Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5173/15.5T8BRG.G1
Relator: AMÍLCAR ANDRADE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
TRANSPORTE DE PASSAGEIROS
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL
EFEITOS DO CASO JULGADO PENAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- No conceito de culpa reportada aos acidentes de viação, tem a jurisprudência entendido maioritariamente que a prova da inobservância das leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensado a concreta inobservância da falta de diligência; e que a posição do lesado é frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova de primeira aparência (presunção simples): se esta prova aponta no sentido da culpa do lesante, passa a caber a este o ónus da contraprova (por todos, Acs. do STJ, de 20/11/2003, CJ/STJ, ano XI, t. III, p. 150 e de 17/02/2007, Proc. 96A588, disponível em www.dgsi.pt).

II- Mas, igualmente, também age com culpa o condutor de um veículo que, apesar de, objectivamente, não ter infringido nenhuma norma legal de condução rodoviária, não observa, no exercício da condução, os deveres gerais de diligência exigíveis ao "condutor médio" e faz uma condução imprudente, desleixada ou tecnicamente errada, e, por algum desses motivos, causa danos a terceiros (citado ac. RP de 26-01-2000 e ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2008, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 08B761).

III- As decisões penais, condenatórias ou absolutórias, constituem relativamente a terceiros não directamente intervenientes, por si ou por mandatário, no processo em que as mesmas foram proferidas, simples presunções tantum juris (ilidíveis) da existência ou inexistência dos factos imputados ao arguido, nada impedindo que terceiros ponham novamente esses factos à prova em acção cível, acontecendo apenas que ao autor cumprirá então ilidir essa presunção, mediante prova em contrário (Ac. STJ, de 8.5.2002: AD, 493º-148).

IV- Assim, para efeitos do disposto no artigo 623º do CPC, tendo a Recorrente Interveniente a natureza de terceiro, a decisão da sentença condenatória proferida em processo penal é passível de ser ilidida por prova em contrário.

V- Nos acidentes de viação, a responsabilidade pelo risco, só abrange os danos provenientes dos riscos próprios do veículo. Dentro dos pressupostos da responsabilidade civil, o dano indemnizável será aquele que estiver em conexão causal com o risco. Para traduzir esta ideia, a lei refere-se aos «danos provenientes dos riscos próprios do veículo».

VI- Constitui Jurisprudência e Doutrina pacíficas que estando em causa danos ocorridos em resultado de acidente provocado pelo condutor de um veículo em circulação, o pedido de indemnização civil deverá ser formulado contra a seguradora, desde que o mesmo se contenha dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório e exista seguro válido.

VII- O contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel celebrado com a Ré Seguradora, cobre tanto os danos decorrentes de responsabilidade civil contratual, como os danos decorrentes de responsabilidade civil extracontratual. Os danos são os mesmos, não havendo qualquer distinção em razão da natureza das responsabilidades.

VIII- Se os passageiros pudessem optar por demandar com base na responsabilidade contratual a empresa transportadora, de nada serviria o contrato de seguro automóvel, pois aquela teria de suportar a totalidade das indemnizações a que houvesse lugar, o que contraria a natureza do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel obrigatório.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

MARIA … intentou a presente acção declarativa de condenação, emergente de acidente de viação, com processo comum, contra “RODOVIÁRIA…”, DANIEL … e COMPANHIA DE SEGUROS…S.A.” (que entretanto alterou a denominação da firma para “A …- COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”) pedindo a condenação solidária destes a pagar-lhe a indemnização global líquida de € 511.894,67, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da propositura da acção até efectivo e integral pagamento, bem como a indemnização que vier a ser liquidada em decisão ulterior a título de danos futuros.

Alegou, para tal, ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais nesse montante, na sequência de acidente de viação de que foi vítima, por atropelamento do veículo automóvel pesado de transporte público (colectivo) de passageiros propriedade da 1ª. Ré, conduzido pelo 2º Réu e segurado na 3ª. Ré, cuja responsabilidade imputa ao condutor deste último.

Acrescentou que seguia nesse veículo como passageira transportada, tendo celebrado com a 1ª. Ré um contrato de transporte.

A 3ª. Ré foi a primeira a contestar, nos termos constantes de fls. 378 e 379 do processo físico, impugnando a factualidade alegada pela Autora, respeitante nomeadamente à dinâmica do acidente e os danos invocados e considerando exagerados os montantes indemnizatórios peticionados.

Conclui, pedindo que a acção seja julgada de acordo com a prova produzida.

Os 1º e 2º Réus também contestaram (fls. 384 a 390 do processo físico), excepcionando em primeiro lugar a sua ilegitimidade passiva e impugnando, de igual forma, os factos alegados na petição inicial, defendendo que o acidente se terá ficado a dever a um provável desequilíbrio da Autora coincidente com o reinício da marcha do veículo.

Impugnaram, ainda, os danos invocados e os montantes peticionados a título indemnizatório.

Terminaram, pedindo a procedência da excepção e a improcedência da acção.

A Autora respondeu (fls. 404 a 419 do processo físico), impugnando os novos factos alegados pelos Réus nas respectivas contestações e deduziu incidente de intervenção principal de “ MINHO .. TRANSPORTES LDA.”.

Admitida a intervenção por despacho de 11-02-2016 (fls. 492 do processo físico), a interveniente veio em 17-03-2016 (fls. 496) declarar aderir ao teor dos articulados apresentados pela 1ª. Ré.

Por despacho de 03-05-2016 (fls. 527 do processo físico) foi ordenada a apensação aos presentes autos da acção de processo comum n.°354/16.7T8BCL, que corria termos na instância local de Barcelos, versando sobre o mesmo acidente em discussão nos presentes autos e onde o “HOSPITAL …” formulou pedido de reembolso contra a aqui 3ª. Ré, no valor de € 12.942,03, acrescido de juros vincendos à taxa de 4%, sobre € 11.722,49.

Procedeu-se a uma audiência prévia (cfr. acta de 15-06-2016, a fls. 537 a 541 do processo físico), no decurso da qual foi elaborado despacho saneador, onde foi negado provimento à excepção de ilegitimidade deduzida pelos 1º e 2º réus.
Seguidamente, procedeu-se à fixação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

Efectuado o julgamento foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

Por tudo o exposto, decide-se julgar parcialmente procedentes ambas as acções e, em consequência:

- condenar a Ré “A… – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” e a interveniente “MINHO …TRANSPORTES, LDA.”. a pagar à Autora MARIA … a quantia global de € 167.918,36, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a citação até integral pagamento;
- condenar a Ré “A…– COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” e a interveniente “ MINHO TRANSPORTES, LDA.” a pagar à Autora MARIA …a quantia que vier a ser liquidada referente ao custo da aquisição da cadeira de rodas, das canadianas, do calçado ortopédico e dos tratamentos de Medicina Física de Reabilitação já despendido pela Autora, quantia essa acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a notificação para a respectiva liquidação até integral pagamento;
- condenar a Ré “A…– COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” e a interveniente “ MINHO.. TRANSPORTES, LDA.” a pagar à Autora MARIA …a quantia que vier a ser liquidada referente ao valor a despender pela Autora com a substituição das canadianas, com o calçado ortopédico, com os tratamentos de Medicina Física de Reabilitação (duas vezes por ano) e com a medicação analgésica e anti-inflamatória e protector gástrico, quantia essa acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a notificação para a respectiva liquidação até integral pagamento;
- condenar a Ré “A…. COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a pagar ao “HOSPITAL …” a quantia de € 11.722,49, acrescida de juros à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a citação até integral pagamento;
- absolver a Ré “A...-COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” e a interveniente “ MINHO ..TRANSPORTES, LDA.” do restante pedido (por ambos os Autores, no tocante à Ré “ A… – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”);
- absolver os Réus “RODOVIÁRIA…” e DANIEL .. de todo o pedido”.

