Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
206/10.4TBCHV-C.G1
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: DIVÓRCIO
INVENTÁRIO
EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
MAPA DE PARTILHA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – Norteia o inventário em consequência do divórcio, instaurado para partilha do património comum do dissolvido casal, a ideia de conseguir um equilíbrio no rateio final, ou seja, que nenhum dos ex-cônjuges, após a partilha, fique prejudicado em relação ao outro.

2 – Tendencialmente, no inventário devem ser solucionadas todas as questões emergentes da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges com influência na partilha do património comum, designadamente a liquidação das compensações devidas pelo pagamento de dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges suportado apenas por um deles.

3 – O pagamento de prestações bancárias de dois empréstimos concedidos aos cônjuges, da responsabilidade de ambos, suportado apenas por um deles, torna este credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer, sendo este crédito exigível no momento da partilha dos bens do casal e a ser pago pela meação do cônjuge devedor no património comum, nos termos do disposto no citado artigo 1689º, nº 3, do Código Civil.

4 – O mapa da partilha está incorrectamente elaborado quando não reflecte o acordado pelos interessados relativamente à afectação de três verbas de dinheiro e o facto de o pagamento de uma verba do passivo, aprovada por ambos, ter sido exclusivamente suportado por um dos cônjuges.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO

1.1. No inventário em consequência de divórcio, instaurado para partilha do património comum do dissolvido casal constituído por Maria e Francisco, que sob o nº 206/10.4TBCHV-C corre termos no Juízo Local Cível de Chaves, foi por sentença de 11.05.2018 homologada a partilha constante do mapa de fls. 436 a 438.
1.2. Inconformada com a sentença homologatória da partilha e com as decisões interlocutórias que incidiram sobre as reclamações contra o mapa de partilha e que determinaram a elaboração do mesmo, a cabeça-de-casal Maria interpôs recurso de apelação daquela sentença e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1-No mapa de partilha consta, sem fundamente e de modo equívoco, que o interessado pagou a quantia de 24.216,26€ reportado a prestações do empréstimo bancário para habitação da responsabilidade de ambos.
2-Considerando que todas as prestações foram pagas em exclusivo pela interessada, as ditas têm apenas de ser imputadas nos “pagamentos” desta.
3-Em consequência, deve ser retirado do mapa de partilha, rectius do item “pagamentos” pelo interessado Francisco, o referido valor indicado em 1 das conclusões.
4-Deve ter-se em conta, nos pagamentos, o dinheiro que cada um tem em seu poder, por o terem levantado (verbas 1, 2 e 3) referência 3053132 (dos autos), como acordado pelos interessados na conferência.
5-Assim temos, (cfr. esquema explicativo que se junta) totalidade do dinheiro-31.126,92€
Meação de cada um----------------15.563,46€
Francisco: verbas 1 e 2=17.493,61€; ½ das verbas 4 e 5=5.166,66€
Tem: 22.660,27€
Tem a mais: 7.096,81€
Maria: verba 3=3.300,00€; ½ verba 4 e 5=5.166,66€ (contas arroladas em nome do interessado Francisco mas que não foram indicadas no acordo)
Tem: 8.466,66€
Tem a menos: 7.096, 81 €
6-E (cfr. esquema explicativo e gráfico que se junta), temos:
-Valor total dos bens----------------------------------156.034,62€
(adjudicações)
Francisco: 46.663,46€ (1/2 das verbas 1, 2, 3, 4 e 5) e verbas 7, 11 e 30.
Maria: 109.371,16€ (1/2 das verbas 1, 2, 3, 4 e 5) e verbas 8, 29, 13 a 27).
-Total do passivo: -106.655,16€
(adjudicações)
Francisco: 24.216,26€.
Maria: 82.438,90€.
-Total activo líquido: 49.379,46€.
Francisco: 24.689,73€ (meação).
Maria: 24.689,73€ (meação).
Pagamentos:
Maria: Activo: 109,371,16€; passivo suportado: -106.317,57€ (v. 1, 2A e ½ das 3 e 4 do passivo).
Activo líquido: 3.053,58€
Leva a menos: 21.636,15€
Recebe tornas: 21.636,15€ mais 7.096,81€ (dinheiro levantado por Francisco)
Total de tornas a receber: 28.732,96€
Francisco: Activo: 46.663,46€; passivo suportado: -337,59€ (1/2 das verbas 3 e 4 do passivo)
Activo líquido: 46.325,87€
Leva a mais: 21.636,15 €.
Paga tornas: 21.636,15€ mais 7.096,81€ (dinheiro levantado por Francisco).
Total de tornas a pagar: 28.732,96€.
7-As decisões, incluindo a final, prejudicam a recorrente, por desigualdade de lotes tendo o seu menos valor em confronto com o lote do interessado, tendo direito a receber e não a pagar tornas e viola o seu direito a uma partilha justa e equitativa,
8-Ocorreu infracção ao disposto no nº 2 do artigo 1375º do CPC.

