Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1453/17.3T8BRG.G1
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Não cumpre os ónus da impugnação da decisão da matéria de facto, a que alude o nº1, do art. 640º, do CPC, o recorrente que não faz concreta e especificada (ponto por ponto) análise crítica das provas;

2- Constitui requisito de celebração de arrendamento urbano o local, objeto do mesmo, ter aptidão para o fim do contrato, atestada pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível (nº1, do art.º 1070.º, do Código Civil);

3- São duas as licenças, eventualmente exigíveis, referentes à utilização de edifícios: uma atinente à genérica possibilidade de utilização; outra referente à específica atividade a nele exercer. Enquanto a obtenção da referida licença de utilização do imóvel - atinente à genérica possibilidade de utilização do edifício (prévia à celebração do contrato de arrendamento) - é a cargo do proprietário do imóvel, está na disponibilidade das partes a convenção de ficar a cargo do locatário a obtenção de licença relativa à específica atividade a nele exercer;

4- O diploma próprio, que define os elementos a conter no contrato de arrendamento urbano, previsto no nº2, do art.º 1070.º, do CC, é o Decreto Lei n.º 160/2006, de 8 de agosto. Prevê a exigência de certas formalidades para o contrato de arrendamento, designadamente quanto à licença de utilização, e nele são conferidos ao arrendatário os direitos à resolução do contrato e a indemnização pelos danos sofridos, caso o locado não disponha de tal licença por motivo imputável ao senhorio (cfr. nº7, do art. 5º do referido diploma e ainda, nos termos gerais, o nº2, do art. 801º e o art. 798º, do Código Civil);

5- O referido direito potestativo à resolução não é consequência automática daquela falta, tem de se dever a causa imputável ao senhorio - a culpa deste, a qual se presume (cfr.nº1, do art. 799º, do Código Civil).
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

Sumário (elaborado pela relatora):

1- Não cumpre os ónus da impugnação da decisão da matéria de facto, a que alude o nº1, do art. 640º, do CPC, o recorrente que não faz concreta e especificada (ponto por ponto) análise crítica das provas;
2- Constitui requisito de celebração de arrendamento urbano o local, objeto do mesmo, ter aptidão para o fim do contrato, atestada pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível (nº1, do art.º 1070.º, do Código Civil);
3- São duas as licenças, eventualmente exigíveis, referentes à utilização de edifícios: uma atinente à genérica possibilidade de utilização; outra referente à específica atividade a nele exercer. Enquanto a obtenção da referida licença de utilização do imóvel - atinente à genérica possibilidade de utilização do edifício (prévia à celebração do contrato de arrendamento) - é a cargo do proprietário do imóvel, está na disponibilidade das partes a convenção de ficar a cargo do locatário a obtenção de licença relativa à específica atividade a nele exercer;
4- O diploma próprio, que define os elementos a conter no contrato de arrendamento urbano, previsto no nº2, do art.º 1070.º, do CC, é o Decreto Lei n.º 160/2006, de 8 de agosto. Prevê a exigência de certas formalidades para o contrato de arrendamento, designadamente quanto à licença de utilização, e nele são conferidos ao arrendatário os direitos à resolução do contrato e a indemnização pelos danos sofridos, caso o locado não disponha de tal licença por motivo imputável ao senhorio (cfr. nº7, do art. 5º do referido diploma e ainda, nos termos gerais, o nº2, do art. 801º e o art. 798º, do Código Civil);
5- O referido direito potestativo à resolução não é consequência automática daquela falta, tem de se dever a causa imputável ao senhorio - a culpa deste, a qual se presume (cfr.nº1, do art. 799º, do Código Civil).

I. RELATÓRIO

Recorrente: M. R.
Recorrida: C. - RIO, L.DA

C. - RIO, L.DA, NIPC …, com sede na Rua … Braga, representada pelos sócios gerentes Rui, NIF …, e Bruno, NIF …, ambos residentes na Rua …, Esposende, intentou contra M. R., divorciada, com o NIF …, residente na rua …, Braga, a presente ação comum, pedindo que se declare resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre ambas e se condene a Ré a pagar-lhe a quantia de € 320.000,00 (trezentos e vinte e mil euros), acrescida de juros legais até efetivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, que em 20.01.2017, na qualidade de arrendatária celebrou com a Ré, senhorio, um contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais, respeitante a uma loja situada na Rua …, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., pelo período de 5 anos, renovável por igual período, com início no dia 01.02.2017, para instalar uma pizzaria, no âmbito do projeto MPizza, que, durante as negociações, lhe foi dito que bastava averbar a licença para restauração e que, após a celebração do contrato, requereu à Câmara Municipal tal averbamento, tendo sido informada que o locado não possui licença de utilização, constituindo tal facto, do conhecimento da Ré, motivo de resolução, ascendendo os danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, em virtude da referida conduta da Ré, a € 320.000,00.
Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, a fls. 40 a 68, onde se defende sustentando, em síntese, para além de vícios de natureza formal (ineptidão da petição inicial, falta de pagamento prévio do comprovativo da taxa de justiça e falta de mandato), que nunca garantiu que o locado dispunha de licença de utilização e de licença para restauração ou sequer que a Autora podia ali abrir o seu negócio, tendo sido clausulado, no artigo 6º do contrato, que era por conta da Autora que ficava o encargo de pedir o licenciamento para restauração, que o edifício, do qual faz parte o locado, foi construído antes da entrada em vigor do Regime Urbano de Edificações Urbanas (RGEU), sendo inexigível, para a válida celebração do contrato de arrendamento, a exibição de licença de utilização e que a falta de licença não lhe é imputável. Mais sustentou que, ainda que assim não se entenda, os prejuízos invocados não têm tradução factual, nem existe nexo entre aqueles e a conduta imputada à Ré.
Deduziu, ainda, o incidente de intervenção acessória provocada da Câmara Municipal B, com o fundamento em que, perdendo a demanda com base na falta de licença de utilização, é àquela imputável o prejuízo em que será condenada, pela emissão de informação de que a Ré não é detentora de licença e de que a Autora depende dela para o exercício da atividade de restauração.
Por fim, a Ré requereu a condenação da Autora como litigante de má-fé, por estar a pretender obter um resultado injusto através da presente ação, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar.
A fls. 85 a 96, a Autora apresentou articulado de resposta, pugnando pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé contra si formulado e pronunciando-se acerca das exceções suscitadas.
Por despacho de fls. 140 a 141, foi indeferida a admissibilidade do incidente de intervenção acessória.
Na audiência prévia foi proferido despacho saneador, onde se desatendeu a exceção de ineptidão (cfr. fls. 149 a 150). Fixou-se o objeto do litígio e estabeleceram-se os temas da prova, em termos que não mereceram reclamação das partes (cfr. fls. 150 a 151).
Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como consta das atas respetivas (cfr. fls. 177 a 179 e 190 a 191).
*
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
*
Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:

