Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANSELMO LOPES | ||
Descritores: | LEI MAIS FAVORÁVEL SINAIS DE TRÂNSITO CONTRA-ORDENAÇÃO PAGAMENTO VOLUNTÁRIO EFEITOS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/06/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – A norma do artº 27º, nº 1 do Código da Estrada, sobre os limites gerais de velocidade, tem outras conexas (nomeadamente as do artº 28º, nº 1, al. b) e nº 2) e só se completa se houver a respectiva sinalização, em especial a das placas dos limites que o legislador entender e que mais não são, cada uma com cada limite, do que a forma exterior pública do conteúdo do tipo legal. II – Assim, se o legislador, ao abrigo do disposto no artº 28º, nº 1, al. b) do C.E., entender fixar o limite máximo de velocidade em 70 kms/hora num local em que, até então, esse limite era de 50 kms/hora, está a modificar a lei, ou seja, o tipo legal respectivo, ficando lícito um excesso de 20 kms/hora que até ali era ilícito, sendo exactamente por isto que a sobredita alteração tem que relevar, quando for o caso, para efeitos de aplicação da lei no tempo – cf. artº 3º do RGCO. III – No caso destes autos, é inquestionável que no local da infracção se pode hoje circular até 70 kms/hora e que a via, sem quaisquer alterações físicas estruturais, mantém a sua natureza de urbana. IV – Assim sendo, a lei actual é mais favorável ao arguido, passando o excesso a ser apenas de 22 kms/hora, a contra-ordenação passa a ser qualificada como apenas como grave e, por isso, sendo a sanção acessória susceptível de ser suspensa na sua execução. V – As alternativas do pagamento imediato ou do depósito de garantia, previstas no artº 173º e o pagamento voluntário previsto no artº 172º, ambos do Código da Estrada, são livremente eleitas e aceites pelos condutores. VI – Prevendo-se no nº 5 do artº 172º, quando o autuado não é de imediato identificado, que o pagamento voluntário da coima nos termos dos números anteriores determina o arquivamento do processo, salvo se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que prossegue restrito à aplicação da mesma e no nº 4 do artº 175º, quando o autuado está presente no momento da autuação, que o pagamento voluntário da coima não impede o arguido de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável, evidenciam-se consequências diferentes para o pagamento voluntário das coimas. VII – Assim, temos na lei dois regimes diferentes para duas idênticas situações: numa, o autuado não foi identificado e, por isso, não pode escolher pagar ou fazer depósito, instaurando-se o respectivo processo e dando-se-lhe apenas a faculdade de pagamento voluntário posterior, com possibilidade de discussão restrita à aplicação da sanção acessória; na outra, o autuado está presente e, por isso, pode escolher pagar ou fazer depósito, subordinando-se então à possibilidade de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracção (grave ou muito grave e, sim, até leve) e à sanção acessória aplicável. VIII – Como parece fácil de intuir, os dois regimes, afinal, para idênticas situações, e com as mesmas finalidades, são incongruentes, a não ser que se entendesse que em ambos era possível vir a discutir-se a materialidade da infracção com toda a amplitude, o que parece ser expressamente contrário à letra da lei, pois em ambos os regimes se põem restrições ao âmbito da acção processual após o pagamento. IX – No caso artº 172º, o condutor não é posteriormente à infracção notificado para, querendo, efectuar depósito porque só paga se quiser e, se não o fizer, pode impugnar tanto a coima como a sanção; se pagar, parece que não pode discutir a essência da infracção, pois se diz que o processo prossegue restrito (isto é, limitado) à aplicação da mesma, ou seja, deve entender-se que, ao pagar de livre vontade, irá apenas discutir o âmbito da sanção acessória, isto é, a sua duração e condições (suspensa ou não). X – Neste caso, tudo indica que o autuado se conforma com a natureza da infracção, grave ou muito grave (o legislador, que é o