Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1695/22.0T8VNF.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: DOENÇA PROFISSIONAL
RIZARTROSE BILATERAL
PROVA PERICIAL
REMIÇÃO TOTAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - A doença profissional tem de resultar diretamente das condições de trabalho e tem de estar prevista na lista oficial, ou tem de ser consequência direta e necessária da actividade exercida, ou seja, não pode resultar do normal desgaste do organismo.
II - A prova pericial está sujeita à livre apreciação do julgador e apenas se deve divergir do respectivo laudo pericial quando o julgador disponha de elementos seguros que lhe permitam fazê-lo. Nesta situação deve o julgador motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a divergir. É precisamente o que sucede no caso em apreço, pois os elementos de prova que constam dos autos, neles se incluindo o parecer emitido a este propósito pelo Perito indicado pela sinistrada que participou na junta médica, permitem com alguma segurança discordar da posição maioritária assumida pelos Srs. Peritos Médicos em sede de Junta Médica, pois sem se terem debruçado sobre as concretas funções desempenhadas ao longo de vários anos pela sinistrada, concluíram não estar na presença de uma doença profissional, por a mesma não constar das elencadas na tabela.
III- Para que se possa determinar a remição total de uma pensão em caso de doença profissional tem de se verificar cumulativamente os seguintes requisitos:
- a IPP atribuída tem de ser inferior a 30%;
- a pensão tem de ser devida por doença profissional sem carácter evolutivo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA intentou a presente acção declarativa com processo especial para efectivação de direitos resultantes de doença profissional contra o Réu INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP - CENTRO NACIONAL DE PROTECÇÃO CONTRA OS RISCOS PROFISSIONAIS, e pede a condenação do Réu:

a) Reconhecer que a Autora padece de doença profissional;
b) Pagar-lhe a pensão anual vitalícia que vier a ser fixada em consequência do resultado da junta médica.
Alega em síntese que é portadora de doença profissional contraída ao serviço do seu empregador, em virtude das tarefas que tem de executar, como costureira, de estofos de automóveis, diariamente, com grande exigência dos membros superiores, designadamente da mão e punho, com a colocação de materiais e realização de “casamento” que obrigam a movimentos repetitivos de flexão e extensão do punho e movimentos de tracção do couro com o recurso ao 1.º dedo da mão esquerda.
O Réu contestou e alega em resumo que não está demonstrado que a autora tenha estado exposta ao risco pela natureza da industria, actividade ou condições, ambiente e técnicas do trabalho habitual, não se verificando assim o nexo de causalidade entre a doença e a profissão exercida. Defende que se trata de doença natural e pugna pela improcedência da acção.

Foi realizado EXAME POR JUNTA MÉDICA, e por decisão proferida em 6.09.2022, no respectivo apenso, ficou assente que a autora apresenta uma IPP de 10,32%.

Realizou-se a audiência de julgamento e por fim foi proferida sentença a qual terminou com o seguinte dispositivo:
Face ao exposto, julga-se a presente acção procedente, e, em consequência:
» condena-se a Ré “Instituto da Segurança Social, IP (Departamento de Protecção contra os Riscos Profissionais)” a reconhecer que a Autora AA sofre de doença profissional - rizartrose bilateral;
» condena-se a Ré “Instituto da Segurança Social, IP (Departamento de Protecção contra os Riscos Profissionais)” a pagar à Autora AA a pensão anual de €737,60 com início em 06.05.2020, a que corresponde o capital de remição de € 9.562,25 (€ 737,60 x 12,964), a que acrescem juros legais à taxa legal de 4% contados desde 06.05.2020 até efectivo e integral pagamento;
» condena-se a Ré Instituto da Segurança Social, IP (Departamento de Protecção contra os Riscos Profissionais)” a pagar à Autora AA a quantia de € 10.965,69, relativamente a indemnização por incapacidades temporárias sofridas, acrescida de juros desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento.
» Custas da acção a suportar pela Ré. (Cfr. Artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)
Valor da acção: € 20.527,94.
» Notifique.”
Inconformado com esta decisão veio o Réu, interpor recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões que passamos a transcrever:
“CONCLUSÕES
A. O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou a ação totalmente procedente por provada e consequentemente condenou o Réu, ora Recorrente:
(…).
E. Porém, para assim decidir, está o Réu/Recorrente, em crer que o Tribunal a quo, salvo o devido respeito por entendimento contrário, realizou um manifesto erro na matéria factual dada como provada e na interpretação do direito aplicável ao caso concreto, daí se justificar a interposição do presente recurso.
F. Considerando os factos que foram dados como provados no âmbito dos presentes autos, e salvo melhor opinião, não poderá o Réu/Recorrente concordar com a douta sentença do tribunal a quo, uma vez que o sentido de decisório da mesma foi totalmente contrário à posição vertida pela maioria dos peritos no auto de Junta Médica realizado a 8 de Julho de 2022.
G. Realizada a junta médica, os Srs peritos (da Ré e Tribunal) consideraram que a rizartrose bilateral de que a Recorrida padecia não era consequência direta e necessária dos movimentos repetidos que realiza na sua profissão, sendo o fundamento a não inclusão desta patologia na lista de doenças profissionais em ortopedia e sendo que a doença tem uma causa multifatorial desde inflamatória a degenerativa e, como tal, não se pode inferir a sua ligação direta e necessária ao trabalho.
H. Não obstante a posição vertida pelos peritos da Ré e do próprio tribunal na Junta médica, o douto tribunal a quo deu como provado
I. “K. A doença referida em I. é decorrência da actividade profissional e exercício das tarefas referidas em D.Nos termos do artigo 135.º do Código de Processo do Trabalho: L. A Autora apresenta uma incapacidade permanente parcial de 10,32 %.”