Inconformados com esta sentença, recorreram a Autora Maria …, a Ré A...– Companhia de Seguros, SA. e o Interveniente Minho …Transportes, Lda.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Os factos

Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

1. No dia 22 de Janeiro de 2013, pelas 17H50, o Réu Daniel … conduzia o veículo pesado de passageiros de matrícula .LH, no exercício das suas funções de motorista de veículos automóveis pesados de transporte colectivo público de passageiros, ao serviço e sob as ordens e instruções da interveniente “ Minho …Transportes, Ldª.”, dentro do seu horário de trabalho e em itinerário previamente determinado por esta.
2. O LH era, naquela data, propriedade da 1ª. Ré “Rodoviária ….”, que se dedica com fins lucrativos, à actividade de exploração de uma empresa de transporte público colectivo de passageiros.
3. O LH efectuava a carreira de serviço público entre a cidade de Barcelos e a freguesia de São Julião do Freixo, concelho de Ponte de Lima, a qual se encontrava concessionada à interveniente, que utilizava o referido veículo para a actividade de transporte público de passageiros por força de um acordo de exploração conjunta celebrado com a 1ª. Ré.
4. A interveniente organizou aquele serviço de transporte público e deu ao 2º Réu as ordens e instruções necessárias à sua execução.
5. No interior do referido veículo seguia a Autora, como passageira transportada, a qual adquiriu e pagou à interveniente o preço do bilhete de viagem correspondente ao percurso efectuado naquela qualidade.
6. Ao quilómetro 48,5 da Estrada Municipal n.° 306, na freguesia de Galegos Santa Maria, concelho de Barcelos, no sentido Barcelos-São Julião de Freixo, o 2º Réu imobilizou o LH na metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido, perto do passeio destinado ao trânsito de peões situado do mesmo lado da referida via.
7. A Autora percorreu a distância desde o banco em que seguia sentada até à porta do autocarro que se encontra situada mais junto à retaguarda, do lado direito do LH, de modo a sair para a via pública.
8. Quando a Autora se encontrava a pousar o primeiro pé no aludido passeio, junto à porta, o 2º Réu accionou o sistema de fecho das portas do LH, tendo então o casaco que aquela trazia vestido ficado agarrado na porta por onde a mesma saiu, ficando a mesma presa pelo referido casaco, que ficou entalado entre as duas folhas da porta e de costas para a mesma.
9. Logo de seguida, o 2º Réu reiniciou a marcha do veículo e a Autora foi imediatamente puxada pelo casaco, acabando por cair ao chão, tendo o pneu do LH, colocado junto à dita porta traseira, passado por cima da perna esquerda da Autora.
10. Como consequência directa e necessária da queda e atropelamento, a Autora sofreu as seguintes lesões: fractura da bacia, com desvio, envolvendo ramos isquiopúbicos, bilateralmente e vertente direita do sacro; fractura exposta de grau III dos ossos da perna com desluvamento e luxação de Chopart do pé esquerdo; rotura extraperitoneal da bexiga com hematoma extraperitoneal.
11. Como sequelas ficou a padecer de: marcha claudicante, com recurso a ajudas técnicas de duas canadianas; sequelas de fractura da bacia com desvio envolvendo os ramos ilio-isquio púbicos de forma bilateral bem como da vertente direita do sacro. Rigidez moderada; distrofia grave da perna e pé com deformação cicatricial desde o terço médio da perna até os dedos do pé; sequelas de luxação de Chopar e anquilose da articulação tibio-társica em posição desfavorável (pé equino varo acentuado); encurtamento do membro de 4 cm a menos que o lado contra lateral; hipotrofia muscular da perna com 18 cm lado esquerdo e 25 cm lado direito; hipotrofia muscular ligeira da coxa; cicatrizes hipocrómicas resultantes de enxerto na face anterior da coxa com dimensões de 12x29 e 7x6cm.
12. A Autora foi transportada, na ambulância do INEM para o Hospital de Braga, onde foi recebida no Serviço de Urgência do Hospital de Braga e onde lhe foram prestados os primeiros socorros. 13. Foram-lhe, aí, efectuados exames radiológicos, lavagens cirúrgicas, desinfecções, curativos e pensos às feridas, escoriações e ao esfacelo da perna sofridos.
14. Ficou aí internada até ao dia 21 de Maio de 2013, data em que teve alta do Hospital de Braga.
15. Ao longo do período de tempo de internamento, a Autora manteve-se, permanentemente, retida no leito, sempre deitada na mesma posição, de costas, sem se poder virar, na cama.
16. Tomou todas as suas refeições no leito, que lhe foram servidas por uma terceira pessoa e fez as suas necessidades no leito, com o auxílio de uma arrastadeira, que lhe eram servidas por uma terceira pessoa.
17. No Hospital de Braga, a Autora foi submetida a uma intervenção cirúrgica, para correcção do esfacelo da perna esquerda, consubstanciada em osteotaxia, com fixadores externos AO+ e redução da luxação de Chopart, com fios de K, na admissão.
18. Como preparativo dessa intervenção cirúrgica, a Autora fez a análises clínicas e foi-lhe ministrada uma anestesia geral.
19. No Hospital de Braga, a Autora foi, também, sujeita a mais duas intervenções cirúrgicas, por cirurgia plástica, consubstanciadas em desbridamento e filastia, com enxerto, em 20 de Fevereiro de 2013 e em 6 de Março de 2013.
20. Como preparativo dessas duas operações plásticas, a Autora fez análises clínicas e foram-lhe ministradas duas anestesias gerais.
21. No dia 2 de Abril de 2013, a Autora foi submetida a uma quarta (4ª.) intervenção cirúrgica, no Hospital de Braga, consubstanciada ma extracção dos fixadores externos, de K, limpeza e desbriamento cirúrgico, à perna esquerda.
22. Como preparativo dessa intervenção cirúrgica, a Autora fez análises clínicas e foi submetida a uma anestesia geral.
23. No hospital de Braga, a Autora foi diariamente medicada com analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos e soro.
24. Perdeu, permanentemente, sangue, com abundância, pelo que foi sujeita a catorze transfusões de sangue.
25. No Hospital de Braga, a Autora foi submetida a tratamento de Medicina Física de Reabilitação.
26. Após a alta do Hospital de Braga foi transferida para a rede nacional de cuidados continuados (Santa Casa da Misericórdia X), onde permaneceu internada até 16 de Agosto de 2013 e onde também foi submetida a tratamento diário de Medicina Física de Reabilitação.
27. Na Unidade de Cuidados Continuados de Riba de Ave, a Autora, ora se mantinha retida no leito, ora se deslocava de cadeira rodas.
28. No dia 18 de Agosto de 2013, a Autora obteve alta na Unidade de Cuidados Continuados de Riba de Ave.
29. De regresso à sua casa de habitação, a Autora permaneceu e deslocou-se numa cadeira de rodas até ao fim do mês de Maio de 2014, altura em que passou a caminhar, com o auxílio de canadianas.
30. A Autora tem necessidade permanente e para o resto da vida de uso de canadianas, como auxiliar de locomoção, de calçado ortopédico e ortóteses de silicone para os dedos do pé esquerdo.
31. A Autora necessita da ajuda, permanente e para o resto da vida, de terceira pessoa para as actividades domésticas e da vida diária, para a vestir e despir, para a calçar e descalçar, para lhe dar banho e para lhe fazer a higiene pessoal diária e para a acompanhar, auxiliar e proteger em todas as deslocações na via pública, 8 horas por dia e 7 dias por semana.
32. Após a sua alta da Unidade de Cuidados Continuados de Riba de Ave e o seu regresso à sua casa de habitação, a Autora continuou a frequentar tratamento de Medicina Física de Reabilitação todos os dias durante sete meses e, depois, três vezes por semana, durante um período dois meses seguidos, na Santa Casa da Misericórdia B.
33. A Autora necessita de frequentar tratamento de Medicina Física de Reabilitação para o resto da sua vida, duas vezes por ano.
34. A Autora necessita de medicação analgésica e anti-inflamatória e protector gástrico para o resto da sua vida.
35. A Autora sofreu dores muito intensas, nomeadamente, ao nível da sua anca/bacia, do membro inferior esquerdo, da perna esquerda e do pé esquerdo, dores essas que continuam a afectar a Autora a partir dessa data e vão continuar a afectá-la ao longo de toda a sua vida.
36. A Autora deixou de poder participar em eventos que impliquem manter-se de pé e que impliquem a marcha, deixou de poder executar as tarefas de doméstica, na sua casa de habitação, apresenta dificuldade para correr, para se ajoelhar, para passar da posição de decúbito e deambular, para subir e ao descer escadas, para entrar para o interior de um veículo automóvel e para utilizar as carreiras dos transportes públicos.
37. A consolidação médico-legal das lesões sofridas pela Autora ocorreu em 23-04-2014.
38. Como consequência directa e necessária do acidente, a Autora ficou afectada de défice funcional temporário total durante 207 dias e parcial durante 250 dias.
39. Sofreu um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 19 pontos.
40. Sofreu um quantum doloris de grau 5 (numa escala de 1 a 7), um dano estético de grau 4 (também numa escala de 1 a 7) e um grau de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de 2 (ainda na mesma escala de 1 a 7).
41. A Autora nasceu no dia 25 de Maio de 1940.
42. A Autora era uma mulher saudável, ágil, dinâmica, forte e robusta e não apresentava lesões e sequelas sem relação com o evento.
43. Fazia caminhadas, na companhia de amigos e familiares, confeccionava as refeições para o seu agregado familiar e trabalhava no sector da agricultura, no cultivo de terrenos próprios.
44. Devido ao acidente ficou impossibilitada de exercer estas actividades.
45. As sequelas de que ficou a padecer causam-lhe um profundo desgosto.
46. A Autora, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, exercia a dupla actividade de doméstica e de agricultora.
47. No desempenho da sua actividade de agricultora, a Autora, na companhia do seu marido, agricultava dois terrenos de cultivo e cultivava, colhia e produzia produtos hortícolas, frutas e vinho para consumo próprio e do seu agregado familiar.
48. Criava, também, animais domésticos, igualmente para consumo próprio e do seu agregado familiar.
49. Como consequência directa e necessária do acidente e das sequelas dele resultantes, a Autora necessitou de adquirir uma cadeira de rodas, canadianas e calçado ortopédico.
50. Como consequência directa e necessária do acidente e das sequelas dele resultantes, a Autora necessitou de adaptar o rés-do-chão da sua casa de habitação, por forma a conferir-lhe condições de habitabilidade adequadas às sequelas de que ficou a padecer após a alta clínica mencionada em 28º e 29º, pois deixou de poder subir escadas para aceder ao 1º andar da mesma habitação, onde antes vivia.
51. Para o efeito realizou obras no referido rés-do-chão, com o que despendeu: custo de materiais de construção (tela, soalho e tubos para equipar a casa de banho adequada às necessidades da Autora) 419,00 €; execução de uma casa de banho completa (tijoleira, pintura e mão-de-obra) 3.225,06 €; um conjunto de móveis de cozinha 2.460,00 €; custo do granito para os móveis de cozinha 601,63 €; 1 exaustor de cozinha 130,00 €; 1 placa de indução 359,00 €; 1 forno eléctrico de cozinha 560,00 €; 1 frigorífico 435,00 €; 1 roupeiro 300,00 €; 1 sofá de dois (2) lugares 300,00 €; 1 colchão de base articulada 1.990,40 €; 1 sistema de aquecimento central 7.138,27 €.
52. Após a alta hospitalar, a Autora pagou os serviços de uma terceira pessoa durante 3 semanas, 8 horas por dia, à razão de € 5,00/hora, período após o qual passou a ter a ajuda diária da filha.
53. A responsabilidade civil emergente de danos decorrentes da circulação do veículo LH encontrava-se transferida a para a 3ª. Ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº 0045.10.774886, em vigor à data aludida em 1º.
54. Como consequência directa e necessária das lesões resultantes do acidente, o Autor Hospital de Braga prestou serviços médicos à Autora Maria entre 22-01-2013 e 10-12-2014 no valor global de € 11.722,49.