mesmo do artº 175º, estranhamente, não incluiu aqui a faculdade de discussão da gravidade), incluindo com as consequências disso no seu registo de condutor e, assim sendo, também não poderá reaver qualquer quantia ou diferencial do que tiver pago. XI – No caso do artº 175º, se, como se disse, o autuado escolheu uma das modalidades ao seu alcance e elegeu a do pagamento, então apenas poderá apresentar a sua defesa, restrita (isto é, limitada) à gravidade da infracção (grave ou muito grave e até leve) e à sanção acessória aplicável, ou seja, neste caso, e tendo pago por querer, tal como no caso anterior, não podendo também reaver qualquer quantia ou diferencial, pode discutir duas coisas: a gravidade da infracção e a sanção acessória aplicável, como resulta da copulativa sublinhada. (A posição agora assumida, quanto aos efeitos do pagamento voluntário das coimas, traduz sensível alteração da que o relator expendeu no Pº nº 1.159/07) | ||
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Decisão Texto Integral: | Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: TRIBUNAL RECORRIDO Tribunal Judicial de Braga – 2º Juízo Criminal – Pº nº 1355/07.1TBBCL ARGUIDO/RECORRENTE Eduardo RECORRIDO O Ministério Público OBJECTO DO RECURSO O recorrente, depois de ter pago a respectiva coima nos termos do nº 1 do artº 173º do Código da Estrada, foi condenado na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias (por atenuação especial), pela prática, em 16-03-06, de uma contra-ordenação p. e p. no artº 27º, nº 2, al. a) - 2 do Código da Estrada. Deduziu impugnação judicial, dizendo que, atenta a ausência de sinais e as condições da via, não cometeu a infracção ou, então, apenas houve um excesso de 2 kms/hora. Mais invocou que já depois da infracção foi colocada no local uma placa de limitação da velocidade instantânea de 70 kms/hora, pelo que reclama aplicação da lei mais favorável. Pedia, para o caso de condenação, que se suspendesse a sanção acessória. A impugnação foi julgada improcedente, pois se entendeu, por um lado, que o arguido, pagando voluntariamente a coima, não pode questionar a prática da contra-ordenação e, por outro, que, atentos os factos provados, não se verifica uma sucessão de leis no tempo e nem é admissível a suspensão da sanção, uma vez que se trata de uma infracção muito grave. MOTIVAÇÃO/CONCLUSÕES É dessa decisão que o arguido recorre, dizendo: A - Não se podem confundir normas temporárias com as normas estradais ou do código da estrada, nem entender que aquelas são as que e destinam a vigorar dentro do período para que foram fixadas. B - No entendimento defendido na sentença proferida todas as normas seriam, assim, por natureza normas temporárias pois apenas se destinam a vigorar dentro do período de tempo para que foram fixadas. C - Normas temporárias são aquelas que se destinam a vigorar de forma provisória e em determinadas situações definidas como excepcionais. D - As leis temporárias valem para um determinado período de tempo. São as que fixam o termo da sua vigência, directamente ou implicitamente. O termo dessa vigência não resulta portanto da sucessão de outra lei no tempo. E - “A lei temporária destina-se, desde o início da sua vigência, a vigorar durante um determinado período de tempo ou enquanto persiste um certo condicionalismo.”, in anotação ao artº 3 de Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, Manuel Simas santos e Jorge Lopes de Sousa, pág. 85. F - As regras estradais por natureza ou definição, e concretamente os limites gerais de velocidade do artº 27 do código da Estrada tal como se apresenta no caso concreto, não são normas temporárias ou dependentes de certo condicionalismo, mas antes são leis ou normas que por concepção são revogadas e alteradas por sucessão de outra lei no tempo. G - O recorrente foi condenado pela prática de uma contra-ordenação muito grave, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 27º, nºs. 1 e 2, alínea a), ponto 3º, 138º, nº. 1 e 146º, alínea i) todos do Código da Estrada, na coima de 300,00 € e