Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
72/14.0JAPRT-A.G1
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: CÚMULO JURÍDICO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
MEIOS PROBATÓRIOS PRODUZIDOS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) O dever de fundamentação não impõe que o tribunal se pronuncie sobre todos os meios probatórios produzidos, solicitados oficiosamente ou requeridos pelos sujeitos processuais, mas apenas sobre aqueles de que se serviu para fundamentar a sua convicção a respeito dos factos provados e não provados e que foram os alegados pela acusação, pela defesa, pelo demandante e demandado, em sede de dedução do pedido de indemnização civil, e ainda os resultantes da decisão da causa.

II) Não tem, pois, o tribunal de tomar posição individualizada sobre cada uma dos meios probatórios juntos aos autos, mas apenas sobre aqueles que se mostrem de relevo para os factos alegados ou resultantes da discussão da causa que o tribunal considerou com interesse para a decisão da causa.
Decisão Texto Integral:
Desembargadora Relatora: Cândida Martinho
Desembargador Adjunto: António Teixeira

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

1.
No processo comum coletivo 72/14.0JAPRT 9/15.0ZRBRG que corre termos no Tribunal da Comarca de Braga - Juízo Central Criminal de Guimarães - realizada a audiência com vista à efectivação do cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido no âmbito dos presentes autos com aquelas que lhe foram aplicadas no processo comum colectivo 203/12.5JBLSB, foi proferido acórdão cumulatório, de acordo com o qual o arguido P. M., foi condenado na pena única de 14 anos de prisão.

2.
Não se conformando com essa condenação, o arguido recorreu do acórdão extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:

«1.
O processo n.º 72/14.0JAPRT foi extraído, mediante o expediente de separação processual,atentos os prazos previstos nos artigos215ºe276ºdoCódigodeProcesso Penal, do processo n.º 203/12.5JBLSB, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Évora, na (então) Instância Central – Secção Cível e Criminal de Évora – J3, com acórdão proferido em 10 de Abril de 2015 e transitado em 9 de Maio de 2016.
2.
Independentemente da compreensível ânsia em ver a sua situação jurídico-penal definida em Portugal, certo é que o Arguido, ora recorrente, não se pode conformar com odecidido,e comodecidido,peloacórdão cumulatórioproferido em 10deAbril de 2019 e de que o ora recorrente foi notificado em 5 de Junho de 2019, e de que resultou lhe ter sido aplicada pelo Tribunal ora recorrido uma pena única de 14 (catorze) anos de prisão efectiva.
3.
O Arguido, ora recorrente, impugna quanto o Tribunal a quo deu como provado no ponto C. dos Factos Provados (item I do Acórdão recorrido), não só porque não foi acusado, muito menos julgado e condenado por cinco crimes de falsificação de “atas”, como ali se dá por assente, como também porque incorreu o Tribunal recorrido em erro, por excesso, quanto às medidas concretas das penas parcelares em concurso que ali dá por provadas, e que, após, veio, também por manifesto erro, a considerar ao estabelecer a moldura penal do concurso e, bem assim, para efeitos e em sede de pena única que entendeu e decidiu aplicar ao Arguido, ora recorrente.
4.
Ao ter omitido pronúncia sobre elementos de prova, demonstrativos de factos relevantes para a aplicação e a determinação da medida da pena única, cuja junção aos autos foi admitida por despacho de 21 de Março de 2019, incorreu o Tribunal a quo em violação do disposto nos artigos 97º, n.º 5, e 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal, bem como do consagrado no artigo 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, sendo a decisão nula ao abrigo do artigo 379º, n.º 1, alínea c) e também alínea a), do Código de Processo Penal.
5.
Ainda que possam V. Ex.ªs entender não se estar perante nulidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo ao abrigo do artigo 379º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, sempre se estará perante vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal, atenta a desconsideração pelo Tribunal recorrido de factos e elementos de prova relevantes para aquela sua decisão.
6.
OTribunalaquorefere,arespeitodamoldurapenaldoconcursoqueolimitemínimo a considerar é de 6 (seis) anos de prisão efectiva e, com erro patente no acórdão recorrido, que o limite máximo é de 50 (cinquenta) anos de prisão, quando, mesmo quesecingindo,àreveliadaleiedoqueéperfilhadonaDoutrinaenaJurisprudência, à soma, sem mais, das penas parcelares concretamente aplicadas enquanto limite máximo da pena aplicável, essa coma tem como resultado 43 (quarenta e três) anos e 9 (nove (nove) meses de prisão.

7.
Incorreu o Tribunal a quo em violação, por incorrectas interpretação e aplicação no acórdão recorrido, do disposto no artigo 77º, n.º 2, do Código Penal, bem como de quanto, em devida articulação com aquele preceito legal, se prevê nos artigos 41º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, ao referir e estabelecer, sem mais, que o limite máximo da moldura penal do concurso corresponde à soma das concretas penas parcelares, quando, em devida aplicação do expressamente determinado no próprio artigo 77º, n.º 2, do Código Penal, o limite máximo da moldura penal da pena aplicável (qualquer que venha a ser depois a pena aplicada de entre os limites mínimo e máximo) não pode ultrapassar os 25 anos de prisão.

8.
Todos os factos (ilícitos) concorrentes e aqui em apreço foram praticados há mais de 5 (cinco) anos e 5 (cinco) meses atrás, sendo indubitável a relação e a conexão entre os mesmos, direccionados contra o património e num modus operandi idêntico, caracterizado por uma atitude tranquila e tranquilizadora, cordial e educada mesmo - como dito e atestado por todas as testemunhas, inclusivamente as que foram consideradas vítimas da prática de sequestro por ali terem permanecido enquanto foram executados os assaltos e até à sua consumação, em curto espaço temporal.
9.
Como dito no Acórdão de 21 de Abril de 2016 do Supremo Tribunal de Justiça, proferidonoâmbitodoprocesson.º203/12.5JBLSBeincidentesobre alargamaioria dos delitos ora em concurso (31 do total de 39 delitos), para além dos 3 crimes de roubo das agências bancárias, “A prática de todos os outros crimes” estavam “em estreita conexão com aqueles, destinados uns a facilitá-los, outros a dificultar a identificação dos recorrentes como seus autores” (p. 56), o mesmo se passando com os remanescentes 8 crimes ora também em concurso, pelos quais o ora recorrente veio a ser julgado, por força de separação processual, no âmbito do processo n.º 72/14.0JAPRT, evidenciando-se a exacta mesma conexão dos demais 7 delitos ao crime, objectivo primeiro e último dos dois arguidos, de roubo da agência bancária do Banco ..., ou seja, a afronta ao património desta agência, enquanto bem (patrimonial) juridicamente protegido.

10.
Contrariamente ao que foi entendido pelo Tribunal a quo, o ilícito global, circunscrito a um espaço temporal de apenas cerca de 1 (um) ano e em que se evidencia, em todos os delitos, o objectivo primeiro e último do roubo das quatro agências bancárias, ou seja, a lesão do património enquanto bem juridicamente protegido, por parte do recorrente, que nem antecedentes criminais anteriores tinha, conduz, com justeza, a uma conclusão no sentido de uma “determinação pluriocasional dasuaactividadecriminosa”,sem queexistafundamentoconsistente para que se possa, na “inter-relação entre os factos e a personalidade do arguido”, concluir por uma propensão, muito menos “bastante” como dito no acórdão recorrido, para a delinquência.
11.
Tal como consideraram o Tribunal da Relação de Évora e o Supremo Tribunal de Justiça com respeito a 31 dos 39 delitos aqui em concurso, de forma alguma se poderá concluir por que o Arguido ora recorrente tem tendência para a prática de ilícitos ou actos criminosos, muito menos que vinha traçando e/ou perseguindo trajecto na sua vida dessa forma (nem antecedentes criminais tinha), antes se tendo reconduzido o ilícito global aqui em apreço a um período curto e excepcional na sua vida, em que, por força da situação de desemprego em que se encontrava, praticou, em co-autoria, factos tipificados como crime(s) e afrontosos, em primeira e primacial linha, de bens patrimoniais (dinheiro de quatro agências/instituições bancárias).
12.
Como é também entendido e referido na Jurisprudência, subjaz enquanto intençãolegislativa, e é de lógica e senso comuns atentos os factores que haverá que se considerar para determinar a medida justa da pena única, incluindo, e com particular importância, as exigências de prevenção especial, de ressocialização do agente, o tribunal competente para a realização do cúmulo jurídico é o da última condenação precisamente também porque se pretende seja a decisão pautada por actualidade e, comtanto,atendendoaoprópriopercurso,àposturaeàscondiçõesderessocialização actuais do Arguido.

13.
Importa também aqui levar à Vossa consideração não só o próprio tempo muito significativodecorridodesdeaprática dos delitosem concurso- há mais de 5(cinco) anos e quase 6 (seis) meses atrás - e o tempo igualmente muito significativo de reclusãodoArguidodesde6deFevereirode2014,comotambémaformadereclusão especialmente penosa a que o mesmo (contrariamente aos seus co-arguidos) foi sujeito durante 2.339 dias, mais de 5 anos (!), de forma manifestamente desumana, dita por especialista que de tortura, e sem que se vislumbre o que o possa ter justificado, até porque o Arguido nunca teve qualquer incidente ou infracção disciplinares.
14.
Por não ser, de forma alguma, despiciendo na ponderação do que foi já concreta advertência e punição, vivenciada de forma especialmente penosa pelo ora recorrente, permitimo-nos indagar se 1 dia, 1 mês, 1 ano de reclusão no regimedesegurançavivenciadopeloorarecorrentepodeservistoeponderadodamesmaforma que1dia,1mês,1anodereclusãoem regimecomum: aquantos dias,quantos meses, quantos anos corresponderão, na verdade e no que representaram de diferente e tortuoso,cadadia,cadamês,cadaanoem isolamento,afectoaregimedesegurança?!
15.
E, como resulta demonstrado, mesmo em tais circunstâncias e vivenciando a forma mais gravosa de reclusão, desumana mesmo, o Arguido comportou-se exemplarmente, pugnou por trabalhar e por se dedicar positivamente ao que podia e lhe era permitido no seu isolamento, manifestou e continua a manifestar postura e personalidade empenhadas em retomar a sua vida com a mesma honestidade, ora mais reforçada, por que era pautada antes de ter praticado os delitos numa fase e período delimitados, circunscritos a apenas cerca de 1 (um) ano.
16.
A pena única aplicada ao Arguido, ora recorrente, de 14 (catorze) anos de prisão revela-se manifestamente excessiva, desconforme aos factores que concretamente e na verdade são de atender no caso concreto, e, ademais, às próprias exigências actuais de prevenção especial, de ressocialização do recorrente, pelo que incorreu o Tribunal recorrido, na determinação da medida da pena, em incorrectas interpretação e aplicação de quanto se prevê nos artigos 77º, n.º 1, e 78º, n.ºs 1 e 2,bem como de quanto se 71º,nº1, do mesmo diploma legal (igualmente aplicável, sem prejuízo da proibição da dupla valoração)»

3.
A Ex.ma Procuradora-Adjunta na primeira instância respondeu ao recurso, considerando que as penas parcelares no acórdão quanto aos crimes de detenção de arma proibida, de resistência e coação sobre funcionário e de sequestro padecem de manifesto lapso, bem como a indicação ali efetuada quanto aos crimes de falsificação, atento o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora e o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (conforme certidão constante no Apenso 17)
Não obstante tal manifesto lapso, pugna no sentido de que atentas as penas parcelares em concurso, a pena única a aplicar continua a ter como limite mínimo a pena parcelar mais elevada – 6 anos – e o limite máximo legal de 25 anos, em conformidade com o disposto no artº77º, nº2 do Código Penal, uma vez que a soma das penas parcelares concretamente aplicadas aos vários crimes atinge 49 anos e 9 meses de prisão, pena essa que tendo sido fixada em 14 anos se afigura proporcional e adequada à ilicitude e culpa do arguido e às necessidades de prevenção geral e especial.
Conclui assim que o recurso deve ser julgado improcedente.

4.
Neste tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer e considerando assistir razão ao recorrente quanto ao invocado erro na indicação da epígrafe do ilícito relativo às apuradas falsificações e na consagração do “quantum” de algumas das penas parcelares, com reflexo na ponderação da soma das penas, pugnando, nesta parte, pela alteração/correção da mencionada epígrafe e da medida das penas parcelares nos termos do art. 380º,nº1,b) e 2, do C.P.P..
Já quanto a invocada omissão de pronúncia ou vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, bem como à excessividade da pena única, pugnou no sentido da improcedência do recurso.

5.
Cumprido o art. 417º,nº2, do C.P.P., o arguido não respondeu a esse parecer.

6.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º,nº3,al.c), do diploma citado.

II. Fundamentação

A) Delimitação do Objeto do Recurso

Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de Processo Penal, que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
O objeto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º,403º e 412º, do mesmo diploma citado - naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cf.Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, VolIII, 1994,pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009,pág.1027 a 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103).
O âmbito do recurso é dado, assim, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem, as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam.