J. Mais importa, analisar a fundamentação do douto tribunal para os supra transcritos factos provados.
K. O douto tribunal começa por referir que para a factualidade, nomeadamente do ponto K, ora em estudo, foi considerado o exame por junta médica e os depoimentos das testemunhas inquiridas:
“Quanto à factualidade constante do Ponto K. o tribunal considerou o exame de junta médica conjugado com o depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento”
L. De seguida, como já anteriormente referido, “Com efeito, em sede de exame por junta médica, os Senhores Peritos Médicos do Tribunal e da Ré confirmaram que a Autora apresenta rizartrose bilateral, no entanto entendem que “não são consequência direta e necessária dos movimentos repetidos que realiza na sua profissão, sendo o fundamento a não inclusão desta patologia na lista de doenças profissionais em ortopedia e sendo que a doença tem uma causa multifatorial desde inflamatória a degenerativa e, como tal, não se pode inferir a sua ligação direta e necessária ao trabalho.”.
M. Espelhando, nitidamente a sentença, neste ponto, qual as posições assumidas pelos Peritos designados pelo Tribunal e pela Ré em sede de perícia – Junta Médica.
N. Não obstante a posição assumida, os Srs. Peritos do Tribunal e da Ré responderam a outro quesito, alegando que se esta incapacidade fosse considerada doença profissional seria de 10,32%:
“No entanto, em resposta ao quesito 5) formulado pela Ré, afirmam que “se a incapacidade fosse considerada doença profissional seria de 10,32%, por analogia, pelos itens Cap. I – 8.3.1 a) – 0,04 à direita, mais 0,03 à esquerda, com cálculo de desvalorização múltipla e aplicação do fator de 1,5 por idade superior a 50 anos (0,0688X1,5).
O. Assim, dúvidas não restam de que, por maioria, a junta médica colegial, composta três peritos (da Recorrida, do Tribunal e da Ré) - considerou que a doença da Recorrida “não são consequência direta e necessária dos movimentos repetidos que realiza na sua profissão, sendo o fundamento a não inclusão desta patologia na lista de doenças profissionais em ortopedia e sendo que a doença tem uma causa multifatorial desde inflamatória a degenerativa e, como tal, não se pode inferir a sua ligação direta e necessária ao trabalho.”.
P. Ora, apesar da informação vertida no auto de junta médica, o tribunal a quo considerou “Assim, parece resultar que os Sr. Peritos do Tribunal e da Ré apenas considerariam a doença rizartrose bilateral como doença profissional, isto é, como consequência necessária e directa da actividade exercida e não um resultado do normal desgaste do organismo, se a mesma constasse da lista de doenças profissionais previstas no Decreto Regulamentar n.º 6/2001, de 5 de Maio (…) Por outro lado, do Auto Exame por Junta Médica verifica-se que os Senhores Peritos Médicos do Tribunal e da Ré reconhecem a doença rizartrose bilateral da Autora e a existência “dos movimentos repetidos que [a Autora] realiza na sua profissão”, no entanto, admitem expressamente que “não são consequência direta e necessária (…), sendo o fundamento a não inclusão desta patologia na lista de doenças profissionais em ortopedia e sendo que a doença tem uma causa multifatorial desde infamatória e degenerativa e, como tal, não se pode inferir a sua ligação direta e necessária ao trabalho”.
Q. Face ao supratranscrito, não compreende o aqui Recorrido como é que de uma decisão tomada por maioria de Peritos médicos de uma junta médica colegial “parece resultar” que apenas considerariam a doença rizartrose bilateral como doença profissional, se a mesma constasse da lista de doenças profissionais.
R. Quando não foi esta, ipsis verbis a argumentação utilizada pelos Srs. Peritos no Auto de Exame por Junta Médica.
S. Sendo que, salvo melhor opinião, esta posição vertida na douta sentença, não é mais que uma interpretação do referido auto, que não resulta do decisório vertido no mesmo.
T. Assim, s.m.o e com o devido respeito por opinião contrária, e não obstante a prova pericial esteja sujeita à livre apreciação do julgador, o douto tribunal apenas poderá divergir dos respetivos pareceres quando disponha de elementos seguros que lhe permitam fazê-lo.
U. O que salvo o devido respeito, não aconteceu no presente caso.
V. Para sustar a posição vertida anteriormente de que “parece resultar” que apenas considerariam a doença rizartrose bilateral como doença profissional, se a mesma constasse da lista de doenças profissionais, o douto tribunal a quo, fez, a nosso ver, mais uma interpretação do Auto de Junta médica e enquadrou a atividade da Autora/Recorrida como uma das “causas multifatoriais” da doença:
W. Assim, vejamos: “Ora, no que respeita à “causa multifatorial desde infamatória e degenerativa” da rizartrose bilateral cumpre referir, desde logo, que esta argumentação (medico-científica) não afasta a possibilidade dos movimentos repetidos que a Autora realiza - no desempenho das suas funções enquanto costureira - serem a causa (inicial) da inflamação. Aliás o adjectivo multifactorial significa (tão só) ser “relativo a diversos fatores ou causas” (cfr. Porto Editora – multifatorial no Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult 2023-09-21 12:44:54]. Disponível em https://www.infopedia.pt/dicionarios/linguaportuguesa/multifatorial), onde se pode incluir os movimentos repetidos das mãos e dos punhos. Ou seja, a “causa multifatorial desde infamatória e degenerativa” não exclui que foram os movimentos frequentes, repetidos e rápidos em regime de cadência, bem como as posições articulares assumidas no desempenho das tarefas da Autora, o factor/ motivo desencadeador para o desenvolvimento e instalação do diagnóstico médico de rizartrose bilateral (doença inflamatória e de carácter degenerativo).”