“Em face de todo o exposto:

1- Julgo a ação parcialmente procedente,
a. Decretando a resolução do contrato de arrendamento, aludido em a), da fundamentação de facto;
b. Condenando a Ré M. R. a restituir à Autora C.-RIO, L.DA, o montante correspondente a € 9.000,00 (nove mil euros), sobre a qual ascendem juros civis, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
c. Condenando a Ré M. R. a pagar à Autora C.-RIO, L.DA, a título de indemnização, o montante correspondente a € 631,56 (seiscentos e trinta e um euros e cinquenta e seis cêntimos), sobre a qual ascendem juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
d. Absolvendo a Ré do demais peticionado;
2- Julgo improcedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé.
As custas são da responsabilidade de ambas as partes, na proporção do decaimento – cfr. artigo 527º/1,2, do CPCiv)”.
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A Ré apresentou recurso de apelação pugnando pelo suprimento da nulidade invocada, pela alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto e pela revogação da sentença proferida. Formulou a recorrente, as seguintes

CONCLUSÕES:

1.ª) O Tribunal a quo fez uma equivocada interpretação, valoração e consideração da prova produzida em sede do presente processo, ao ter dado como assente e provados os factos descritos na alínea g), 2.ª parte, alínea i) e alínea j) (ponto 1 Factos Provados do item IV. Fundamentação de facto), que deviam, ao invés, ter sido dados como não provados.
2.ª) O Tribunal de 1.ª instância não realizou convenientemente o exame crítico da prova documental e testemunhal produzida, violando a norma presente no artigo 607.º, n.º 4, do C.P.C..
3.ª) Foram violadas as regras da experiência e efectuada uma apreciação manifestamente incorrecta e desadequada, porquanto o Tribunal devia ter dado integral e perfeita credibilidade ao depoimento da testemunha arrolada pela Ré Manuel, que se mostrou esclarecedor, verdadeiro, espontâneo, coerente, consistente, imparcial, sincero, humilde e desinteressado, com conhecimento directo, não se apontando qualquer contradição ao que lhe foi questionado, formando, alicerçando e sustentando a sua convicção e decisão com base, no que ora importa e se recorre, neste depoimento.
4.ª) A Recorrente logrou demonstrar que antes da celebração do contrato de arrendamento em crise informou a Recorrida que o imóvel não dispunha da licença de utilização por não ser exigível, uma vez que o prédio é anterior ao RGEU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38382/51, de 07 de Agosto.
5.ª) Como se demonstrou, até pelo depoimento da testemunha Manuel, a Ré estava convencida e considerava que o imóvel de sua propriedade, por ser de construção anterior a 07/08/1951, não era/é exigível a licença de utilização para a válida celebração do contrato de arrendamento.
6.ª) A testemunha Manuel afiançou que no dia da visita ao imóvel, ou seja, antes da outorga do contrato de arrendamento, ouviu a Ré dizer à Autora que o imóvel estava isento de licença por ser anterior a 1950 (minutos 03:10 a 04:32 do seu depoimento).
7.ª) O imóvel em causa esteve sempre arrendado para comércio e nunca a Câmara Municipal B manifestou qualquer oposição, nunca instaurou qualquer processo de contraordenação ou outro, e nunca obrigou ao encerramento de qualquer actividade (minutos 15:20 a 17:27 e 18:17 a 18:50 do testemunho de Manuel).
8.ª) Pela posição de concórdia e permissão e postura da Câmara Municipal B ao longo de mais de 20 (vinte) anos, decorre que seria normal e entendível o convencimento da Ré de que o imóvel não necessitava de licença de utilização ou que, pelo menos, tal questão estaria sanada.
9.ª) Se houve alguma notificação recente emitida pela Câmara Municipal B, a Ré não a recebeu ou dela teve conhecimento.
10.ª) O facto da testemunha A. M. se ter enganado na data em que afirma ter havido e assistido à visita pela Autora no imóvel da Ré, tal não pode, por si, reduzir à falta de fiabilidade desta testemunha. Tal-qualmente, o apontar pelo Tribunal a quo de uma “relação de inferioridade” à Ré é manifestamente discriminatório.
11.ª) O imóvel, com duas montras em vidro e vazio, apresentava uma acústica que permitiria uma boa ou até “perfeita” audição e percepção do que estava a ser conversado no seu interior, mostrando-se verosímil que as testemunhas Manuel e A. M. fossem capazes de ouvir o que se estava a passar no interior do locado.
12.ª) Também as relações de proximidade entre a Ré e as testemunhas Manuel e A. M. não podem ser causa para abalar a fé e fiabilidade dos seus depoimentos.
13.ª) A testemunha P. M. (agente imobiliário) firmou que a loja tinha condições para o ramo da restauração, pois tinha saídas de fumo, tinha duas casas de banho e duas montras, e não que o imóvel era apto à actividade de restauração ou que tinha licença (minutos 05:00 a 05:42, 06:06 a 06:30 e 12:06 a 13:22 do seu depoimento).
14.ª) A presente acção deu entrada em juízo em 20/03/2017, ou seja, antes de a Autora ter sido notificada e tomado conhecimento da decisão proferida pela Câmara Municipal B quanto ao pedido de viabilidade para instalação da pizzaria, que ocorreu em 22/03/2017.
15.ª) No momento da propositura da presente acção (em 20/03/2017), a Autora não tinha fundamento para resolução contratual, porquanto ainda não tinha sido notificada pela Câmara Municipal B da decisão sobre o pedido de viabilidade para instalação da pizzaria (que ocorreu em ou após 22/03/2017), pelo que devia a acção ter sido julgada improcedente.
16.ª) A Autora entregou à Ré as chaves do locado em 28 de Abril de 2017, i.e., mais de um mês após a propositura da acção, o que denota manifesta má-fé e a obriga a pagar à Autora a renda devida pelo mês de Abril, no valor de €3.000,00, o que devia ter sido reconhecido.
17.ª) Mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, tendo violado as normas jurídicas ínsitas no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do Código de Processo Civil, no artigo 5.º, n.ºs 5 e 7, do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 08 de Agosto, e no artigo 1038.º, alínea g), do Código Civil.