na sanção acessória de inibição de conduzir por um período de 30 dias, porquanto no dia 16/03/2006, pelas 17:15 horas, na Avenida Frei Bartolomeu dos Mártires, em Braga, conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula 91-00-ES, pelo menos à velocidade de 92 Km/h, sendo a velocidade permitida no local de 50 Km/h. H - Esta velocidade máxima permitida de 50 Km/h não foi imposta por qualquer tipo de sinalização vertical, mas foi tão só considerada como tal por o veículo do recorrente alegadamente circular numa localidade e sem atender às características da via. I - Em data posterior e ainda antes da impugnação judicial deduzida, a velocidade no local onde o recorrente foi autuado foi alterada e aprovado pelas entidades competentes para o local o limite máximo de velocidade instantânea de 70 Km/h. J - Dada esta alteração normativa e aceitando, sem conceder, que o limite de velocidade á data dos factos era de 50 Km/h, estamos perante um problema de sucessão de leis ou normas jurídicas no tempo e que a lei expressamente prevê e resolve. L - A este propósito refere o nº 2 do artº 3º do Dec. Lei 433/82 de 27/10 que “Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada. M - O que se verifica é que a norma que impunha um limite de velocidade de 50 Km/h à data da prática dos factos foi posteriormente alterada passando a vigorar para o local uma velocidade máxima instantânea de 70 Km/h, devendo ser este por defeito, o limite de velocidade máxima a considerar no caso concreto. N - Este regime consagrado no artº 3º do Regime Geral das Contra-Ordenações não é mais do que uma concretização do princípio geral consagrado na Constituição da República Portuguesa, no artº 29º, nº 4 da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido. O - Fazendo-se a aplicação do regime mais favorável ao arguido, o que se verifica é que a ter praticado uma qualquer infracção, atento o limite de velocidade máxima a considerar de 70 Km/h, e a velocidade detectada de 92 Km/h o recorrente praticou apenas uma contra-ordenação grave e não muito grave, pelo que, para os legais efeitos possa ser suspensa ao arguido, nos termos do artº 141 do C.E. a sanção acessória de inibição de conduzir. P - Nem se pretenda contra este entendimento, salvo o devido respeito, que o recorrente pagou voluntariamente a coima e agora só pode recorrer no que toca à sanção acessória, pois se por um lado a alteração do limite de velocidade é posterior à data da prática dos factos, alteração superveniente que sempre legitimará a impugnação da contra-ordenação no seu todo, por outro lado, esta alteração do limite de velocidade também tem reflexos importantes na medida da sanção acessória de inibição de conduzir e na possibilidade da suspensão da sua execução. Q - Ao decidir da forma como o fez, não sendo as regras estradais por definição ou conceito normas temporárias ou transitórias, a sentença recorrida violou o disposto nos artº 3º, nº 2 do Dec. Lei 433/82 de 27/10 e o artº 141 do C.E. R - A sentença em crise é ainda inconstitucional uma vez que violou o disposto no artº 29, nº 4 da CRP, ao não aplicar retroactivamente o regime legal mais favorável ao arguido/recorrente. S – À data da autuação, ao recorrente foi exigido o pagamento da coima de imediato, pelo valor mínimo, não lhe tendo sido explicada e consequente dada a possibilidade de prestar depósito de valor igual ao mínimo da coima. T - Uma vez que o recorrente pretende pôr em causa a prática dos factos descritos no auto de contra-ordenação, deve entender-se que o valor pago de 300,00 € foi a título de depósito nos termos do artº. 173º, nº. 2 do Código da Estrada. U - A sinalização rodoviária, e designadamente os limites de velocidade devem ser de tal modo esclarecedores e inequívocos que um normal condutor não possa ter a mínima duvida acerca do seu cumprimento e/ou imposição. V - Uma via com as características com as que ficaram provadas na sentença em crise e por onde circulava o arguido recorrente é no mínimo causadora das maiores dúvidas a qualquer condutor. X - Nos