Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
409/18.3T8MDL-A.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: TÍTULO DE CRÉDITO
GARANTIAS
RELAÇÃO CAMBIÁRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

. Respondendo o subscritor de uma livrança nos mesmos termos que o aceitante de uma letra e sendo o dador de aval responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, daí decorre que ao avalista do subscritor da livrança é aplicável o mesmo prazo de prescrição que é aplicável ao aceitante e ao subscritor, ou seja, o prazo de três anos a contar da data de vencimento constante do título.

. O dador do aval assume uma obrigação cambiária que é autónoma e independente da relação jurídica subjacente ou fundamental, assumindo, perante o titular da letra ou da livrança a obrigação de pagar a quantia nela titulada, obrigação que se mantém ainda que a obrigação que garantiu seja nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.

. A circunstância da relação subjacente se modificar não tem como consequência que esses efeitos se repercutam ou obtenham incidência jurídica na relação cambiária, permanecendo a relação cambiária constituída independente face às mutações ou alterações que se processem na relação subjacente, pelo que a circunstância da subscritora avalizada ter sido declarada insolvente não tem reflexos na relação entre a avalista e o beneficiário da livrança por aquela avalizada.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

A executada (…) deduziu oposição à execução, alegando, em síntese, que as livranças dada à execução estão prescritas, que incorporam dívida correspondente a garantia caducada, foram preenchidas abusivamente, por não ter sido informada da prorrogação do contrato de abertura de crédito em conta corrente e que, além do mais, a dívida se mostra paga no âmbito do processo executivo que correu termos sob o n.º 240/14.5T8MDL, no J1 do Juízo de Competência Genérica de Mirandela.

Citada veio a exequente X – Sociedade de Garantia Mútua, S.A., contestar, explicitando a relação subjacente à livrança dada a execução, alegando que procedeu à interpelação da ora executada para pagamento da quantia em dívida, fazendo-o para a morada indicada por esta, reafirmando ter respeitado escrupulosamente o pacto de preenchimento. Mais pugnou pela improcedência da exceção de prescrição, porquanto, a seu ver, o prazo de prescrição aplicável é o de 3 anos e não o de 1 ano referido pela embargante, o qual não se mostra ultrapassado. Defendeu, ainda, a improcedência da exceção de caducidade e do preenchimento abusivo invocadas. Antes de mais e quanto à caducidade por falta de renovação, pertinente apenas quanto a uma das livranças, aponta que a renovação é automática, podendo ser denunciada pela X, que a não denunciou, o que basta para fazer cair o alegado preenchimento abusivo. E a insolvência da empresa avalizada não conduz à caducidade das livranças até pela autonomia da obrigação do avalista. Finalmente e no que concerne ao pagamento alegado, estando em causa, como está, uma relação triangular, o pagamento que haja sido feito ao banco beneficiário não desonera a executada, avalista, impugnando, ademais, tal pagamento, uma vez que o banco só terá peticionado as quantias devidas, deduzidas das que lhe foram entregues pela embargada.
Notificados da contestação e respectivos documentos a oponente nada disse.
Efetuado o julgamento foi proferida sentença que julgou a oposição totalmente improcedente e determinou o prosseguimento da execução.

A embargante não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações com as seguintes conclusões:

A presente execução para pagamento de quantia certa, funda-se em duas livranças com vencimento em 09/11/2015 e emitidas em 29/10/2015, no valor de 8.029,53 € e 11.878,81 €, delas constando como subscritora a sociedade comercial “B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda.”, figurando a ora Recorrente como avalista.
A ora Recorrente e executada foi citada para deduzir oposição à execução no dia 11/09/2018.
Preceitua o artigo 70º da LULL que “Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento, As acções do portador contra os endossantes e contra o sacador prescrevem num ano, a contar da data do protesto feito em tempo útil, ou da data do vencimento (…)”.
Dispondo o art. 77º da mesma Lei que são aplicáveis às livranças “(…) as disposições relativas às letras e respeitantes, além do mais, à prescrição”.
Deste modo, verifica-se, no nosso modesto entendimento, que esse prazo de 1 ano da data do vencimento das livranças, que, in casu, é 09/11/2015, já estava esgotado aquando da instauração da acção executiva, a 02/08/2018 e quando a Recorrente foi citada para deduzir oposição a 11/09/2018, pelo que, prescritos estavam os direitos cambiários da Exequente.
Ao não decidir assim, violou o douto Tribunal o disposto nos artigos 32º, 70º e 77º da LULL e arts. 466º, 493º, 496º e 816º, todos do CPC. O que se invoca para os devidos e legais efeitos.
Não obstante o supra dito, a Executada invocou a caducidade da garantia porquanto quando deu o seu aval corporizado nas livranças, não pretendia vincular-se ao pagamento da obrigação principal que, neste caso, deriva de um contrato de abertura de crédito em conta corrente, celebrado entre a dita sociedade comercial “B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda.” e o Banco ... e um contrato de empréstimo – linha de crédito PME Crescimento.
E a garantia dada pelo aval tinha a duração do contrato de abertura de crédito em regime de conta corrente e era válido até ao dia 04/04/2012 e o contrato de empréstimo – linha de crédito PME Crescimento era válido até 15/05/2016.
Contudo, nunca a Exequente informou a Embargante da prorrogação do prazo daquele contrato e respectivas cláusulas inerentes, o que deveria ter informado para que esta conscientemente, de forma ponderada e devidamente informada, pudesse avaliar se manteria ou não o seu aval pessoal.
10ª E a dita sociedade comercial a quem a Embargante deu o seu aval foi declarada insolvente, por douta Sentença, datada de 21/05/2015, e, portanto, quando as ditas livranças foram emitidas e na data do seu vencimento, já a dita sociedade se encontrava insolvente há bastante tempo.
11ª O que, no nosso entendimento, determinaria a caducidade das ditas livranças, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.

Nestes termos e com o mui douto suprimento de V.Exª, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências.

A parte contrária contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Segundo a Recorrente os títulos dados à execução estão sujeitos ao prazo prescricional de um ano, previsto no segundo parágrafo do artigo 70º da L.U.L.L., pelo que, no seu entendimento, à data da instauração da presente acção já havia ocorrido a prescrição dos direitos cambiários. A verdade é que o prazo de prescrição a ter em conta neste caso é de 3 anos, nos termos do artigo 70º, parágrafo primeiro, da L.U.L.L. aplicável às livranças ex vi do artigo 77º do mesmo diploma legal. Ora, se os títulos dados à execução têm data de vencimento de 9 de Novembro de 2015 e a presente execução foi instaurada no dia no dia 2 de Agosto de 2018, é forçoso concluir que foi instaurada antes de decorridos três anos após o vencimento dos títulos de crédito em causa.
2. A Recorrente alega que os avales prestados por si caducaram. Para sustentar tal argumento invoca que a obrigação principal por si garantida deriva dos contratos de abertura de crédito em regime de conta corrente celebrados entre a empresa subscritora da livrança, B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda. e o Banco ... no âmbito do contrato de empréstimo – Linha de crédito PME Crescimento. Refere assim que as garantias dadas através dos avales tinham a duração dos referidos contratos de financiamento, os quais tinham validade até aos dias 4 de Abril de 2012 e 15 de Maio de 2016, respectivamente. Entendendo nesta linha de raciocínio que a Exequente nunca informou a Executada da prorrogação dos prazos daqueles contratos, o que era necessário para a Recorrente decidir se deveria manter ou não os avales prestados.
Sucede que os referidos contratos foram assinados com o Banco e não com a Exequente, pelo que não poderia ser a Exequente a ter de informar os avalistas acerca da prorrogação de tais contratos. Sendo certo igualmente que os contratos celebrados com a Exequente eram automaticamente renováveis, não carecendo de ser expressamente prorrogados – cf. resulta expressamente dos referidos contratos. Considerando que a Exequente não denunciou as garantias, justamente porque pretendia a sua renovação automática a fim de acompanhar a vigência dos contratos de empréstimo, as mesmas não caducaram.
3. Por último, a Recorrente invoca a caducidade dos avales em virtude da declaração de insolvência da empresa subscritora das livranças dos autos. Salvo o devido respeito, a alegação é desprovida de sentido, considerando que é pacífico na doutrina e na jurisprudência que a responsabilidade da avalista, é uma responsabilidade autónoma da do avalizado, pelo que também não caducou com a insolvência da empresa subscritora das livranças.
Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se a V. Ex.as. se dignem julgar improcedente o recurso da recorrente, mantendo intocada a douta sentença.

II – Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a decidir são as seguintes:

. se a ação cambiária prescreveu;
. se o aval caducou; e,
. se a livrança caducou.

III – Fundamentação

Na primeira instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

A – FACTOS PROVADOS

1. A presente execução funda-se em duas livranças, avalizada pela embargante, V. T., D. F. e B. T., com os seguintes valores e datas de emissão e vencimento:
i) € 8.029,53, emitida em 29/10/2015 e vencida em 09/11/2015; e
ii) € 11.878,81, emitida em 29/10/2015 e vencida em 09/11/2015.
(cfr. originais das livranças juntos aos autos principais)
2. As duas livranças foram assinadas pelo executado B. T., na qualidade de gerente da sociedade B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda.. (cfr. originais das livranças juntos aos autos principais)
3. No verso das livranças a que vem de aludir-se e abaixo da expressão manuscrita “Bom por aval ao subscritor” encontram-se as assinaturas com os nomes “H. T.”, “B. T.”, “D. F.” e “V. T.”, no caso da primeira, e “B. T.”, “D. F.”, “H. T.” e “V. T.”, no caso da segunda; (cfr. originais das livranças juntos aos autos principais)
4. A exequente, enquanto Sociedade de Garantia Mútua, é uma sociedade financeira que tem por objeto a realização de operações financeiras e prestação dos serviços conexos em benefício de pequenas, médias e micro empresas.
5. No exercício da sua atividade, em data não posterior a 03/11/2011, a exequente celebrou com a empresa B. T. - Comércio de Produtos Alimentares, Lda. um contrato, nos termos do qual, a pedido desta, a exequente prestou uma garantia autónoma à primeira solicitação, com o n.º 2011.04338, ao Banco ... (Banco), destinada a garantir o cumprimento das obrigações de pagamento de 50% do capital mutuado, no valor máximo de € 7.500,00, no âmbito do contrato de abertura de crédito em regime de conta corrente, no montante de € 15.000,00, pelo prazo de 6 meses, renovável por iguais e sucessivos períodos, celebrado entre aquele Banco e a referida empresa, mostrando-se as assinaturas constantes do referido documento e no que à embargante e demais executados diz respeito, concretamente, reconhecidas. A garantia autónoma seria válida até 04/04/2012, considerando-se renovada por períodos sucessivos de 6 meses enquanto não fosse denunciada pela embargada com antecedência mínima de 45 dias em relação ao fim do período de vigência em curso (cfr. documento de fls. 27-34)
6. Mais tarde, em data não posterior a 15 de Maio de 2012, a exequente celebrou com a empresa B. T. - Comércio de Produtos Alimentares, Lda. um contrato, nos termos do qual, a pedido desta, a exequente prestou uma garantia autónoma à primeira solicitação, com o n.º 2012.02181, ao Banco ... (Banco), destinada a garantir o cumprimento das obrigações de pagamento de 50% do capital mutuado, no valor máximo de € 20.000,00, no âmbito do contrato de Empréstimo - Linha de Crédito PME Crescimento, no montante de € 40.000,00, pelo prazo de 48 meses, celebrado entre aquele Banco e a referida empresa, mostrando-se as assinaturas constantes do referido documento e no que à embargante e demais executados diz respeito, concretamente, reconhecidas. (cfr. documento de fls. 36-47)
7. Para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração dos referidos contratos de emissão das garantias autónomas à primeira solicitação acima referidos, a B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda. entregou à exequente as respectivas livranças em branco, por si subscritas e avalizadas pela embargante e demais executados. (cfr. documentos de fls. 27-34 e 36-47)
8. De acordo com a cláusula 4 dos documentos/contratos de emissão de garantia autónoma à primeira solicitação, para garantia de todas as responsabilidades que emergiam para a subscritora, a embargante e demais executados dos referidos contrato, deveriam aqueles “entregar, nesta data, à SGM livrança em branco, por V. Exas. subscrita e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, as quais expressamente e sem reservas dão o seu acordo ao presente contrato e às responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança ficará em poder da SGM, ficando esta, desde já, expressamente autorizada, quer pelo subscritor quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas.” (cfr. documentos de fls. 27-34 e 36-47)
9. Nos termos da cláusula 5 de ambos os contratos, nas situações ali elencadas, a exequente poderia exigir dos executados (embargante, demais executados e sociedade) as quantias que lhe fossem devidas, mediante interpelação para a morada constante do contrato: Rua …, Mirandela. (cfr. documentos de fls. 27-34 e 36-47)
10. Das cláusulas 1, 2, 3, 6 e 7 do primeiro contrato de emissão de garantia autónoma à primeira solicitação, e das cláusulas, 1, 2, 3,6, 7 e 9 do segundo, ressaltam os encargos para a contraente e avalistas resultantes do contrato. (cfr. documento de fls. 27-34 e 36-47)
11. A embargante figura como avalista nos dois contratos de Emissão de Garantia Autónoma à primeira solicitação, mostrando-se a respetiva assinatura reconhecida presencialmente pelo seu Ilustre Mandatário em ambos os contratos. (cfr. documento de fls. 27-34 e 36-47)
12. Através de carta datada de 17 de Julho de 2014, o Beneficiário interpelou a exequente para proceder ao pagamento do montante integral de € 7.500,00, correspondente a 50% das prestações vencidas e vincendas não pagas pela B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda., montante que a exequente lhe pagou. (cfr. documento de fls. 51-52, 52 v.-53 e 54)
13. Tendo em conta o pagamento supra referido, a exequente interpelou a empresa B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda., por carta datada de 31/11/2014 e remetida para a Rua …, Mirandela, dando conta do acionamento da garantia autónoma pelo beneficiário e concedendo o prazo para pagamento até dia 08/08/2014. (cfr. documento de fls. 54 v.-55)
14. Através de carta datada de 17 de Julho de 2014, o Beneficiário interpelou a exequente para proceder ao pagamento do montante integral de € 11.250,00, correspondente a 50% das prestações vencidas e vincendas não pagas pela B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda., montante que a exequente lhe pagou. (cfr. documento de fls. 56-58 e 59)
15. Tendo em conta o pagamento supra referido, a exequente interpelou a empresa B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda., por carta datada de 20/08/2014 e remetida para a Rua …, Mirandela, dando conta do acionamento da garantia autónoma pelo beneficiário e concedendo o prazo para pagamento até dia 28/08/2014. (cfr. documento de fls. 59 v.-60)
16. Por cartas datadas de 29/10/2014, enviadas com registo e aviso de recepção para, no caso da empresa, a morada das cartas a que se alude em 13 e 15, e, para os executados, incluindo a opoente, para a Rua …, Mirandela, a exequente deu conta à sociedade e à embargante e demais executados da dívida e do preenchimento da livrança, com expressa indicação do local e data da emissão, importância, data de vencimento e local de pagamento, sendo que as cartas foram rececionadas. (cfr. documentos de fls. 61-83)
17. A quantia inscrita nas livranças não foi paga.
18. A 21/05/2015, a sociedade B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda. foi declarada insolvente. (cfr. documento de fls. 91-94 frente, 94 v. a 108)

