes causa uma lesão grave e dificilmente reparável à fruição plena do direito de propriedade dos mesmos.
Ora, o que o Tribunal recorrido fez foi começar por concluir que não podiam os requerentes invocar uma servidão de vistas por usucapião, ou uma servidão predial inominada, por ainda não ter decorrido o prazo da prescrição aquisitiva (usucapião).
Coisa que, diga-se de passagem, também os requerentes não tinham invocado.
Da leitura do requerimento inicial apenas emerge a afirmação de que, repetindo, “a conduta dos requeridos restringe a possibilidade de fruição pelos Requerentes, na sua plenitude, do aconchego e conforto da sua habitação, e retira ao seu lar as normais condições de conforto, bem-estar e salubridade. A manutenção da situação actualmente existente, de vedação da luz e arejamento que eram propiciados pela marquise dos Requerentes e pelas janelas aí existentes causa uma lesão grave e dificilmente reparável à fruição plena do direito de propriedade dos mesmos”.
Assim sendo, é inteiramente legítima a abordagem que a sentença recorrida fez ao problema, da perspectiva da acção directa que atingiu o direito de propriedade dos requerentes.
Escreve o M.mo Juíz a quo: “no entanto, apesar de não se poder afirmar a constituição de uma servidão predial de vistas ou inominada, certo é que a conduta praticada pelos requeridos, consistente na colocação de chapas metálicas contra a marquise dos requeridos, tapando as janelas lá existentes e cobrindo a totalidade da superfície vidrada, ainda assim corresponde ao exercício ilícito de acção directa (art.º 336.º do CC), na medida em que a reposição da legalidade da situação apenas poderá ser obtida por via judicial, dado que a acção directa apenas é justificada «com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, quando a acção directa for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo».
E a sentença recorrida cita ainda um caso decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09 de Julho de 2014 (processo n.º 2171/13.7TVLSB.L1-8, relator António Valente), em situação relativamente similar à dos autos: «mesmo que assista direito ao requerido, nos termos do art. 1360º 1 do Código Civil, caso se venha a provar que as janelas em causa não respeitam a distância exigida pelo mencionado preceito, o ora recorrente poderá obter a tapagem de tais janelas mediante decisão judicial. Fazê-lo, nos termos em que o fez, representa (…) um caso de acção directa ilícita, que ofende o direito de propriedade das requerentes. (…)», decisão que foi, igualmente, perfilhada no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de Junho de 2020 (processo n.º 215/16.0T8SEI.C1, relator Vítor Amaral) no segmento em que entendeu que a tapagem unilateral de janelas, sem recurso à via judicial, representa uma situação de acção directa ilícita, sendo essa ilicitude fundamento bastante para ordenar a demolição/remoção das chapas colocada pelos requeridos, mediante o uso da força/acção directa de modo desconforme ao previsto no art.º 336.º do CC, com preterição dos meios coercitivos normais, no caso, os tribunais.
Mas vejamos o que significa a acção directa.

Artigo 336º
Acção directa
1. É lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, quando a acção directa for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo.
2. A acção directa pode consistir na apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa, na eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício do direito, ou noutro acto análogo.
3. A acção directa não é lícita, quando sacrifique interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar.

É óbvio que nunca poderia a conduta dos requeridos ser coberta por este instituto jurídico, pois sempre faleceria o requisito da impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais. Ou seja, se os requeridos/recorrentes entendiam que algum direito seu estava a ser violado pela construção da marquise, o que tinham de fazer era intentar uma acção (ou procedimento cautelar) com vista a fazer valer o seu direito. Nunca poderiam era fazer o que fizeram, com as supra-referidas chapas a vedar a marquise dos requerentes.
Aqui chegados, vejamos qual a tese oferecida pelos requeridos na oposição à providência. Da leitura dessa peça processual apenas retiramos de útil os artigos 16º, 42º, 43º e 44º.
No primeiro pode ler-se: “Pelo que, constitui um verdadeiro abuso de direito por parte dos requerentes, usurparem uma área comum entre eles e os requeridos e depois exigir um qualquer direito sobre a mesma”.
No segundo pode ler-se: “Logo, por não se tratarem de janelas, o direito dos requerentes de manter estas aberturas não impede que os requeridos, proprietários do prédio vizinho, possam construir a todo o tempo no seu prédio ainda que vede tais aberturas”.
No terceiro: “Relativamente as chapas metálicas dos requeridos, instaladas no interior do seu logradouro, trata-se de uma estrutura amovível que está localizada a metro e meio das janelas do prédio dos requerentes”.
E no quarto: “E, ainda que as aberturas existentes na marquise dos requerentes sejam consideradas pelo Tribunal como sendo janelas, e seja reconhecida a servidão de vistas – o que não se concebe –, sempre se dirá que tal instituto aplicar-se-á apenas às referidas aberturas e não sobre toda a marquise, o que, também, inviabiliza o pedido dos requerentes”.