Não resultaram provados quaisquer outros factos, nomeadamente, os seguintes:

a) Um dos percursos efectuados pelos veículos automóveis pesados de transporte público de passageiros da 1ª. Ré “RODOVIÁRIA …” é a carreira diária, correspondente à Estrada Municipal nº. 306, entre a cidade de Barcelos e a freguesia de São Julião de Freixo, concelho de Ponte de Lima.
b) O Daniel … era, como é, ainda, empregado da 1ª. Ré, para a qual desempenhava, como desempenha, ainda, a profissão de motorista de veículos automóveis pesados de transporte colectivo público de passageiros.
c) Na altura da ocorrência do acidente de trânsito, o Daniel …conduzia o LH, em cumprimento de ordens e instruções que a 1ª. Ré lhe havia, previamente transmitido.
d) Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, o Daniel … conduzia, assim, o veículo automóvel pesado de transporte público colectivo de passageiros, de matrícula LH, à ordem, com conhecimento, com autorização, por conta, no interesse e sob a direcção efectiva da 1ª. Ré.
e) O LH recuou por duas vezes, em movimentos sucessivos de marcha-atrás e de marcha-à-frente e nesses dois movimentos de marcha-atrás e de marcha-à-frente voltou a pisar e entalar a perna esquerda da Autora com o pneu do rodado traseiro do lado direito do referido autocarro.
f) A Autora necessita e vai necessitar, ao longo de toda a sua vida, do uso de uma cadeira de rodas, para as suas deslocações, nomeadamente para a casa de banho e para o chuveiro.
g) A Autora receou pela própria vida.
h) A Autora ficou a padecer de uma Incapacidade Total, Absoluta e Permanente/Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica – de 100% - Profissional, para o trabalho.
i) O resultado ou rendimento líquido das actividades de doméstica e da agricultura, exercidas pela Autora, não pode computar-se em menos de 40,00 €, por dia.
j) Pelo que a Autora, do conjunto do seu trabalho doméstico e agrícola, auferia, à data do acidente, um rendimento do seu trabalho nunca inferior a (30,00 dias x 40,00 €) 1.200,00 €, por mês.
k) A Autora efectuou as seguintes despesas: obtenção dos Relatórios Médicos juntos aos autos 400,00 €; consulta em médico especialista 410,00 €; medicamentos 175,73 €; internamento e cuidados de saúde prestados na Unidade de Cuidados Continuados de Riba d’Ave 1.723,47 €; despesas com MFR – fisioterapia – em Barcelos 239,10 €; despesas com tratamentos ao pé esquerdo 120,00 €; despesas com transporte de ambulância pela Cruz Vermelha Portuguesa de Barcelos 270,00 €; aquisição de calçado ortopédico, por medida e encomenda 1.067,94 €; custo de uma cadeira de rodas 200,70 €; deslocações em veículo automóvel próprio, para o Hospital de Braga e para a Unidade de Cuidados Continuados de Riba d’Ave (488,54 € + 399,29 €) 887,83 €; despesas com parqueamento de veículo automóvel próprio 180,10 €; custo de certidões (GNR e Conservatória Automóvel) 29,95 €; peças de vestuário danificadas e inutilizadas 234,00 €; custo de uma certidão de nascimento 20,00 €; custo de uma certidão da Conservatória do Registo Automóvel 17,00 €.
l) Como consequência directa e necessária do acidente e da necessidade de adaptar a sua casa de habitação às sequelas dele resultantes, a Autora necessitou de instalar 1 kit de aquecimento a energia solar de 300 litros na sua casa de habitação, no valor de € 3.850,00.
m) No futuro, a Autora vai ver-se na necessidade de se submeter a uma ou mais intervenções cirúrgicas, principalmente da especialidade de ortopedia, de cirurgia plástica, além de outras.
n) Vai, por isso, ter necessidade de recorrer a consultas médicas das especialidades de Ortopedia, de Cirurgia, de Cirurgia Plástica e de Pedologia além de outras.
o) Vai ter necessidade de se submeter a análises clínicas e a exames radiológicos, ressonâncias magnéticas, ECOs e T.A.C (s), além de outros meios de diagnóstico.
p) Vai ter necessidade de se submeter a uma ou mais anestesias gerais.
q) Vai sofrer os riscos e os padecimentos inerentes a essa ou a essas intervenções cirúrgicas.
r) Vai sofrer um mais períodos de internamento hospitalar.
s) Vai sofrer um ou mais períodos de doença, com Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho.
t) E, a final, vai ver a Incapacidade Parcial Permanente, para o trabalho, de que ficou a padecer ainda mais agravada.
u) A Autora vai necessitar, ao longo de toda a sua via, de comprar múltiplos pares de canadianas de substituição, como auxiliar de locomoção, já que essas canadianas têm uma duração limitada, não superior a um (1) ano.
v) Vai necessitar de comprar múltiplas e sucessivas cadeiras de rodas, ao longo de toda a sua vida, para se poder deslocar, dentro da sua casa de habitação e na via pública e essas cadeiras de rodas têm, também elas, uma duração limitada, não superior a um/dois (1/2) anos.
w) A Autora necessita já e vai necessitar, ao longo de toda a sua vida de um veículo automóvel preparado para a sua condição de deficiente, embora conduzido por outra pessoa.
x) Quando o 2º Réu retomou a marcha do LH já a Autora se encontrava totalmente no exterior do veículo e em cima do passeio na via pública.
y) A queda da Autora deveu-se a um desequilíbrio coincidente com o reinício da marcha do LH.