B - FACTOS NÃO PROVADOS:

a) Que a embargante seja estranha às relações cambiárias corporizadas nas livranças dadas a execução;
b) Que o contrato de abertura de crédito fosse válido até 04/04/2012; e
c) Que o beneficiário das garantias autónomas haja recebido a totalidade da quantia em dívida no âmbito dos contratos garantidos pelas garantias autónomas em causa nestes autos no âmbito do processo 240/14.5T8MDL.

Da prescrição da ação cambiária

Defende a apelante a aplicação ao caso dos autos do prazo de prescrição previsto no artº 70º 2º parágrafo da LULL onde se preceitua que “as acções do portador contra os endossantes e contra o sacador prescrevem no prazo de um ano, a contar da data do protesto feito em tempo útil, ou da data do vencimento, se se trata de letra contendo a cláusula sem despesas”.

Por sua vez, a apelada defende a aplicabilidade do disposto no artº 70º, 1º parágrafo da LULL, onde se estabelece que todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem no prazo de três anos a contar do seu vencimento.

Na sentença recorrida entendeu-se que o prazo de prescrição aplicável é o de três anos e julgou-se a exceção improcedente.

Seja o prazo de três anos, seja o de um ano, o prazo começa a contar desde a data do vencimento do título, aplicando-se às livranças, títulos de crédito avalizados pela embargante/apelante as disposições relativas às letras (artº 77º da LULL).

Ora, tendo-se presente que o subscritor de uma livrança responde nos mesmos termos que o aceitante de uma letra (cfr. artigo 78º, n.º 1, da LULL) e sendo o dador de aval responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (cfr. artº 32º 1º parágrafo da LULL) daí decorre que ao avalista do aceitante da letra ou do subscritor da livrança – como é o caso da apelante – é aplicável o mesmo prazo de prescrição que é aplicável ao aceitante ou subscritor, ou seja, o prazo de três anos a contar da data de vencimento constante do título (cfr. se defende, entre outros, no Ac. do TRP 07.01.2019, proferido no processo 1025/18.5T8PRT.P1).

E tendo ambas as livranças a data de vencimento de 9 de Novembro de 2015 e a recorrente sido citada para deduzir oposição a 11.09.2018, citação que interrompe o decurso do prazo (art 323º, nº1 do CC), o prazo de três anos não se mostra excedido, pelo que a ação cambiária não prescreveu.

Da caducidade da garantia

Defende ainda a apelante que a garantia por si prestada tinha a duração de ambos os contratos, sendo que o 1º contrato de abertura de crédito era válido até ao dia 4/04/2012 e o contrato de empréstimo – linha de crédito PME crescimento – até 15.05.2016, nunca tendo sido informada da prorrogação dos prazos e as livranças foram emitidas apenas em 29.10.2015.
Na petição de embargos a apelante veio alegar parte destes factos, relativamente apenas ao contrato que era válido até 04.04.2012, invocando a caducidade da garantia porquanto a garantia dada pelo aval tinha apenas a duração do contrato de abertura de crédito, o qual terminou antes da data em que a livrança foi preenchida. Assim, a invocada caducidade da garantia relativamente ao segundo contrato é questão nova que não cumpre conhecer. Os recursos são meios de reapreciação de questões já suscitadas perante o tribunal inferior e em regra, salvo omissão de pronúncia ou prejudicialidade, já conhecidas e não meios para conhecimento de questões novas, salvo se de conhecimento oficioso, o que não é o caso.