18.ª) Inconforma-se ainda a Apelante com a douta sentença proferida porquanto se confere que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, o que conduz, inevitavelmente, à nulidade da sentença, nos termos do disposto na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C..
19.ª) Resulta da própria sentença proferida que a Ré defendeu que “efetuou diligências junto da Câmara Municipal para desbloquear a situação, que acabaram por não surtir o desejado efeito do deferimento tácito do pedido de licenciamento (via de solução que resultou de reunião havida com o Presidente da Câmara Municipal), por a Autora não ter apresentado a documentação necessária dentro do prazo que lhe foi fixado ”, pelo que, consequentemente, a licença de utilização era obtenível pela Ré em tempo útil e não podia a Autora resolver o contrato (facto impeditivo do direito de resolução do contrato de arrendamento invocado pela Autora).
20.ª) Na motivação e fundamentação de direito da sentença, nenhuma referência é feita àquela questão, que o Tribunal a quo tinha que se pronunciar expressamente e que, certamente, conduziria a um outro desfecho do presente processo.
21.ª) Determina a 2.ª parte do n.º 5 e do n.º 7 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 08 de Agosto, que se a falta de licença se ficar a dever a atraso que não seja imputável ao senhorio, não poderá o arrendatário resolver o contrato.
22.ª) Como resultou demonstrado através dos depoimentos das testemunhas José, Manuel e P. P., a Ré sempre esteve convencida que o imóvel arrendado estava isento de licença de utilização.
23.ª) A Autora confessou no seu articulado “resposta” que contactou e informou a Ré dos entraves colocados pela Câmara Municipal B por conta da falta de licença de utilização apenas em 03/03/2017, tendo a Ré imediatamente solicitado um encontro no gabinete do seu tabilista. Mais confessou que a Ré lhes disse para abrirem a pizzaria e que pagaria eventuais multas.
24.ª) Logo após ter a Autora informado a Ré da dificuldade com que se deparou na Câmara Municipal, a Recorrente cuidou de, através do seu amigo e testemunha nos autos Manuel, marcar uma reunião com a Dr.ª C. P. da Câmara Municipal B, que veio a realizar-se no dia 03/03/2017, na qual estiveram presentes os sócios-gerentes da Autora, a Ré e a testemunha Manuel (minutos 06:47 a 09:22 do depoimento desta testemunha).
25.ª) No dia 10/03/2017, e como ainda não tinha sido emitida a licença, a Ré e os sóciosgerentes da Autora (a pedido daquela) deslocaram-se ao gabinete do contabilista da primeira para concertarem e definirem o que fazer. Nesse momento, foi solicitado aos sócios-gerentes da Autora fotocópias dos documentos de identificação e cópia do pedido de licenciamento à Câmara, tendo aqueles se comprometido a entregar à Ré até às 18:00h do dia 12/03/2017, para que pudesse o Advogado da Ré resolver o assunto junto da Câmara Municipal B no primeiro dia útil seguinte (minutos 10:26 a 11:38 e 24:41 a 25:42 do depoimento da testemunha Manuel e minutos 17:51 a 20:20 do depoimento de P. P.).
26.ª) Todavia, a Autora não entregou os documentos solicitados, nem no dia marcado nem posteriormente. Decorrente desta omissão, a Ré endereçou à Autora no dia 15/03/2017 uma missiva a informar que se iria abster de qualquer responsabilidade no malogro do dissídio com a Câmara Municipal B.
27.ª) É, assim, manifesto o desinteresse e rejeição da Autora no auxílio e colaboração da Ré para conseguir obter a licença de restauração, verdade sendo que, caso a Autora tivesse entregue à Ré a documentação pedida, com toda a certeza tudo teria ficado resolvido junto da Câmara Municipal B a breve trecho e a Autora teria conseguido a almejada licença de restauração.
28.ª) O comportamento, descrito e demonstrado em audiência, da Autora, gera culpa e responsabilidade imputável à própria.
29.ª) Destarte, não tendo a Autora conseguido obter a licença para estabelecimento de restauração e bebidas, tal não é/poderá ser imputável à senhoria, não se configurando a impossibilidade como culposa, pelo que a falta de licença de utilização do locado não é susceptível de fundamentar o direito potestativo de resolução do contrato por banda da arrendatária e originar o direito a indemnização (cfr. artigo 801.º, n.ºs 1 e 2, a contrario , do C.C.). Consequentemente, não terá a Autora direito à restituição do valor total das rendas pagas.
30.ª) A conduta da Autora, bem como a presente demanda, consubstanciam um manifesto abuso do direito, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, o que se invoca e requer seja apreciado.
31.ª) A resolução do contrato de arrendamento em apreço considera-se ilícita, por abusiva.
Correlativamente, não poderá haver lugar à restituição das rendas percebidas pela Ré.
32.ª) Só a falta de licença imputável ao senhorio, ou seja, em caso de culpa do senhorio, acarreta a possibilidade de o arrendatário desencadear a extinção do contrato de arrendamento mediante resolução, ao abrigo do preceituado no n.º 7 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 08 de Agosto.
33.ª) Da devida apreciação do caso sub judice, resulta provado que a falta de obtenção da licença de utilização não foi por culpa imputável à Recorrente, o que constitui facto impeditivo do exercício do direito de resolução do contrato de arrendamento pela Autora.
34.ª) A douta sentença em sindicância violou o disposto na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C., o disposto no artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte do C.P.C., o disposto na 2.ª parte do n.º 5 e do n.º 7 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 08 de Agosto, o disposto no artigo 801.º, n.ºs 1 e 2, a contrario, do Código Civil, e o disposto no artigo 334.º do Código Civil.
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A Autora ofereceu contra-alegações onde pugna por que se não declare a nulidade invocada e se mantenha a decisão proferida sobre a matéria de facto, negando-se provimento ao recurso, concluindo:

1.ª) O Tribunal a quo NÃO fez uma equivocada interpretação, valoração e consideração da prova produzida em sede do presente processo.
2.ª) O Tribunal a quo realizou convenientemente o exame crítico de prova documental e testemunhal produzida, não violando qualquer disposição do CPC.
3.ª) Não foram violadas as regras de experiência e efetuada uma apreciação manifestamente incorreta e desadequada relativamente ao depoimento da testemunha arrolada pela Apelante Manuel.
4.ª) A Recorrente não demonstrou que antes da celebração do contrato de arrendamento em crise informou a Recorrida que o imóvel não dispunha de licença de utilização.
5.ª) O imóvel em causa foi submetido as obras, tendo sido a Apelante notificada para proceder as retificações necessárias para estarem em conformidade com o projeto apresentado.
6.ª) Não podendo esta dizer que a Câmara Municipal B nunca a notificou sobre a necessidade da referida licença de utilização.
7.ª)Não existe por parte do Tribunal a quo qualquer atitude discriminatória relativamente aos depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente.
8.ª) A Recorrida entregou as chaves no mês correspondente ao mês de caução.
9.ª) Não existem valores a devolver por parte da Recorrida à Apelante.
10.ª)E, o o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, não violou os artigos 607.º
n.º 4 e 5 do CPC, no artigo 5.º, n.º 5 e 7 do DL 160/2006 de 08 de Agosto e no artigo 1038.º, alínea g) do Código Civil.
11.ª) Muito menos o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, havendo assim nulidade da sentença.
12.ª) Na motivação e fundamentação de direito da sentença, não é omitido qualquer facto defendido pela Apelante que conduziria a outro desfecho do presente processo.
13.ª) Nunca existiu manifesto desinteresse e rejeição da Recorrida no auxílio para conseguir a licença de restauração.
14.ª) O comportamento pautado pela Recorrida durante todo o processo não gera qualquer tipo de responsabilidade que possa ser imputada a mesma.
15.ª) E, como a Recorrida, não conseguiu obter a licença para a restauração por não existir licença de utilização, tem o direito potestativo de resolução do contrato e direito a uma indemnização.
16.ª) A conduta da Recorrida, bem como a presente demanda, não consubstanciam um manifesto abuso de direito.
17.ª) Nem a resolução deste contrato de arrendamento é ilícita, por abusiva.
18.ª) Deve ser restituída todas as rendas pagas e todos os prejuízos que a Recorrida provou documentalmente no processo.
19.ª) É por culpa da Apelante que não existe licença de utilização, já que se não concorda com a posição da Câmara Municipal B, devia ter agido jurisdicionalmente.
20.ª) Assim, a douta sentença não violou o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al.d), nem o disposto no artigo 608.º n.º 2, 1.ª parte do CPC.
21.ª) Muito menos o disposto no DL 160/2006, de 08 de Agosto.
*
Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:

1ª – Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
2ª- Do incumprimento pela Apelante dos ónus impostos para a impugnação decisão da matéria de facto (falta de indicação da prova - facto por facto - em que se fundamenta o erro e falta de análise crítica da prova de cada um dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados);
3ª- Modificabilidade da fundamentação jurídica: da inexistência do direito da Autora à resolução do contrato e à indemnização atribuída e, a existir, se o exercício do mesmo é abusivo.
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II. A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foram os seguintes os factos considerados provados, com interesse para a decisão da causa:

a) Em 20.01.2017, Autora (na qualidade de «Segunda») e Ré (na qualidade de «Primeira») celebraram um acordo, denominado de «contrato de arrendamento comercial», com o seguinte conteúdo:

«Pela primeira outorgante foi dito que é dona e legítima possuidora do prédio urbano sito na rua dos Chãos (…), composto por rés-do-chão, destinado a comércio ou restauração (…).
Pelo presente contrato o primeiro Contraente, na qualidade em que contrata dá de arrendamento à segunda a loja para comércio ou restauração, com o número de polícia n.º 58, e a área de 155 metros quadrados, descrita na Conservatória sob o n.º ..., e inscrito na matriz respectiva sob o artigo …, arrendamento que fica a ser regulado pela lei em vigor e pelo disposto nas seguintes cláusulas:


O arrendamento é feito pelo prazo de cinco anos, sucessivamente renovável por iguais períodos, nos termos da lei, e tem o seu início em 1 de Fevereiro de 2017.

O local arrendamento destina-se a actividade comercial de restauração e bebidas e outras actividades similares, como café e snack-bar. (…)

A renda anual é de (…) (€ 36.0000) e será pagar em prestações mensais de (…) (€ 3.000,00) no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito, pagando inicialmente dois meses de renda (…).»

A arrendatária fica desde já autorizada a fazer as obras no local arrendado, as necessárias para o efeito, ficando desde já autorizadas pela primeira outorgante.

Fica a cargo da inquilina a requisição dos contadores de água, electricidade e telefone e o seu uso.

Fica a cargo da inquilina o pedido de licenciamento das instalações para o efeito constante da atividade da cláusula segunda, dando a primeira desde já a autorização para o efeito.»;
b) Com a outorga do contrato supra referido, a Autora pagou dois meses de renda, sendo um dos pagamentos referentes a um mês de caução;
c) Tendo já liquidado a renda do presente mês (março de 2017);
d) Com a outorga do presente contrato, a autora pretendia instalar na referida loja uma pizzaria, denominado o projeto de MPizza;
e) A autora solicitou a ligação da água; contratou uma potência superior de energia; contratou um eletricista;
f) E foi à Câmara Municipal B apresentar o pedido de informação sobre a viabilidade de instalação duma pizzaria no dia 26.01.2017;
g) Foi informado aos sócios da Autora que o referido espaço não possui qualquer licença de restauração e que somente possui licença de construção;
h) E que a Ré, pelo menos com antecedência relativamente à data do acordo mencionado em a), que recebe notificações para legalizar o espaço;
i) Contudo, sempre as ignorou;
j) A Ré bem sabia não ter licença de utilização;
k) O locado não possui licença de utilização;
l) A Autora já pagou € 9.000,00 em rendas;
m) A Autora realizou despesas com a constituição de mandato;
n) A Autora gastou € 94,89 euros em despesas com o estabelecimento de água e € 536,67 em despesas de energia;
o) Na escritura de compra e venda relativa à aquisição do edifício onde se localiza o rés-do-chão destinado a comércio aludido no acordo referido em a) está consignado o seguinte: «Que os prédios vendidos são de construção anterior ao Regulamento Geral das Edificações Urbanas de sete de Agosto de mil novecentos e cinquenta e um, não dispondo por isso de licença de utilização (…)» – cfr. documento de fls. 69 a 72;
p) Foi emitida a favor da Ré o alvará de licença de construção n.º 63/92, de 15.03.2002, relativo ao prédio sito na rua dos Chãos, n.º 58/62 – documento de fls. 164/verso a 165.
***
- Factos não provados:

q) Sempre foi referido à Autora que o espaço locado tinha licença de restauração;
r) Os sócios-gerentes da Autora perderam € 15.000,00/anuais por não poder laborar;
s) A Autora despendeu € 3.640,00 euros em despesas de honorários, administrativas e judiciais com a mandatária;
t) A Autora sofreu € 240.000,00 de prejuízo pela não laboração;
u) O franchisador da MPizza poderá exigir € 36.000,00 pela não abertura do espaço no próximo mês de abril;
v) A autora tem um investimento com o projeto de franchising que ascende o montante de 150.00,00 euros de investimento;
w) A Autora gastou um valor superior ao indicado em n) em despesas de energia e de água.
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II. B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Da nulidade da sentença