No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

- Erro de julgamento quanto ao ponto I-C dos factos provados, na menção feita à condenação em «cinco crimes de falsificação de “atas”» e na indicação da medida das penas parcelares no que respeita aos crimes de detenção de arma proibida, resistência e coação sobre funcionário e a cada um dos dezassete crimes de sequestro.
- Nulidade do acórdão por Omissão de pronúncia quanto aos elementos documentais cuja junção foi admitida por despacho de 21 de março de 2019 ou vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
- Excessividade da pena única.

B) Do Acórdão Recorrido

Com vista a decidir as questões supra enunciadas, cumpre ter presente o seguinte teor da decisão recorrida:

«Nos presentes autos de Processo Comum Coletivo nº 72/14.0JAPRT, do Juízo Central Criminal de Guimarães, por decisão de 07/11/2018, transitada em julgado, foi o arguido P. M. condenado pela prática em Janeiro de 2014, em co-autoria, de um crime de roubo agravado à agência Banco ... p. e p. pelo art. 210º/1 e 2 b) do C.P., por referência ao disposto no art. 204º a) e g) do C.P., numa pena parcelar de 5 anos de prisão e, pela prática em co-autoria, de seis crimes de sequestro, na pessoa de cada um dos funcionários bancários J. M., J. C., M. R., C., e dos clientes bancários M. O. e António, nas penas parcelares de 10 meses de prisão, por cada um deles, e, ainda pela prática em co-autoria, de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º/1 e 3 do C.P., na pena parcelar de 8 meses de prisão e, em cúmulo, numa pena única de 7 (sete) anos de prisão;

B. Nestes autos, foram dados como provados, os seguintes factos:

1º - Os arguidos S. M. e P. M., juntamente com outro indivíduo, todos residentes na ilha de …, em França, constituíram um grupo com o objectivo de, para além do mais, obter dinheiro em instituições bancárias sedeadas em Portugal, as quais planearam assaltar, durante o respectivo horário de funcionamento, fazendo uso de armas de fogo, que utilizariam em caso de necessidade, contra quem – funcionário bancário, agente policial ou outro cidadão - resistisse às suas pretensões.
2º - Para dificultarem a respectiva identificação combinaram entre si utilizar máscaras e perucas, bem como veículos subtraídos aos respectivos proprietários, nos quais se encontravam apostas chapas de matrícula subtraídas de outras viaturas, ou viaturas alugadas com utilização de identidades falsas.
Nos presentes autos de Processo Comum Coletivo nº 72/14.0JAPRT, do Juízo Central Criminal de Guimarães, por decisão de 07/11/2018, transitada em julgado, foi o arguido P. M. condenado pela prática em Janeiro de 2014, em co-autoria, de um crime de roubo agravado à agência Banco ... p. e p. pelo art. 210º/1 e 2 b) do C.P., por referência ao disposto no art. 204º a) e g) do C.P., numa pena parcelar de 5 anos de prisão e, pela prática em co-autoria, de seis crimes de sequestro, na pessoa de cada um dos funcionários bancários J. M., J. C., M. R., C., e dos clientes bancários M. O. e António, nas penas parcelares de 10 meses de prisão, por cada um deles, e, ainda pela prática em co-autoria, de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º/1 e 3 do C.P., na pena parcelar de 8 meses de prisão e, em cúmulo, numa pena única de 7 (sete) anos de prisão;

B. Nestes autos, foram dados como provados, os seguintes factos:

1º - Os arguidos S. M. e P. M., juntamente com outro indivíduo, todos residentes na ilha de …, em França, constituíram um grupo com o objectivo de, para além do mais, obter dinheiro em instituições bancárias sedeadas em Portugal, as quais planearam assaltar, durante o respectivo horário de funcionamento, fazendo uso de armas de fogo, que utilizariam em caso de necessidade, contra quem – funcionário bancário, agente policial ou outro cidadão - resistisse às suas pretensões.
2º - Para dificultarem a respectiva identificação combinaram entre si utilizar máscaras e perucas, bem como veículos subtraídos aos respectivos proprietários, nos quais se encontravam apostas chapas de matrícula subtraídas de outras viaturas, ou viaturas alugadas com utilização de identidades falsas.
(…)

(NUIPC 72/14.0JAPRT)

24º - Meses mais tarde, em Janeiro de 2014, os arguidos P. M. e S. M. decidiram regressar a território português, para nova onda de assaltos a instituições bancárias, acabando por escolher, como zona de actuação, o norte do país.
25º - Para o efeito, entre os dias 14 e 15 de Janeiro de 2014 hospedaram-se no Hotel “...”, situado na Travessa …, no Porto, utilizando para se identificarem uma carta de condução com o número …, em nome de J. F., na qual se encontrava aposta a fotografia de S. M., e um bilhete de identidade francês, com o número …., em nome de V. A., no qual havia sido colocada a fotografia de P. M..
26º - Os arguidos apresentaram aqueles documentos não obstante saberem que a sua identidade não correspondia à constante dos mesmos, os quais se apresentavam adulterados, por retirada da fotografia original e inserção da dos arguidos. E fizeram-no com o propósito de não facultarem a sua verdadeira identificação, por saberem que a mesma iria ulteriormente ser facultada às autoridades policiais, pretendendo, assim, que a sua verdadeira identidade não viesse a ser confirmada. Sabiam, ainda, que dessa forma punham em crise a fé pública inerente à função daqueles documentos.
27º - No dia 16 de Janeiro de 2014, no período compreendido entre as 09h15 e as 09h40, em execução do plano delineado entre ambos, os arguidos P. M. e S. M. dirigiram-se à dependência bancária do Banco ..., situada na Rua …, nº .., em Guimarães, com o propósito de fazerem suas quaisquer quantias monetárias ali existentes e que pudessem retirar e levar consigo, por via da intimidação dos que ali viessem a encontrar, através da exibição de objectos semelhantes a armas de fogo, do tipo pistola, de médias dimensões, que levavam para o efeito.
28º - Uma vez no interior da agência bancária, onde se encontravam os funcionários J. M., assistente comercial, J. P., gestor de cliente, M. C., gestora de cliente, e M. R., sub-directora, e um cliente, A. C., o arguido P. M. empunhou um objeto semelhante a uma arma de fogo que trazia consigo e apontou-a ao funcionário J. M..
29º - Também o arguido S. M. exibiu um objeto semelhante a uma arma de fogo, que guardava na cintura, sob o casaco que envergava, aos presentes que abordou.
30º -Na ocasião os arguidos P. M. e S. M. traziam colocados óculos, perucas e dentaduras postiças, com o fito de dificultarem a respectiva identificação.
31º - O arguido S. M. tinha, ainda, o rosto pintado com uma substância preta, para disfarçar a tonalidade da tez do rosto.
32º - Assim, enquanto o arguido P. M. se manteve junto da porta de entrada do banco com o funcionário J. M., vigiando a aproximação de algum transeunte e controlando e impedindo eventuais saídas, o arguido S. M. juntou os demais funcionários e cliente e reuniu-os junto da zona de atendimento mais afastada da porta de entrada, dizendo-lhes para ali permanecerem com as mãos visíveis.
33º - De seguida, o arguido S. M. recolheu o dinheiro que se encontrava nas caixas do balcão de atendimento, acondicionando-o num saco preto de nylon que havia trazido consigo, e pediu ao funcionário J. M., que ainda se encontrava na mesa de caixa mais próxima da porta de entrada, sob o olhar vigilante do arguido P. M., para lhe abrir o cofre ali existente, equipado com sistema de abertura retardada.
34º - Uma vez aberto o cofre e após recolher o dinheiro ali acondicionado, o arguido S. M. acercou-se da funcionária M. R. e disse-lhe para o acompanhar ao cofre-forte.
35º - Enquanto aguardava pela abertura do cofre-forte, também com sistema de abertura retardada, o arguido S. M. voltou à zona pública da dependência e, desta feita, disse ao funcionário J. P. para lhe abrir a caixa multibanco ali existente.
36º - A caixa multibanco também possuía sistema de abertura retardada, sendo que enquanto aguardavam pela abertura da mesma, um novo cliente, M. O., entrou na dependência, com a anuência do arguido P. M., sendo orientado por este arguido para permanecer imóvel, com as mãos sobre o balcão de atendimento.
37º - O arguido P. M. também exibiu a este cliente um objeto semelhante a uma arma de fogo que trazia consigo, preso na zona da cintura.
38º - Uma vez abertos o cofre-forte e a caixa multibanco, o arguido S. M. recolheu o dinheiro que se encontrava no interior daqueles.
39º - Assim, após se apoderarem de € 82.185,00 (oitenta e dois mil, cento e oitenta e cinco euros), de USD 8.100 (oito mil e cem dólares americanos), de 3.000 (três mil) ienes japoneses e de 1 (uma) nota “isco” de 100 (cem) dólares canadianos, com o número de série EKN1746548, os arguidos P. M. e S. M. conduziram os quatro funcionários e os dois clientes para a copa da agência, deram expressas instruções para não se fazerem acompanhar de telemóveis, fecharam a respectiva porta à chave, ordenando-lhes que assim permanecessem durante 15 minutos, privando-os da sua liberdade, contra as respectivas vontades, de molde a poderem abandonar o local com maior segurança.
40º - Assustados com aquela atitude e temendo pela sua vida e segurança, os ofendidos obedeceram à ordem dos arguidos e deixaram-se conduzir para o interior daquela copa, aí permanecendo sem qualquer reação, pelo período ordenado.
41º - Antes de abandonarem a dependência bancária e com o fito de obviarem a uma sua possível identificação, os arguidos ainda retiraram do local onde se encontrava o gravador de imagens do sistema de videovigilância daquela dependência bancária, levando-o consigo.
42º - Assim agindo os arguidos fizeram seus aqueles quantitativos monetários e gravador de imagens, como pretendiam, muito embora soubessem que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade da ofendida “Banco ...”.
43º - Os arguidos actuaram em conjugação de esforços, na sequência de prévia combinação entre si, visando a apropriação de todos os valores existentes no interior da citada agência de Guimarães do Banco ….
44º - Para concretizarem aqueles intentos, privaram os ofendidos da respectiva liberdade, mantendo-os no interior da copa da dependência bancária, cientes de que agiam contra a vontade dos mesmos e que, dessa forma, os cerceavam da respectiva liberdade de movimentação, os quais só se conseguiram libertar porque um dos clientes, desrespeitando as ordens expressas dos assaltantes, inadvertidamente tinha levado consigo um telemóvel no bolso.
45º - Mais, ao exibirem os objectos semelhantes a armas de fogo que transportavam, sabiam os arguidos que dessa forma causavam aos ofendidos um estado de profundo medo e perturbação, que os levou a aceitar e obedecer às suas exigências.
46º - No dia seguinte, - de Janeiro de 2014, pelas 11h30, quando os arguidos P. M. e S. M. circulavam no interior da viatura Audi, modelo A1, de cor preta, com a matrícula … (subtraída em …, França), pela Auto-Estrada A9, no sentido Espanha/França, foram mandados parar por uma Brigada das Alfândegas de Le Perthus – França, que controlava a fronteira, junto à portagem de Perpignan Sud. 47º - Ao lhes ser solicitada a respectiva identificação, o arguido S. M. exibiu a acima referenciada carta de condução em nome de J. F., na qual se encontrava aposta a fotografia do arguido S. M.; por seu turno, o arguido P. M. exibiu o já mencionado bilhete de identidade em nome de V. A., no qual havia sido colocada a fotografia do arguido P. M. (fls. 196 e 197 e 319 do Apenso 12).
48º - Suspeitando da autenticidade dos documentos exibidos, o agente policial que efectuava aquele controle informou P. M. e S. M. que iria verificar tais documentos, ficando estes a aguardar no interior da viatura, sob a vigilância de outros dois elementos da Brigada das Alfândegas.
49º - Receando uma possível detenção, os arguidos P. M. e S. M. não aguardaram pelo fim daquela verificação, abandonando o local na citada viatura A1, atropelando na fuga aqueles dois elementos da Brigada das Alfândegas.
50º - Esta abordagem efectuada pela Brigada das Alfândegas de Le Perthus foi objecto de investigação no processo número 14102D00145 do Tribunal de Grande Instância de Perpignan, França.
51º - O veículo da marca Audi, modelo A1, com a matrícula …, veio ulteriormente, ainda nesse dia, a ser localizado no município de …, em Espanha.
52º - No interior da viatura foram encontrados o gravador de imagens do sistema de videovigilância da dependência do Banco ... de Guimarães, os documentos de identificação (carta de condução e bilhete de identidade) acima referenciados, coletes à prova de bala, uma réplica de arma de fogo, inibidores de frequência rádio e GSM, perucas e dentaduras postiças, duas chapas de matrícula francesas, uma factura do Hotel “...” e um telemóvel com o IMEI … (fls. 202 a 238 do Apenso 12).
53º - No dia 18 de Janeiro de 2014, o arguido P. M. foi detido por elementos policiais franceses na berma da auto-estrada A9, na zona de Boulou, em França, junto à fronteira com a Espanha, quando por ali seguia apeado.
54º - Na sua posse foram encontrados € 33.285,00 (trinta e três mil, duzentos e oitenta e cinco euros), USD 4.100 (quatro mil e cem dólares) e 100 (cem) dólares canadianos (uma nota com o número de série EKN1746548), em notas.
55º - Algumas destas notas estavam cintadas com uma fita que tinha aposta a menção “Banco ... Guimarães”.
56º - Por seu turno, o arguido S. M. foi detido pelas autoridades francesas, em Lyon, em 7 de Maio de 2014.
57º - Na sequência da sua detenção foram efectuadas buscas ao apartamento por si ocupado, sendo encontradas e apreendidas 40 (quarenta) notas com o valor facial de USD 100 (cem dólares americanos) e 3.000 (três mil) Ienes, quantias estas correspondentes a parte da moeda estrangeira subtraída da agência do Banco ... de Guimarães, em 16 de Janeiro de 2014 (auto de fls. 328-vº e 329 do Apenso 13).
58º - Os arguidos S. M. e P. M. são oriundos da … e fazem do crime o seu modo de vida, actuando na sequência de plano previamente traçado com terceiros indivíduos, tendo sido intervenientes em mais roubos ocorridos em Portugal.
59º - Os arguidos não são portadores de título que os habilite a deter armas de fogo.
60º - Os arguidos agiram sempre deliberada, livre e conscientemente, sabendo que toda a sua descrita conduta era proibida e punível.