termos do artº. 1º., alínea j) do Código da Estrada “localidade” é uma zona com edificações e cujos limites são assinalados com os sinais regulamentares. Y - Uma via com as características da dos autos, normalmente apelidada de via rápida, ainda que atravesse uma localidade tem de se encontrar sujeita a uma regulamentação própria em termos de limites de velocidade. Z - O entendimento de um condutor normal e prudente, que não seja um aselha, é de que onde não existir limites de velocidade imposta por sinalização vertical, o limite de velocidade residual nesta vias rápidas ou variantes citadinas, atentas naturalmente as suas características, é de 90 Km/h. AA - Não se aceita que uma via tal como a que vem considerada e com as características conhecidas por todos e supra mencionadas e onde não exista sinalização vertical que imponha uma outra especial velocidade, a seja considerada como o limite normal de velocidade dentro de localidades de 50 Km/h. BB – A reforçar este entendimento do recorrente é o facto de a velocidade máxima no local em apreço ter vindo a ser expressamente determinada por sinalização vertical, definindo-se para o local uma velocidade máxima permitida de 70 km/h. CC - Se o local em apreço revestisse uma especial perigosidade para a circulação dos veículos automóveis ou exigisse uma prudência superior à normal para a circulação rodoviária, seguramente que a velocidade máxima para o local não vinha a ser limitada por sinalização vertical para o limite de 70 Km/h, como o foi, esclarecendo assim agora inequivocamente todos os condutores que utilizam aquela via. DD - Só podemos concluir que naquela via e no local em mérito nunca se quis que o limite de velocidade fosse de 50 Km/hora, uma vez que, os únicos sinais que limitaram a velocidade naquele local foram apenas colocados em Dezembro de 2006 e limitaram a velocidade máxima a 70 Km/h. EE - Ao decidir da forma como o fez e ao aceitar que no local o limite de velocidade era à data dos factos de 50 Km/h e não o limite reservado à circulação de veículos automóveis, a sentença recorrida violou igualmente o artº 27 do Código da Estrada. FF - A condenação do arguido nas custas do processo no pagamento de 04 UC’s é manifestamente exagerada e desproporcionada, não fazendo apelo a qualquer situação de facto que a justifique este valor. RESPOSTA O Mº Pº do Tribunal a quo respondeu para defender o julgado. PARECER Nesta instância, o Ilustre PGA também entende que o recurso deve ser julgado parcialmente procedente, a saber, quanto à questão da aplicação das leis no tempo. FUNDAMENTAÇÃO A matéria de facto provada essencial é a seguinte: a) No dia 16 de Março de 2006, pelas 17 horas e 15 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ES, na Avenida Frei Bartolomeu dos Mártires, nesta cidade de Braga, imprimindo ao dito veículo, pelo menos a velocidade de 92 Km/h, correspondente à velocidade de 97 Km/h registada, deduzido o erro máximo admissível. b) A via em causa (Av. Frei Bartolomeu dos Mártires), situa-se dentro da localidade de Braga e encontra-se rodeada de edificações e passeios de ambos os lados. c) Tem duas faixas de rodagem em cada sentido de marcha e em alguns locais três faixas de rodagem À data dos factos não havia qualquer sinal indicador (limitador) da velocidade instantânea máxima permitida no local. d) O arguido procedeu de imediato ao pagamento voluntário da respectiva coima, no montante de 300 € (trezentos euros); e) Actualmente, já depois da data supra referida no ponto 1., a cerca de uma centena de metros antes do local supra referido em 1., foi colocada sinalização vertical onde se limita a velocidade instantânea a 70 Km/hora. f) O arguido não tem averbado no seu registo individual de condutor a prática de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave. g) É condutor habitualmente prudente, que necessita de conduzir diariamente veículo automóvel, por força da sua vida profissional e familiar. * FACTOS NÃO PROVADOSNão se apuraram os demais factos constantes do requerimento de recurso que não tenham