Quem ler com atenção estes artigos da oposição dos requeridos percebe com nitidez que eles, apesar de não invocarem nem uma vez a expressão “acção directa”, demonstram que foi isso mesmo que os moveu: repare-se que os requeridos argumentam longamente contra a construção da marquise pelos requerentes, avançam argumentos no sentido de que tal construção foi ilegal, dizendo que aqueles usurparam uma área comum entre eles e os requeridos, que agiram em abuso de direito, e -o mais revelador de todos os argumentos-, afirmam que nada os impede de construir a todo o tempo no seu prédio, ainda que vedando as aberturas da marquise dos requerentes.
E, registe-se que os requeridos não avançam nenhuma razão concreta, do seu interesse próprio, para terem colocado aquelas chapas no sítio onde colocaram, que não seja a resposta pura e simples à atitude dos requerentes de construção da marquise. Se isto não é a invocação da acção directa, embora sem citar o art. 336º CC, não sabemos o que é. O direito dos requerentes que terá sido posto em causa foi o seu direito de propriedade, e não uma qualquer servidão, de vistas ou outra qualquer. Daí que bem andou o Tribunal recorrido quando considerou que os requeridos actuaram exclusivamente para responder a um acto dos requerentes que consideraram violador dos seus direitos, quando o que deveriam ter feito era recorrer aos meios coercivos normais, leia-se, os Tribunais. Em vez disso quiseram “fazer justiça pelas próprias mãos”, o que tinha de levar, incontornavelmente, à decisão recorrida.

No mesmo sentido decidiu o acórdão do TRL de 9.7.2014 (António Valente, Ilídio Sacarrão Martins e Teresa Prazeres Pais), citado na sentença recorrida, quando referiu:

o direito real aqui atingido não é o de servidão de vistas mas pura e simplesmente o direito de propriedade, já que as janelas integravam as fracções de que as requerentes são donas. É que a questão não consiste em o requerido efectuar obras no seu prédio de que resulte o desrespeito pela distância prevista no art. 1362º do Código Civil, pondo em causa um eventual direito de servidão de vistas. Consiste em tapar, entaipar, as aludidas janelas no prédio das requerentes, ofendendo o seu direito de propriedade. Nada impedia o requerido de vir a tribunal, mesmo que por via de procedimento cautelar – se fosse caso disso – ou de acção declarativa visando obter decisão condenando as ora requerentes a taparem as janelas das suas fracções. O que não pode, a nosso ver, é proceder ele próprio, unilateralmente, à tapagem das janelas nas fracções das requerentes.
Invoca ainda o recorrente que a decisão recorrida é uma decisão surpresa que se não baseou na relação controvertida estabelecida pelas partes.
Como sublinha Lebre de Freitas, a decisão-surpresa consiste na “decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes” - “Código de Processo Civil Anotado” I, pág. 9.
Este princípio plasmado no art. 3º nºs 3 e 4 do CPC visa respeitar o princípio do contraditório, dando as às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre questão que, mesmo sendo de conhecimento oficioso, não fora por elas suscitada.
Ora, as requerentes invocaram, no requerimento inicial, o seu direito de propriedade sobre as fracções em que se encontravam as janelas, a acção do requerido ao tapá-las, o prejuízo que isso lhes acarreta e ainda o risco de, segundo dizem, o requerido se preparar para tapar outras janelas das suas fracções.
Nunca invocaram qualquer servidão de vistas, mas apenas o serem donas das fracções, o facto de as janelas já ali se encontrarem quando adquiriram tais fracções e serem essenciais para a entrada de luz natural e de ar.
E invocaram a acção do requerido de ter tapado tais janelas.
Quando o tribunal lança mão do instituto da acção directa está simplesmente a qualificar os factos alegados de acordo com a relação controvertida tal como consta do articulado inicial. E na qualificação jurídica dos factos, o juiz não está sujeito à qualificação efectuada pelas próprias partes.
Se lermos o requerimento inicial constatamos que o Mº juiz a quo não introduziu qualquer elemento novo limitando-se a uma integração e qualificação jurídica do circunstancialismo fáctico decorrente de tal articulado e da matéria provada.
O princípio expresso no art. 3º nº 3 do CPC não pode ser entendido como um modo de obrigar o julgador a aderir à qualificação jurídica levada a cabo pelas partes, sob pena de ter de as convidar a pronunciarem-se sobre a sua própria qualificação jurídica. O que o artigo visa são as situações em que, por via do conhecimento oficioso, o julgador desloca a problemática do litígio para uma relação fáctico-jurídica que não havia sido contemplada pelas partes. É, por exemplo, o caso de uma acção com pedido de condenação pecuniária, assente num contrato celebrado pelas partes e incumprido pela Ré, em que o julgador decida com base na invalidade de algumas das cláusulas do contrato, sem que tal houvesse sido invocado por qualquer das partes – ver Acórdão desta Relação de Lisboa, de 14/04/2005, disponível no endereço www.dgsi.pt.
Provado que as obras levadas a cabo pelo requerido ofenderam o direito de propriedade das requerentes, causando-lhes óbvios prejuízos – perda de luz e ar natural – verificam-se os requisitos previstos no art. 397º nºs 1 e 3 do CPC”.
Subscrevemos integralmente esta interpretação jurisprudencial, a qual tem inteira aplicação ao caso dos autos.