C. No processo Comum Coletivo nº 203/12.5JBLSB, do Juízo Central Criminal de Évora, J3, por decisão de 10/04/2015, transitada em 09/05/2016, foi o arguido condenado pela prática em 03/11/2012, 05/11/2012, 10/02/2013, 13/02/2013 e 14/02/2013, de cinco crimes de falsificação de atas, nas penas parcelares ( 9 meses + 9 meses + 9 meses + 9 meses + 10 meses de prisão), um crime de detenção de arma proibida ( na pena parcelar de 3 anos de prisão), um crime de resistência e coacção sobre funcionário ( na pena parcelar de 3 anos deprisão), quatro crimes de furto simples ( nas penas parcelares de 6 meses + 6 meses + 6 meses + 18 meses), três crimes de roubo qualificado ( nas penas parcelares de 6 anos de prisõ) e 17 crimes de sequestro ( nas penas parcelares de 6 meses de risão, por cada um dos 17 crimes), na pena única de 10 anos de prisão;
D. Nesse processo foram dados como provados os seguintes factos. (…)

II. Da reconstituição do grupo para actuar em Portugal:

10. Os arguidos S. M. e P. M., em data não determinada mas que se sabe ter sido durante o ano de 2012, constituíram de novo um grupo com o objectivo de, além do mais, obterem dinheiro através de assaltos a instituições bancárias em Portugal, mediante o uso de armas de fogo, com as quais intimidavam os funcionários e restantes pessoas que se encontrassem nas mesmas nomeadamente agentes policiais ou qualquer outra pessoa que resistisse às sua pretensões.
11. Para tal, seleccionaram as agências bancárias em Portugal que iriam assaltar e definiram que entrariam nas mesmas durante o horário de funcionamento, empunhando armas de fogo que para o efeito levariam consigo, dessa forma impedindo os funcionários e clientes que se encontrassem nas mesmas de se oporem à sua acção e pretensões, após o que obrigariam os funcionários a abrirem os cofres e a lhes entregarem todo o dinheiro que se encontrasse na agência.
12. Para impedirem as respectivas identificações pelos presentes e pelas autoridades policiais, combinaram utilizar máscaras e perucas, bem como veículos de que previamente se apoderariam contra a vontade dos respectivosproprietários e nos quais iriam colocar chapas de matrícula que, de igual forma, iriam subtrair de outras viaturas, contra as vontades dos respectivos proprietários.
13. Ficou acordado que, na execução de tais planos, os arguidos S. M. e P. M. entrariam nas agências bancárias, empunhando armas de fogo e retirariam o dinheiro.
14. Se os assaltos decorressem sem incidentes, depois de abandonarem as agências bancárias, os arguidos S. M. e P. M. de imediato se dirigiriam para o veículo que haviam previamente subtraído, com chapas de matrícula não verdadeiras, por forma a que fosse essa a viatura cujas características e elementos de identificação iriam ser fornecidas às autoridades policiais por eventuais testemunhas.
15. Depois de abandonarem o local e quando se encontrassem numa zona onde já não houvesse perigo de identificação, os arguidos S. M. e P. M. abandonariam a viatura por eles utilizada e eventualmente identificada por testemunhas.

III. Reinício da actividade criminosa em Portugal:

16. Em execução do plano descrito, os arguidos S. M. e P. M. levaram a cabo a prática dos seguintes factos:
17. Na execução de um plano comum, os arguidos P. M. e S. M. alugaram uma viatura automóvel da marca Peugeot, modelo 3008, cor cinzento-escuro, com a matrícula …, em nome do Bar "…", com sede em 1 O Rue …, França, pertença do seu compatriota D. P., o qual ficou a constar no contrato como condutor habitual do veículo.
18. Os arguidos P. M. e S. M. decidiram utilizar o contrato de aluguer em nome de D. P. para obterem os veículos referenciados nos autos.
19. O arguido P. M. trabalhava no bar "..." e foi ele que ficou na posse do veículo, que lhe foi entregue com 3.783 km.
20. Após tal data, os dois arguidos viajaram com a referida viatura, desde a cidade de Bastia, até Portugal, tendo depois devolvido a viatura no dia 26-11-2012, apresentando a mesma 11.459km, nas instalações da …car, sitas no Aeroporto de Bastia, tendo assim percorrido com o veículo 7.676Km.
21. Em Portugal, dirigiram-se para a zona de Estremoz, uma vez que haviam já seleccionado, como primeiro alvo da actividade projectada, a agência do Banco ..., sita na Avenida …, em Évora.
NUIPC 97/12.0GBETZ

22. Previamente, entre as 20h30m do dia 3 de Novembro de 2012 e as 08h00 do dia 4 de Novembro de 2012, os dois arguidos dirigiram-se à Urbanização …, em … - Estremoz, abeiraram-se do veículo da marca Renault, modelo Clio, de cor cinzenta, com matrícula ..., propriedade de I. M., e retiraram-lhe as chapas de matrícula, assim as fazendo suas, contra a vontade da sua proprietária.
23. De seguida, os dois arguidos colocaram as chapas de matrícula ... na viatura automóvel da marca Peugeot que haviam alugado em Bastia, em substituição das chapas de matrícula verdadeiras ..., passando a circular com o veículo assim identificado.
NUIPC 203/12.5JBLSB (AUTOS PRINCIPAIS)
24. No dia seguinte, 5 de Novembro de 2012, cerca das 09h24m, os dois arguidos dirigiram-se para a referida agência do Banco ... da Avenida …, em Évora.
25. Os arguidos S. M. e P. M. fizeram-se transportar na viatura de marca Peugeot 3008 alugada na Córsega, na qual mantinham colocadas as chapas de matrícula não verdadeiras …, pertencentes à viatura Renault Clio de I. M..
26. Os dois arguidos chegaram ao local pelas 09h45m do dia 5 de Novembro de 2012, tendo estacionado a referida viatura automóvel da marca Peugeot, com as chapas de matrícula não verdadeira ... nela apostas, numa zona suficientemente próxima e simultaneamente discreta - porque oculta do ângulo de visão da dita dependência bancária.
27. Os arguidos S. M. e P. M. saíram da viatura e entraram de imediato na referida agência bancária.
28. Envergavam fatos, máscara, perucas, óculos escuros e luvas e levaram, cada um deles, uma arma de fogo tipo pistola, as quais exibiram e apontaram aos funcionários e clientes ali presentes, desta forma criando neles a convicção e o receio de que os iriam ferir ou matar caso não lhes obedecessem e resistissem às suas pretensões.
29. No interior da agência, com as armas de fogo empunhadas em disposição de as utilizarem caso alguém lhes resistisse, os arguidos S. M. e P. M. ordenaram às pessoas que ali se encontravam: os funcionários C. O., gerente, J. N., sub-gerente, C. C., gestor de clientes, V. T., caixa, D. M., gestora de clientes, M. R., gestora de meios e aos clientes: Joaquim, M. J., J. D., F. G., L. A., C. N. e J. P., para que fossem para a zona de atendimento ao público, ordem que foi prontamente acatada, ficando todos vigiados de perto pelo arguido P. M..
30. Foram todas as vítimas sucessivamente conduzidas para a zona de atendimento ao público, sob ordens dos arguidos, os quais de imediato lhes exibiam as armas de fogo de que eram portadores, em disposição de as utilizar caso entendessem necessário, nomeadamente face a quem lhes pretendesse opor qualquer resistência.
31. Entretanto, o arguido S. M. apontou a arma de fogo que empunhava ao subgerente da agência bancária J. N. e obrigou-o a acompanhá-lo até todos os cofres existentes na agência (cofre, dispensador e cofre da ATM), ordenando-lhe que introduzisse os códigos necessários à sua abertura.
32. Por sentir receio que lhe fizessem mal e que a sua vida corria perigo, tal ordem foi efectivamente acatada pela vítima J. N., passados alguns minutos, após o que o arguido S. M. se apoderou do dinheiro ali existente, nos montantes de € 160.020,00 (cento e sessenta mil e vinte euros) em notas do Banco Central Europeu e £ 2.030 (duas mil e trinta Libras Esterlinas - Great British Pound - GBP), cujo contra valor em euros é de € 2.583,48 (dois mil quinhentos e oitenta e três euros e quarenta e oito euros), quantias estas que os dois arguidos fizeram suas.
33. Seguidamente, para acautelarem a sua fuga, os arguidos S. M. e P. M. retiraram temporariamente todos os telemóveis que se encontravam na posse dos funcionários e clientes presentes (em número total de treze) e conduziram-nos em seguida até ao interior das duas casas-debanho da agência bancária.
34. Fecharam as portas e deram ordens para que as vítimas não saíssem das casas de banho até que decorressem cinco minutos e, antes de saírem das instalações da agência bancária, deixaram os telemóveis em cima de uma das secretárias, apenas com a excepção de um deles, o qual fizeram seu, o de marca Nokia e modelo C2-01, com o IMEI … e cartão SIM com o número 9…, no valor de € 30,00 (trinta euros), pertencente ao Banco ....
35. Depois de saírem das instalações da agência bancária, os arguidos S. M. e P. M. regressaram à viatura automóvel da marca Peugeot, com as placas das matrículas falsas ... nela apostas.
36. Até que, em local não apurado, os arguidos S. M. e P. M. retiraram as chapas de matrícula não verdadeira com o ..., que tinham apostas na viatura de marca Peugeot, e recolocaram nesta as suas chapas de matrícula verdadeiras ..., após o que regressaram todos à cidade de Bastia - Córsega - França.
37. Nas circunstâncias ora descritas e tal como acordado entre todos, os arguidos utilizaram armas de fogo que exibiram aos funcionários e clientes do banco, por forma a incutirem-lhes o receio de que, caso tentassem fugir ou resistir, disparariam sobre eles e matá-los-iam ou feriam, no que aqueles acreditaram e só por essa razão não se opuseram à acção.
38. E obrigaram os treze funcionários e clientes que estavam e que entraram na agência a permanecer e, depois, a acompanhá-los e a ficarem fechados nas casas de banho, tudo contra a respectiva vontade, limitando-os na sua liberdade e impedindo, assim, todos eles de fugirem do local, desta forma os privando da sua liberdade.