Termos em que deve o presente recurso proceder, revogando-se as decisões interlocutórias que indeferiram as reclamações dos mapas de partilha, porquanto não traduzem nem o acordado pelos interessados, quanto ao dinheiro, nem a realidade sobre os pagamentos, já que imputaram indevidamente nos pagamentos do interessado, metade dos montantes das prestações do empréstimo à habitação da responsabilidade de ambos, mas apenas suportadas pela interessada, ora apelante.

Em consequência deve ser determinado a anulação de todo o ulterior processado aquelas decisões incluindo a sentença homologatória da partilha constante do mapa e ordenando-se a elaboração do mapa de partilha de acordo com o supra alegado e em conformidade com as conclusões e os “esquemas explicativos” que se juntam, determinando-se que a interessada tem a receber de tornas a quantia de 28.732, 96 € e o interessado a obrigação de as pagar».
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O interessado Francisco não apresentou contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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1.3. QUESTÕES A DECIDIR

Tendo presente que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635º, nºs 2 a 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, estão em causa nesta apelação a sentença homologatória da partilha e as decisões interlocutórias com as referências 31624162 (fls. 426), 31780194 (fls. 431) e 32080695 (fls. 445), que indeferiram reclamações ao mapa da partilha (quanto às verbas nºs 1, 2 e 3 do activo e à verba nº 2-A do passivo da relação de bens).

Assim sendo, a única questão a decidir consiste em saber se o mapa da partilha foi ou não organizado de harmonia com o deliberado na conferência de interessados e as regras legais que o regulam, tendo presente o constante da relação de bens.
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II – FUNDAMENTOS

2.1. Fundamentos de facto

Para apreciar a aludida questão são relevantes os seguintes factos:

2.1.1. Em 27.01.2012 a cabeça-de-casal apresentou a relação de bens que consta de fls. 23 a 29, integrando o activo 30 verbas e o passivo 3 verbas, tendo o interessado Francisco reclamado da mesma.
2.1.2. Por decisão de 18.05.2015 foi julgada parcialmente procedente a reclamação e, em consequência, determinada a exclusão da relação de bens das verbas nºs 6 e 9.
2.1.3. Na primeira sessão da conferência de interessados, realizada em 07.12.2016, os dois interessados começaram por deliberar relativamente às cinco primeiras verbas do activo da relação de bens, tendo-se exarado na acta o seguinte:
«Após, pelos interessados, foi dito que em relação ao dinheiro, constante nas verbas n.ºs 1 a 5, o mesmo será a dividir por ambos os interessados em partes iguais, tendo em atenção, para efeito de pagamento de tornas, o que cada um já tem em seu poder, as verbas n.ºs 1 e 2 o Francisco, a verba n.º 3 a Maria».
2.1.4. No que respeita ao passivo, fez-se constar que «Acordam em eliminar a verba n.º 2 do passivo e em aditar a verba n.ºs 3 e 4 ao mesmo, ambas referentes ao pagamento do IMI, respeitantes aos anos de 2013/2014, no valor de € 316,54, pago pelo interessado Francisco e respeitante aos anos de 2015/2016, pagos pela interessada Maria por € 358,64 respectivamente».
2.1.5. No prosseguimento da conferência de interessados, foi ainda exarado:
«Por acordo ainda, a verba n.º 7, será adjudicada ao interessado Francisco e a verba n.º 8, será adjudicada à interessada Maria.
Quanto à verba n.º 10, a arma, será excluída da relação de bens (…).
De seguida, procedeu-se à licitação dos restantes bens, sendo que as verbas n.ºs 12, 17 e 28, serão licitadas em conjunto com a verba n.º 29, por fazerem parte integrante da mesma.