X. E por fim, “Esta é, de resto, a opinião dos médicos que acompanharam a Autora e que foram inquiridos em sede de audiência de julgamento: BB, CC e DD. Esta última testemunha, DD, que, como se disse, foi quem fez a participação da doença profissional da Autora, depois de confirmar que a Autora tinha uma rizartroze, mencionou que quando há uma doença que podem suspeitar que é uma doença profissional a sua obrigação é reportar, e foi o que fez, sendo que tal doença podia ser enquadrada como doença profissional. Ademais, o trabalho na empresa da Autora era muito repetitivo, com movimentos repetitivos do polegar e punho, e com algum esforço físico e que ao o longo do tempo pode dar lugar a esta patologia, sendo de opinião que há um possível nexo de causalidade, opinião esta restritiva ao facto de não ter competências do ponto de vista de dano corporal. Por outro lado, do auto de exame resulta que os senhores peritos médicos (do tribunal e da Ré) excluem o nexo de causalidade do ponto de vista médico-legal (como não pode deixar de ser) da doença relativamente aos movimentos repetidos realizados pela Autora com o fundamento no facto de tal patologia não estar incluída na lista das doenças profissionais, considerando, porém, que esta tem uma IPP derivada dessa doença.
Ora, no que respeita a este fundamento dir-se-á que, resulta (expressamente) da lei, da doutrina e da jurisprudência prevalecente que, por um lado, pode ser reconduzido a doença profissional a lesão corporal, perturbação funcional ou a doença não incluídas na lista, desde que se prove que essa patologia é consequência, necessária e directa, da actividade exercida e não um resultado do normal desgaste do organismo (cfr. artigos 283.º, n.º 3, do Código de Trabalho, e 94.º, n.ºs 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro), e, por outro lado, que as doenças profissionais atípicas serão toda as demais doenças não descritas na lista, cabendo ao trabalhador a prova (cumulativa) de que: 1) é portador da doença; 2) esteve exposto a algum factor de risco relevante; 3) é necessária e directamente consequência dessa exposição (nexo de causalidade); e 4) que a doença não decorre de normal desgaste do organismo.”
Y. Ora, de facto, o tribunal a quo considerou que era de valorizar a opinião dos médicos que acompanharam a Autora – inclusive o médico que realizou a participação obrigatória que deu origem ao processo de doença profissional - e que foram, por consequência, arrolados por esta para testemunhar na Audiência de discussão e julgamento.
Z. Em detrimento da posição vertida pela maioria dos peritos médicos em Auto de Junta Médica, tendo para o efeito, s.m.o interpretado a decisão da Junta Médica de forma a sustar o sentido decisório confirmado em audiência de julgamento pelos médicos arrolados pela Autora.
AA. Decisão com a qual o aqui Recorrente não pode concordar, uma vez que a douta decisão viola de forma clara as garantias de imparcialidade que fundamentam a existência de uma junta médica colegial e o principio da igualdade das partes, devendo por sua vez a douta sentença ser anulada com fundamento na alínea b) e c) do CPC aplicável ex vi artigo 1.º nº 2 alinea c) do Código de Processo do Trabalho.
BB. Acresce que, o tribunal a quo, deu como provado: “M. A Autora esteve em situação de incapacidade temporária para o trabalho entre 05.11.2018 e 06.10.2020, não tendo exercido mais a sua actividade na entidade empregadora referida em C.” (negrito e sublinhado nosso)
CC. E ainda “A factualidade constante do Ponto M. deu-se como provada em atenção aos certificados de incapacidade temporária para o trabalho juntos aos autos em 19.04.2022 conjugados com as declarações de parte da Autora que confirmou que trabalhou na EMP01... até Outubro de 2018.”
DD. Ora, a este propósito importa referir que a Autora, ora Recorrida esteve em situação de equivalência por prestação de doença profissional entre 2018/11 e 2020/08, pelo que, a pensão a pagar pela IPP atribuída não pode acumular com esse período para os efeitos e segundo o disposto no artigo 67.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro – Lei de Bases do Sistema de Segurança Social.
EE. O que a douta sentença também não contabilizou,
FF. Por fim, no que concerne a condenação do Réu, ora Recorrido a pagar à Recorrida a pensão anual de € 737,60 com início em 06.05.2020, a que corresponde o capital de remição de € 9.562,25 (€ 737,60 x 12,964), a que acrescem juros legais à taxa legal de 4% contados desde 06.05.2020 até efetivo e integral pagamento, salvo melhor opinião, não poderá o Réu/Recorrente concordar com a douta sentença do tribunal a quo e ser condenado a pagar à Autora/Recorrida o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de €737,60 (trezentos e noventa e três euros e dezoito cêntimos).
GG. Pois, não obstante, ter sido reconhecido na douta sentença a quo que a Autora/Recorrida padecia de doença profissional rizartrose bilateral a que corresponde uma IPP de 10,32 %
HH. A verdade é que, atendendo a que a doença profissional é de caráter evolutivo (uma vez que nada se deu como provado em contrário), na medida em que implica uma evolução lenta e progressiva, com agravamento da condição de saúde da Autora/Recorrida, não poderá, por isso, a pensão que a Autora/Recorrida tem direito, ser remida.
II. Nos termos do disposto no artigo 135.º n.º1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro: “1 - Pode ser remida, mediante requerimento do interessado ou por decisão judicial, a pensão devida por doença profissional sem carácter evolutivo, correspondente a incapacidade permanente parcial inferior a 30%.”
JJ. Ora, tal como já foi supra explanado, apesar de ter sido atribuída à Autora/Recorrida uma I.P.P. inferior a 30%, importa sublinhar que a doença profissional é de caráter evolutivo.
KK. Ora, é precisamente o caráter evolutivo, lento e progressivo que distingue a doença profissional do acidente de trabalho.
LL. Nesse conspecto, a jurisprudência tem sido unânime em considerar que “A doença profissional “pressupõe uma evolução lenta e progressiva, ao contrário do acidente de trabalho que se traduz num evento súbito, inesperado e de origem externa que lhe confere até a possibilidade de ser datável” – cfr. acórdão do STJ de 14-04-1999, CJ, S, 1999, II, 260 e Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, pág. 37. (negrito nosso)
MM. Assim, face ao supra exposto, tratando-se de uma doença profissional, de evolução continuada, gradual e progressiva, não se encontram preenchidos os requisitos elencados no n.º1 do artigo 135.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro para que seja efetuada a remição da pensão à Autora/Recorrida.