IV – Novo regresso a Portugal:

39. Face ao bom resultado obtido com a acção levada a cabo em Portugal, os arguidos S. M. e P. M. mantiveram o propósito de voltar a este país, animados dos mesmos intuitos apropriativos e implementando o plano que já haviam delineado.
40. Assim, recorrendo a D. P. e aos contratos de aluguer por ele celebrados, os quais serviram para serem trocados vários veículos utilizados pelos dois arguidos, sempre em nome do cliente “ Bar ...", no dia 26 de Janeiro de 2013, no balcão da ....car no aeroporto de …, na …, França, S. M. e P. M. alugaram o veículo de marca Renault, modelo Scenic, com a matrícula ….
41. Nessa viatura iniciaram o seu regresso a território nacional e, no dia 10 de Fevereiro de 2013, reservaram, apenas por algumas horas, um quarto no hotel denominado "Paraíso de …" em … - já muito próximo da fronteira com Portugal, sob as identidades não verdadeiras de:
a) C. G., carta de identidade nº ..., nascido a -/06/1977, em Lyon, com residência na Avenue …, identidade que foi utilizada pelo arguido P. M..
b) M. M., carta de identidade nº …. nascido a -/05/1977, em Toulon, com residência na … identidade que foi utilizada pelo arguido S. M..
42. Nesse mesmo dia 10 de Fevereiro de 2013, pelas 12h20m, os dois arguidos tiveram um pequeno acidente de viação no cruzamento da Rua …, com a Rua …, em Faro – Portugal, no decurso do qual o arguido P. M. se identificou à PSP através da exibição de um bilhete de identidade não verdadeiro em nome de C. G., falsificado com a sua fotografia nele aposta.
43. Esta circunstância levou a que os arguidos S. M. e P. M. tivessem de se deslocar ao balcão da empresa ....car em Montenegro - Faro, para proceder à entrega da viatura acidentada, impossibilitada de circular, com vista a efectuar a respectiva troca, tendo-lhes sido entregue, nesse mesmo dia, a viatura da marca Mitsubishi, modelo Lancer, com a matrícula nº ..., com a qual passaram a circular.
44. Entretanto, os arguidos já haviam seleccionado uma outra agência bancária como seu alvo de acção e que se tratava da agência do Banco ..., sita na Avenida …, em Setúbal.
NUIPC 175/13.9PASNT e NPP 70023/2013.
45. Previamente à implementação do assalto, os arguidos S. M. e P. M., entre as 00h00 e as 06h00 do dia 13 de Fevereiro de 2013, dirigiram-se à Quinta …, em Évora, onde se abeiraram da viatura que ali se encontrava estacionada, de marca Opel, modelo Corsa, propriedade de ….
46. Retiraram da viatura e levaram consigo, fazendo-as suas contra a vontade do seu proprietário, as chapas de matrícula respectivas, com o nº ..., às quais não foi atribuído qualquer valor, mas cujo custo ronda os € 24,50 o par.
NUIPC 9/13.4GBFTR47.
Nesse mesmo dia, os arguidos P. M. e S. M. dirigiram-se à Rua …, na localidade de Fronteira, ali se abeirando da viatura que ali se encontrava estacionada, de marca Volkswagen, modelo A 3 Golf, de cor vermelha e matrícula …, com um valor estimado de € 700,00 (setecentos euros), pertencente a J. R..
48. Forçaram a fechadura de uma das portas da viatura por forma não apurada, abriram-na e entraram, após o que, depois de eliminarem o mecanismo de bloqueio da direcção, procederem à manipulação dos fios de ignição e direcção, vulgarmente designada por "ligação directa", puseram o motor a trabalhar e movimentaram-na do local, assim fazendo a viatura coisa sua, contra a vontade de J. R., seu proprietário.
49. De imediato, retiraram da viatura as suas chapas de matrícula e apuseram-lhe as referidas chapas de matrícula ..., pertencentes à viatura de D. C., retiradas nas circunstâncias descritas no artigo 46), passando a circular então com essas chapas de matrícula não verdadeiras na viatura de que se acabavam de apropriar.
NUIPC 175/13.9PASNT

50. Seguidamente, continuando a preparar o novo assalto, entre as 00h00m e as 0h00m do dia 14 de Fevereiro de 2013, os arguidos S. M. e P. M. dirigiram-se à Rua …, em Evoramonte, abeiraram-se da viatura que ali se encontrava estacionada, de marca Nissan, modelo Almera, de cor vermelha, propriedade de F. F., da qual retiraram e fizeram suas, contra a vontade do seu proprietário, as chapas de matrícula ..., às quais foi atribuído, pelo seu proprietário, o valor de € 20,00 (vinte euros).
51. Em acto contínuo, os dois arguidos colocaram na viatura Nissan Almera as chapas de matrícula não verdadeiras ... que já haviam colocado na viatura de marca Volkswagen, modelo Golf, de cor vermelha e propriedade de J. R..
NUIPC 28/13.0JBLSB

52. Pelas 09h08, do dia 14 de Fevereiro de 2013, no seguimento do projecto que haviam previamente delineado, os arguidos S. M. e P. M. dirigiram-se para a Agência Bancária do Banco ..., sito na Avenida …, em Setúbal.
53. Os arguidos S. M. e P. M. fizeram-se transportar na viatura automóvel da marca Volkswagen modelo Golf, de cor vermelha onde fixaram chapas de matrícula não verdadeiras com o nº ....
54. Envergavam máscaras, perucas, óculos escuros e luvas e na posse de duas pistolas de médias dimensões, uma da marca CZ com a inscrição "Made in Czech Republic CZ 75 B cal. 9 mm Luger" e uma outra com o número de série rasurado, com a inscrição “FT-MADE IN ITALV, cal. 9 mm Luger".
55. Os arguidos S. M. e P. M. chegaram às imediações das instalações Agência Bancária do Banco ... referida, tendo estacionado a viatura numa zona suficientemente próxima e simultaneamente discreta - porque oculta do ângulo de visão da dita dependência - após o que de imediato se apearam e seguiram em direcção à referida dependência.
56. Uma vez no interior da agência e num primeiro momento, os arguidos S. M. e P. M., valendo-se de armas de fogo que previamente exibiram, em disposição de as disparar caso lhes fosse oposta resistência, obrigaram dois clientes, A. P. e M. R., bem como duas funcionárias, A. B., assistente comercial e I. S., assistente de clientes, as quais se encontravam no interior da agência, a se deslocarem para a zona de atendimento ao público, onde permaneceram vigiados pelo arguido P. M., o qual ali os manteve retidos, contra as suas vontades.
57. Em simultâneo, o arguido S. M., sempre com as armas de fogo empunhadas, após ter sido confrontado com o facto de aquela agência só fazer atendimento e não ter serviço de caixa, ordenou à funcionária A. B. para acompanhá-lo até aos cofres das três máquinas de multibanco instaladas na agência e obrigou-a a introduzir os respectivos códigos e abrir os cofres das três máquinas de multibanco.
58. A funcionária sentiu que a sua vida estava em perigo e por receio de que pudesse ser alvo de tiros, acatou a ordem dada, pelo que abriu os cofres das três máquinas de multibanco, das quais os arguidos retiraram então todo o dinheiro que ali se encontrava, no montante de € 75.340,00 (setenta e cinco mil, trezentos e quarenta euros), em notas do Banco Central Europeu.
59. Seguidamente, para acautelarem a sua fuga, os arguidos S. M. e P. M. obrigaram os funcionários e os clientes a se deslocarem até ao interior da sala dos cofres das ATM's, após o que fecharam a porta, dando-lhes ordens para que estes não saíssem dali, ordem esta que foi prontamente acatada pelos funcionários e clientes, receosos que se encontravam de que os arguidos os ferissem ou matassem a tiro caso não obedecessem ou resistissem às suas pretensões.
60. Desta forma e contra as suas vontades, os funcionários e clientes referidos (em número de quatro) foram limitados na sua liberdade e obrigados a permanecerem no interior da agência cerca de catorze minutos.
61. De seguida, os arguidos S. M. e P. M. saíram da agência, regressando à viatura automóvel da marca Volkswagen, modelo Golf, na qual se haviam transportado, para, em seguida, cerca de 14 minutos depois de o assalto ter começado, abandonarem o local.
62. Desta forma, os arguidos S. M. e P. M. levaram consigo e fizeram sua, contra a vontade do seu proprietário, o Banco ..., a quantia, em dinheiro do Banco Central Europeu, no montante de € 75.340,00 (setenta e cinco mil, trezentos e quarenta euros).
63. O Banco ... e a “X – Companhia Portuguesa de Seguros, SA” celebraram contrato de seguro, titulado pela apólice nº RB64019306, na sequência do qual, com referência ao montante de € 75.340,00, o Banco … suportou um prejuízo de € 5.650,50 (franquia de 7,5%) e a X o valor remanescente (€ 69.689,50).
NUIPC 29/13.9JBLSB

64. No entanto, não tendo ficado satisfeitos com o montante de que se haviam apoderado em Setúbal, nos termos supra descritos, os arguidos S. M. e P. M., de imediato acordaram na realização de um novo assalto, pelo que se fizeram transportar para a cidade de Évora, onde chegaram cerca de 4 horas depois, pelas 12h40 do mesmo dia 14 de Fevereiro de 2013, fazendo-se transportar na mesma viatura.
65. Dirigiram-se então à Agência Bancária do Banco ..., sita na Urbanização …, em Évora, tendo os arguidos S. M. e P. M. estacionado a viatura da marca Volkswagen em que se transportavam numa zona suficientemente próxima e simultaneamente discreta -porque oculta do ângulo de visão da dita dependência.
66. Ali chegados, de imediato se apearam do veículo automóvel e seguiram em direcção às instalações da referida agência bancária.
67. Os arguidos S. M. e P. M., entraram na referida agência do Banco ..., envergando perucas e óculos escuros e valendo-se das armas de fogo que cada um empunhava e que apontaram às vítimas, obrigaram os oito clientes que já se encontravam no interior da agência e os que foram chegando à agência, sendo eles: A. A., S. V., Maria, C. T., F. F., J. Q., M. O. e L. G., bem como os quatro funcionários: Maria J., gerente, C. P., caixa, O. C., gestor de negócios, e F. C., assistente comercial, a se deslocarem para a zona de atendimento ao público, local este onde os retiveram, contra as suas vontades, sob a vigilância atenta do arguido P. M..
68. Em simultâneo, o arguido S. M., colocou uma máscara de borracha, de forma a ocultar-lhe o rosto, calçou luvas através da utilização da arma de fogo que empunhava, do tipo pistola, a qual exibiu, em disposição de a disparar contra quem resistisse às suas pretensões, obrigou duas funcionárias responsáveis pela abertura dos cofres Maria J. e C. P., a acompanhá-lo até aos cofres (dispensador de notas, cofreforte e cofre da ATM) para que estas introduzissem os códigos e accionassem os mecanismos necessários à abertura dos mesmos.
69. O que as mesmas acabaram por fazer, acatando tal ordem, por sentirem receio de que os arguidos as ferissem ou matassem a tiro, caso não obedecessem ou resistissem às suas pretensões.
70. Os arguidos S. M. e P. M. retiraram então, do interior dos cofres, a quantia, em dinheiro do Banco Central Europeu, de € 131.185,00 (cento e trinta e um mil, cento e oitenta e cinco euros), o qual fizeram seu, contra a vontade do seu proprietário, o Banco ....
71. Seguidamente, para acautelarem a sua fuga, os arguidos S. M. e P. M. conduziram os funcionários e os clientes até ao interior da sala do cofre da ATM e fecharam a porta, dando-lhes ordens para que não saíssem dali, sendo que já anteriormente lhes haviam retirado temporariamente todos os telemóveis que estavam na posse daqueles, pelo que, no total, os funcionários e clientes que se encontravam no interior da agência (em número de doze) permaneceram no interior da agência, contra as suas vontades e privados da sua liberdade, cerca de 20 minutos.
72. Uma testemunha fotografou a viatura automóvel da marca Volkswagen, modelo Golf, de cor vermelha, com matrículas não verdadeiras ..., estacionada nas proximidades.
73. Em seguida, os arguidos S. M. e P. M. regressaram à viatura automóvel da marca Volkswagen, modelo Golf, de cor vermelha com matrículas falsas ..., para em seguida abandonarem ambos o local, cerca de 20 minutos depois do assalto ter começado.
74. Cerca das 13h40, os arguidos S. M. e P. M. efectuaram uma paragem na Rua do … em Évora, junto à Rotunda …, apenas a cerca de 2 quilómetros da agência.
75. Nesta altura e com o intuito de sonegarem vestígios que os responsabilizassem, os dois arguidos destruíram por completo, depois de lhe atearem fogo, o veículo da marca Volkswagen, modelo Golf, com as matrículas não verdadeiras que lhe haviam aposto, com o nº ....
76. Em acto contínuo, os arguidos S. M. e P. M. retiraram-se do local na viatura automóvel de marca Mitsubishi, modelo Lancer, com a matrícula ..., em direcção a Espanha e com destino a França.
77. Logo após a consumação do assalto à agência do Banco ..., sita em Évora, foi solicitado aos militares da Guarda Nacional Republicana (GNR) que efectuassem um controlo apertado nas saídas da fronteira de Elvas/Caia, dada a sua proximidade com o local do último assalto e o elevado grau de probabilidade ser o local para onde os assaltantes se estariam a dirigir.
78. O veículo Mitsubishi, modelo Lancer, em que seguiam, pelo menos, duas pessoas, sendo uma delas o arguido P. M., foi detectado pela GNR de Elvas e o seu condutor desobedeceu a ordem de paragem para identificação dos ocupantes.
79. Com efeito, quando o Tenente G. e o Cabo F., militares da GNR que se encontravam a efectuar o controlo da fronteira de Elvas/Caía, no sentido Portugal/Espanha, detectaram e mandaram parar um veículo da marca Mitsubishi, modelo Lancer, de cor cinzenta, com as letras "GR" no centro das chapas de matrícula apostas, que inicialmente parecia ter apenas o condutor como ocupante, deram ordem para que desligassem o motor do veículo.
80. O condutor não acatou a ordem que recebeu, dando inclusivamente sinais ao nível do comportamento corporal que iria iniciar novamente a marcha, tendo sido detectado pela GNR, no interior do carro pelo menos mais um indivíduo que seguia deitado no banco traseiro, o qual empunhava uma arma de fogo.
81. O Cabo F. acabou por efectuar um primeiro disparo, com a caçadeira que empunhava e apontando a zona da porta do condutor, com o intuito de obrigar o condutor a imobilizar o veículo, tendo este se inclinado para o banco do pendura e iniciado a marcha do veículo acelerando a fundo, momento em que o Cabo F. efectuou um segundo disparo; contudo, os disparos não tiveram qualquer efeito intimidatório no condutor e no passageiro do veículo, porquanto a arma estava carregada com cartuchos com vagos de borracha.
82. A GNR moveu uma perseguição à viatura onde seguiam duas pessoas, sendo uma delas o arguido P. M., utilizando para o efeito o veículo policial com a matrícula GNRL-…, até à localidade espanhola de …, contando com a colaboração das autoridades espanholas, na Avenida de ….
83. Um dos ocupantes que seguia na viatura apontou a arma em direcção à viatura da Guarda, o que motivou, perante tal iminente ameaçar que fossem disparados 2 tiros de pistola "Glock" pelo TEN G., um para o ar e outro em direcção dos pneus da viatura em fuga.
84. A perseguição continuou até à localidade de "…", a cerca de 20Km.s de Badajoz, tendo o condutor do veículo perseguido, efectuado várias manobras perigosas, nomeadamente passagem de vários sinais vermelhos e abalroamento de alguns veículos, acabando mesmo por conseguir ganhar alguma distância e por despistar os militares que os perseguiam.
85. O veículo da marca Mitsubishi, modelo Lancer, foi depois abandonado, tendo sido localizado por elementos do Posto de … da Guardia Civil Espanhola, pelas 12h30 do dia 15 de Fevereiro de 2013, ao KM 5 da EX363, encontrando-se o veículo com as chapas de matrícula ... apostas e com marcas dos impactos resultantes dos disparos efectuados pela GNR durante a perseguição - impactos localizados na porta do condutor e na zona da cava da roda do mesmo lado.
86. O veículo foi transportado para o aquartelamento da Guardia Civil de …, em Badajoz, para ser submetido a exames.
87. No interior do veículo foram encontrados e apreendidos, entre outros, os seguintes bens:
a) Uma pistola, com o número de série rasurado mecanicamente, com a inscrição FT-MADE IN ITALY, calibre 9 mm, com carregador municiado com 19 munições G.F.L 9 mm- Luger;
b) Uma peruca; c) Uma máscara;
d) Uma dentadura postiça de plástico;