Dos Recursos

Os recorrentes concluem as suas alegações da forma que se indica:

A Autora Maria …
a. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de primeira instância no que respeita apenas aos concretos montantes indemnizatórios arbitrados a favor da Autora.
b. A Autora dá por integralmente reproduzidos os factos dados como provados na audiência de discussão e julgamento, no Tribunal de Primeira Instância.
c. Não está em causa a culpa na produção do acidente, nem, pela mesma razão, a responsabilidade das Recorridas.
d. A Autora tinha 73 (setenta e três) anos de idade aquando da ocorrência do acidente.
e. Além das lesões e sequelas sofridas – de considerável gravidade e que são as que resultam descritas nos pontos 10 e 11 da decisão de facto - a Autora sofreu:
- um Período de Défice Funcional Temporário Total de 207 dias;
- um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 250 dias;
- um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 19 pontos;
- um Quantum Doloris de grau 5, de 1 até 7;
- uma Repercussão Permanente nas Actividades desportivas e de lazer de 2, numa escala de 1 até 7;
- Um Dano Estético permanente fixável no grau 4 numa escala de 1 a 7;
f. A Autora ficou absolutamente impossibilitada de continuar a exercer as actividades descritas nos factos provado 43, 47 e 48. (facto provado 42).
g. Entre as quais se conta a chamada agricultura de subsistência, pelo cultivo de produtos agrícolas e criação de animais.
h. Além disso, a Autora desempenhava também todas as tarefas domésticas, de limpeza, manutenção e lida da sua casa de habitação.
i. Tendo ficado absolutamente impossibilitada de o fazer, como estará até ao fim da vida, desde o acidente dos autos e em consequência exclusiva das lesões e sequelas que em virtude do mesmo ficou a padecer.
j. Mal andou o Tribunal a quo ao considerar que estas duas actividades não se traduzem em qualquer rendimento para a Autora, em virtude de não se ter provado o seu exacto quantitativo.
k. O exercício dessas duas actividades traduz-se necessariamente num proveito económico, reiterado e periódico, para a Autora,
l. Quer pela vantagem económica que adquire em não ter de contratar pessoa terceira para desempenhar tais actividades,
m. Quer pelos proveitos que retira, para si e para o seu agregado familiar, dos produtos hortícolas e animais que obtém para a sua economia doméstica,
n. Naturalmente evitando o custo de ter de adquirir tais produtos alimentícios nas superfícies comerciais.
o. Em virtude do acidente, a Autora viu-se privada, de forma permanente, de obter para si tais vantagens económicas.
p. Pela factualidade dada como provada, deveria ter sido considerada, por recurso a juízos de equidade, um rendimento não inferior a dois salários mínimos nacionais.
q. Valor esse que devia ter servido de base à procedência parcial do pedido – ao invés do decidido – relativo às perdas de rendimento no período de défice funcional, até data da consolidação médico-legal.
r. Atento o exposto, e por modéstia, deveria ter-se fixado a este título indemnização não inferior a € 20.000,00 (vinte mil euros) a favor da Autora – 457 dias de incapacidade.
s. O que se requer.
t. Acresce que a indemnização fixada pela sentença recorrida para ressarcimento dos danos futuros/perda da capacidade de ganho, em virtude da incapacidade de que passou a padecer, de 10.000,00 € - é manifestamente insuficiente, e tendo em conta todos os argumentos supra aduzidos,
u. Em sua substituição, deve ser fixada, em via de recurso, quantia não inferior a 70.000,00 €.
v. Por outro lado, também se afigura insuficiente a indemnização fixada em primeira instância para a compensação dos danos não patrimoniais sofridos - € 50.000,00 – a qual, pela sua extensão e gravidade, conforme resulta dos factos provados e decorre de prática jurisprudencial reiterada, deve ser também alterada e fixada em valor não inferior a € 125.000,00.
w. Decidindo de modo diverso, fez a sentença recorrida má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 496º., nº. 1, 562º. E 564º., nºs. 1 e 2, do Código Civil.
x. Quanto ao restante que não posto em crise nas presentes alegações de recurso, deve manter-se o doutamente decidido pelo Tribunal de Primeira Instância.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e proferindo-se, em sua substituição, Douto Acórdão, que esteja em conformidade com as conclusões supra-formuladas, com o que se fará, J U S T I Ç A.

A R. A…– Companhia de Seguros, SA

1. A autora instaurou a presente acção contra:

- A RODOVIÁRIA …, enquanto proprietária do veículo LH, pesado de transporte colectivo de passageiros no qual a autora se fazia transportar, mediante aquisição do respectivo bilhete;
- DANIEL …, condutor daquele veículo; e
- A ora recorrente A..– COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., para qual se encontrava transferida a responsabilidade pelos danos decorrentes da circulação daquele veículo.
2. Na sequência da contestação apresentada pela RODOVIÁRIA ..., a autora requereu a intervenção principal da TRANSPORTES …SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., a qual foi deferida.
3. Foi apensada aos presentes autos a acção que, com o nº 354/16.7T8BCL, corria termos pela Instância Local de Barcelos, na qual o HOSPITAL … exigia da ora recorrente o pagamento das despesas hospitalares derivadas dos tratamentos ministrados à autora.
4. Foram dados como provados, entre outros e na parte que interessa à presente questão, os seguintes factos:

1. No dia 22 de Janeiro de 2013, pelas 17H50, o Réu Daniel… conduzia o veículo pesado de passageiros de matrícula 35-LH- 34, no exercício das suas funções de motorista de veículos automóveis pesados de transporte colectivo público de passageiros, ao serviço e sob as ordens e instruções da interveniente “ Transportes …Sociedade Unipessoal, Ldª.”, dentro do seu horário de trabalho e em itinerário previamente determinado por esta.
2. O LH era, naquela data, propriedade da 1ª. Ré “Rodoviária ...”, que se dedica com fins lucrativos, à actividade de exploração de uma empresa de transporte público colectivo de passageiros.
3. O LH efectuava a carreira de serviço público entre a cidade de Barcelos e a freguesia de São Julião do Freixo, concelho de Ponte de Lima, a qual se encontrava concessionada à interveniente, que utilizava o referido veículo para a actividade de transporte público de passageiros por força de um acordo de exploração conjunta celebrado com a 1ª. Ré.
4. A interveniente organizou aquele serviço de transporte público e deu ao 2º Réu as ordens e instruções necessárias à sua execução.
5. No interior do referido veículo seguia a Autora, como passageira transportada, a qual adquiriu e pagou à interveniente o preço do bilhete de viagem correspondente ao percurso efectuado naquela qualidade.
6. Ao quilómetro 48,5 da Estrada Municipal n.° 306, na freguesia de Galegos Santa Maria, concelho de Barcelos, no sentido Barcelos- São Julião de Freixo, o 2º Réu imobilizou o LH na metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido, perto do passeio destinado ao trânsito de peões situado do mesmo lado da referida via.
7. A Autora percorreu a distância desde o banco em que seguia sentada até à porta do autocarro que se encontra situada mais junto à retaguarda, do lado direito do LH, de modo a sair para a via pública.
8. Quando a Autora se encontrava a pousar o primeiro pé no aludido passeio, junto à porta, o 2º Réu accionou o sistema de fecho das portas do LH, tendo então o casaco que aquela trazia vestido ficado agarrado na porta por onde a mesma saiu, ficando a mesma presa pelo referido casaco, que ficou entalado entre as duas folhas da porta e de costas para a mesma.
9. Logo de seguida, o 2º Réu reiniciou a marcha do veículo e a Autora foi imediatamente puxada pelo casaco, acabando por cair ao chão, tendo o pneu do LH, colocado junto à dita porta traseira, passado por cima da perna esquerda da Autora.
(…)
53. A responsabilidade civil emergente de danos decorrentes da circulação do veículo LH encontrava-se transferida a para a 3ª. Ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº 0045.10.774886, em vigor à data aludida em 1º.
5. Concluiu-se na douta sentença recorrida – e bem – que além de se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, se verificam também os pressupostos da responsabilidade civil contratual (tal como, aliás, foi alegado expressamente pela autora na sua douta petição inicial), verificando-se, pois, “uma situação de concurso entre responsabilidade civil contratual e extracontratual, pois o mesmo facto representa a violação de um contrato e um facto ilícito extracontratual”.
6. Decidiu-se, porém, na douta sentença recorrida por um sistema híbrido, isto é, pela “concorrência de responsabilidades, podendo o lesado optar por aquela que lhe for mais favorável”, decisão essa que, salvo o sempre devido respeito (que é imenso), não pode merecer a aceitação da recorrente.
7. Em face da concorrência de responsabilidades, haverá que sindicar os factos verificados na situação concreta e aplicar-lhes a disciplina que, quer do ponto de vista dos interesses em jogo, quer do ponto de vista do que foi alegado pela autora, seja mais adequada e justa.
8. A recorrente celebrou com a proprietária do veículo LH um contrato de seguro automóvel, pelo qual assumiu os riscos decorrentes da circulação deste na via pública (ponto 53 dos factos provados).
9. O acidente que vitimou a autora ocorreu porque o motorista do LH, tendo imobilizado o veículo, acionou o fecho das portas quando a autora ainda se encontrava a sair, pelo que o casaco que esta trazia vestido ficou preso na porta, originando a queda da autora; por sua vez, o motorista do LH arrancou, passando com a roda de trás do veículo por cima do corpo da autora (pontos 6, 7, 8 e 9 dos factos provados).
10. A proprietária do veículo – tomadora do seguro – havia cedido a utilização do veículo à interveniente MINHO …, no quadro de um acordo de exploração conjunta (ponto 3. dos factos provados).
11. Entre a MINHO … e a autora foi celebrado um contrato de transporte, tendo esta adquirido e pago o bilhete correspondente ao percurso efectuado – cfr. pontos 3, 4 e 5 dos factos provados.
12. O motorista do LH era funcionário da MINHO …, estando portanto, do ponto de vista do contrato de transporte celebrado entre esta e a autora, integrado no conceito de “pessoal que presta serviço nos veículos empregados em transporte colectivos de passageiros”, referido no artigo 187º do Regulamento de Transportes em Automóveis.
13. Perante o quadro fáctico exposto, não há qualquer dúvida de que a vertente contratual assume esmagadora preponderância enquanto disciplina adequada a regular a relação entre a empresa transportadora e a autora, enquanto passageira, já que o acidente aconteceu porque foi grosseiramente violado, por um auxiliar do transportador, o direito da autora de ser transportada com comodidade e segurança.
14. Em face do acervo fáctico dado como provado, a aplicação das regras da responsabilidade extracontratual é meramente residual e só deveria ocorrer se de todo não fosse possível o enquadramento do sinistro na responsabilidade contratual, ou, obviamente, se a autora não tivesse invocado o contrato - como efectivamente invocou – como fonte do seu direito à indemnização.
15. Neste alinhamento, forçoso é concluir que, tendo a autora invocado como fonte da obrigação de indemnizar a celebração de um contrato de transporte com a interveniente MINHO …, e tendo esta incumprido tal contrato, violando, com esse incumprimento, o direito da autora de ser transportada em segurança, causando-lhe dano na sua integridade física, devem ser aplicadas a essa relação jurídica as normas da responsabilidade contratual - cfr., neste sentido, Almeida Costa, em “Direito das Obrigações”, Coimbra Editora, 4ª Ed., pág. 359
16. Porém, a douta sentença recorrida defende que “não se nos afigura aceitável a tese da consunção da responsabilidade extracontratual pela contratual, solução que até poderia em certas situações desproteger a própria vítima, caso o sujeito incumpridor se visse, por exemplo, numa situação de insolvência. A solução natural perante o silêncio da lei é, pois, a da concorrência de responsabilidades, podendo o lesado optar por aquela que lhe for mais favorável”.
17. Esta visão do problema encerra, contudo, uma desconsideração pela posição de outros sujeitos processuais, que não a vítima (no caso, a autora), potenciadora de clara injustiça.
18. É bom não olvidar que foi a própria autora quem invocou a responsabilidade contratual, bem sabendo, porque representada por3mandatário judicial, que ao invocar essa fonte da obrigação estava a postular a aplicação das respectivas regras jurídicas.
19. É certo que a autora invocou igualmente a responsabilidade extracontratual:

porém, da simples leitura da petição inicial claramente se compreende que o fez por simples cautela, residualmente e para o caso de não vir a provar-se o vínculo contratual que alegou.
20. Isso é patente, desde logo, no cabeçalho da petição, sendo sintomática a ordem pela qual a autora enumera os demandados:

- Em primeiro lugar, o que ela entendia, na altura, ser o transportador (RODOVIÁRIA …);
- Em segundo lugar, o auxiliar do transportador (motorista), DANIEL …;
- Em terceiro lugar, a seguradora do veículo e ora recorrente.
21. Mais: confrontada com a contestação da primeira ré RODOVIÁRIA …, a autora promoveu imediatamente a intervenção principal provocada da MINHO …, para ver assegurada a possibilidade de fazer valer os seus direitos contratuais contra a verdadeira transportadora.
22. Em face do exposto, dúvidas não haverá de que a autora, ao instaurar a presente acção, pretendeu em primeira linha fazer valer o seu direito à indemnização em sede de responsabilidade contratual, contra a transportadora e contra o seu auxiliar (motorista), pela violação do seu direito de crédito – ser transportada de forma segura.
23. E, assim sendo, será de recusar a solução híbrida plasmada na douta sentença recorrida, por se afigurar injusta, nomeadamente para a ora recorrente.
24. Aqui chegados, convirá citar novamente Almeida Costa, ob. cit., pág. 358:

Também parece inaceitável o sistema da acção híbrida. Afigura-se substancialmente injusto que o lesado beneficie das normas que considere mais favoráveis da responsabilidade contratual e da extracontratual, afastando as que nos respectivos sistemas – estabelecidas em paralelo e que com elas formam conjuntos orgânicos – repute desvantajosas. Por exemplo: prevalecer-se do ónus da prova que impende sobre o devedor na responsabilidade contratual (art. 799º nº 1) e, ao mesmo tempo, do regime da solidariedade passiva, caso haja vários responsáveis, que vigora para a responsabilidade extracontratual (arts. 497º e 507º)”.
25. Este parece ser, exactamente, o exemplo dos autos.
26. Nesta conformidade, e de acordo com o supra alegado, deverá entender-se que a responsabilidade contratual consumiu a responsabilidade extracontratual, pelo que deve em consequência ser revogada a decisão, substituindo-se por outra que condene unicamente a MINHO … no pagamento das indemnizações peticionadas, quer pela autora, quer pelo interveniente HOSPITAL ….
27. Foi fixado, com base na equidade, o valor de 90.000,00€ a este título.
28. A autora nasceu em 25 de Maio de 1940 (facto provado nº 41); o acidente ocorreu no dia 22 de Janeiro de 2013 (facto provado nº 1), pelo que a autora tinha 72 anos à data do acidente.
29. A autora teve alta no dia 18 de Agosto de 2013, data em que regressou a casa (factos provados nºs 28 e 29).
30. Ficou provado que a autora necessita da ajuda, permanente e para o resto da vida, de terceira pessoa para as actividades domésticas e da vida diária, para a vestir e despir, para a calçar e descalçar, para lhe dar banho e para lhe fazer a higiene pessoal diária e para a acompanhar, auxiliar e proteger em todas as deslocações na via pública, 8 horas por dia e 7 dias por semana (facto provado nº
31. Considerou-se uma esperança média de vida de 80 anos.
32. Foi tido em conta o valor de 5,00€ por hora para a contratação de pessoa para esse fim, 8 horas por dia, 7 dias por semana, 52 semanas por ano, do que resulta um valor anual de 14.560,00€; o que significa 1.213,30€ por mês.
33. De acordo com as regras da experiência comum, quando se trata de uma contratação a tempo inteiro, como é o caso (8 horas por dia, 7 dias por semana, 52 semanas por ano), o valor da remuneração é normalmente negociado com referência à remuneração mínima garantida, ajustado de acordo com as competências da pessoa a contratar, de acordo com a oferta e a procura, etc.
34. Deste modo, será razoável supor que a autora poderia contratar uma pessoa com as competências necessárias para as tarefas referidas e de que necessita, por um montante mensal da ordem dos 650,00€.
35. Por outro lado, haverá que, no critério equitativo a aplicar, fazer incidir uma dedução pelo facto de a autora ser já uma pessoa com idade avançada, que poderia, previsivelmente, necessitar de parte daqueles cuidados ainda que o acidente não tivesse ocorrido, como é da experiência comum.
36. Por último, haverá que fazer incidir nos cálculos uma redução pelo facto de receber o capital de uma só vez, a qual, na conhecida fórmula do Conselheiro Sousa Dinis, deverá ser de ¼.
37. Deste modo, afigura-se que o valor justo e adequado a atribuir, em sede de equidade e integrando aqueles critérios decorrentes da experiência comum, seria o de 40.000,00€ e não o atribuído de 90.000,00€.
38. A título de danos morais, também a quantia fixada de 50.000,00€ se baseou num critério de equidade.
39. Não obstante toda a factualidade elencada na douta sentença recorrida, a verdade é que o montante atribuído a este título é superior ao habitualmente concedido na jurisprudência para casos semelhantes, o que aliás é reconhecido na própria decisão recorrida.
40. Afigura-se à recorrente que o valor de 35.000,00€ seria mais justo e adequado para compensar os danos não patrimoniais sofridos pela autora.
41. Foram violadas as normas dos artigos 483º, 496º, nº 3, 562º, 566º, nº 3 e 799º, todos do Código Civil.