NN. Pelo que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, a douta sentença do Tribunal a quo padece de vicio de violação de lei, na medida em que interpreta erroneamente o direito aplicável in casu, e nessa sequência, deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que, interpretando e aplicando devidamente o direito impendente, considere que, atendendo a que a Autora/Recorrida padece de doença profissional e que a mesma é de caráter evolutivo, não poderá, por isso, ser efetuada a remissão da pensão, pois tal viola de forma flagrante o que dispõe o n.º 1 do artigo 135.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, CONSEQUENTEMENTE, SER REVOGADA A DOUTA SENTENÇA ORA RECORRIDA,
COM O QUE, UMA VEZ MAIS, SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA!”
A Autora apresentou contra-alegação na qual pugna pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora Geral-Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento
Cumpridos os vistos, cumpre apreciar.
*
II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes:
- Da valorização da prova e da doença profissional;
- Da cumulação de pensões;
- Da remição da pensão

Questão Prévia
Suscita a Exma. Procuradora Geral-Adjunta, em sede de questão prévia a admissibilidade do recurso por falta de conclusões, por considerar que no caso em apreço a Recorrente em sede de conclusões reproduziu, quase na íntegra, as alegações do corpo do recurso.
Salvo o devido respeito, por opinião contrária não partilhamos da posição assumida pela ilustre Procuradora Geral-Adjunta
Apesar de lhe assistir inteira razão ao afirmar que as conclusões do recurso, não passam de uma repetição de tudo o que consta da alegação, e, por isso são de considerar de prolixas e complexas, já que nada sintetizam.
Contudo, o vício de que padece o recurso não deve ser considerado de total ausência de conclusões, pois elas constam do recurso, ainda que não elaboradas da forma prevista na lei, por isso o Tribunal ad quem deveria ter convidado o Recorrente a aperfeiçoar as conclusões do recurso, sintetizando-as. Mas não o fez, para evitar mais delongas, uma vez que estamos perante um processo de natureza urgente e porque as questões suscitadas no recurso se encontram perfeitamente percetíveis e claras.
Em face do exposto deixamos consignado que o recurso não padece de falta de conclusões.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Provados
A. A Autora AA nasceu em .../.../1966.
B. A sociedade “EMP01... SA.” dedica-se com escopo lucrativo à actividade de fabrico, comercialização e representação de componentes para a indústria automóvel, ao fabrico de artigos de viagem e de uso pessoal, de marroquinaria, de correeiro, de seleiro, à fabricação de material ortopédico e próteses e de instrumentos médico-cirúrgicos e a fabricação de equipamento de protecção e segurança.
C. Desde Novembro de 2007 que a Autora exerce funções de costureira por conta da entidade empregadora “EMP01... SA.” com sede na ... à Rua ..., na freguesia ..., concelho ....
D. A Autora executa tarefas com elevada exigência dos membros superiores, nomeadamente da mão e punho, como a colocação de materiais (TNT) e realização de “casamentos” que obrigam a movimentos repetitivos de flexão e extensão do punho e movimentos de tração do couro com recurso ao 1.º dedo da mão esquerda.
E. Em 13 de Setembro de 2018, a Autora participou à Ré a existência de doença profissional.
F. No seguimento dessa participação, a Ré, em 21/02/2022, comunicou à Autora que a sua situação não é clinicamente caracterizável como doença profissional, indeferindo o pedido de doença profissional.
G. Em sede de reavaliação do processo, a Ré manteve a decisão de indeferimento da pretensão da Autora em ver reconhecida a doença profissional.
H. Em Outubro de 2018, a Autora auferia, como contrapartida mensal da sua actividade profissional os seguintes valores: A) remuneração base = € 588,00 B) prémio de assiduidade = € 40,00 C) Prémio de Antiguidade = € 20,00 D) Subsídio de alimentação = € 5,20/dia.
I. A Autora padece de rizartrose bilateral.
J. A Autora padece, ainda, de Tenosinovite de Quervain à direita, de rotura completa do tendão supraespinhoso com uma retração de 23 mm e tendinose calcificada do ombro direito, de patologia osteoarticular difusa com especial atingimento dos ombros, de Gonartrose direita, de Hérnia discal C3/C4, de Hipertrofia capsular degenerativa acromioclavicular, de Osteoartrose difusa, e de osteofitose e bursite subcapito-metatársica em ambos os lados com maior incidência ao nível de D2 -D3.
K. A doença referida em I. é decorrência da actividade profissional e exercício das tarefas referidas em D. Nos termos do artigo 135.º do Código de Processo do Trabalho:
L. A Autora apresenta uma incapacidade permanente parcial de 10,32 %. Mais se provou que:
M. A Autora esteve em situação de incapacidade temporária para o trabalho entre 05.11.2018 e 06.10.2020, não tendo exercido mais a sua actividade na entidade empregadora referida em C.

Factos Não Provados

1. A Autora padece de quistos sinoviais do punho, de foro degenerativo bilateral, de pelo menos, 18mm à direita e 19 mm à esquerda e de síndrome de túnel cársico com parestesias.
2. As doenças referidas em J. e em 1. são decorrência da actividade profissional e exercício das tarefas referidas em D.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da valorização da prova e da doença profissional
Insurge-se a Recorrente quanto à valorização da prova efectuada pelo tribunal a quo uma vez que valorizou o depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento em detrimento da prova pericial produzida, designadamente do laudo pericial maioritário.
Pretende assim o Recorrente que passem a constar dos pontos de facto não provados os pontos K) e L) dos pontos de facto provados.
De tais pontos de facto consta o seguinte:
K – A doença referida em I é decorrência da actividade profissional e exercício das tarefas referidas em D.