sido supra referidos ou que com eles estejam em contradição, designadamente: Que há altura dos factos, a via possuísse um separador central entre as várias faixas de rodagem de cada sentido. Não possuindo cruzamentos de nível, nem deitando directamente para essa avenida quaisquer saídas de peões, sendo reservada apenas ao trânsito de veículos automóveis. Fazendo-se a travessia de peões obrigatoriamente por passagens desniveladas próprias para o efeito. *** O ora relator foi-o também no processo citado pelo Ilustre Procurador Geral-Adjunto, mantendo integralmente a posição ali assumida, mas salientando-se que no caso destes autos a questão da aplicação das leis no tempo já foi suscitada e apreciada na 1ª instância e, sobre ela, tem que se dizer que assiste plena razão ao recorrente.É ponto assente - é, aliás, facto notório para quem viva ou trabalhe em Braga - que, neste momento, a punição do excesso de velocidade no local em questão só ocorre acima dos 70 kms/hora. Tratou-se de modificação da lei, atendendo, por certo, às condições da via (cf. as fotografias juntas), e de forma a beneficiar o tráfego. Com efeito, a essa modificação não terá sido estranha a patente desconformidade entre qualidade da via e o limite até há pouco considerado - 50 hms/hora - e também terá pesado o excessivo número de pessoas autuadas, o que redundaria em patente injustiça. A velocidade máxima permitida no local em questão era de 50 Kms/hora, por virtude de ser considerada via urbana, mas a verdade é que, como é facto notório e se vê dos documentos juntos, se trata de: - uma via dupla; - com 3 (três!!!) faixas de rodagem em cada sentido; - com as vias divididas por separador de segurança; - com bermas de cerca de 1,5 m e passeios de cerca de 2 m; e - sem passadeiras de peões, que dispõem de passagens desniveladas. Tal via, como outras iguais noutras cidades, tem a específica função de tornar mais fácil e fluida a circulação, nomeadamente esvaziando o trânsito do centro da cidade e permitindo, atentas todas as características assinaladas, que, sem qualquer perigo, se circule a velocidade sensivelmente superior aos 50 kms/hora, sob pena de se anularem os efeitos pretendidos com a existência de tais vias, que são, aliás, conhecidas e designadas pelas pessoas como vias rápidas ou vias de cintura interna (VCIs). Acresce que ali, como, afinal, em qualquer outro local, as velocidades definidas por lei, por razões óbvias, são alheias à realidade, constituindo meras indicações referenciais para efeitos administrativos (contra-ordenacionais), pois, em termos ideais, carece o legislador de fixar determinados limites, sabendo-se que, regra geral, em vias como a que aqui está em causa, ninguém respeita o limite de 50 kms/hora em absoluto, sob pena de paralisação do tráfego. Naquela via em concreto - bem como em todas as de iguais características - todos os condutores beneficiam das assinaladas condições e, naturalmente, conduzem em conformidade com as mesmas, ocorrendo imediatos engarrafamentos de trânsito se, por todos, fosse cumprido o limite de 50 kms/hora. Uma coisa é circular numa estrada normal, com 5 ou 6 metros de largura (ou menos!), ladeada de casas, interceptada por passadeiras de peões e cruzamentos e entroncamentos, com piso irregular e com bermas de meio metro (ou sem bermas, como há tantas!) e outra, totalmente diferente, é conduzir numa via com as condições resumidas da aqui em causa e com as indicadas finalidades de escoamento e fluidez de trânsito, que possuem características de maior segurança do que as estradas onde o limite é de 90 kms/hora. Quer-se com tudo isto dizer que é para aquelas vias reduzidas e de precárias condições que o legislador estabelece, por imediatas e compreensíveis razões de segurança, o limite adequado de 50 kms/hora, sendo incompreensível que nas vias urbanas, sem atravessamento pedonal, e com todas as condições de segurança, se imponha este limite. Por outras palavras, neste último caso, o Direito não se realiza, pois a norma está desfasada da realidade e os seus fins não são