Termos em que deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, na procedência do recurso, condene exclusivamente a interveniente MINHO … pelo pagamento das indemnizações arbitradas à autora, por incumprimento do contrato de transporte por esta alegado;

Ou,
Caso assim se não entenda, reduzidos os montantes das indemnizações fixadas com base na equidade, a título de auxílio de terceira pessoa e de danos morais, tal como defendido no presente recurso, para não mais de 40.000,00€ e 35.000,00€ respectivamente,
Com o que se fará a melhor e mais perfeita JUSTIÇA.

O Interveniente Minho…, Transportes…Lda.

1. A Recorrente não se conforma com o teor da sentença recorrida, a qual decidiu julgar a acção “parcialmente procedente, e em consequência condenar a Ré A…Companhia de Seguros, S.A. e a interveniente Minho …Transportes ., Lda. a pagar à Autora a quantia global de €:167.918,36 acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor desde a citação até integral pagamento (…) a quantia que vier a ser liquidada referente ao custo da aquisição de cadeira de rodas, canadianas, do calçado ortopédico e dos tratamentos de medicina física de reabilitação já despendido pela Autora, quantia essa acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a notificação para a respectiva liquidação até integral pagamento (…) a quantia que vier a ser liquidada referente ao valor a despender pela Autora com a substituição das canadianas, com o calçado ortopédico, com os tratamentos de medicina física de reabilitação (duas vezes por ano) e com a medicação analgésica e anti inflamatória e protector gástrico, quantia essa acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a notificação para a respectiva liquidação até integral pagamento”, (sic)
2. porquanto entende que o Tribunal a quo julgou incorrectamente (parte) da matéria de facto, procedeu a uma errada valoração da prova, e bem assim a uma errada subsunção dos factos ao Direito.

Vejamos:

Do (errado) julgamento da Matéria de Facto:

3. O Tribunal a quo julgou incorrectamente parte da matéria de facto, porquanto considerou provados factos que não o resultaram da prova produzida,
4. tendo, por outro lado, considerado não provados factos sobejamente explicados e enunciados de forma clara e precisa pelas testemunhas ouvidas em sede de julgamento.
(…………………………………………..)
72. Nesta conformidade, atentas todas as ponderosas razões invocadas, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida nos termos supra expostos.

Termos em que e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, absolvendo-se a Recorrente do pedido, tudo com as demais consequências legais com o que se fará Justiça.

A…– Companhia de Seguros, SA, apresentou Resposta, pugnando pela rejeição do recurso apresentado pela Autora.
A Autora apresentou resposta relativamente ao recurso interposto pela Ré Minho ..Transportes Lda., pugnando pela sua improcedência.
Dos Recursos
Nos termos dos artigos 635º e 639º, nº 1 do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo do disposto no artº 608º do mesmo Código.

As questões essenciais a dirimir nos presentes recursos são substancialmente as seguintes:

· alteração da decisão da matéria de facto
· da responsabilidade pela ocorrência do acidente
· os montantes indemnizatórios

a) alteração da decisão da matéria de facto.

A Recorrente Minho …Transportes Lda., considera incorrectamente julgados os pontos 8., 9., 31 e 52. dos factos dados como provados e os pontos x), y) dos factos dados como provados. Pretende ainda que seja aditada ao elenco dos factos provados que:
“A Recorrida recebeu por parte da Segurança Social, uma quantia (€ 50,00/mensais), a título de auxílio de terceira pessoa”.

Vejamos.

De acordo com o princípio consagrado no art. 607, nº 5, do C.P.C. de 2013, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. As provas são assim valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.

Os poderes do tribunal da Relação de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto foram, por seu turno, largamente ampliados e reforçados pelo C.P.C. de 2013, como decorre do seu actual artº. 662, no confronto com o anterior art. 712 do C.P.C. 1961.

No entanto e ao mesmo tempo, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências que surgem agora mais precisas que no anterior C.P.C. de 1961 e cuja observância não pode deixar de ser apreciada à luz de um critério de rigor (Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, págs. 128/129).


Assim, de acordo com o actual art. 640, nº 1, do C.P.C.:
“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

No que toca à especificação dos meios probatórios, incumbe ainda ao recorrente “sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (art. 640, nº 2, al. a)).

Finalmente, tais regras hão-de compaginar-se com aquela outra já indicada de que as conclusões delimitam o âmbito do recurso (art. 635, nº 4).


Assim, e em síntese, ao recorrente que impugne a matéria de facto caberá indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões), especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos e propor, ainda, a decisão alternativa sobre cada um deles. A não observância de tais regras implicará a rejeição imediata do recurso.

Admitindo-se que a apelante cumpre minimamente com as referidas imposições legais, passemos à análise da impugnação feita, com especial enfoque sobre os pontos da matéria de facto, que são objecto de impugnação neste recurso.

(A Recorrente considera que os pontos 8., 9., 31. e 52. dos factos dados como provados deveriam ter sido dados como não provados e que os pontos x) e Y) dos factos dados como não provados, deveriam ter sido dados como provados. E funda a sua discordância, quanto aos pontos 8. e 9. dos factos dados como provados no depoimento e declarações da testemunha Teresa …e Daniel …, respectivamente.

Considerou o Tribunal a quo provado que:

8. Quando a Autora se encontrava a pousar o primeiro pé no aludido passeio junto à porta, o 2º Réu accionou o sistema de fecho das portas do LH, tendo então o casaco que aquela trazia vestido ficado agarrado na porta por onde a mesma saiu, ficando a mesma presa pelo referido casaco que ficou entalado entre as suas folhas da porta e de costas para a mesma.”

9. Logo de seguida, o 2º Réu reiniciou a marcha do veículo e a Autora foi imediatamente puxada pelo casaco, acabando por cair ao chão, tendo o pneu do LH, colocado junto à dita porta traseira, passado por cima da perna esquerda da Autora”.
Procedemos à audição do depoimento da testemunha Teresa …e das declarações do motorista do autocarro Daniel … Eis o que deles, de relevante, se extrai:
(--------------------------------------------)

Assim, da prova produzida, apreciada à luz das regras da experiência comum e da normalidade, nomeadamente, do depoimento de parte de …e dos depoimentos das testemunhas …., e da sua conjugação entre si com a restante prova, designadamente documental junta aos autos, impõe-se alterar as respostas dadas àqueles concretos pontos da matéria de facto, objecto de impugnação, nos seguintes termos:

Ponto 8. : Não provado.
Ponto 9.: Provado apenas que quando a Autora se encontrava já fora da viatura, caiu ao chão, tendo o pneu do LH colocado junto à dita porta traseira, passado por cima da perna esquerda da Autora.
Alíneas x) e y): Provados.
Insurge-se ainda a Recorrente Minho …Transportes, Lda., contra o facto de o Tribunal a quo ter dado como provado o ponto 52. dos factos provados, alegando que nenhuma prova foi feita nesse sentido.
(…………….)
Pelo que se impõe alterar a resposta dada ao ponto 52. para: Não provado.
A Recorrente também se não conforma com a matéria vertida no ponto 31 dos factos provados,
(……………..)
Impõe-se, assim, alterar a resposta constante do ponto 31. nos seguintes termos:

31. A Autora necessita de ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas; tratamentos médicos regulares; ajudas técnicas; ajuda de terceira pessoa.
(…..)
Assim, adita-se ao elenco dos factos provados, o seguinte:

55. “A Recorrida recebeu por parte da Segurança Social, uma quantia (€:50,00/ mensais), a título de auxílio de terceira pessoa”.
Fixados os factos passemos à apreciação das questões enunciadas

b) da responsabilidade pela ocorrência do acidente

No caso dos autos, estamos em presença da chamada responsabilidade civil extracontratual emergente de factos ilícitos, instituto normativo para o qual remete a causa de pedir na acção, regulado nos arºs 483º a 498º do C. Civ., que assenta num conjunto de pressupostos (a que se reporta o citado artº 483º ) que a doutrina dominante define do seguinte modo : “ o facto ou acto humano voluntário, por acção ou omissão; a ilicitude ou antijuridicidade do mesmo; a imputação do facto ao lesante ou agente ,ou seja a sua culpa ; a ocorrência de um dano ou lesão; o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Vejam-se, entre outros autores, o Prof. Fernando Pessoa Jorge, in “ Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil “, pg. 52 e segs.; e o Prof. Antunes Varela, in “ Das Obrigações em Geral “, vol. I, parte em que desenvolve esta questão.