L – A autora apresenta uma incapacidade permanente parcial de 10,32%
Sustenta assim a sua pretensão no facto do Tribunal ter divergido do laudo maioritário de junta médica, não dispondo de elementos para o fazer, bem como no facto da decisão recorrida violar as garantias de imparcialidade que fundamentam uma junta médica, devendo por isso a sentença ser anulada.
Vejamos se lhe assiste razão.
Como refere Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed. Almedina, pág. 140, doenças profissionais são as “provocadas por agentes nocivos a que os trabalhadores, por força da sua função laboral, estão habitual ou continuamente expostos, no local e no tempo em que desempenham essa função.”
Resulta dos n.ºs 2 e 3 do art.º 283º, do Código do Trabalho e do art. 94º da Lei nº 98/2009 de 4/9 (NLAT doravante), que as doenças profissionais constam da lista organizada e publicada no Diário da República, sendo que a lesão corporal, funcional ou a doença não incluídas naquela lista são indemnizáveis desde que se prove serem consequência, necessária e directa, da actividade exercida e não representem normal desgaste do organismo.
E por fim prescreve o art.º 95.º da NLAT que o direito à reparação emergente de doença profissional pressupõe a verificação cumulativa das seguintes condições: a) estar o trabalhador afectado pela correspondente doença profissional; b) ter estado o trabalhador exposto ao respectivo risco pela natureza da indústria, actividade ou condições, ambiente e técnicas do trabalho habitual.
A propósito do n.º 2 do art.º 27.º da Lei n.º 100/97 (LAT), cuja redacção corresponde ao n.º 2 do art.º 94.º da NLAT, Carlos Alegre, na Obra citada a pág. 142.º explica o sistema que decorre do art.º 27.º da LAT, referindo o seguinte: “O sistema adoptado pelo legislador português enquadra-se, claramente no sistema misto, na medida em que, em relação às afecções constantes da lista oficial, a vítima não tem que fazer prova do nexo de causalidade entre a contracção da doença e a natureza do trabalho; mas tem de fazer essa prova em relação a todas as afecções que não constem da listagem.”
Em suma, a doença profissional tem de resultar diretamente das condições de trabalho e tem de estar prevista na lista oficial, ou tem de ser consequência direta e necessária da actividade exercida, ou seja, não pode resultar do normal desgaste do organismo.
No caso em apreço está dado como assente, que a Autora padece de rizartrose bilateral, não sendo esta uma doença daquelas que constam da lista oficial, tendo os peritos que procederam à realização de junta médica considerado por maioria que tal patologia não é consequência direta e necessária dos movimentos repetidos que a autora realiza na sua profissão de costureira, pois tendo tal doença uma causa multifatorial desde inflamatória a degenerativa, não se pode inferir a sua ligação direta e necessária com o trabalho.
Por outro lado, o Perito da sinistrada pronunciou-se em sede de junta médica no sentido de que a rizartrose está intimamente relacionada com a persistência de esforços com os membros superiores, especialmente das mãos e de carácter repetitivo, como são as tarefas que a sinistrada executa na sua profissão de costureira de estofos automóveis. Esta opinião foi também a defendida pelos médicos que acompanharam a autora e depuseram em sede de audiência de julgamento.
Acresce dizer que questionados os Srs. Peritos Médicos sobre o coeficiente de IPP correspondente a cada um dos padecimentos/lesões/sequelas, os peritos do Réu e do Tribunal responderam que tal quesito se encontrava prejudicado, e o perito da Autora respondeu que a autora “está afetada de uma incapacidade permanente parcial de 10,32% por analogia, pelos itens Cap. I – 8.3.1 a) – 0,04 à direita, mais 0.03 à esquerda, com calculo de desvalorização múltipla e aplicação do fator de 1,5 por idade superior a 50 anos (0,0688 x 1,5)”. Questionados os peritos médicos sobre se “porventura a incapacidade da autora fosse considerada doença profissional, qual a IPP a atribuir segundo a TNI”, os senhores peritos, por unanimidade responderam que “se a incapacidade fosse considerada doença profissional seria de 10,32 % por analogia, pelos itens Cap. I – 8.3.1 a) – 0,04 à direita, mais 0.03 à esquerda, com calculo de desvalorização múltipla e aplicação do fator de 1,5 por idade superior a 50 anos (0,0688 x 1,5).
Ora, o facto que se fez constar sob a alínea L) dos pontos de facto provados traduz a decisão proferida no apenso A, decisão essa que não foi objecto de recurso, razão pela qual, se impõe concluir que o grau de IPP atribuído à sinistrada não é sindicável, nesta sede, sendo por isso de manter inalterável a redação do ponto L) dos pontos de facto provados.
No que respeita ao ponto K dos pontos de facto provados o tribunal a quo motivou a sua convicção para dar tal factualidade como provada da seguinte forma:
“Quanto à factualidade constante do Ponto K. o tribunal considerou o exame de junta médica conjugado com o depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento.
Com efeito, em sede de exame por junta médica, os Senhores Peritos Médicos do Tribunal e da Ré confirmaram que a Autora apresenta rizartrose bilateral, no entanto entendem que “não são consequência direta e necessária dos movimentos repetidos que realiza na sua profissão, sendo o fundamento a não inclusão desta patologia na lista de doenças profissionais em ortopedia e sendo que a doença tem uma causa multifatorial desde inflamatória a degenerativa e, como tal, não se pode inferir a sua ligação direta e necessária ao trabalho.”. No entanto, em resposta ao quesito 5) formulado pela Ré, afirmam que “se a incapacidade fosse considerada doença profissional seria de 10,32%, por analogia, pelos itens Cap. I – 8.3.1 a) – 0,04 à direita, mais 0,03 à esquerda, com cálculo de desvalorização múltipla e aplicação do fator de 1,5por idade superior a 50 anos (0,0688X1,5).”. Por sua vez, o Senhor Perito Médico da Autora refere “pese embora a rizartrose não conste especificamente como mencionada na lista das doenças profissionais, esta patologia está intimamente relacionada com a persistência de esforços com os membros superiores, especialmente das mãos, e de caráter repetitivo, como as tarefas que a examinada executa na sua profissão de costureira de estofos de automóveis.”. Assim, parece resultar que os Sr. Peritos do Tribunal e da Ré apenas considerariam a doença rizartrose bilateral como doença profissional, isto é, como consequência necessária e directa da actividade exercida e não um resultado do normal desgaste do organismo, se a mesma constasse da lista de doenças profissionais previstas no Decreto Regulamentar n.º 6/2001, de 5 de Maio.