preenchidos, por não se verificarem os perigos que ela visa proteger com um limite de velocidade de 50kms/hora, adequando-se as condições de segurança da via a velocidades superiores e mais conformes com a realidade. Aliás, deve notar-se que as próprias autoridades fiscalizadoras reconhecem que essas vias têm condições para se circular a velocidade superior aos 50 kms/hora, pois até ajustam os aparelhos medidores para apenas serem accionados acima dos 80 kms/hora, ou seja, concedendo uma tolerância de, pelo menos, 30 kms/hora. Foi tudo isto, por certo, que o legislador procedeu à reconhecida modificação da lei, pois de lei, em todos os sentidos, se trata, como veremos. A norma essencial a atender é a do artº 27º, nº 1 do Código da Estrada, que, sob a epígrafe “Limites gerais de velocidade”, estipula o seguinte: Sem prejuízo do disposto nos artigos 24.º e 25.º e de limites inferiores que lhes sejam impostos, os condutores não podem exceder as seguintes velocidades instantâneas (em quilómetros/hora): (…) Localidades …… 50 Esta norma, que tem outras conexas - É o caso do artº 28º que diz o seguinte: Limites especiais de velocidade 1 - Sempre que a intensidade do trânsito ou as características das vias o aconselhem podem ser fixados, para vigorar em certas vias, troços de via ou períodos: (…) b) Limites máximos de velocidade instantânea inferiores ou superiores aos estabelecidos no n.º 1 do artigo anterior. 2 - Os limites referidos no número anterior devem ser sinalizados… , só se completa se houver a respectiva sinalização, em especial a das placas dos limites que o legislador entender e que mais não são, cada uma com cada limite, do que a forma exterior pública do conteúdo do tipo legal. Assim, se o legislador, ao abrigo do disposto no artº 28º, nº 1, al. b) do C.E., entender fixar o limite máximo de velocidade em 70 kms/hora num local em que, até então, esse limite era de 50 kms/hora (bastava tratar-se de localidade - cf. artº 1º, al. j) - para funcionar o limite do artº 27º do C.E.), está a modificar a lei, ou seja, o tipo legal respectivo, substituindo o limite geral por um limite especial e, por isso, ficando lícito um excesso de 20 kms/hora que até ali era ilícito - Do mesmo modo, por exemplo, se o legislador considerasse sob influência de álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,6 g/l, todos aqueles condutores que tivessem até então sido detectados com 0,5 g/l viam as suas condutas cobertas pela licitude ao abrigo da aplicação da lei mais favorável.. E é exactamente por isto que a sobredita alteração tem que relevar, quando for o caso, para efeitos de aplicação da lei no tempo. Sobre este tema, estabelece o artº 3º do RGCO que: 1 - A coima é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende. 2 - Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se já tiver transitado em julgado a decisão da autoridade administrativa ou do tribunal. No caso destes autos, repete-se, é inquestionável que no local da infracção se pode hoje circular até 70 kms/hora e que a via mantém as mesmas características e a sua natureza de urbana. Como diz o recorrente, as regras estradais por natureza ou definição, e concretamente os limites gerais de velocidade do artº 27 do Código da Estrada tal como se apresenta no caso concreto, não são normas temporárias ou dependentes de certo condicionalismo, mas antes são leis ou normas que por concepção são revogadas e alteradas por sucessão de outra lei no tempo. Assim sendo, a lei actual é mais favorável ao arguido, passando o excesso a ser apenas de 22 kms/hora e a contra-ordenação a ser qualificada como grave, passível de ser sancionada apenas com a coima mínima de € 120,00 e sendo a inibição de um mês a um ano. * Sobre a questão dos efeitos do pagamento da coima, temos defendido que, apesar dele ocorrer voluntariamente, se poderia discutir a própria existência da contra-ordenação quando for aplicável uma sanção acessória.A questão está longe de ser pacífica, sobretudo se, numa leitura menos integrada, se considerar que as alternativas, a do pagamento imediato ou a do depósito de garantia, são livremente eleitas e aceites pelos condutores, e se concluir que, se quiserem vir a discutir a gravidade da infracção e a sanção acessória aplicável, também podem discutir a materialidade da mesma. Convém, por isso, tentar definir melhor as coisas. Com exclusão dos sublinhados, diz-se no artº 173º do Código da Estrada: Garantia de cumprimento 1 - O pagamento voluntário da coima deve ser efectuado no acto da verificação da contra-ordenação. 