Ora, a relação subjacente ao contrato que deu causa ao preenchimento da livrança é a relação estabelecida entre a exequente e a executada e não entre a subscritora da livrança e o Banco …. A exequente celebrou com a subscritora da livrança um contrato nos termos do qual prestou, a pedido da subscritora B. T.-Comércio de Produtos Alimentares, Lda., uma garantia autónoma à primeira solicitação ao Banco …, destinada a garantir o cumprimento das obrigações de pagamento de 50% do capital mutuado no valor máximo de 7.500,00, no âmbito do contrato de abertura de crédito em regime de conta corrente, no montante de 15.000,00, pelo prazo de 6 meses, renovável por iguais e sucessivos períodos. A garantia autónoma seria válida até 04.04.2012, considerando-se renovada por sucessivos períodos de 6 meses, enquanto não fosse denunciada pela exequente com a antecedência mínima de 45 dias em relação ao fim do período de vigência em curso. E este contrato de prestação de garantia autónoma não era válido só até 04.04.2012, pois que se renovava por períodos sucessivos de seis meses enquanto não fosse denunciado pela embargada (alínea f) das condições de emissão da garantia (p. 27 v), não tendo sido alegado nem consequentemente dado como provado, que esta o tivesse denunciado, pelo que se mantinha válido à data da emissão e do vencimento da livrança.
Mas, ainda que assim não fosse, nunca assistiria razão à apelante na invocada caducidade da garantia, atenta a autonomia do aval. O aval é o acto pelo qual alguém garante o pagamento da letra (ou livrança) por parte de um dos seus subscritores (art. 30º da LULL – aplicável às livranças por força do disposto no art. 77º do mesmo diploma); o dador do aval assume, portanto, uma obrigação cambiária que é autónoma e independente da relação jurídica subjacente ou fundamental, assumindo, perante o titular da letra ou livrança a obrigação de pagar a quantia nela titulada, obrigação que se mantém ainda que a obrigação que garantiu seja nula por qualquer razão que não seja um vício de forma (cfr. art. 32º da LULL). E, como decorre do disposto no art. 47º do citado diploma, o avalista responde perante o portador do título solidariamente com os demais obrigados e estando em causa, uma obrigação cambiária assumida perante o titular da letra ou livrança, autónoma e independente, nada obsta a que o avalista seja demandado individualmente para o efeito de lhe ser exigida a obrigação cambiária que assumiu (o pagamento da quantia incorporada no título) sem que lhe seja lícito invocar as excepções pessoais que o seu avalizado poderia opor ao portador do título decorrentes de eventuais alterações na relação subjacente que entre estes se estabeleceu e que apenas a estes respeitam.
“O aval é uma garantia cambiária unilateral, não receptícia, abstracta, formal e escrita; espontânea e independente; pode ser parcial e configura um direito literal autónomo. Unilateral porquanto decorre da literalidade, autonomia, abstracção dos títulos de crédito que suprimem perante terceiros as defesas que se sustentam da inexistência de discernimento livre ou de causa, pelo que resulta juridicamente transcendente para criar responsabilidade a existência material do acto cambiário ainda que lhe falte a causa ou existam vícios de vontade do avalista. O referido pronunciamento voluntário torna-se incondicional, irrevogável e obriga tão só pela manifestação externa da sua existência jurídica perante qualquer tomador determinado ou a determinar. Não receptícia significa que não necessita de aceitação para que possa gerar todos os efeitos, o que exclui poder considerar-se o aval como um contrato” (cfr. se defende no acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de dezembro de 2012 , proferido no processo 5903/09.4TVLSB.L1.S1).
Como se defende no acórdão uniformizador citado, “a circunstância de ocorrerem vicissitudes na relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitirem à obrigação cambiária, pelo que esta se mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante acção cambiária, perante o avalista para obter a satisfação da quantia titulada na letra.
A circunstância da relação subjacente se modificar ou possuir contornos de renovação não induz ou faz seguir que esses efeitos se repercutam ou obtenham incidência jurídica na relação cambiária.
A relação cambiária constituída permanece independente às mutações ou alterações que se processem na relação subjacente, não acompanhando as eventuais transformações temporais e/ou de qualidade da obrigação causal”.