Invocando a apelante nulidade da sentença, tal questão é a que primeiro cumpre apreciar, pois que, contendendo com a validade da própria decisão, só se concluirmos pela sua validade se passa à apreciação das demais questões suscitadas, o que de outro modo fica prejudicado.
Argui a Ré nulidade da sentença por o Tribunal não se ter pronunciado sobre questão que devia apreciar, o que a torna nula e de nenhum efeito, violando a al. d), do nº1, do art. 615º, do Código de Processo Civil, sendo deste diploma legal todos os preceitos citados sem outra referência. Sustenta que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, pois que se defendeu invocando que efetuou diligências junto da Câmara Municipal para desbloquear a situação, que acabaram por não surtir o desejado efeito do deferimento tácito do pedido de licenciamento, por a Autora não ter apresentado a documentação necessária dentro do prazo que lhe foi fixado, pelo que a licença de utilização era obtenível, pela Ré, em tempo útil e não podia a Autora resolver o contrato, constituindo o referido facto impeditivo do direito de resolução do contrato de arrendamento invocado pela Autora.
O Tribunal a quo pronunciou-se nos termos do art. 617º, do Código de Processo Civil, considerando não ocorrer a nulidade invocada, referindo: “Veio a Recorrente arguir a nulidade da sentença com o fundamento de que a decisão não se debruçou sobre a totalidade da matéria controvertida, designadamente acerca das diligências efetuadas junto da Câmara Municipal no sentido da obtenção de licença já após a conclusão do contrato de arrendamento.
Salvo o devido respeito, o Tribunal respondeu aos temas da prova que foram selecionados na fase de saneamento e condensação do processo, os quais, aliás, não mereceram a reclamação das partes (cfr. fls. 151).
Nessa fase, já foram ponderadas as soluções plausíveis de Direito, tendo-se entendido que a matéria a sujeitar a atividade de instrução consistia no apuramento da existência da licença de utilização e da destinação do locado por referência ao momento contemporâneo à formação do negócio arrendatício, posto que o pedido formulado consistia na resolução do contrato de arrendamento, por, ao tempo da sua celebração, não haver aquela licença (cfr. artigos 2º/e) e 5º/7, do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 08.08)” – v. fls 224).
Cumpre decidir.

O nº1, do art.º 615º, que consagra as causas de nulidade da sentença, estabelece que é nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades de decisão são vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se pois de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito. Sucede que do que se queixam os Recorrentes é bem de um suposto erro de decisão, e não de qualquer vício processual da sentença.
As nulidades da sentença são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito (1).
Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.
Há nulidade da sentença quando o seu dispositivo está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo juiz e não com as premissas que ele poderia ter adotado, no entender de uma das partes, mas não adotou.
Os referidos vícios reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença proferida. Enquadram-se nos primeiros os fundamentos enunciados nas alíneas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão) e nos segundos os enunciados nas alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronuncia ultra petitum).
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (2).
Tais vícios não se confundem com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso (3).
Na al. d) deste preceito prevê-se o caso do juiz se deixar de pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Em causa nos autos está, efetivamente, a inexistência da licença de utilização por referência ao momento contemporâneo à formação do contrato de arrendamento, pois que o pedido formulado consiste na resolução do contrato de arrendamento, por falta daquela licença, desde logo, ao tempo da sua celebração (cfr. art.1070º, do Código Civil e artigos 2º/e) e 5º/7, do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 08.08).
O pretendido pela Ré - ter efetuado diligências junto da Câmara Municipal para desbloquear a situação que acabaram por não surtir o desejado efeito por a Autora não ter apresentado a documentação necessária dentro do prazo que lhe foi fixado - não faz parte de objeto do litígio, já que nenhuma relação tem com o pedido, atenta a sua causa de pedir, tal como a Autora a desenhou, não integrando matéria de defesa por exceção, pois que nenhum facto impeditivo do pedido formulado, com a sua concreta causa de pedir, constitui – falta de licença aquando da celebração do contrato.
A causa de pedir é, pois, a falta de verificação de um requisito de celebração do contrato de arrendamento.
Aliás, é a própria Ré que se apresenta a afirmar diligências suas para desbloquear a situação, queixando-se, apenas, da falta de colaboração da Autora, para o que pretendia (não se seguindo que tal colaboração fosse devida nem sendo sequer seguro o resultado final por ela visado com tais diligências).
A sentença não deixou de se pronunciar sobre as questões suscitadas sendo que face ao que dispõe o nº2, do art. 608º, do CPC,“O juiz resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” (4) acrescendo, que, como referido, o agora, pretendido nada tem a ver com o objeto do litígio (este integrado, apenas, pelo pedido e causa de pedir, tal como a Autora a configura na petição inicial e pela matéria de defesa por exceção à concreta relação material controvertida desenhada pela Autora).