Assim, foram licitadas conforme segue:

A verba n.º 11, foi licitada pelo interessado Francisco pelo valor de €50,00.
A verba n.º 13, foi licitada pela interessada Maria, por €15,10.
A verba n.º 14, foi licitada pela interessada Maria, por € 15,10.
A verba n.º 15, foi licitada pela interessada Maria, por € 50,10.
A verba n.º 16, foi licitada pela interessada Maria, por € 81,00.
A verba n.º 18, foi licitada pela interessada Maria, por € 701,00.
A verba n.º 19, foi licitada pela interessada Maria, por € 700,10.
A verba n.º 20, foi licitada pela interessada Maria, por €600,10.
A verba n.º 21, foi licitada pela interessada Maria, por €250,10.
A verba n.º 22, foi licitada pela interessada Maria, por € 255,00.
A verba n.º 23, foi licitada pela interessada Maria, por € 5,10.
A verba n.º 24, foi licitada pela interessada Maria, por € 305,00.
A verba n.º 25, foi licitada pela interessada Maria, por € 505,00.
A verba n.º 26, foi licitada pela interessada Maria, por € 50,00.
A verba n.º 27, foi licitada pela interessada Maria, por € 670,00.
A verba n.º 29, cujo valor atual é de € 85.000,00, foi licitada pela interessada Maria, por € 87.605,00.
A verba n.º 30, cujo valor atual é de € 18.000,00, foi licitada pelo interessado Francisco por €23.050,00.
Após, pelas partes, foi pedida a palavra e no uso da mesma, requereram a marcação de nova data, para a aprovação do passivo em relação às verbas, cuja discussão não foi tida em atenção nesta conferência, pelas razões supra indicadas, bem como para análise dos documentos ora juntos, por parte do interessado Francisco».
2.1.6. Na segunda sessão da conferência de interessados, realizada em 07.02.2017, os dois interessados deliberaram relativamente às verbas do passivo, tendo-se exarado na acta o seguinte:

«(…) tendo sido pedida a palavra pela ilustre mandatária da cabeça de casal, Drª M. A., e no uso dela requereu o prazo de 5 dias para apresentar o montante actualizado, em dívida, ao Banco A, referente à verba nº 1 do Passivo. (…)
Por comum acordo, a verba nº 2-A passa a ter a seguinte redacção:

Deve o património comum à cabeça de casal o montante de € 47.757,34, por ter efectuado com dinheiro seu, relativamente ao pagamento de várias prestações bancárias reportadas a empréstimos à habitação e multiopções, desde Fevereiro de 2010 até Janeiro de 2017 inclusive.
O pagamento será da responsabilidade de ambos os interessados.
A verba nº 3 (três) do passivo, no montante de € 316,54 será paga por ambos os interessados.
A verba nº 4 (quatro) do passivo, no montante de € 358,64 será paga por ambos os interessados.
O passivo foi aprovado por ambos os interessados».
2.1.7. Por requerimento de 14.02.2017, a cabeça-de-casal indicou, relativamente à verba nº 1 do passivo, que «nesta data, a dívida é de 58.222,64€ (cinquenta e oito mil duzentos e vinte e dois euros e sessenta e quatro cêntimos), sendo 52.672,56€ da aquisição de habitação e 5.550,08€ do empréstimo multiopções que àquele está associado», requerimento que não foi objecto de oposição por parte do interessado Francisco.
2.1.8. Por requerimento de 20.02.2017, a cabeça-de-casal pronunciou-se sobre a forma da partilha, indicando que se deveria proceder «da seguinte forma:

- Ao valor dos bens relacionados, tendo em conta a exclusão da verba nº 10, soma-se o aumento proveniente das licitações feitas na conferência.
- Ao montante assim encontrado subtrai-se o passivo também relacionado, considerando as alterações introduzidas, por acordo, naquele acto.
- O montante obtido divide-se em duas partes iguais, constituindo cada um dela a respectiva meação de cada um dos interessados e nesta medida lhes é adjudicado.
- No preenchimento dos quinhões deverá atender-se ao acordado por ambos na conferência de interessados», tendo consequentemente, por despacho de 14.03.2017, sido ordenada a elaboração do mapa da partilha (fls. 403).
2.1.9. Foi elaborado o mapa da partilha, no qual se apurou que a interessada Maria tinha de pagar ao interessado Francisco, o valor de 2.242,52 €, a título de tornas, relativamente ao qual a cabeça-de-casal veio invocar que na conferência de interessados foi acordado que «em relação ao dinheiro constante das verbas nºs 1 a 5, o mesmo será a dividir por ambos os interessados em partes iguais, tendo em atenção para efeitos de tornas, o que cada um já tem em seu poder», sublinhando que «o interessado Francisco tinha as verbas nºs 1 e 2 e a interessada a verba nº 3» e concluiu que existe um lapso no dito mapa ou que, pelo menos, as tornas já se encontram satisfeitas.
2.1.10. A reclamação obteve procedência, em parte, alinhando-se na decisão que «em relação à questão das tornas se encontrarem satisfeitas, em sede de conferência de interessados foi acordado dividir em partes iguais as verbas 1 a 5 que correspondem a valores em dinheiro, e que no total ascendem a 31.196,92 €, o que redunda em 15.598,46 € para cada um. Desse valor a cabeça-de-casal tem na sua posse 3.300 € (verba 3) e o interessado 3.151,61 € (verba 1) e 14.342,00 € (verba 2). Assim, em relação aos valores pecuniários o interessado Francisco tem já na sua posse 17.493,61 € que excede em 1.895,15 € o montante que lhe corresponde. Logo, e como resulta do acordado, tal valor será imputado nas tornas devidas, pelo que, a cabeça-de-casal é devedora de 1.104,85€ a tal título».
2.1.11. Na sequência desta decisão foi elaborado novo mapa de partilha constante de fls. 436-438, que suscitou a seguinte reclamação da cabeça-de-casal, na parte relevante:

«Tendo em conta o descrito e debruçando-nos sobre o mapa verificamos o seguinte:

- A soma do activo (dinheiro, móveis e imóveis) tem o valor de 156.034,62€ pelo que está correcta esta rubrica no mapa.
- Quanto à rubrica do passivo, verificamos que as quantias referentes às verbas 1, 2A, 3 e 4 têm o valor correcto de 106.655,16€.
- Abatendo-se o passivo ao activo, o valor a partilhar é de 49.379,46€, sendo a meação de cada um dos interessados no valor de 24.689,73€, também estando certo este valor da meação.
- No resumo do mapa consta que à Maria lhe pertence ½ das verbas 1, 2, 3, 4 e 5 e ainda as verbas nº 8, 12 a 29, no valor de 109.371,15€.
- Sendo o passivo da sua responsabilidade (verba nº 1 e ½ das verbas 2A, 3 e 4), no valor de 82.438,90€.
- Também consta que ao interessado Francisco lhe pertence ½ das verbas 1, 2, 3, 4 e 5 e ainda as verbas nº 7, 11 e 30, no valor de 46.929,52€.
- E que o passivo da sua responsabilidade é igual a ½ das verbas 2A, 3 e 4, no valor de 24.216,26€.
Nada a dizer quanto ao que consta no mapa de partilha até aqui, considerando o mapa concretamente elaborado quanto aos direitos e obrigações de cada um dos interessados.