e) Duas malas com algumas roupas e produtos de higiene;

f) Diversas ferramentas (alicate e chaves de fendas) e bebidas (água, sumos, etc.);
g) Uma carta de identidade francesa em nome de C. G., com o número ...;
h) Um telemóvel da companhia francesa SFR; i) Um inibidor de frequências portátil e
j) Um rádio transceptor Motorola, modelo TLKR T8.

88. Foram recolhidos vestígios biológicos nos seguintes objectos encontrados no interior do veículo:
a) Num lenço de papel encontrado no porta-luvas central; b) Zaragatoa passada pelo cinto de segurança do co-piloto;
c) Blusão recolhido do tapete do banco traseiro do lado do condutor;

d) Escova de dentes eléctrica encontrada no interior de um saco mala no banco traseiro do condutor;
e) Três luvas, dentadura de borracha e máquina de barbear encontrados no referido saco;
f) Um gorro de lã encontrado no porta-bagagens, tudo na viatura Mitsubishi, com a matrícula portuguesa ...;
g) Zaragatoas passadas por uma lanterna (indícios Z. 1.4) e por uns óculos Boss (indicias Z.2. 1);
h) Zaragatoa passada na pistola Luger recolhida na quinta Aldea … (Km 376, A5) do município de … (…)." Nestes objectos foi obtido um mesmo perfil genético de indivíduo masculino, que foi denominado no exame como perfil Masculino 1.
89. Foram ainda recolhidos vestígios biológicos nos seguintes objectos encontrados no interior do veículo: vestígios biológicos nas zaragatoas passadas pelo puxador interior da porta do condutor, volante e alavanca de velocidades, na escova de dentes encontrada no porta-luvas do tablier, máscara de borracha e cachecol encontrados debaixo do banco do co-piloto, par de luvas encontradas na bolsa do banco do co-piloto, gorro de lã encontrado no interior de um saco mala no porta-bagagens, lâminas de barbear, auriculares, escova de dentes e tampões para os ouvidos encontrados no referido saco mala, das zaragatoas passadas pelos óculos Mare Jacobs (indícios Z.2.3), relógio "Lotus" (indícios2.5.5) e lâmina de uma máquina de barbear (indícios 2.5.6), tudo recolhido na referida viatura Mitsubishi …”.
Nestes objectos foi obtido um mesmo perfil genético de indivíduo masculino I que foi denominado no exame como perfil Masculino 2.
90. Dos resultados dos exames periciais efectuados ao ADN detectado nos referidos vestígios biológicos colhidos resultou ainda que:
“Obtiveram-se uma mistura de perfis genéticos com a qual, de entre os obtidos no presente relatório, apenas é compatível como contribuidor o Masculino 2, no cachecol encontrado debaixo do banco traseiro do co-piloto (mistura 1) da viatura Mitsubishi com matrícula portuguesa". “Obtiveram-se uma mistura de perfis genéticos com a qual, de entre os obtidos no presente relatório, apenas é compatível como contribuidor o Masculino 1 no blusão recolhido do tapete do banco traseiro do lado do condutor (mistura 2) da viatura Mitsubishi com matrícula portuguesa". “Obteve-se uma mistura de perfis genéticos com a qual são compatíveis como contribuintes o Masculino 1 e o Masculino 2 de zaragatoas passadas pela boca de uma garrafa de plástico -indicio Z.1.1- (Mistura 3)”.
91. Foram efectuadas zaragatoas bucais aos arguidos com o intuito de efectuar a comparação do perfil de ADN dos arguidos D. V. e P. M. com os dois perfis de ADN identificados nos vestígios biológicos recolhidos na inspecção efectuada ao veículo da marca Mitsubishi, modelo Lancer, com a matrícula ....
92. Realizados os respectivos exames periciais vieram os mesmos a concluir o seguinte:
“Não há identidade de polimorfismos da zaragatoa bucal recolhida a D. V. com o "varón 1" e o "varón 2" referidos nas páginas 10 e 12 do Il INFORME DE ENSAYO N.o 13/04346-01-81" do Departamento de Biologia do Serviço de Criminalística da Guarda Civil Espanhola".
“D. V. deverá ser excluído das "mezcla 1, mezcla 2 e mezcla 3" referidas nas páginas 11 e 12 do" INFORME DE ENSAYO N.o 13/04346-01-81" do Departamento de Biologia do Serviço de Criminalística da Guarda Civil Espanhola".
“Há identidade de polimorfismos da zaragatoa bucal recolhida a P. M. com o "perfil 1” referido na página 14 do “INFORME DE ENSAYO N. o 13/04346-01-B1" do Departamento de Biologia do Serviço de Criminalística da Guarda Civil Espanhola".
“P. M. não pode ser excluído como dador nas "mezcla 2" e mezcla 3", referidas, respectivamente, nas páginas 15 e 16 do “INFORME DE ENSAYO Nº 13/04346-01-BI" do Departamento de Biologia do Serviço de Criminalística da Guarda Civil Espanhola".
93. A máscara, peruca e cachecol apreendidos no interior do veículo da marca Mitsubishi, modelo Lancer, utilizado pelos dois arguidos, são iguais às peças de disfarce utilizadas por um dos assaltantes nos dois roubos ocorridos no dia 14 de Fevereiro de 2013, em Portugal - o roubo à agência do Banco ... de Setúbal (NUIPC 28/13.DJBL8B) e o roubo à agência do Banco ... de Évora -NUIPC 203/12.12.5JBLSB.
94. Na inspecção efectuada ao veículo da marca Mitsubishi, modelo Lancer, com a matrícula ..., foram também colhidos vários vestígios de impressões digitais, tendo sido confirmado que as impressões digitais colhidas na embalagem de iogurte correspondem às impressões digitais do arguido S. M., constantes da base de dados francesas.
95. Os arguidos S. M. e P. M. agiram sempre, em cada um dos momentos supra descritos, de forma deliberada, livre e consciente, de comum acordo e em comunhão de esforços, na execução de um plano comum a todos, com o intuito que em cada caso renovaram e em todos lograram alcançar de, pelo uso de armas e medo que com elas incutiram, retirar e fazer suas as quantias em dinheiro supra referidas, no valor total de € 370.128,48, bem sabendo que as mesmas não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e em prejuízo dos respectivos donos.
96. Ao utilizarem, nos momentos em que entraram nas instalações das referidas instituições bancárias e levaram a cabo os assaltos, armas de fogo que empunhavam em disposição de dispararem contra as pessoas que eventualmente lhes pretendesse opor qualquer tipo de resistência, incutiram, de facto, medo em todos os funcionários e clientes das mesmas instituições, quebrando, desta forma, a vontade de lhes opor resistência e levando a que todas as vítimas acatassem as suas ordens.
97. Os arguidos S. M. e P. M. também agiram de forma deliberada, livre e consciente, de comum acordo e em conjugação de esforços, na execução de um plano comum a todos e que em cada caso renovaram, de retirarem e fazerem suas, contra as vontades dos proprietários respectivos e bem sabendo que não lhes pertenciam, as chapas de matrículas e veículos supra identificados.
98. Agiram os dois arguidos, também, de forma deliberada, livre e consciente, de comum acordo e em comunhão de esforços, na execução de um plano comum a todos e que em cada caso renovaram, de obrigar todos os funcionários e clientes das agências bancárias a entrarem em compartimentos que fecharam, contra as vontades dos mesmos, impedindo-os de dali saírem, assim os mantendo presos, bem sabendo que dessa forma lhes retiravam a respectiva liberdade de locomoção.
99. Mais agiram os dois arguidos de forma deliberada, livre e consciente, de comum acordo e em comunhão de esforços, na execução de um plano comum a todos e que em cada caso renovaram e alcançaram de, nas circunstâncias supra descritas, substituírem as chapas de matrícula originais dos veículos por outras, com identificação diferente e que previamente haviam retirado de outras viaturas, por forma a fazer crer, a quem quer que as visse, de que se tratavam de chapas de matrícula com a identificação original, o que sabiam não ser verdade, bem sabendo de que se tratavam de elementos identificadores dos veículos e que dessa forma afectavam, como fizeram, a credibilidade e fé pública que tais elementos devem merecer das pessoas e do público em geral, bem sabendo os arguidos que os veículos automóveis só podem circular com os números de matrícula atribuídas em exclusivo pelas autoridades públicas competentes.
100. Pretenderam dessa forma utilizar as viaturas sem serem descobertos e dificultar a respectiva identificação e localização por parte das autoridades policiais, assim assegurando a eficácia da sua fuga, bem sabendo que é proibido circular com veículos em tais condições.
101. Os arguidos não são titulares de qualquer documento ou título que os habilite a deter seu poder e nas condições supra descritas, as armas de fogo utilizadas no decurso dos assaltos, as quais adquiriram em circunstâncias não apuradas, bem sabendo que em tais circunstancias a posse e utilização de tais armas era proibida e punida por lei penal.
102. As condutas supra descritas, adoptadas pelo arguido S. M. são idênticas àquelas pelas quais este arguido foi julgado e condenado no Proc. nº 1083/03.7PBVIS, tendo sido executadas de forma essencialmente idêntica.
103. Por sua vez, arguido P. M., identificou-se perante as autoridades policiais utilizando documentos em nome de C. G., com carta de identidade nº ..., nascido a -/06/1977, em Lyon, com residência na Avenue …, com a fotografia do arguido aposta, bem sabendo que estava obrigado a identificarse com os seus elementos de identificação verdadeiros e que em circunstância alguma podia alterar os elementos inscritos e apostos em documentos de identificação regularmente emitidos.
104. Sabia ainda o arguido P. M. que o uso de identificação alheia e a posse de documentos de identificação falsos, é proibido e punido por lei penal, colocando em causa a fé pública inerente aos documentos de identificação emitidos por autoridade competente.
105. Através da sua conduta e fazendo-se identificar com documentos em nome de outra pessoa, supra referidos o arguido P. M. procurou abalar a fé pública de tais documentos de identificação, a qual sabiam ser essencial nas regras de organização do Estado Português.
106. Os arguidos S. M. e P. M. destruíram voluntariamente um veículo, por incêndio, como forma de eliminarem vestígios que os pudessem incriminar, resultado que aceitaram como consequência directae necessária das suas condutas, bem sabendo que o veículo não lhes pertencia e que causavam prejuízo ao seu legítimo proprietário.
107. Por sua vez, ao ter sido desobedecida a uma ordem legítima de paragem das autoridades policiais e ao ter sido exibida uma arma aos elementos da GNR que integravam a referida patrulha, colocando-se em fuga, o arguido P. M., que se encontrava no interior do veículo “GR”, sabia que os elementos da GNR estavam no exercício das suas funções de fiscalização de trânsito e que estava obrigado a acatar a ordem que lhe fora dada pelos mesmos.
108. Sabia ainda o arguido P. M. que em caso algum podia recorrer à ameaça e violência para constranger os elementos da GNR e se furtar às acções de fiscalização dos mesmos, e que tais condutas são proibidas e punidas por Lei Penal.
109. Os arguidos S. M. e P. M. agiram da forma descrita, sempre livre e voluntariamente, com plena consciência de pertença a um grupo, de acesso restrito e apenas constituído para a prática de crimes por parte dos seus membros, os quais interagiram entre si, em todas as suas condutas, tendo em conta a finalidade visada com a criação do grupo, organizando-se todos para tal efeito.
110. Os arguidos sabiam serem proibidas e punidas por Lei Penal, todas as suas descritas condutas.
E. Do relatório social do arguido P. M. consta: Por não ter familiares no nosso país, o presente relatório foi elaborado