No caso em apreço, importa discutir se há ou não algum nexo de causalidade entre a conduta do condutor do autocarro e o acidente verificado de que foi vítima a Autora e danos daí resultantes e, se ocorrendo tal nexo deve ou não ser considerada como culposa a conduta daquele condutor pelo acidente em apreço.

Relativamente ao conceito de culpa, dispõe o n.º 2 do art. 487.º do Código Civil que "a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso".

Comentando esta norma, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA escrevem que "a culpa deve ser apreciada in abstracto, ou seja, em atenção à diligência de um bom pai de família e não à diligência normal do causador do dano". E acrescentam que, "dentro desta concepção da culpa em abstracto, a lei parece inclinar-se ainda para a consideração da negligência como um erro de conduta (envolvendo a própria imperícia ou incapacidade técnica do devedor) e não como uma simples deficiência da vontade" (em Código Civil Anotado, vol. I, ed. 1967, p. 333).

Assim, a referência da lei ao conceito de «bom pai de família» na apreciação da culpa visa acentuar o aspecto ético ou deontológico do «bom cidadão» (o «bonus civis»). Pelo que se incluem no conceito de culpa as práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria causadoras de danos, se outra for a conduta exigível dos homens de boa formação e de são procedimento (cfr. o ac. RP de 26-01-2000, em
www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 9921420).

Igualmente escreve o Prof. ANTUNES VARELA (em "Das Obrigações em Geral", vol. II, 5.ª edição, Almedina, p. 95), "agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do devedor ser pessoalmente censurável ou reprovável. E o juízo de censura ou de reprovação baseia-se no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo".

No conceito de culpa reportada aos acidentes de viação, tem a jurisprudência entendido maioritariamente que a prova da inobservância das leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensado a concreta inobservância da falta de diligência; e que a posição do lesado é frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova de primeira aparência (presunção simples): se esta prova aponta no sentido da culpa do lesante, passa a caber a este o ónus da contraprova (por todos, Acs. do STJ, de 20/11/2003, CJ/STJ, ano XI, t. III, p. 150 e de 17/02/2007, Proc. 96A588, disponível em www.dgsi.pt).

Mas, igualmente, também age com culpa o condutor de um veículo que, apesar de, objectivamente, não ter infringido nenhuma norma legal de condução rodoviária, não observa, no exercício da condução, os deveres gerais de diligência exigíveis ao "condutor médio" e faz uma condução imprudente, desleixada ou tecnicamente errada, e, por algum desses motivos, causa danos a terceiros (citado ac. RP de 26-01-2000 e ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2008, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 08B761).

As decisões penais, condenatórias ou absolutórias, constituem relativamente a terceiros não directamente intervenientes, por si ou por mandatário, no processo em que as mesmas foram proferidas, simples presunções tantum juris (ilidíveis) da existência ou inexistência dos factos imputados ao arguido, nada impedindo que terceiros ponham novamente esses factos à prova em acção cível, acontecendo apenas que ao autor cumprirá então ilidir essa presunção, mediante prova em contrário (Ac. STJ, de 8.5.2002: AD, 493º-148). Assim, para efeitos do disposto no artigo 623º do CPC, a Recorrente Interveniente tem a natureza de terceiro, pelo que a decisão da sentença condenatória proferida em processo penal é passível de ser ilidida por prova em contrário.

No caso sub judice, conforme resulta da factualidade apurada, não se nos afigura existir prova da culpa, concreta ou presumida do condutor do veículo LH. Ou seja, não existem factos que permitam dirigir um juízo de censura ao condutor do veículo, pelo acidente que vitimou a Autora.

Para haver obrigação de indemnizar é condição essencial, também, que haja dano, ou seja que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém. O dano é a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea.

No caso vertente, é evidente que a Autora sofreu danos, a nível patrimonial e não patrimonial.

Mas nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito são incluídos na responsabilidade do agente, antes apenas os resultantes do facto, os causados por ele, ou seja, exige-se um nexo de causalidade entre o facto e o dano. Para aferir da existência desse nexo de causalidade adoptou o legislador a chamada teoria da causalidade adequada (artº 563º do CC).

Para que os danos possam ser atribuíveis ao lesante, numa perspectiva de circulação rodoviária, torna-se necessário, na responsabilidade subjectiva, que ele haja praticado um facto ilícito que tenha virtualidade para ser tomado como causa adequada do dano, no exercício ou por causa do exercício da condução.

Ora, no caso dos autos, face à materialidade fáctica apurada, não se mostram verificados os pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artºs 483º do CC, nomeadamente, a prática de um acto ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto ao agente, em termos de culpa, apreciada como regra em abstracto, segundo a diligência de um «bom pai de família». É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa (artº 487º, nº2 do CC).

Assim, estando afastada a responsabilidade do condutor do veículo pela eclosão do acidente, importa agora, equacionar a eventual responsabilidade da 1ª Ré, com base na responsabilidade objectiva, ou seja, no risco, nos termos do disposto no nº1 do artº 503º do Código Civil.

A responsabilidade pelo risco, dentro desta matéria, só abrange os danos provenientes dos riscos próprios do veículo. Dentro dos pressupostos da responsabilidade civil, o dano indemnizável será aquele que estiver em conexão causal com o risco. Para traduzir esta ideia, a lei refere-se aos «danos provenientes dos riscos próprios do veículo». O dano liga-se por um nexo causal ao facto material em que se configura o risco. O dano terá de ser sempre condicionado por uma relação de causalidade, mesmo indirecta com o facto em que se materializa o risco (cfr. Manual de Acidentes de Viação, Dario Martins de Almeida, 2ª ed. Pág. 317 e ss).

A indemonstração do nexo causal inviabiliza a pretensão do lesado à indemnização com base no risco, pois a responsabilidade objectiva pressupõe todos os requisitos da responsabilidade subjectiva, menos a culpa e a ilicitude do facto (STJ, 21.11.1978, BMJ, 281º-307).

A causa juridicamente relevante de um dano é – de acordo com a doutrina da causalidade adequada adoptada pelo artº 563º do CC – aquela que em abstracto, se revele adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do lesante (cfr. Ac. STJ, 10.03.1998: BMJ, 475º-635).

No caso, de útil para a dilucidação desta questão, provou-se, para além do mais:

7. A Autora percorreu a distância desde o banco em que seguia sentada até à porta do autocarro que se encontra situada mais junto à retaguarda, do lado direito do LH, de modo a sair para a via pública.
9. quando a Autora se encontrava já fora da viatura, caiu ao chão, tendo o pneu do LH colocado junto à dita porta traseira, passado por cima da perna esquerda da Autora.
x) Quando o 2º Réu retomou a marcha do LH já a Autora se encontrava totalmente no exterior do veículo e em cima do passeio na via pública.
y) A queda da Autora deveu-se a um desequilíbrio coincidente com o reinício da marcha do LH.

Preceitua o artigo 505.º do Código Civil, “Sem prejuízo do disposto no artigo 570.º, a responsabilidade fixada pelo n.º 1 do artigo 503.º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.”

Verificado qualquer dos pressupostos enunciados no artº 505º do CC entende-se haver uma ruptura do nexo de causalidade – o dano passa a não ser efeito adequado do risco.

É esta a situação verificada no caso sub judice.

Pese embora os danos verificados mereçam a tutela do direito, na acepção do artº 496º do CC, os mesmos não podem ser assacados à 1ª Ré, na medida em que o risco, em que hipoteticamente assentaria a sua responsabilidade, não abrange causas terceiras imprevisíveis, nos quadros da causalidade adequada, e imputáveis, quer ao lesado quer a terceiro ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, tudo nos termos do disposto no artigo 505º do Código Civil.

Com o devido respeito não perfilhamos a tese defendida na 1ª instância na douta sentença, onde se lê: (….) constata-se que estamos perante uma situação de concurso entre responsabilidade civil contratual e extracontratual, pois o mesmo facto representa a violação de um contrato e um facto ilícito extracontratual.