Mas já não podemos concordar com a rubrica dos Pagamentos, nos termos que a seguir se referem:

- À cabeça de casal Maria são adjudicadas ½ das verbas 1, 2, 3, 4 e 5 e ainda as verbas 8, 12 a 29, no valor de 109.371,51€.
- E mais refere que suporta passivo no valor de 82.438,90€.
- No entanto salienta-se que para além do passivo da sua responsabilidade, no valor de 82.438,90€, a cabeça de casal procedeu ao pagamento da quantia da responsabilidade do interessado Francisco, no valor de 23.878,67€, ou seja, ½ da quantia de 47.557,34€.
- Como o interessado Francisco tem em seu poder a quantia de 27.826,92€ (verbas 1, 2, 4 e 5) e a cabeça de casal tem a quantia de 3.300,00€ (verba 3), aquele tem do activo da Maria a quantia de 12.263,46€.
- Além disso, consta da conferência de interessados que a cabeça de casal pagou do seu bolso a quantia de 358,64€ e o interessado Francisco a quantia de 316,54€.
- Assim sendo, a manter-se o mapa de partilha a cabeça de casal, que tem direito a um activo de 109.371,15€ (mas que na realidade só tem um activo de 97.107,69€, pois parte desse activo está na posse do interessado Francisco, mais precisamente a quantia de 12.263,46€) e tem a responsabilidade do passivo de 82.438,90€ (mas pagou a quantia de 106.316,50€, ou seja, pagou a totalidade da verba 2A), terá um prejuízo enorme na partilha e isto porque ½ da verba 2A, da responsabilidade do interessado Francisco que foi paga por si e com dinheiro seu, o que não está reflectido no mapa de partilha, ou seja, não lhe foi entregue e não lhe é adjudicado tal valor, e quanto às quantias em dinheiro as mesmas estão reflectidas no seu activo mas parte delas, mais precisamente 12.263,46€, está na posse do interessado Francisco e conforme acordado em conferência de interessados, o dinheiro que cada um tem em seu poder será tido em conta para efeitos de pagamento de tornas.
- Ou seja, ao interessado Francisco são adjudicados bens no valor de 46.925,52€ e como tinha passivo de 24.216,26€ (que não suportou, pois foi apenas e só pago pela cabeça de casal com dinheiro seu) recebe a mais 23.878,67€.
- E a interessada Maria, a quem foram adjudicados bens no valor de 109.371,15€ mas tem passivo de 82.438,90€, e que também pagou 23.878,67€, correspondente a ½ da verba 2A da responsabilidade do interessado Francisco, suportando todo o passivo, fica com um saldo positivo de 26.932,00€, quando o mesmo é negativo, e ainda tem de dar tornas.
- Na verdade há erros e lapsos mas neste mapa existem erros gritantes que não podemos deixar de salientar porque da forma como está elaborado um interessado é muito favorecido e outro é muito prejudicado.
- Assim, o interessado Francisco tem de pagar tornas à interessada Maria e não o contrário.
- O interessado Francisco, por o ter levantado, tem na sua posse a quantia de 17.826,92€ e na conta da qual é único titular mas que se encontra arrolada existe a quantia de 10.000,00€, perfazendo um total de 27.826,92€, tendo de entregar à cabeça de casal a quantia de 12.263,46, pois esta tem em seu poder a quantia de 3.300,00€.
Pelo exposto, na rubrica pagamentos devem constar as verbas adjudicadas à interessada Maria e ao interessado Francisco, o passivo que concretamente foi suportado por cada um e o dinheiro que cada um tem em seu poder e as tornas a pagar».
2.1.12. Por despacho de 10.04.2018 foi indeferida a referida reclamação contra o mapa da partilha.
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2.2. Do objecto do recurso

2.2.1. Da dívida do património comum à interessada Maria

Está em causa um inventário em consequência do divórcio, nos termos do artigo 1404º do CPC, na versão anterior à do NCPC, o qual foi precedido de arrolamento.
Foi relacionada e, posteriormente, aprovada na conferência de interessados a verba nº 2-A do passivo, assim descrita:
«Deve o património comum à cabeça de casal o montante de € 47.757,34, por ter efectuado com dinheiro seu, relativamente ao pagamento de várias prestações bancárias reportadas a empréstimos à habitação e multiopções, desde Fevereiro de 2010 até Janeiro de 2017 inclusive».
Os interessados deliberaram que «o pagamento será da responsabilidade de ambos os interessados».