2 - Se o infractor não pretender efectuar o pagamento voluntário imediato da coima, deve prestar depósito, também imediatamente, de valor igual ao mínimo da coima prevista para a contra-ordenação praticada. 3 - O depósito referido no número anterior destina-se a garantir o cumprimento da coima em que o infractor possa vir a ser condenado, sendo devolvido se não houver lugar a condenação. A melhor leitura destes preceitos parece sugerir, de facto, que os autuados são livres de escolher uma das modalidades previstas e de que, aliás, o modelo de auto (cf. fls. 5 vº) dá esclarecimento bastante (ainda que não totalmente claro), não valendo a invocação da falta de comunicação ou o desconhecimento da lei. Quanto às consequências da prossecução do processo é que, parece-nos, importa esclarecê-las, o que só pode ser feito através da interpretação das regras sobre o pagamento voluntário, em especial do disposto no nº 4 do artº 175º, que diz o seguinte: O pagamento voluntário da coima não impede o arguido de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável. Há que se notar que, para os casos em que o autuado não é de imediato identificado e notificado, vale o disposto no artº 172.º, que estipula assim: Cumprimento voluntário 1 - É admitido o pagamento voluntário da coima, pelo mínimo, nos termos e com os efeitos estabelecidos nos números seguintes. 2 - A opção de pagamento pelo mínimo e sem acréscimo de custas deve verificar-se no prazo de 15 dias úteis a contar da notificação para o efeito. (…) 4 - Em qualquer altura do processo, mas sempre antes da decisão, pode ainda o arguido optar pelo pagamento voluntário da coima, a qual, neste caso, é liquidada pelo mínimo, sem prejuízo das custas que forem devidas. 5 - O pagamento voluntário da coima nos termos dos números anteriores determina o arquivamento do processo, salvo se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que prossegue restrito à aplicação da mesma. Segue-se, então, que temos na lei dois regimes diferentes para duas idênticas situações: numa, o autuado não foi identificado e, por isso, não pode escolher pagar ou fazer depósito, instaurando-se o respectivo processo e dando-se-lhe apenas a faculdade de pagamento voluntário posterior, com possibilidade de discussão restrita à aplicação da sanção acessória; na outra, o autuado está presente e, por isso, pode escolher pagar ou fazer depósito, subordinando-se então à possibilidade de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável. Como parece fácil de intuir, os dois regimes, afinal, para idênticas situações, e com as mesmas finalidades, são incongruentes, a não ser que se entendesse que em ambos era possível vir a discutir-se a materialidade da infracção com toda a amplitude, o que parece ser expressamente contrário à letra da lei, pois em ambos os regimes se põem restrições ao âmbito da acção processual após o pagamento. Vejamos em pormenor. No caso artº 172º, o condutor não é posteriormente à infracção notificado para, querendo, efectuar depósito porque só paga se quiser e, se não o fizer, pode impugnar tanto a coima como a sanção. Se pagar, parece que não pode discutir a essência da infracção, pois se diz que o processo prossegue restrito (isto é, limitado) à aplicação da mesma, ou seja, deve entender-se que, ao pagar de livre vontade, irá apenas discutir o âmbito da sanção acessória, isto é, a sua duração e condições (suspensa ou não). Neste caso, tudo indica que o autuado se conforma com a natureza da infracção, grave ou muito grave (o legislador, que é o mesmo do