com base na entrevista com o arguido P. M., sendo de considerar a subjectividade presente no documento, assente exclusivamente nas afirmações do próprio.
Apesar de ser cidadão estrangeiro e com concordância do próprio, a entrevista foi realizada na língua portuguesa.
Para melhor compreensão do seu comportamento na presente situação de privação de liberdade articulámos ainda com os Serviços de Educação e de Vigilância do Estabelecimento Prisional de Monsanto.
De assinalar a postura do arguido na colaboração na realização do relatório ainda que com alguma reserva na transmissão de elementos referentes ao seu trajecto enquanto em estadia em Portugal, nomeadamente a data da sua deslocação a território português e respectivas razões, endereço, referências de amizade e aspectos relevantes no decurso dessa permanência até à data da presente reclusão.
O arguido é o segundo de três filhos de um casal de modesta condição socioeconómica, o arguido descreve um processo evolutivo decorrido no agregado de origem, que se pode percepcionar como tendo sido um enquadramento normativo, mencionando um contexto familiar estável e afectivamente gratificante bem como economicamente equilibrado.
O progenitor, já reformado, seria funcionário público no sector das finanças e a mãe, doméstica. Diz ter ingressado no sistema educativo na idade normal e concluído o equivalente ao nosso 8/9º ano de escolaridade por volta dos quinze anos de idade, tendo de seguida frequentado uma formação profissional em carpintaria com a duração de três anos, que terá concluído por volta dos vinte anos de idade. A sua primeira experiência profissional terá sido no ramo da restauração como empregado de mesa em restaurantes e bares, actividade que terá mantido na ilha de Córsega durante cerca de catorze anos, seguindo-se um período deinactividade laboral (desemprego) que se viria a prolongar até à data da actual prisão, alegadamente pelas dificuldades com que se viu confrontado na obtenção de trabalho associadas às reduzidas ofertas no mercado laboral no ramo da restauração.
No plano afectivo destaca-se ainda a sua permanência no agregado de origem, ainda que intercalado por ausências prolongadas onde nesses períodos terá vivido com algumas namoradas. P. M. tem um filho, hoje com onze anos que vive com a respectiva mãe, afirmando manter o contacto com esse descendente.
O arguido refere não ter antecedentes criminais.

Sem que fosse possível apurar data de eventuais deslocações do arguido a Portugal, P. M. encontra-se preso em cumprimento de pena prolongada no Estabelecimento Prisional de Monsanto, tendo sido condenado numa pena de quinze anos de prisão, sendo que após recurso interposto, viu reduzida a pena aplicada para dez anos.
Com um discurso organizado e coerente P. M. tem mantido uma conduta institucional correcta, ocupando parte do seu tempo a exercer a actividade laboral que lhe foi atribuída como faxina na biblioteca em Abril de 2016, tendo também concluído o curso de Português para estrangeiros.
Como planos futuros o arguido verbaliza a intenção de regressar à ilha de … e procurar um trabalho no sector da restauração, colocando como prioridade a eventual frequência de alguma formação profissional que o habilite a uma colocação laboral mais estável.
Em termos de saúde, o arguido refere não ter/manter qualquer prática aditiva, seja com consumo de estupefacientes ou ingestão abusiva de álcool.
A presente reclusão parece estar ser vivenciada pelo arguido com sentimentos de aparente serenidade/ conformidade, sendo todavia claro a sua reserva na transmissão de eventuais esclarecimentos perante os nossos serviços.
Beneficia de visitas de alguns familiares nomeadamente da sua companheira e da irmã e um cunhado, que se deslocam do país de origem. Perante os dados disponíveis, tudo aponta para que P. M. tenha registado no país de origem, um processo de socialização aparentemente pautado por adequação aos valores e normas sociais, destacando-se um percurso profissional maioritariamente no sector da restauração em trabalhos indiferenciados, desconhecendo-se se o próprio terá auferido de respectivos vínculos laborais. Em período precedente à actual prisão descreve uma situação de inactividade laboral que associa ao decréscimo de ofertas no mercado de trabalho especialmente no sector da restauração.
Com competências pessoais tudo nos leva a crer que o futuro de P. M., logo que lhe seja permitido, passa pelo regresso ao país de origem sendo que a sua reintegração social estará dependente da sua própria determinação em reger-se pelas normas socialmente vigentes.
*
II. Factos Não Provados: Inexistem.
*
III. MOTIVAÇÃO:

Para a prova da factualidade julgada como provada, o Tribunal Colectivo baseou-se, essencialmente, no teor do relatório social, no CRC e na certidão junta aos autos.

IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:

I.
Considerados os factos provados, importa fixar uma pena única, nos termos do art.º 77.º nºs 1 e 2, do Código Penal, o qual estabelece que:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
Primeiro pressuposto da determinação da pena única a aplicar ao concurso de crimes é a existência de uma efectiva pluralidade de crimes, por contraposição às situações de mero concurso legal, em que, sob a aparência de uma pluralidade, o que na verdade existe é unidade criminosa – Cfr., J. Figeiredo Dias, Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimpressão, pág. 277.
Segundo pressuposto é o de que a prática dos crimes concorrentes tenha tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles. Exigência que bem se compreende: sendo a prática do crime posterior, a hipótese já não relevará, para efeitos de punição como concurso de crimes, mas só e eventualmente, como reincidência – Cfr., autor e op. cit., pág. 278.

No caso dos presentes autos, dúvidas não há de que os factos aos quais foram aplicadas cada uma das penas parcelares de prisão acima referidas nos presentes autos e no Processo nº 203/12.5JBLSB, correspondem a um concurso efectivo de crimes, dado que consubstanciam uma pluralidade de resoluções criminosas.
Por outro lado, importa atentar no disposto no art.º 78.º, n.º 1, do Código Penal, segundo o qual “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.

Conforme esclarece Paulo Dá Mesquita, in O Concurso de Penas, págs. 41 e 42, o momento decisivo para a existência de um concurso de penas, em caso de conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da condenação por qualquer dos crimes, pois só a partir do trânsito da condenação é que a solene advertência ao arguido tem efeitos jurídicos plenos, designadamente quanto ao cumprimento da pena.
Ora, em face do pressuposto temporal do concurso de penas, importa desde logo concluir que as penas aplicadas no processo atrás referido, encontram-se em concurso com as que foram aplicadas nos nossos autos, uma vez que se tratam de factos anteriores ao trânsito da decisão proferida no Processo nº 203/12.5JBLSB, que ocorreu em 09/05/2016, primeiro trânsito após os factos dos presentes autos que ocorreram em Janeiro de 2014.
Cumpre, assim, determinar a pena única resultante do concurso entre as penas aplicadas nos presentes autos e no processo acima referido
II.

A determinação da pena única do concurso decompõe-se em três operações: em primeiro lugar, o tribunal tem que determinar a pena que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso; em seguida, o tribunal construirá a moldura penal do concurso, com o seu limite mínimo e o seu limite máximo; por fim, o tribunal ocupar-se-á da determinação, dentro dos limites daquela moldura, da medida da pena conjunta do concurso – Cfr., a este propósito, J. Figueiredo Dias, op. cit., págs. 283 a 292.
No caso, as penas concretas a aplicar a cada um dos crimes em concurso já se encontram determinadas, posto que se trata de conhecimento superveniente: estão em causa todas as penas acima referenciadas.
No que tange à determinação da moldura penal do concurso, o n.º 2 do art.º 77.º, do Código Penal, impõe, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Por outro lado, de acordo com o mesmo preceito, o limite máximo corresponderá à soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Resulta, deste modo e para o presente caso, uma moldura penal, para o cúmulo, de 6 (seis) anos de prisão e de 50 (cinquenta anos) de prisão.
Estabelecida a moldura penal do concurso, a medida da pena única deverá ser encontrada em função da culpa e das exigências de prevenção, tendo em especial consideração os factos no seu conjunto e a personalidade do agente – Cfr., J. Figeiredo Dias, op. cit., págs. 290 a 292.
Conforme ensina o citado Professor, “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade unitária do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: no primeiro caso, não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
Entende-se, no que respeita à pena de prisão a fixar, atento o número de delitos em concurso (39), bem como a natureza dos mesmos (roubos agravados a instituições bancárias, sequestros de funcionários e clientes bancários, furtos simples, falsificações de documento, detenção de arma, resistência e coacção sobre funcionário), atentatórios de bens de relevo significativo, que o ilícito global se apresenta relevante.
Evidencia-se, da actuação global do condenado, se mostra espaçada no tempo, com um intervalo de cerca de um ano, uma personalidade juridicamente desenquadrada e com bastante propensão para a delinquência, atendendo à pluralidade de crimes praticados nesse período de tempo.
Assim, considerando as penas parcelares em concurso e o disposto no art. 77º, n.º2 e 3, e 78º, n.º1, do CP, tendo presente a moldura sancionatória a ponderar (acima referida), tendo em conta os critérios jurisprudenciais nesta matéria, nomeadamente, a natureza dos factos, a personalidade do agente e os fins de prevenção geral e especial das penas decide-se condenar o arguido, em cúmulo jurídico das referidas penas aplicadas nos presentes autos e no processo nº 203/12.5JBLSB, na pena única de 14 ( catorze) anos de prisão.

(…)»

C)Apreciação do recurso.

1.
Começa o recorrente por invocar que o acórdão recorrido padece de erro de julgamento quanto ao ponto I-C dos factos provados, na menção feita à condenação no âmbito do PC.C 203/12.5JBLSB em «cinco crimes de falsificação de “atas”» e na indicação da medida das penas parcelares ai aplicadas, no que respeita aos crimes de detenção de arma proibida, resistência e coação sobre funcionário e a cada um dos dezassete crimes de sequestro.

É a seguinte a redacção do mencionado ponto da factualidade provada:

“C. No processo Comum Coletivo nº 203/12.5JBLSB, do Juízo Central Criminal de Évora, J3, por decisão de 10/04/2015, transitada em 09/05/2016, foi o arguido condenado pela prática em 03/11/2012, 05/11/2012, 10/02/2013, 13/02/2013 e 14/02/2013, de cinco crimes de falsificação de atas, nas penas parcelares ( 9 meses + 9 meses + 9 meses + 9 meses + 10 meses de prisão), um crime de detenção de arma proibida ( na pena parcelar de 3 anos de prisão), um crime de resistência e coacção sobre funcionário ( na pena parcelar de 3 anos deprisão), quatro crimes de furto simples ( nas penas parcelares de 6 meses + 6 meses + 6 meses + 18 meses), três crimes de roubo qualificado ( nas penas parcelares de 6 anos de prisõ) e 17 crimes de sequestro ( nas penas parcelares de 6 meses de risão, por cada um dos 17 crimes), na pena única de 10 anos de prisão;
Ora, o erro de julgamento, ínsito no artigo 412,nº3, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
O erro de julgamento pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.
Alega o recorrente que tal erro, no que se reporta à sua condenação pelos cinco crimes de falsificação de “atas”, resulta desde logo do teor do acórdão da primeira instância proferido no citado processo 203/12.5, porquanto o que ai consta é que o arguido foi condenado por quatro crimes de falsificação de documento (chapas de matrícula), p. e p. pelo art. 256º,nºs1al.d) e e) e 3 do C.Penal, nas penas por cada um de 9 meses de prisão e um crime de falsificação de documento (cartão de identificação), p. e p. pelo art.256º,nº1,al.e) e 3, do C.Penal, na pena de 10 meses de prisão, condenação que não foi objecto de alteração na sequência das decisões dos tribunais superiores.
Já quanto às mencionadas penas parcelares, tal erro ressalta do teor do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 3 de novembro de 2015 e, bem assim, enquanto se manteve, sem que tenha sido sequer conhecido o recurso então interposto pelo arguido nessa parte, por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 21 de abril de 2016.