A principal questão suscitada neste recurso respeita precisamente a essa verba nº 2-A do passivo, sustentando a Recorrente que no mapa da partilha não foi considerado o facto de ter sido suportada integralmente por si. No fundo, embora já por palavras nossas, invoca que a aludida verba foi considerada como se fosse uma dívida do património comum a terceiros, quando é titulada pela Recorrente e, por isso, deve ser considerada no mapa da partilha na parte referente aos pagamentos, tendo direito a haver metade do montante que suportou.

Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges pela dissolução do casamento - art. 1688º do Código Civil -, recebem estes os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património - art. 1689º, nº 1, do Código Civil.

Nos termos do nº 3 do artigo 1689º do Código Civil, os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum.
Resulta das disposições citadas que o inventário instaurado para partilha do património comum do dissolvido casal implica a realização de várias operações, entre as quais figuram a determinação dos bens que integram o referido património, o apuramento e pagamento das dívidas, a avaliação e cálculo das compensações e a efectiva partilha dos bens comuns.
Por conseguinte, na parte que releva para o objecto deste recurso, competirá relacionar o passivo, desde logo, o que onera o património comum, da responsabilidade de ambos os cônjuges (a apurar nos termos dos arts. 1691º, 1693º, nº 2, e 1694º, nºs 1 e 2, do Código Civil), mas também as dívidas do património comum a cada um dos cônjuges (1) e, segundo alguma jurisprudência e doutrina, dos cônjuges entre si (2).
O passivo relacionado será submetido à conferência de interessados para deliberar sobre a sua aprovação e forma de pagamento.

No caso dos autos, tendo o casamento sido sujeito ao regime da comunhão de adquiridos, a partilha é feita em consonância com aludido regime e as normas legais que o norteiam.
Importa notar que, nos termos do artigo 1730º, nº 1, do Código Civil, os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão.

Não há dúvida, nem foi levantada, que a verba nº 2-A do passivo (pagamento de prestações bancárias de dois empréstimos ao Banco A) é uma dívida que responsabiliza ambos os cônjuges e que foi suportada apenas pela interessada Maria, pelo que esta tornou-se credora do interessado Francisco pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer, sendo este crédito exigível no momento da partilha dos bens do casal e deve ser pago pela meação do cônjuge devedor no património comum, nos termos do disposto no citado artigo 1689º, nº 3, do Código Civil.

O objectivo que preside a todas as operações de liquidação e partilha do património comum é conseguir um equilíbrio no rateio final, o que se consegue se o património individual de cada um dos cônjuges não ficar nem beneficiado nem prejudicado em relação ao do outro. Podemos ainda referir um objectivo complementar, qual seja o de procurar resolver todas as questões atinentes ao património comum no inventário, para que os interessados não se vejam posteriormente na necessidade de recorrer a tribunal com a finalidade de sanar conflitos que nem sequer se suscitariam se o inventário tivesse sido exaustivo e completo.

Visto o enquadramento da questão, temos que os interessados Maria e Francisco optaram por admitir que fosse relacionada a verba nº 2-A como uma dívida do património comum à interessada Maria e procederam à aprovação desse passivo. A referida interessada pagou prestações bancárias no valor total de 47.757,34 € e, sendo essa uma dívida do património comum, tem direito a uma compensação de metade desse valor, ou seja, 23.878,67 €.

Tal como está realizado o mapa da partilha, a interessada Maria não é compensada no montante de 23.878,67 €.

Isto porque foi dada à referida dívida o mesmo tratamento da dívida hipotecária que constitui a verba nº 1, que é uma dívida a terceiros. O mapa da partilha não reflecte o facto de a aludida quantia de 47.757,34 € ter sido paga exclusivamente pela interessada ao Banco A. Repare-se que o tratamento que é dado à dívida no mapa da partilha é exactamente o mesmo que lhe seria dado se a aludida quantia ainda estivesse em dívida ao banco. Sendo realidades diferentes, naturalmente que devem receber um tratamento diferenciado.