Existem diferentes posições na doutrina e na jurisprudência sobre a questão do concurso de responsabilidades, defendendo uns a consunção da responsabilidade extracontratual pela contratual (Almeida Costa, in “Direito das Obrigações, 9ª edição, pag. 499) e outros, maioritariamente, o cúmulo entre ambas (Rui de Alarcão, in “Direito das Obrigações. policopiada, Coimbra, 1983, págs. 211-212, Mota Pinto, in “Cessão da Posição Contratual”, Coimbra, 1982, pág. 411 e Pinto Monteiro, in “Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil”, Coimbra, 2003, págs. 430 e 431).

Uma vez que a lei não dispõe expressamente nesse sentido, não se nos afigura aceitável a tese da consunção da responsabilidade extracontratual pela contratual, solução que até poderia em certas situações desproteger a própria vítima, caso o sujeito incumpridor se visse, por exemplo, numa situação de insolvência.

A solução natural perante o silêncio da lei é, pois, a da concorrência de responsabilidades, podendo o lesado optar por aquela que lhe for mais favorável. Fundamental é, porém, que o cúmulo não derive numa duplicação de indemnizações pelo mesmo dano sofrido.

Esta é também a solução maioritariamente seguida pela jurisprudência (cfr. entre outros, os Acs. do S.T.J., de 19-06-2001 [Proc. nº 01A1008], de 07-10-2010 [Proc. nº 1364/05.5TBBCL.G1], da R.L., de 11-09-2007 [Proc. nº 1360/2007-7] e da R.P., de 11-09-2012 [Proc. nº 2488/03.9TVPRT.P2], todos in www.dgsi.pt).

No caso de pluralidade de sujeitos responsáveis, como decorrência do cúmulo, nada obsta a que a opção do lesado se faça apenas a final, no momento da realização da prestação, pois a obrigação de indemnizar cabe a todos eles.”.

Constitui Jurisprudência e Doutrina pacíficas que estando em causa danos ocorridos em resultado de acidente provocado pelo condutor de um veículo em circulação, o pedido de indemnização civil deverá ser formulado contra a seguradora, desde que o mesmo se contenha dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório e exista seguro válido.

O Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro – expressamente revogado pelo artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto – instituiu o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel dispondo que (à excepção dos “veículos de caminho de ferro, bem como das máquinas agrícolas não sujeitas a matrícula”) todo aquele “que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões” causadas a terceiros por um veículo terrestre a motor deve, para que esse veículo possa circular, “encontrar-se coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade” (artigo 1.º).

O citado Decreto-Lei n-º 291/2007 aprovou novo diploma, agora com transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 2005/14/CE, (5.ª Directiva) do Parlamento Europeu e do Conselho, que alterou as Directivas n.º 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE, 90/232/CEE, do Conselho e 2000/26/CE.

Esta nova regulamentação, com o acolhimento dos citados instrumentos do direito da União Europeia representa uma evolução da dogmática do seguro de responsabilidade civil e, como se refere no Acórdão do TJUE de 4 de Setembro de 2014 (P.C. – 16213 – caso Vnuk) é demonstrativa que o objectivo primeiro é a “protecção das vítimas dos acidentes causados por veículos” o que “foi constantemente prosseguido e reforçado pelo legislador da União”.

Assim se dá coerência ao objectivo do seguro de responsabilidade civil que é garantir o ressarcimento dos danos sofridos pelas vítimas, e impedir que sejam confrontadas com situações de insolvabilidade do lesante ficando desprotegidas e sem possibilidade de verem reconstruída a sua situação anterior ao evento.

O seguro desempenha, assim, uma relevante função social a ser vista na perspectiva do lesado, sendo por isso considerado por grande parte da doutrina um contrato a favor de terceiro. No sentido de o contrato ser sempre a favor de terceiro, veja-se o Prof. Antunes Varela”, “Das Obrigações em Geral”, I, 409, n.º 1 e 417, o Cons. Moitinho de Almeida (apud “O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado”, 1971, 291, nota 63) que acaba por admitir poder tratar-se de um contrato a favor de terceiro se tal resultar da intenção expressa das partes.

Actualmente, e com a nova lei do contrato de seguro da responsabilidade civil automóvel (citado Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 da Agosto a transpor a 5.ª Directiva comunitária – Directiva 2000/26/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio) com tónica na quase irrestrita protecção do lesado não repugna afirmar que o seguro em apreço se traduz num contrato a favor de terceiro (cfr. Ac. STJ de 12.06.2017, Proc. 8/07.5TBSTB.S1, acessível in dgsi.pt)

E no concerne à dogmática do escopo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, lê-se nesse douto Aresto: «Este Supremo Tribunal de Justiça julgou que o “objectivo central” deste seguro é garantir a protecção das vítimas de acidentes de viação, assegurando da forma mais alargada possível o ressarcimento dos danos por elas sofridos. Esta ideia informa todo o articulado da Lei do Seguro Obrigatório, originando um regime legal no qual a liberdade negocial, já fortemente condicionada nos contratos de adesão está agora praticamente ausente. (…) Fica, em consequência, indiscutível que o legislador quis precipuamente defender/proteger os interesses e os direitos dos lesados em acidentes de viação, sendo estes caracterizados como eventos consequentes da “má” condução automóvel ou dos riscos próprios da circulação de veículos, quer nas vias públicas quer nas abertas à livre circulação, independentemente da respectiva afectação ou domínio”.

Da conjunção entre o regime jurídico do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, previsto no Decreto-Lei nº 291/2007, de 21/8, e das aludidas condições, facilmente se conclui que a responsabilidade pelo ressarcimento de todos e quaisquer danos resultantes do exercício da actividade de transporte rodoviário de passageiros – seja por via da responsabilidade civil contratual, seja por via da responsabilidade civil extracontratual - se encontra integralmente transferida para a Ré Seguradora.

No caso vertente, decorre da apólice de seguro da responsabilidade civil junta com a contestação da Ré Rodoviária …, que o contrato de seguro celebrado inclui a cláusula particular 14, a qual compreende e corresponde à cobertura de responsabilidade civil quanto a passageiros em veículos de transporte colectivo de passageiros.
A Jurisprudência citada na sentença recorrida reporta-se a responsabilidade civil por acto médico, que, salvo o devido respeito, não tem aplicação ao caso dos autos.

Na linha de argumentação da sentença, se os passageiros pudessem optar por demandar com base na responsabilidade contratual a empresa transportadora, de nada serviria o contrato de seguro automóvel, pois aquela teria de suportar a totalidade das indemnizações a que houvesse lugar, o que contraria a natureza do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel obrigatório. E ao considerar que os danos que pudessem resultar para os passageiros se encontram excluídos do âmbito de cobertura do seguro tendo por base o instituto da responsabilidade civil contratual, nunca poderia condenar solidariamente a Empresa Transportadora e a Ré Seguradora, por ausência de apoio legal (artº 513º CC), sendo que em responsabilidade contratual não há solidariedade; a regra é a conjunção.

O contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel celebrado com a Ré Seguradora, cobre tanto os danos decorrentes de responsabilidade civil contratual, como os danos decorrentes de responsabilidade civil extracontratual. Os danos são os mesmos, não havendo qualquer distinção em razão da natureza das responsabilidades, nem a sentença faz tal distinção na condenação vertida na parte dispositiva.

Por tudo o exposto, terá de concluir-se pela irresponsabilidade do condutor do veículo LH, em relação aos danos a que se reporta a Autora, por falta de verificação dos necessários pressupostos do dever de indemnizar emergente da responsabilidade por factos ilícitos a atribuir ao condutor desse veículo, em consequência do que não cabe ser-lhe arbitrada qualquer indemnização.
Tal conclusão torna inútil a apreciação das demais questões enunciadas, relacionadas com os valores indemnizatórios fixados em 1ª Instância.

Decisão

Por tudo quanto se deixa exposto, acorda-se em julgar:

Improcedente a apelação da Autora.
Improcedente a apelação da Ré A… – Companhia de Seguros, SA.
Procedente a apelação de Minho .. Transportes …, Lda. e, em conformidade, revoga-se a sentença recorrida e absolvem-se a Ré A…– Companhia de Seguros, SA., e a Interveniente Minho…Transportes do Minho, .. Lda, dos pedidos contra si formulados.
No mais, mantém-se a decisão recorrida.
Custas, na proporção do respectivo decaimento.
Guimarães, 10 de Julho de 2018

Relator: Amílcar Andrade
Adjuntos: Carlos Carvalho Guerra
Maria Conceição Bucho