E assim, não assiste qualquer razão aos recorrentes quando vêm dizer que: “a ausência do contraditório, no tocante ao instituto da acção directa, acarretou num grande prejuízo aos recorrentes, que ficaram impossibilitados de arguir teses e, por conseguinte, da alegação prévia e análise dessa alegação pelo Tribunal a quo”; que “estas teses seriam formuladas numa série de quesitos que, por força do agir inesperado do Julgador a quo, ao proferir uma “decisão surpresa”, ficaram sem respostas”; ou ainda quando afirmam, “out of the blue”, que “a interpretação conferida pelo Tribunal a quo, ao disposto no artigo 1356.º do CC, relativamente à colocação das chapas metálicas opacas no logradouro, é inconstitucional por violar o princípio da igualdade e o direito de propriedade, consagrados, respectivamente, nos artigo 13.º e 62.º, ambos da CRP, uma vez que atribuiu-se uma qualificação jurídica diferente para a conduta dos recorridos”.
Na realidade, como demonstrámos, os requeridos/recorrentes não fizeram outra coisa na sua oposição que não seja invocar que agiram em defesa dos seus direitos que consideraram ofendidos pelos requerentes, sem todavia mencionar uma única vez o art. 336º CC.
Pelo que não podem, de todo, vir invocar a existência de decisão-surpresa.
Para terminar, diga-se que é irrelevante como argumento para contrariar a decisão recorrida, o facto provado sob o nº 20: “Entre a porta e janelas existentes na fachada do edifício [referidas em 6)] e as chapas indicadas em 16) dista, pelo menos, 1,50 metros”.
Não é por isso que a providência foi decretada.
A providência foi decretada porque o Tribunal concluiu, e bem, que existia uma probabilidade séria da existência do direito de propriedade dos requerentes nos termos supra descritos, e porque ficou claramente provado que tal direito foi directamente ofendido pela acção dos requeridos, que têm vindo a impedir os requerentes de receberem luz natural e de beneficiarem de arejamento, com a inerente deterioração do conforto habitacional e do bem-estar físico dos requentes e das crianças que compõem o seu agregado familiar, danos esses já em curso e que se agravariam, quiçá irremediavelmente, caso tivéssemos que aguardar pelo decurso e desfecho da acção principal.
Assim, a única solução legalmente admissível é a colocação dos prédios na situação que estavam antes dos requeridos se terem arrogado o poder de fazer justiça pelas suas mãos, e aguardar a decisão definitiva do litígio na acção judicial competente.
E, atento tudo o que fica dito, a questão de constitucionalidade colocada é uma não-questão, que não merece ser sequer abordada.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 16/9/2021

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)