Se o referido mapa se mantivesse tal como está, na parte referente a “pagamentos”, a interessada Maria, que desembolsou 47.757,34 €, teria de posteriormente exigir o pagamento ao interessado Francisco de metade daquele valor, ou seja, o montante de 23.878,67 €, para ver satisfeita a compensação a que tem direito nos termos do nº 3 do artigo 1689º do Código Civil, quando tudo isso pode ficar resolvido no inventário, na parte do mapa da partilha referente aos pagamentos.

Mas, por identidade de razão, o mesmo se passa relativamente às verbas nºs 3 e 4 do passivo. A verba nº 3, no valor de 316,54 €, respeita ao pagamento do IMI de prédio que integra o património comum, quantia suportada pelo interessado Francisco, pelo que este tem direito a uma compensação de 158,27 €. A verba nº 4, no valor de 358,64 €, respeita ao pagamento do IMI de prédio que integra o património comum, desta feita suportado pela interessada Maria, pelo que esta tem direito a uma compensação de 179,32 €. Mencionamos a necessidade de dar tratamento idêntico às verbas nºs 3 e 4, uma vez que isso não resulta expressamente das conclusões da Recorrente e a partilha não pode ser feita de modo diferente do por nós apontado. Só assim se consegue atingir o desiderato expresso no artigo 1689º, nº 1, do Código Civil, na parte em que impõe que cada um confira o que dever ao património comum.
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2.2.2. Das verbas 1 a 5 do activo da relação de bens

Foram relacionadas cinco verbas, sob a epígrafe dinheiro, em conformidade com o disposto no artigo 1345º, nº 1, do CPC. Constituem precisamente as verbas nºs 1 a 5 do activo, que no total ascendem a 31.126,92 €. As verbas nºs 1 e 2, respectivamente no valor de 3.151,61 € e 14.342,00 €, estão na posse do interessado Francisco, enquanto a verba nº 3, no valor de 3.300,00 €, está na posse da interessada Maria. As verbas nºs 4 e 5, respectivamente no valor de 10.000,00 € e 333,31 €, encontram-se arroladas.

Na conferência de interessados, os dois interessados deliberaram sobre essas cinco verbas do activo da relação de bens, tendo acordado que «em relação ao dinheiro, constante nas verbas n.ºs 1 a 5, o mesmo será a dividir por ambos os interessados em partes iguais, tendo em atenção, para efeito de pagamento de tornas, o que cada um já tem em seu poder, as verbas n.ºs 1 e 2 o Francisco, a verba n.º 3 a Maria».

O problema que acabou por ser posto nas sucessivas reclamações contra os mapas da partilha elaborados resulta de não ter sido considerada a parte final do acordado pelos interessados, ou seja, no segmento em que acordaram que fosse levado em «atenção, para efeito de pagamento de tornas, o que cada um já tem em seu poder, as verbas n.ºs 1 e 2 o Francisco, a verba n.º 3 a Maria».

A questão só surge porque os interessados foram pouco avisados na forma como redigiram o acordo. Bastava terem estipulado que as verbas nºs 1 e 2 eram adjudicadas ao interessado Francisco e a verba nº 3 à interessada Maria, ou seja, que cada um ficava com o que tinha na sua posse, e o problema já não se colocava. Parece que sentiram a necessidade de afirmar que o dinheiro integrava o património comum, quando isso já resultava do simples facto de assim estar relacionado.

Assim, tal como está o mapa da partilha, o mesmo não reflecte o acordado no que respeita a pagamentos, devendo nessa parte considerar-se que o interessado Francisco tem na sua posse a quantia de 17.493,61 € e a interessada Maria 3.300 €, montantes que fazem seus.