Ora, da prova testemunhal produzida, resulta de forma unânime que a Autora é costureira há cerca de 16 anos na entidade empregadora “EMP01... SA” e que exerce essa actividade, em linha, 8 horas por dia, de forma repetitiva, exigindo bastante força - em atenção aos materiais utilizados, que não um simples tecido como uma camisola – com os dedos polegares (tal factualidade foi confirmada, designadamente pelas testemunhas que são colegas de trabalho da Autora e que exercem a mesma função que ela – EE, FF e GG -, mas também pelas duas técnicas de segurança e saúde no trabalho que prestaram funções na HH e II)
Por outro lado, do Auto Exame por Junta Médica verifica-se que os Senhores Peritos Médicos do Tribunal e da Ré reconhecem a doença rizartrose bilateral da Autora e a existência “dos movimentos repetidos que [a Autora] realiza na sua profissão”, no entanto, admitem expressamente que “não são consequência direta e necessária (…), sendo o fundamento a não inclusão desta patologia na lista de doenças profissionais em ortopedia e sendo que a doença tem uma causa multifatorial desde infamatória e degenerativa e, como tal, não se pode inferir a sua ligação direta e necessária ao trabalho”.
Ora, no que respeita à “causa multifatorial desde infamatória e degenerativa” da rizartrose bilateral cumpre referir, desde logo, que esta argumentação (medico-científica) não afasta a possibilidade dos movimentos repetidos que a Autora realiza - no desempenho das suas funções enquanto costureira - serem a causa (inicial) da inflamação. Aliás o adjectivo multifactorial significa (tão só) ser “relativo a diversos fatores ou causas” (cfr. Porto Editora – multifatorial no Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2023-09-21 12:44:54]. Disponível em https://www.infopedia.pt/dicionarios/linguaportuguesa/ multifatorial), onde se pode incluir os movimentos repetidos das mãos e dos punhos.
Ou seja, a “causa multifatorial desde infamatória e degenerativa” não exclui que foram os movimentos frequentes, repetidos e rápidos em regime de cadência, bem como as posições articulares assumidas no desempenho das tarefas da Autora, o factor/ motivo desencadeador para o desenvolvimento e instalação do diagnóstico médico de rizartrose bilateral (doença inflamatória e de carácter degenerativo). Esta é, de resto, a opinião dos médicos que acompanharam a Autora e que foram inquiridos em sede de audiência de julgamento: BB, CC e DD. Esta última testemunha, DD, que, como se disse, foi quem fez a participação da doença profissional da Autora, depois de confirmar que a Autora tinha uma rizartroze, mencionou que quando há uma doença que podem suspeitar que é uma doença profissional a sua obrigação é reportar, e foi o que fez, sendo que tal doença podia ser enquadrada como doença profissional. Ademais, o trabalho na empresa da Autora era muito repetitivo, com movimentos repetitivos do polegar e punho, e com algum esforço físico e que ao o longo do tempo pode dar lugar a esta patologia, sendo de opinião que há um possível nexo de causalidade, opinião esta restritiva ao facto de não ter competências do ponto de vista de dano corporal.
Por outro lado, do auto de exame resulta que os senhores peritos médicos (do tribunal e da Ré) excluem o nexo de causalidade do ponto de vista médico-legal (como não pode deixar de ser) da doença relativamente aos movimentos repetidos realizados pela Autora com o fundamento no facto de tal patologia não estar incluída na lista das doenças profissionais, considerando, porém, que esta tem uma IPP derivada dessa doença. Ora, no que respeita a este fundamento dir-se-á que, resulta (expressamente) da lei, da doutrina e da jurisprudência prevalecente que, por um lado, pode ser reconduzido a doença profissional a lesão corporal, perturbação funcional ou a doença não incluídas na lista, desde que se prove que essa patologia é consequência, necessária e directa, da actividade exercida e não um resultado do normal desgaste do organismo (cfr. Artigos 283.º, n.º 3, do Código de Trabalho, e 94.º, n.ºs 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro), e, por outro lado, que as doenças profissionais atípicas serão toda as demais doenças não descritas na lista, cabendo ao trabalhador a prova (cumulativa) de que: 1) é portador da doença; 2) esteve exposto a algum factor de risco relevante; 3) é necessária e directamente consequência dessa exposição (nexo de causalidade); e 4) que a doença não decorre de normal desgaste do organismo.
