Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
57/14.7T8VCT-A.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
RECURSO
SANÇÃO ACESSÓRIA
RECORRIBILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: ATENDIDA
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário: I - O artº 73º, nº 1, do Dec. Lei nº 433/82, de 27.10 (RGCO) estabelece expressamente, além do mais, a possibilidade de recurso para a Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artº 64º, quando a condenação do arguido abranger sanções acessórias.
II – Tal previsão legal não afasta ou exclui a recorribilidade de despacho judicial posterior à sentença, quando o mesmo, como in casu, está precisamente conexionado com a sanção acessória aplicada em sentença, por um lado, e diz respeito a matéria relacionada com a sua execução ou extinção, por via de alegada prescrição, por outro.
Decisão Texto Integral: Reclamante: AA…(arguida);
Recorrido: Ministério Público;

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AA… veio reclamar do despacho do Sr. Juiz da Comarca de Viana do Castelo – Instância Local – Secção Criminal – J1, datado de 18.05.2016, que não lhe admitiu o recurso por si interposto, por falta de fundamento legal, cujo teor é o seguinte:
«- Fls. 238 e ss::
Não se admite o recurso interposto pela arguida, do despacho de fls. 228, por legalmente inadmissível (cfr. art. 73º, a contrario, do D.L.nº 433/82, de 27-10)».

O despacho recorrido é do seguinte teor:
«- Fls. 207 e ss:
Nos termos promovidos a fls. 224, uma vez que, como se constata de fls. 204 e ss, a arguida cumpriu voluntariamente a sanção acessória em causa, ficou prejudicado o conhecimento da alegada prescrição».

Segundo a reclamante o recurso deveria ter sido admitido, apresentando, para tanto e resumidamente, os seguintes fundamentos:
1. A reclamante não concorda com a decisão de considerar prejudicado o conhecimento da invocada prescrição pelo facto de a arguida ter cumprido voluntariamente a sanção acessória em causa, por tal pressupor o fim do procedimento com averbamento da infracção no registo do condutor, em relação à arguida, e condenação em custas, quando o procedimento se encontra há muito prescrito, prescrição essa operada antes do despacho em crise e da própria decisão condenatória ter transitado em julgado, tendo sido suscitada pela reclamante em todas as instâncias.
2. A recusa da pronúncia acerca da prescrição exarada no despacho recorrido - apesar de erradamente a recorrente ter cumprido a sanção acessória – tem várias implicações, nomeadamente quanto ao registo de infracções do condutor e ainda quanto às custas.
3. O cumprimento da sanção acessória por ilegal ordem judicial não significa que a recorrente se conformou com a decisão, já que apenas o fez sob ameaça da prática do crime de desobediência e sem consultar o seu mandatário.
4. Uma vez que a instância de recurso diz respeito a aplicação de sanção acessória, este recurso subsequente é admissível nos termos do disposto nos artºs 41º e 73º, ambos do RGCO e artº 399º e sgs. do CPP.

Decidindo:
O recurso que motivou o despacho ora reclamado foi interposto de um despacho judicial, datado de 28.04.2016, que declarou prejudicado o conhecimento da prescrição do procedimento contra-ordenacional invocado pela arguida (cfr. requerimento de fls. 207 e sgs.) com o fundamento de que esta já cumpriu voluntariamente a sanção acessória.
Dele recorreu a reclamante, concluindo pela revogação da decisão que não se pronunciou acerca da prescrição alegada, substituindo-a por outra que proceda à declaração da prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Para fundamentar a sua decisão de rejeição do recurso, por inadmissibilidade legal, interposto pela arguida, baseia-se o tribunal a quo no disposto no artº 73º, a contrario, do Dec. Lei nº 433/82, de 27-10.
Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
O citado artº 73º, nº 1, do Dec. Lei nº 433/82, de 27.10 (RGCO) estabelece expressamente, além do mais, a possibilidade de recurso para a Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artº 64º, quando a condenação do arguido abranger sanções acessórias.
Mas, apesar do sentido literal e restritivo plasmado no despacho reclamado, tal previsão legal não afasta ou exclui a recorribilidade de despacho judicial posterior à sentença, quando o mesmo, como in casu, está precisamente conexionado com a sanção acessória aplicada em sentença, por um lado, e diz respeito a matéria relacionada com a sua execução ou extinção, por via de alegada prescrição, por outro.
Em suma, está em causa o exercício de direitos fundamentais e de garantias de defesa, incluindo o recurso, constitucionalmente consagrados, mesmo nos processos de contra-ordenação – cfr. artº 32º, nºs 1 e 10, da Constituição da República Portuguesa.
De notar que a norma do assinalado artº 73º não afasta expressamente tal interpretação.
Dito de outro modo, o apontado artº 73º não estatui a irrecorribilidade dos despachos subsequentes à sentença.
O próprio artº 399º do Código Processo Penal (CPP), de aplicação subsidiária, acolhe a admissibilidade de recurso dos despachos, cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.
Em resumo, não resultando do apontado artº 73º a irrecorribilidade dos despachos judiciais proferidos no decurso do processo, aplica-se-lhes o preceituado nos artºs 399º e 400º, nº 1, als. a) e b), do CPP, sendo que não estamos perante despacho de mero expediente ou que ordena acto dependente da livre resolução do tribunal.

Coisa distinta é o mérito ou demérito do recurso interposto.
Neste, a recorrente parece confundir entre prescrição do procedimento contra-ordenacional (enquanto uma das causas de extinção da responsabilidade contra-ordenacional e que está interligada, desde logo no seu termo, com o trânsito em julgado da sentença) e prescrição da sanção acessória (sendo uma das causas da sua extinção, o seu cumprimento).
Mas aqui estamos no âmago do conhecimento do fundo da questão recursiva, o qual cabe exclusivamente ao tribunal superior.

Afigura-se-nos, assim, que, atentas as razões aduzidas, o despacho reclamado qua tale é recorrível.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, atende-se a reclamação apresentada, devendo o Tribunal de 1ª instância proferir despacho de admissão de recurso, se não houver outros fundamentos que a tal obstem.

Sem custas.

Guimarães, 30 de Junho de 2016

O Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães,
António Júlio Costa Sobrinho