E, na verdade, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras (5) e o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção (6).
O dever imposto no nº2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz (7).
Bem se pronunciou a Tribunal a quo sobre todas as questões suscitadas nos pedidos formulados na petição inicial, considerando a causa de pedir da ação.
A matéria a sujeitar a atividade de instrução e a apreciar consiste, na verdade, na inexistência da licença de utilização e consequências da sua falta, por referência ao momento contemporâneo com a formação do negócio, posto que o pedido formulado consistia na resolução do contrato de arrendamento por, desde logo, aquando da sua celebração, não haver aquela licença (cfr. artigo 1070º, do Código Civil e artigos 2º/e) e 5º/7, do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 08.08) e não por falta de diligências posteriores da Ré (até de resultado imprevisível).
Concluímos, pois, que a sentença apreciou todas as questões, que foram colocadas pelas partes e de que devia conhecer, não padecendo da apontada nulidade.
Pelo exposto, improcede a invocada nulidade da sentença.
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2ª - Do incumprimento pela Apelante dos ónus impostos para a impugnação decisão da matéria de facto

Conclui a apelante que o Tribunal a quo fez uma equivocada interpretação, valoração e consideração da prova produzida em sede do presente processo, ao ter dado como provados os factos descritos na alínea g), 2.ª parte, alínea i) e alínea j), que deviam, ao invés, ter sido dados como não provados, não tendo realizado convenientemente o exame crítico da prova documental e testemunhal produzida, violando a norma presente no artigo 607.º, n.º 4, do C.P.C..
A fim de fixar, definitivamente, a matéria de facto e de analisar da modificabilidade da fundamentação jurídica, antes de mais, cumpre decidir se a apelante impugnante observou os ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, e que vêm enunciados no art. 640º, os quais constituem requisitos habilitadores para que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação e decidi-la.

Na verdade, no que se reporta à atividade jurisdicional que, quanto a tal, deve ser levada a cabo por este Tribunal de Segunda Instância, o nº1, do art. 640º, consagra que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (negrito nosso).
O n.º 2, do referido artigo acrescenta que:
a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (negrito nosso).

Como resulta do referido preceito, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; (negrito nosso)
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente; (8).

Com a reforma introduzida ao Código de Processo Civil pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador consagrou o registo da audiência de discussão e julgamento, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto. O tribunal de segunda instância passou a fazer um novo julgamento da matéria impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta do estatuído no art. 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento supervenientes impuserem decisão diversa.
Comparando o anterior regime com o atual (cfr. o art. 712º, do anterior CPC, com o art. 662º do atual), verificamos que a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era excecional, passou a ser função normal do Tribunal da Relação, elevado a verdadeiro Tribunal de substituição, verificados os referidos requisitos legais. Conferiu-se, assim, às partes um duplo grau de jurisdição, por forma a poderem reagir contra eventuais e hipotéticos erros de julgamento, com vista a alcançar uma maior certeza e segurança jurídicas e a, desse modo, obter decisões mais justas, alcançando-se, assim, uma maior equidade e paz social, sempre buscadas pelo Estado, verdadeiro interessado na realização da justiça.
O duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil” (9).
Tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo nessa tarefa considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).
Contudo, o legislador, ao impor ao recorrente o cumprimento das referidas regras, visou afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente. (10)

Não se consagra a possibilidade de repetição do julgamento e de reapreciação de todos os pontos de facto, mas, apenas e só, a reapreciação pelo tribunal superior e, consequente, formação da sua própria convicção (à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) quanto a concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido. A possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância das citadas regras. O Tribunal da Relação, sendo de 2ª instância, continua a ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (11), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.
Em suma, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes, esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) vem reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente (…) por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (12).
alegações, que têm como finalidade delimitar o objeto do recurso (cfr. nº4, do art. 635º, do CPC) e fixar as questões a conhecer pelo tribunal ad quem, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso, como a lei adjetiva comina no nº1, do art. 640º.

Não obstante o NCPC proceder, como vimos, ao alargamento e reforço dos poderes da Relação no domínio da reapreciação da matéria de facto, deve ser rejeitado o recurso, no atinente a tal ponto, quando o recorrente não cumpra os ónus impostos pelos nº1 e 2, a), do art. 640º (13). E impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra:

a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a);
c) falta de especificação (que pode constar apenas na motivação), dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) falta de indicação exata, (que pode constar apenas na motivação), das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, (que pode constar apenas na motivação), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” (14).
Os critérios têm sido aplicados pelo Supremo Tribunal de Justiça, conforme resulta dos acórdãos proferidos em 18/11/2008, Proc. 08A3406; em 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; em 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; em 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; em 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; em 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, em 12/5/2016: Processo 324/10.9TTALM.L1:S1; em 31/5/2016: Processo 1184/10,5TTMTS.P1:S1, todos in Dgsi.Net .

Este Tribunal Superior tem vindo a distinguir, quanto aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, entre:

- ónus primário ou fundamental, que se reportam ao mérito da pretensão;
- ónus secundários, que respeitam a requisitos formais.