Vejamos então se assiste razão ao recorrente.

Compulsada a decisão recorrida temos que o mencionado ponto I-C da factualidade provada, assentou no teor do acórdão proferido em 10/4/2015, pela primeira instância, no âmbito do processo comum colectivo nº203/12.5JBLSB.
Contudo, se é certo que no tocante aos crimes de falsificação, o decidido não foi objecto de alteração na sequência dos recursos interpostos para os tribunais superiores, já o mesmo não se passa com a medida das penas parcelares aplicadas aos mencionados crimes de detenção de arma proibida, resistência e coação a funcionário e sequestro, as quais vieram a ser reduzidas.
Começando pela menção aos cinco crimes de falsificação de “atas”, temos que, nesta parte, o citado ponto I-C da factualidade provada padece apenas de um lapso de escrita, porquanto, somente na menção a “atas” existe desconformidade com o teor dos pontos 12 e 13 da parte decisória do acórdão condenatório proferido pela primeira instância - neste faz-se referência a cinco crimes de falsificação de documento ( 4 +1) e às normas jurídicas que os prevêem - sendo coincidentes o número de crimes de falsificação, as respectivas datas dos factos consubstanciadores de cada um deles e as penas aplicadas pela prática de cada um.
Cremos assim que a referência feita a falsificação de “atas”, ao invés de falsificação de “documento”, tratou-se apenas de um lapso de escrita, lapso este susceptível de ser corrigido nos termos do art.380º,nº1, alínea b), do C.P.P., na medida em que tal correcção não importa modificação essencial do decidido.
Deste modo, procedendo-se a tal correcção, onde se lê “ falsificação de atas”, passará a ler-se “ falsificação de documentos”.
Já no que concerne às mencionadas penas parcelares dos crimes de detenção de arma proibida (3 anos de prisão), resistência e coação a funcionário (3 anos) e sequestro (6 meses de prisão por cada um dos dezassete crimes) e consideradas na determinação da medida da pena única, as mesmas então em desconformidade com o decidido pelo tribunal da Relação de Évora no acórdão proferido em 3/11/2015, o qual não foi objecto de alteração na sequência do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
Com efeito, como resulta do teor do citado acórdão do Tribunal da Relação de Évora, cuja respectiva certidão se encontra junta aos autos, tais penas foram reduzidas.
Assim, no que tange aos crimes de detenção de arma proibida e resistência e coação a funcionário, as respectivas penas parcelares foram reduzidas para 2 anos, sendo que relativamente aos dezassete crimes de sequestro cometidos nos clientes das agências bancárias, as respectivas penas parcelares foram reduzidas para 3 meses de prisão.
Ao atender ao teor do acórdão proferido pela primeira instância, ao invés do proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, na fixação da matéria vertida no ponto I-C da factualidade provada, incorreu o tribunal a quo num erro de julgamento, o qual importando já uma modificação do conteúdo da decisão e sendo susceptível de poder influir na medida da pena única, está subtraído ao acto de correcção.
Como resulta da citada alínea b) do artigo 380º,nº1, e consabido que após a prolação do acto decisório fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz, a correcção da sentença só é pois admissível quando não importe modificação essencial, o que não é aqui o caso.
Assim, não podendo este tribunal intervir pela via da correcção, assiste razão ao recorrente no invocado erro de julgamento, o qual se julga procedente, alterando-se, neste particular, por via do presente recurso, a matéria vertida no citado ponto.

Consequentemente, o mencionado ponto da factualidade, na parte ora em apreço, passará a ter a seguinte redacção :

(…) um crime de detenção de arma proibida ( na pena parcelar de 2 anos de prisão), um crime de resistência e coacção sobre funcionário ( na pena parcelar de 2 anos de prisão), (…)e 17 crimes de sequestro ( nas penas parcelares de 3 meses de risão, por cada um dos 17 crimes)…”.
2.

Alega o recorrente na sua 4ª conclusão que “Ao ter omitido pronúncia sobre elementos de prova, demonstrativos de factos relevantes para a aplicação e a determinação da medida da pena única, cuja junção aos autos foi admitida por despacho de 21 de Março de 2019, incorreu o Tribunal a quo em violação do disposto nos artigos 97º, n.º 5, e 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal, bem como do consagrado no artigo 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, sendo a decisão nula ao abrigo do artigo 379º, n.º 1, alínea c) e também alínea a), do Código de Processo Penal”.
Entre nós, esse dever de fundamentação encontra consagração na Lei Fundamental desde a revisão constitucional de 1982, dispondo o atual artigo 205º, n.º 1, da Constituição que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
De acordo com o disposto no art. 374º, n.º 2, a estrutura da sentença proferida em processo criminal deve conter, na parte da fundamentação e a seguir à enumeração dos factos provados e não provados, uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Por seu lado, o art. 379º, n.º 1, sanciona com o vício de nulidade a sentença que não contenha as menções referidas no n.º 2 do art. 374º (alínea a)) e que deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al.c)), acrescentando o seu n.º 2 que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso.
Tais requisitos e regime da nulidade são também aplicáveis à sentença proferida após a realização da audiência a que se reporta o art. 472º, do C.P.P..
A este propósito, o Ac. do STJ de 18/9/2013, proferido no processo 968/07.6JAPRT-A, in dgsi.pt, de acordo com o qual “ A sentença proferida após a realização da audiência a que se refere o artigo 472º, do CPP, com a específica finalidade de determinação da pena única conjunta no caso de conhecimento superveniente do concurso, está submetida aos requisitos gerais da sentença enunciados no art.374º do C.P.P., devendo conter todos os factos que interessam à comprovação do concurso de crimes e à determinação da pena única”.
Vejamos se assiste razão ao recorrente.
Compulsados os autos extrai-se dos mesmos que o recorrente, em momento prévio à realização da audiência com vista à efectivação do cúmulo jurídico, veio através de requerimento remetido em 18/3/2019, requerer a junção aos autos de alguns elementos documentais, mais concretamente uma proposta de trabalho e autos de declarações prestadas por testemunhas, junção que foi admitida por despacho proferido em 21/3/2019.

Em tal requerimento nada foi alegado factualmente, nem tão pouco se fez menção a que se destinavam tais elementos documentais.
Ainda que possa admitir-se que visassem esclarecer as suas condições pessoais de vida e demonstrar que reunia condições para se vir a integrar social e profissionalmente, sempre se dirá que, no que tange aos mencionados autos de declarações/depoimentos escritos, nenhuma valoração lhes poderia ser atribuída, por força do disposto no art.355º,nº1, do C.P.P..

Já aquando da realização da audiência com vista à efectivação do cúmulo jurídico, também nada foi apresentado ou requerido em face do objecto da diligência, cujo conhecimento ou tomada de posição por parte do tribunal a quo se impusesse.
Pretende agora o recorrente, com o argumento que os elementos documentais foram admitidos, fundamentar a nulidade do acórdão, quer pela violação do citado artigo 374º,nº2 (alínea a) do art.379º,nº1,do C.P.P), porquanto o tribunal a quo na motivação da factualidade provada, nada referiu ou decidiu, muito menos de forma fundamentada, sobre os cinco documentos cuja junção foi admitida para devidas apreciação e valoração, nos factos que comprovavam, quer pela via da omissão de pronúncia a que se refere a alínea c) do citado art.379º, na medida em que o tribunal não fez qualquer menção aos mesmos nem aos factos que provam.
Adiantando desde já a nossa conclusão, mostra-se evidente que o acórdão recorrido não padece de qualquer uma das nulidades invocadas.
No que tange à invocada inobservância do dever de fundamentação, cumpre referir que o mesmo não impõe que o tribunal se pronuncie sobre todos os meios probatórios produzidos, solicitados oficiosamente ou requeridos pelos sujeitos processuais, mas apenas sobre aqueles de que se serviu para fundamentar a sua convicção a respeito dos factos provados e não provados e que foram os alegados pela acusação, pela defesa, pelo demandante e demandado, em sede de dedução do pedido de indemnização civil, e ainda os resultantes da decisão da causa.
Não tem pois o tribunal de tomar posição individualizada sobre cada uma dos meios probatórios juntos aos autos, mas apenas sobre aqueles que se mostrem de relevo para os factos alegados ou resultantes da discussão da causa que o tribunal considerou com interesse para a decisão da causa.
Em sede de decisão do cúmulo jurídico e em particular no que se refere à motivação da matéria de facto, nesta não se reavalia os elementos probatórios dos julgamentos parcelares, porquanto os factos julgados e dados como provados e não provados formam caso julgado.
O que varia serão apenas os factos relativos à personalidade, comportamento e condições pessoais e económico-sociais do condenado e que devem ser descritos de forma actualizada na decisão cumulatória - neste sentido, Tiago Caido Milheiro, in “Cúmulo Jurídico Superveniente”, pág. 62/63.
Acrescenta ainda o mesmo autor “Na motivação de facto deverá ser explanado, de forma concisa, o modo como o julgador logrou considerá-los assentes (normalmente através da interligação de declarações do arguido, relatório social, informações do estabelecimento prisional, mas outras podem ser usadas, como seja os relatórios de acompanhamento das penas parcelares suspensas na sua execução, documento que atesta que tirou a carta de condução (…), declarações médicas (…)”.
Ora, como é fácil de constatar, o ora recorrente, não alegou no seu requerimento, nem em sede da audiência a que alude o artigo 472º do C.P.P., designadamente através de declarações por si prestadas – atente-se que o arguido renunciou ao direito de estar presente na audiência - quaisquer factos que pretendesse que viessem a ser tidos em conta a respeito da sua personalidade e das suas condições pessoais de vida e ponderados na decisão a proferir a respeito da pena única, tendo-se limitado a juntar os documentos em apreço.
Como resulta do acórdão cumulatório recorrido, o tribunal a quo fez constar do ponto E da factualidade provada os factos atinentes às condições pessoais e económico-sociais do condenado, tendo-se servido para o efeito do Relatório Social.
Nenhuma menção fez, é certo, aos elementos documentais juntos pelo arguido.
Mas, como já referimos, também não o impunha o mencionado dever de fundamentação.
E se o tribunal não os mencionou foi porque não os considerou relevantes para efeitos da decisão a proferir, designadamente o documento atinente à proposta futura de trabalho, porquanto os demais, tratando-se de depoimentos escritos, nunca podiam ser valorados pelo tribunal pelas razões já aduzidas, e isto independentemente de ter sido admitida a sua junção aos autos, a qual ter-se-à devido a alguma precipitação ou lapso, admissão que também não faz impender sobre o tribunal qualquer dever acrescido de fundamentação pela sua não valoração.
Volvendo-nos agora na invocada omissão de pronúncia, a mesma também não se verifica.
Como vem entendendo o Supremo Tribunal, a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (alínea c) do n.º 1 do artigo 379º), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão (neste sentido, acórdão do STJ de 9/2/2012, em que foi relator Oliveira Mendes, in dgsi.pt).
Ora, nem aquando do requerimento que fez chegar aos autos com os mencionados documentos, nem no decurso da audiência, o condenado levantou qualquer questão cujo conhecimento e apreciação se impusesse ao tribunal.
Assim, não consubstanciando os documentos por si só qualquer questão de direito ou de facto cujo conhecimento se impusesse, carece de fundamento a invocada omissão de pronúncia.
Por tudo o exposto, sem necessidade de quaisquer outras considerações, improcede a invocada nulidade do acórdão.
Pugna ainda o recorrente no sentido de que o acórdão recorrido padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal, atenta a desconsideração pelo Tribunal recorrido de factos e elementos de prova relevantes para aquela sua decisão.
O vício da insuficiência não é uma insuficiência da prova produzida para dar como provada a matéria de facto em causa, mas sim a insuficiência dessa matéria de facto para a decisão de direito.
Com efeito, a insuficiência para a decisão (de direito) da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para os factos que erradamente foram dados como provados.
Na primeira critica-se o tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo.
Consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito sobre a mesma.
No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente.
Por seu lado, na insuficiência da prova para os factos provados censura-se a errada apreciação da mesma levada a cabo pelo tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.
Seguindo o acórdão do STJ de 20 de maio de 1998, publicado na Col.Juris.STJ, ano VI, tomo II,1998, pág.200, “a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista na alínea a), do nº2 do art. 410, determina a formação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa.”
E continua: “Insuficiência em termos quantitativos porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto. Na tarefa da descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais além. Não o fazendo, a decisão formou-se incorrectamente por deficiência da premissa menor. O suprimento da insuficiência faz-se com a prova de factos essenciais, que fazem alterar a decisão recorrida, já na qualificação jurídica dos factos, já na medida concreta da pena, ou de ambos conjuntamente. Se os novos factos não determinarem alguma destas alterações não são essenciais, o vício não é importante, pode ser sanado no tribunal de recurso”.
E mais à frente, “Os poderes do tribunal na procura da verdade material encontram-se limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia, temperado pelo princípio das garantias de defesa, consignado no art. 32º da Constituição”.
Este vício, como os demais elencados no referido nº2 do art. 410º, quando insanável pelo tribunal de recurso, resulta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Decorre daqui que a “decisão” a que se reporta a citada alínea a), do nº2, refere-se à decisão justa que devia ter sido proferida, não à decisão recorrida, perante a matéria de facto.
Da leitura do acórdão recorrido não resulta a invocada insuficiência da matéria de facto dada como assente, uma vez que o tribunal tomou posição sobre todos os factos relevantes que se impunham com vista à determinação da pena única, sendo os factos dados como assentes bastantes para se poder decidir nesse sentido.
Com efeito, do elenco dos factos provados, após a narração da factualidade relativa aos julgamentos parcelares, foram descritos os factos atinentes às condições de vida e à personalidade do condenado, factualidade essa que, nesta última parte, se mostra bastante para que se logre uma pena única adequada, proporcional e não excessiva.
No caso vertente, como bem referiu o Exmo Procurador-Geral Adjunto, admitindo-se que o recorrente não teria a pretensão que o tribunal fizesse constar do elenco dos factos provados tudo o que fosse possível extrair dos citados documentos, a verdade é que não indicou quais os factos concretos que no seu entender deveriam ter sido, com base em tais documentos, considerados provados.
Deste modo, desconhecendo-se quais os factos, mal se percebe o que é que, na perspectiva do recorrente, falta no acórdão recorrido e que o faz padecer do invocado vício.
Por tudo o exposto, não padecendo o acórdão recorrido do invocado vício, julga-se também nesta parte improcedente o recurso.