Já quanto às verbas nºs 4 e 5, que se encontram arroladas, como as mesmas não foram objecto de qualquer acordo complementar, para além de os interessados terem acordado que cada um tinha direito a metade dessas duas verbas, deve partir-se do pressuposto de que foram adjudicadas na proporção de metade para cada um, pelo que cada interessado terá o direito de levantar metade dessas quantias. Daí que relativamente a estas duas verbas nenhuma ressalva deva ser feita no mapa da partilha, que nessa parte se encontra correcto.
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2.2.3. resumo

Em síntese, na secção intitulada “pagamentos” do mapa da partilha deve ser levado em consideração que:

a) A verba nº 2-A do passivo, no valor de 47.757,34 €, foi exclusivamente suportada pela interessada Maria (que por isso tem um crédito de 23.878,67 € sobre a meação do interessado Francisco);
b) A verba nº 3 do passivo, no valor de 316,54 €, foi exclusivamente suportada pelo interessado Francisco (que por isso tem um crédito de 158,27 € sobre a meação da interessada Maria);
c) A verba nº 4 do passivo, no valor de 358,64 €, foi exclusivamente suportada pela interessada Maria (que por isso tem um crédito de 179,32 € sobre a meação do interessado Francisco);
d) As verbas nºs 1 e 2 do activo, respectivamente no valor de 3.151,61 € e 14.342,00 €, estão na posse do interessado Francisco, que as fará suas, impondo-se que o mapa da partilha reflicta tal realidade;
e) A verba nº 3 do activo, no valor de 3.300,00 €, está na posse da interessada Maria, que a fará sua, devendo o mapa da partilha reflectir tal realidade;
f) O mapa da partilha encontra-se correcto no que respeita às verbas nºs 4 e 5 do activo.

Portanto, na procedência da apelação, impõe-se a revogação da sentença homologatória da partilha e das decisões interlocutórias com as referências 31624162 (fls. 426), 31780194 (fls. 431) e 32080695 (fls. 445), na parte em que indeferiram reclamações ao mapa da partilha em contrário ao preconizado neste acórdão, com a consequente anulação do subsequente processado, incluindo o mapa da partilha. Seguir-se-á a elaboração de novo mapa da partilha que reflicta o aqui exposto no que respeita às verbas nºs 1, 2 e 3 do activo e 2-A, 3 e 4 do passivo.
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2.3. Sumário

1 – Norteia o inventário em consequência do divórcio, instaurado para partilha do património comum do dissolvido casal, a ideia de conseguir um equilíbrio no rateio final, ou seja, que nenhum dos ex-cônjuges, após a partilha, fique prejudicado em relação ao outro.
2 – Tendencialmente, no inventário devem ser solucionadas todas as questões emergentes da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges com influência na partilha do património comum, designadamente a liquidação das compensações devidas pelo pagamento de dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges suportado apenas por um deles.
3 – O pagamento de prestações bancárias de dois empréstimos concedidos aos cônjuges, da responsabilidade de ambos, suportado apenas por um deles, torna este credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer, sendo este crédito exigível no momento da partilha dos bens do casal e a ser pago pela meação do cônjuge devedor no património comum, nos termos do disposto no citado artigo 1689º, nº 3, do Código Civil.
4 – O mapa da partilha está incorrectamente elaborado quando não reflecte o acordado pelos interessados relativamente à afectação de três verbas de dinheiro e o facto de o pagamento de uma verba do passivo, aprovada por ambos, ter sido exclusivamente suportado por um dos cônjuges.
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III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença homologatória da partilha e as decisões interlocutórias com as referências 31624162 (fls. 426), 31780194 (fls. 431) e 32080695 (fls. 445), na parte em que indeferiram reclamações ao mapa da partilha em contrário ao preconizado neste acórdão, com a consequente anulação do subsequente processado, incluindo o mapa da partilha, e a elaboração de novo mapa nos termos atrás expostos e praticando-se a seguir os actos subsequentes.
Custas pelo Recorrido.
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Guimarães, 08.11.2018
(Acórdão assinado digitalmente)

­ Joaquim Boavida
(relator)
Paulo Reis
(1º adjunto)
Joaquim Espinheira Baltar
(2º adjunto)
1 - Este ponto parece-nos tendencialmente incontroverso.
2- No sentido de não deverem ser relacionadas as dívidas dos cônjuges entre si, João António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. III, 4ª edição, Almedina, 1991, pág. 392. Trata-se de matéria que não tem uma resposta uniforme, mas relativamente à qual não é necessário tomarmos posição por não estar em causa nos autos.