artº 175º, estranhamente, não incluiu aqui a faculdade de discussão da gravidade), incluindo com as consequências disso no seu registo de condutor e, assim sendo, também não poderá reaver qualquer quantia ou diferencial do que tiver pago. No caso do artº 175º, se, como se disse, o autuado escolheu uma das modalidades ao seu alcance e elegeu a do pagamento, então apenas poderá apresentar a sua defesa, restrita (isto é, limitada) à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável. Quer dizer, neste caso, e tendo pago por querer, tal como no caso anterior, não podendo também reaver qualquer quantia ou diferencial, pode discutir duas coisas: a gravidade da infracção e a sanção acessória aplicável, como resulta da copulativa sublinhada. Deste modo, à identidade de situações (aceita-se a diferença da existência das duas alternativas no caso do artº 175º porque, estando presente, o autuado ou paga ou garante) corresponde a incongruência de, tendo havido pagamento em qualquer dos casos, apenas no caso do artº 175º se poder ver reduzida uma infracção muito grave para grave (ou, pelos vistos, até para leve), com a consequência de relevo que é o registo do condutor. Apesar desta incongruência, esta leitura leva-nos a alterar a posição que vínhamos a assumir, aceitando que a intervenção posterior ao pagamento da coima é a que resulta do acima exposto para cada uma das situações analisadas. No caso presente, e como já se deixou insinuado, não pode aceitar-se que o pagamento seja entendido como depósito. Porém, como se decide valer a aplicação da lei mais favorável, é evidente que isso aproveita ao recorrente em termos da qualificação da infracção, que passa a ser apenas grave, cabendo-lhe a inibição de conduzir de um mês a um ano. E, ponderando, como se fez na decisão administrativa, que o recorrente não tem averbada a prática de qualquer infracção grave ou muito grave, ajusta-se a inibição por um período de 30 dias (já não há agora lugar à atenuação especial; cf. artº 140º do C.E.) e, pelos mesmos motivos e demais condições pessoais provadas (à semelhança, aliás, do que é prática corrente nas decisões administrativas), entende-se que também se justifica a suspensão da execução da sanção acessória pelo período de seis meses – cf. artº 141º, nºs 1 e 2 do C.E. * Por fim, o recorrente insurge-se contra o montante de 4 UC’s em que foi condenado na 1ª instância.A decisão em causa condenou o recorrente nas custas do processo, com taxa de justiça de 4 UC’s, sem que, de facto, se fundamentasse explicitamente esse montante. Ora, também aqui, se nos afigura assistir razão ao recorrente. Nos termos do artº 82º, nº 1 do Código das Custas Judiciais, a taxa de justiça variável é fixada pelo juiz em função da situação económica do devedor, da complexidade do processo ou da natureza manifestamente dilatória da questão incidental. E nos termos do artº 87º do mesmo Código, é fixada a taxa de justiça entre 2 e 20 UC’s nos recursos (ou impugnações judiciais) das decisões proferidas por autoridades administrativas em processo de contra-ordenação. Ora, considerando a situação económica conhecida do arguido (apenas resulta que é industrial do ramo têxtil; fls. 14), e a normalidade do processado, reputa-se como ajustada a taxa de justiça mínima, ou seja, de 2 UC’s, sem prejuízo dos eventuais efeitos naquela condenação da decisão final desta Relação, pois serão procedentes duas das três questões suscitadas. ACÓRDÃO Pelo exposto, acorda-se em se julgar o recurso parcialmente procedente, julgando-se o recorrente como autor de uma infracção ao disposto no artº 27º, nº 2, 2º e 145º, nº 1, al. c) do Código da Estrada, condenando-o na inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias, suspensa na sua execução pelo período de seis meses. Mais se decide alterar o montante da taxa de justiça da 1ª instância para 2 (duas) Uc’s, sem prejuízo dos efeitos naquela condenação da decisão final desta Relação. Custas da parte improcedente pelo recorrente, com taxa de justiça de 2 UC’s. * Guimarães, 6 de Fevereiro de 2008 |