3.
Excessividade da pena única

Por fim, pugna o recorrente no sentido da redução da pena única de 14 anos de prisão que lhe foi aplicada.
Em causa estão os seguintes crimes e penas parcelares:

Nos presentes autos:
-um crime de roubo agravadopena de 5 anos de prisão;
-seis crimes de sequestro, na pessoa de cada um dos funcionários bancários J. M., J. C., M. R., C., e dos clientes bancários M. O. e António - nas penas parcelares de 10 meses de prisão, por cada um deles;
-um crime falsificação de documento - pena 8 meses de prisão;

Em cúmulo jurídico foi-lhe aplicada a pena única de 7 anos de prisão.

Já no âmbito do processo comum colectivo 203/12.5JBLSB e por força da alteração parcial do teor do ponto I-C da factualidade provada, nos termos supra expostos, estão em causa os seguintes crimes e penas:

- cinco crimes de falsificação de documentopena de oito meses de prisão quanto a quatro dos crimes e 10 meses de prisão quanto a um deles;
- um crime de detenção de arma proibidapena de 2 anos de prisão;
- um crime de resistência e coação sobre funcionário 2 anos de prisão;
- quatro crimes de furto simples – 6 meses de prisão por cada um dos três crimes e 18 meses de prisão pela prática de um deles
- três crimes de roubo qualificado6 anos de prisão pela prática de cada um deles;
- dezassete crimes de sequestro3 meses de prisão pela prática de cada um deles.

No total 39 ilícitos cometidos entre 3/11/2012 e 17 de janeiro de 2014.

Começa o recorrente por se insurgir com o facto do tribunal ter considerado no que tange à moldura penal do concurso um limite máximo de 50 anos de prisão por referência à soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, desconsiderando, para além do limite máximo da moldura penal da penal de 25 anos decorrente do art.77º,nº2, do C.Penal, que a soma concreta das mencionadas penas tem como resultado 43 anos e 9 meses de prisão e não os mencionados 50 anos.
Para além disso, o ora recorrente faz assentar ainda a pretendida redução na conexão entre os crimes, direccionados contra o património e com um “modus operandi”, idêntico, caracterizado por uma atitude tranquila e tranquilizadora, cordial e educada para com as vítimas dos sequestros.
Insurge-se ainda, em face da ausência de antecedentes criminais do arguido, com a conclusão do tribunal de que o arguido apresenta uma personalidade com “bastante propensão” para a delinquência.
Por fim, trás ainda à liça a circunstância de já terem decorrido mais de 5 anos sobre os factos, o tempo de reclusão já sofrido e o seu comportamento prisional com empenho na sua valorização pessoal.
Vejamos então se assiste razão ao recorrente na pretendida redução da pena.
No que tange à moldura abstracta do concurso, esta é construída tendo como limite mínimo a pena parcelar mais alta atribuída aos crimes que integram o concurso, e como limite máximo a soma das penas parcelares, sem, todavia, exceder os 25 anos de pena de prisão (de harmonia com o disposto no art. 77.º, n.º 2, do CP).
Conscientes de que existem posições contrárias, perfilhamos o entendimento que o limite máximo se reporta à moldura abstracta e não apenas à pena única concretamente aplicada, na senda do defende o Conselheiro Rodrigues Costa no estudo “O Cúmulo Jurídico Na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”, publicado no site do STJ, segundo o qual « O limite máximo corresponde ao somatório de todas as penas aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos. Certa jurisprudência do STJ, a meu ver mal, considera que o limite máximo da moldura penal do concurso é o somatório efectivo de todas as penas, ainda que ultrapasse aquele limite. Assim, Acórdão do STL de 14/01/2009, relatado pelo Conselheiro Simas Santos (Proc.nº3586/08, da 5ª Secção). Entende este Conselheiro o seguinte: “Como resulta da lei, mas é por vezes ignorado nas decisões que sobem em recurso, o limite máximo da moldura penal abstracta não é o limite máximo absoluto da pena concreta : 25 anos, mas a soma material das penas aplicadas aos crimes em concurso, aplicando-se aquele limite (absoluto) só à pena a estabelecer: será reduzida a 25 anos, se reputada adequada pena superior”.
Não é isso que resulta da lei: não há molduras penais abstractas cujo máximo seja superior a 25 anos de prisão e depois deva ser reduzido àquele limite, se a pena concreta encontrada for além dele. A doutrina também não parece defender uma tal posição»

No caso vertente, o tribunal a quo construiu a moldura do concurso partindo da pena parcelar mais elevada que integra o concurso (6 anos), sendo que, quanto ao limite máximo, considerou não o limite máximo dos 25 anos, mas o somatório efectivo de todas as penas, ainda que ultrapassando os 25 anos.
Como se referiu no acórdão recorrido “Resulta, deste modo e para o presente caso, uma moldura penal, para o cúmulo, de 6 (seis) anos de prisão e de 50 (cinquenta anos) de prisão”.
Impõe-se desde já referir que por força da alteração da matéria de facto atinente ao ponto I-C, tal somatório corresponderá não a 50 anos, mas antes a 43 anos e 9 meses.
Vejamos então se em face da posição que sufragamos a respeito da construção da moldura penal abstracta, entre 6 anos e 25 anos, a pena única de 14 anos é excessiva como pugna o recorrente.
Em sede de determinação da pena única, nos termos do artigo 77°/1 Código Penal, são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, na busca da imagem global dos factos.
Ou seja, há que ponderar o binómio factos-personalidade.
Ora, fundamental na determinação da pena única é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse pedaço global de vida criminosa com a personalidade do agente.
A pena única deve assim formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do agente e das diversas penas parcelares.
Cremos pois que com vista à determinação da pena única, decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos – a relação dos diversos factos entre si, a sua frequência, a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados, a forma de execução, a determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido – assumindo, claro está, um significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, e ao núcleo de bens essenciais, em relação à ofensa de bens patrimoniais.
“O conjunto dos factos fornecerá assim gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique (Figueiredo Dias, in Consequências Jurídicas do Crime, § 420 e segs).
Uma vez estabelecidas as conexões entre todos os factos abrangidos pelo concurso e relacionados os mesmos, apurar-se-à “a personalidade do agente, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade” ( Tiago Caiado Milheiro, obra citada, pág.59) .
“Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta (Figueiredo Dias, in obra citada, § 421).
De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
Relativamente à prevenção geral o significado do conjunto de actos praticados em termos de perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delinquente, para o que será preponderante e decisivo, o resultado da ponderação dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos.
Serão pois esses factores que deverão ser tomados em consideração na determinação da medida da pena única.
Atentando à matéria de facto provada, não pode deixar de reconhecer-se, na senda da posição assumida pelo tribunal a quo, que o ilícito global é de acentuada gravidade e que o recorrente evidencia já bastante propensão para o crime com menosprezo de um sem número de bens jurídicos, ainda que não possa falar-se de uma “tendência ou carreira criminosa” do recorrente, em face da ausência de antecedentes criminais, mas antes de uma pluriocasionalidade, como, de facto, foi também o entendimento do tribunal colectivo.
Como ai se referiu, “Entende-se, no que respeita à pena de prisão a fixar, atento o número de delitos em concurso (39), bem como a natureza dos mesmos (roubos agravados a instituições bancárias, sequestros de funcionários e clientes bancários, furtos simples, falsificações de documento, detenção de arma, resistência e coacção sobre funcionário), atentatórios de bens de relevo significativo, que o ilícito global se apresenta relevante”.
Evidencia-se, da actuação global do condenado, se mostra espaçada no tempo, com um intervalo de cerca de um ano, uma personalidade juridicamente desenquadrada e com bastante propensão para a delinquência, atendendo à pluralidade de crimes praticados nesse período de tempo.
Acresce referir que o recorrente no período de um ano deslocou-se três vezes da Córsega para Portugal para cometer os factos em apreço, visando à cabeça o cometimento de assaltos a instituições bancárias – quatro no total - em concretização de planos criminosos preparados com cuidado e ao pormenor e executados e pleno dia, com à vontade e determinação.
Como salientou o STJ, no acórdão proferido no âmbito do processo 203/12.5, supra identificado e que faz parte integrante da certidão que instrui os presentes autos,
“ A actividade criminosa realizada pelos recorrentes conforma a concretização de planos criminosos ambiciosos e audazes, preparados com cuidado, executados com frieza e determinação, num ritmo que sugere a disponibilidade daqueles recorrentes a assumirem a actividade criminosa como verdadeiro projecto de vida.
Os roubos levados a cabo em agências bancárias, à mão armada e com disfarces confrontando os respectivos funcionários e os clientes que lá se encontravam, conformam um ilícito global de elevada gravidade e revelam personalidades criminosas arrojadas.
A prática de todos os outros crimes, em estreita conexão com aqueles, destinados uns a facilitá-los outros a dificultar a identificação dos recorrentes como seus autores, demonstram ainda o cuidado e o elevado grau de preparação posta pelos recorrentes na actividade criminosa global, por ai se revelando as personalidades criminosas especialmente vocacionadas dos recorrentes”.

Concordando com a ponderação que foi feita pelo tribunal colectivo dos factores relevantes na determinação da pena única, a posição já assumida pelo STJ nos termos supra expostos e não vislumbrando em que medida a argumentação aduzida pelo recorrente é susceptível de levar a uma redução da pena única, com excepção da atinente à ponderação em medida superior das penas parcelares aplicadas ao recorrente pelos crimes de detenção de arma proibida, resistência e coação a funcionário e de sequestro (17 crimes), nos termos já expostos, com implicação no limite máximo da moldura penal abstracta tida em conta pelo tribunal a quo, cremos que apenas nesta parte se impõe a nossa intervenção correctiva, reduzindo dessa forma a mesma para 13 (treze) anos e 6 (seis) meses de prisão, pena que se julga ponderada em face do conjunto dos factos e da personalidade do arguido revelada nos mesmos.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar parcialmente procedente o recurso e:

- Proceder nos termos do art.380º,nº1, alínea b), do C.P.P. à correcção do lapso de escrita evidenciado na redacção do ponto I-C da factualidade provada, de modo que onde se lê “falsificação de atas” passe a ler-se “falsificação de documentos”.
- Julgar procedente o invocado erro de julgamento no que tange às penas parcelares vertidas no mencionado ponto da factualidade, a respeito dos crimes de detenção de arma proibida, resistência e coação sobre funcionário e de sequestro, o qual, nessa parte, passará a ter a seguinte redacção: “ (…) um crime de detenção de arma proibida (na pena parcelar de 2 anos de prisão), um crime de resistência e coação sobre funcionário (na pena parcelar de 2 anos de prisão), (…) e 17 crimes de sequestro (nas penas parcelares de 3 meses de prisão por cada um dos 17 crimes) …”.
- Reduzir a pena única aplicada ao recorrente para 13 (treze) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- No mais, julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido, ora recorrente.

Sem tributação.

(Texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.)
Guimarães, 13 de janeiro de 2020