Por via dessa autonomia, o avalista não pode defender-se com as excepções que o seu avalizado pode opor ao portador do título, salvo a do pagamento (Vaz Serra, R.L.J, Ano 113, pág. 186, nota 2; Ac. S.T.J. de 23-1-86, Bol. 353, pág. 485; Ac. S.T.J. de 27-4-99, Col. Ac. S.T.J., VII, 2º, 68; Ac. S.T.J. de 19-6-2006, Col. Ac. S.T.J., XV, 2º, 118) ”».

Da declaração de insolvência da subscritora da livrança

Entende também a apelante que tendo a subscritora da livrança sido declarada insolvente por sentença de 21 de maio de 2015, quando as livranças foram emitidas já há muito que a subscritora tinha sido declarada insolvente, pelo que a livrança teria caducado.
Face ao que já se escreveu sobre a autonomia do aval, a circunstância da subscritora avalizada ter sido declarada insolvente não tem reflexos na relação entre a apelante e o apelado, assim como não a teria a concretização de um qualquer plano de insolvência ou mesmo de revitalização. Atenta a autonomia do aval, o avalista não pode invocar o acordo constante do Plano de Insolvência/Revitalização pelo subscritor da livrança, sendo pacífico na jurisprudência a admissibilidade da execução sobre o avalista nos termos em que este se vinculou, não podendo o mesmo invocar a seu favor as modificações do crédito concedidas em benefício do avalizado (cfr. se defende no Ac. do TRE de 24.05.2018, processo 71/14.2T2STC-B.E1 e no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de outubro de 2014, processo 16/13.7TBSCF-A.L1.-A.S1).
A decisão recorrida é pois de confirmar.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 17 de dezembro de 2019