Com efeito, atendendo ao fundamento utilizado, parece resultar que o (único) motivo para os Senhores Peritos do Tribunal e da Ré não considerarem a doença rizartrose bilateral uma doença profissional foi (apenas) o facto de esta doença não constar da lista das doenças profissionais, tanto assim, que atribuem a mesma incapacidade que o senhor Perito da Autora. Não obstante, da redacção da lei resulta claro que apesar de determinada doença não constar da lista a que se refere os artigos 283.º, n.º 2, do Código de Trabalho, e 94.º, n.ºs 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, existindo nexo de causalidade entre essa doença e a natureza do trabalho da Autora, em virtude dos movimentos repetidos de flexão e extensão dos dedos das mãos e punhos, (o que no caso parece existir) considera-se que, apesar de não constar da lista das doenças profissionais e atendendo ao fundamento invocado pelos Srs. Peritos, as lesões e sequelas apresentadas pela Autora deverão ser entendidas como consequência necessária e directa da atividade que desenvolvia. Da mesma forma, resulta do relatório do Sr. Perito da Autora (e confirmado pela incapacidade atribuída pelos Sr. Peritos do Tribunal) que a doença rizartrose bilateral parece ter resultado de efeitos nocivos a que esta, por força do exercício das suas funções laborais ao serviço da sua entidade empregadora, estivesse habitual ou continuadamente exposta no seu local e tempo de trabalho, de forma a poder, de uma forma insidiosa e lenta determinar o surgimento de doença profissional. Face ao exposto, é de considerar que, atendendo à actividade concreta e efectivamente exercida pela Autora, ao longo de mais de 16 anos, é possível estabelecer um nexo de causalidade entre as funções efectivamente desempenhadas pela Autora ao serviço da sua entidade empregadora e o surgimento da doença rizartrose bilateral, motivo pelo qual se deu como provada a factualidade constante do ponto K., sendo que, igual juízo não pode ser efectuado quanto às demais doenças em virtude de sobre elas nenhum nexo se poder estabelecer (ponto 2. não provado), não esquecendo que, tendo em atenção a analogia a que os senhores peritos recorreram para fixar a IPP à Autora – Cap. I – 8.3.1 a) – reporta-se apenas à doença de rizartorze bilateral, e não as demais.
Desde já diremos, que não podemos deixar de concordar com esta motivação, designadamente porque a mesma traduz a prova produzida, revelando-se de lógico, convincente e assertivo o juízo formulado, que permite concluir que a sinistrada padece de doença profissional.
Na verdade, a sinistrada logrou provar, tal como lhe incumbia, o nexo causal entre a actividade por si desenvolvida ao longo dos anos e a doença contraída.
Como é sobejamente sabido a prova pericial está sujeita à livre apreciação do julgador e apenas se deve divergir do respectivo laudo pericial quando o julgador disponha de elementos seguros que lhe permitam fazê-lo. Nesta situação deve o julgador motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a divergir. É precisamente o que sucede no caso em apreço, pois os elementos de prova que constam dos autos, neles se incluindo o parecer emitido a este propósito pelo Perito indicado pela sinistrada que participou na junta médica, permitem com alguma segurança discordar da posição maioritária assumida pelos Srs. Peritos Médicos em sede de Junta Médica, pois sem se terem debruçado sobre as concretas funções desempenhadas ao longo de vários anos pela sinistrada, concluíram não estar na presença de uma doença profissional, por a mesma não constar das elencadas na tabela.
Na verdade, a rizartrose consiste numa deterioração da cartilagem dos polegares, causando assim inflamação, rigidez, deformação e destruição das articulações.
Segundo a cuf.pt/saúde-a-z/rizatrose, a rizartrose é uma doença que causa inflamação, rigidez e destruição das articulações. Numa articulação normal a cartilagem recobre as extremidades ósseas permitindo-lhes mover-se suavemente e sem dor. A articulação da base do polegar é formada por um dos ossos do carpo (Trapézio) e o primeiro dos três ossos do polegar (Metacárpico). Esta articulação (Trapézio-Metacárpica) permite a mobilidade e a preensão do polegar com os outros dedos. Na osteoartrose a camada de cartilagem deteriora-se e os ossos roçam entre si. Frequentemente afeta a articulação da base do polegar, também chamada trapézio-metacárpica. A artrose trapézio-metacárpica (rizartrose) vai lentamente destruindo a articulação.
A dor causada por esta artrose pode ser muito incapacitante para as atividades do dia a dia.
(…)A rizartrose origina dor na ligação do polegar ao punho agravando-se com os esforços como por exemplo a tentar desapertar uma tampa bem fechada de um frasco ou ao tentar rodar uma chave presa na fechadura.
(…) resulta do desgaste da articulação. É mais frequente a sua ocorrência, e numa idade mais jovem, se houve traumatismo com lesão de ligamentos ou fratura do polegar. Movimentos de repetitivos de pinça, torção ou de rolar objetos entre o polegar e os dedos podem agravar a artrose.
Daqui resulta que a rizartrose pode ter diversas causas nelas se incluindo os fatores degenerativos genéticos e constitucionais, frouxidão nas articulações, pode ser consequência de fraturas na base articular e doenças reumatológicas e pode resultar da sobrecarga ou esforço repetitivo.
A rizartrose é uma doença que acomete principalmente mulheres acima dos 40 anos, mas pode aparecer em qualquer pessoa, sendo certo que profissionais que realizam movimentos repetitivos e exaustivos, como costureiras, cabeleireiras e dentistas, estão entre os perfis mais afetados. Também é comum a doença acometer ambas as mãos ao mesmo tempo.
Ora, desempenhando a sinistrada ao longo de mais de 16 anos as funções de costureira de couros executando tarefas com elevada exigência dos membros superiores, nomeadamente mão e punho, que obrigam a movimentos repetitivos de flexão e extensão do punho e movimentos de tração do couro com recurso ao 1.º dedo da mão esquerda, tal como resultou provado (pontos C) e D) dos pontos de facto provados), é de considerar que, atendendo a esta actividade concreta e efectivamente exercida pela Autora esteja na origem da inflamação, que veio a desencadear a doença de que atualmente padece, sendo assim possível estabelecer o nexo de causalidade entre as funções efectivamente desempenhadas pela Autora ao serviço da sua entidade empregadora e o surgimento da doença rizartrose bilateral, motivo pelo não se vislumbra que tenha sido cometido qualquer erro de julgamento pelo Tribunal a quo ao dar como provada a factualidade consta do ponto K) dos pontos de facto provados, devendo manter-se a sua redacção.
No caso em apreço podemos afirmar que a factualidade que veio a ser apurada em audiência de julgamento, sustentada pelos depoimentos prestados por quatro médicos que acompanharam a autora ao longo dos anos (médicos do trabalho e médica de família), que foi de encontro à posição assumida pelo Perito Médico minoritário que participou no exame pericial, permitiu ao tribunal a quo divergir do laudo maioritário, uma vez que a sinistrada logrou provar que a doença de que padece é consequência das tarefas que executou ao longo dos anos, já que ao longo dos anos, esteve exposta, por força do trabalho que exercia à acção dos agentes nocivos (movimentos repetitivos de flexão e extensão do punho e movimentos de tração do couro com recurso ao 1.º dedo da mão esquerda) causadores da patologia de que padece.
É de manter neste segmento a decisão recorrida que não se mostra acometida de qualquer erro que imponha a sua anulação.

2. Da cumulação de pensões
Insurge-se o Recorrente quanto ao facto de o Tribunal a quo não ter tido em consideração que a autora esteve numa situação de equivalência por prestação de doença profissional entre Novembro de 2018 e Agosto de 2020, pelo que a pensão a pagar pela IPP atribuída não podia acumular com aquela no referido período, por força do prescrito no art.º 67 da Lei n.º 4/207 de 16.01, o qual prescreve o seguinte:
“Acumulação de prestações
1 - Salvo disposição legal em contrário, não são cumuláveis entre si as prestações emergentes do mesmo facto, desde que respeitantes ao mesmo interesse protegido.
2 - As regras sobre acumulação de prestações pecuniárias emergentes de diferentes eventualidades são reguladas por lei, não podendo, em caso algum, resultar da sua aplicação montante inferior ao da prestação mais elevada nem excesso sobre o valor total.
3 - Para efeitos de acumulação de prestações pecuniárias podem ser tomadas em conta prestações concedidas por sistemas de segurança social estrangeiros, sem prejuízo do disposto em instrumentos internacionais aplicáveis.”
A este propósito apenas se apurou o que resulta do ponto M) dos pontos de facto provados, do qual consta o seguinte:
“A A. esteve em situação de incapacidade temporária para o trabalho entre 5.11.2018 e 6.10.2020, não tendo exercido mais a sua atividade para a empregadora referida em C.”
Ora, sendo apenas esta a factualidade provada, no que respeita à situação de incapacidade para o trabalho, teremos de concluir não ser possível apurar se existiu ou não qualquer sobreposição temporal entre a atribuição de indemnização por ITA e de pensão por IPP fixada no âmbito destes autos e qualquer outra prestação remuneratória que a autora possa ter recebido decorrente da doença profissional de que padece.
Da factualidade provada ficamos apenas a saber que a autora esteve com incapacidade temporária entre 5.11.2018 a 6.10.2020, desconhecendo-se se nesse período auferiu ou não qualquer outra prestação daí decorrente.
Em suma, os factos apurados não nos permitem concluir que a autora tenha recebido qualquer prestação emergente do mesmo facto (doença profissional) e respeitante ao mesmo interesse protegido, pelo que nada havia a contabilizar, não sendo a decisão recorrida merecedora de qualquer censura.

3. Da remição da pensão
Importa agora apreciar se o Tribunal a quo aplicou adequadamente a lei e o direito ao ter determinado a remição da pensão fixada à autora.
Com efeito, o Recorrente insurge-se contra o facto de a pensão fixada à autora ter sido remida defendendo que por estarmos perante uma doença profissional de caracter evolutivo a remição da pensão viola o prescrito no art.º 135. n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4.09 (doravante NLAT).
Vejamos se lhe assiste razão.
Está em causa uma pensão por IPP derivada de doença profissional daí que importe atentar no prescrito no n.º 1 do art.º 135.º da NLAT, segundo o qual “pode ser remida, mediante requerimento do interessado ou por decisão judicial, a pensão devida por doença profissional sem carácter evolutivo, correspondente a incapacidade permanente parcial inferior a 30 %”
Daqui decorre que a pensão pode ser remida, mediante requerimento do interessado ou por decisão judicial. Caso a incapacidade seja inferior a 30% e a doença não tiver um caráter evolutivo, a pensão pode ser remida e o sinistrado recebe de uma só vez a totalidade do valor da pensão a que tem direito.
Assim, a remição de pensão cuja IPP seja inferior a 30%, no caso de doença profissional não é obrigatória, ao invés do que sucede na pensão devida por acidente de trabalho cuja IPP seja inferior a 30% (cfr. art.º 75.º n.º1 da NLAT), e depende ainda da doença não ter caracter evolutivo.
Em suma, para que se possa determinar a remição total de uma pensão em caso de doença profissional tem de se verificar cumulativamente os seguintes requisitos:
- a IPP atribuída tem de ser inferior a 30%;
- a pensão tem de ser devida por doença profissional sem carácter evolutivo
No caso em apreço verifica-se o primeiro requisito, pois resulta da factualidade provada que a autora em consequência da doença profissional de que padece é portadora da IP de 10,32%. Contudo, o segundo requisito não consta dos factos provados ficando assim sem se saber se a doença de que a autora é portadora tem ou não caracter evolutivo, razão pela qual não podia o Tribunal a quo ter determinado a remição da pensão.
Não se tendo provado o caracter não evolutivo da doença profissional de que padece a autora, impunha-se que a sentença recorrida não se tivesse sequer pronunciado sobre a remição da pensão, que aliás nem foi requerida pela autora, do que decorre, sem necessidade de outras considerações, que o recurso deve proceder neste segmento, com a correspondente alteração da sentença recorrida em conformidade.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e consequentemente, revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o Réu a pagar à Autora o capital de remição da pensão, sendo essa substituída, no presente acórdão, pela condenação do Réu a pagar à Autora uma pensão anual, vitalícia e atualizável, no montante de €737,60, devida desde 06.05.2020, a que acrescem juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano contados desde a data em que a prestação é devida e até efectivo e integral pagamento.
Custas a cargo do Recorrente e da Recorrida na proporção de 2/3 para a 1ª e 1/3 para a segunda, sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário.
Notifique.
Guimarães, 23 de Janeiro de 2024

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Veiga
Maria Leonor Barroso