Quanto aos requisitos primários, onde inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados e falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, requisitos estes sobre que versa o n.º 1 do art. 640º, do CPC, a jurisprudência tem considerado que aquele critério é de aplicar de forma rigorosa, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de algum desses ónus por parte do recorrente se impõe rejeitar o recurso – cfr. Acs. do STJ de 27/10/2016, Processo 110/08.6TTGM.P2.S1 e Processo 3176/11.8TBBCL.G1.S1, in dgsi.net.
Assim, e como se decidiu no Ac. do STJ proferido em 3/5/2016, Processo 17482/13: Sumários, Maio/2016, p 2 “O apelante pretendendo que o Tribunal da Relação reaprecie o julgamento da matéria de facto, para dar cabal cumprimento ao preceituado na al. c) do nº1, do art. 640º, do NCPC (2013), deve ser claro e inequívoco, afirmando que os pontos da matéria de facto impugnados deveriam ter as respostas que segundo a sua apreciação deveriam ter tido, indicando-as, de harmonia com as provas que indicou. II. Tal ónus não se satisfaz expressando o recorrente meras apreciações discordantes do julgamento e juízos de valor críticos, referidos aos depoimentos das testemunhas indicadas, III. A mera indicação de que certos pontos da matéria de facto, que são indicados, não deveriam ter tido as respostas que tiveram, sem se dizer quais as respostas que numa correta apreciação deviam merecer, não cumpre aquele ónus”.
A delimitação tem de ser concreta e específica e o recorrente têm de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos e em bloco, relativamente a todos os factos impugnados.
Analisado as conclusões das alegações da Apelante, entendemos que a Recorrente, que impugna a decisão da matéria de facto, não faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados indicando, justificadamente, os elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada concreto ponto e a decisão que devia ter sido proferida quanto a cada concreto facto, procedendo a uma análise critica das provas e indicando a decisão que devia ser proferida sobre as concretas questões de facto impugnadas, em obediência às três alíneas do nº1, do referido art. 640º.
Na verdade, e após o que refere no corpo das alegações formula a Apelante as conclusões supra referidas, que como se referiu, delimitam o objeto do seu recurso.
E, efetivamente, verifica-se que a recorrente não indica especificadamente os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com especificação dos meios probatórios que determinariam decisão diversa da tomada em Primeira Instância para cada um dos factos que impugna.
Ora, como vimos, tal não basta para que se possa considerar cumprido aquele ónus, o que obsta ao conhecimento do objeto de recurso, pois que nesta Segunda Instância não se realiza novo julgamento sendo, tão só, de reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados e não em bloco. A falta de indicação por parte do apelante quer dos elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada um dos pontos nos termos por ela propugnados, quer da decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida, relativamente a cada facto concreto (e não em bloco), situação esta que se verifica in casu, têm, como consequência, a imediata rejeição do recurso, na parte respeitante aos pontos da matéria de facto relativamente aos quais se verifica a omissão, pois que quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, por aplicação do disposto no art. 639º, nº3, do CPC.
Acresce que os recorrentes não fizeram, também, qualquer apreciação crítica dos meios de prova produzidos, quanto a cada concreto facto, a justificar o erro de julgamento que invocam em termos genéricos, tendo de o fazer pois que só assim cumprem a exigência de obrigatória especificação imposta pelo nº1, do art. 640º.
E, como se decidiu no Ac. da Relação de Lisboa de 13/3/2014, Processo 569/12.dgsi.net “I. Ao impugnar a decisão de facto, à luz do NCPC, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, expressar o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica, de que não poderá demitir-se, dos meios de prova produzidos/invocados – exigência nova de reforço do ónus de alegação e conclusão, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente – sob pena de rejeição da impugnação, por insuficiência ou obscuridade, na parte não fundamentada em exame crítico das provas. II. Tais exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, em decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão de facto se transforme em simples manifestação de inconsequente inconformismo (15) .
No mesmo sentido se orienta toda a jurisprudência – v., designadamente Ac. da Relação de Guimarães de 3/3/2016, Processo 283/08 e de 4/2/2016:Processo 283/08.8TBCHV.A.G1, ambos in dgsi.net – onde se refere que “Tal como se impõe, por mor do preceituado no nº4, do art. 607º, do CPC, que o tribunal de 1ª instância faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas) também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundamentar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos. (…) Não cumpre o ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto a que se refere a al. b), do nº1, do art. 640º, do NCPC, o recorrente que se limita a transcrever uma parte … do depoimento, aí partindo para a formulação da sua pretensão de modificação de diversos pontos da matéria de facto que indicou em bloco”.
E, servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, nelas devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação (quanto aos demais previstos no art. 640º, é suficiente que constem de forma explícita na motivação do recurso) (16).
Sendo função das conclusões do recurso indicar, embora de forma sintética, os fundamentos porque se pede a alteração (seja de facto seja de direito) da decisão, nelas tem o recorrente, que impugna a matéria de facto, de especificar os concretos factos que entende estarem mal julgados. A aferição deste mau julgamento é a questão colocada à decisão do tribunal de 2ª instância e, como tal, tem de constar das conclusões ou estará fora do objeto do recurso. Já a especificação dos concretos meios de prova que impunham decisão diversa e o cumprimento da exigência indicada na al. a), do nº2, do art. 640º do NCPC têm a sua sede própria no corpo da alegação. Acresce, ainda, que cabe ter em conta, que, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, não existe a possibilidade de despacho de convite ao aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado somente aos recursos em matéria de direito. A falta de especificação nas conclusões dos factos concretos que se consideram mal julgados não dá lugar a despacho de aperfeiçoamento no quadro do nº3, do art. 639º do NCPC, (17).
Deste modo, impugnada a matéria de facto pela Apelante, verifica-se que não foram cumpridos os ónus impostos pelo artº 640º, do C.P.C, de impugnação especificada de cada facto.
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No seguimento do que acima se deixou dito, perante a omissão pela recorrente do cumprimento do ónus estatuído nas als a) a c), do nº1, do art. 640º, pois que nada referiu, especificadamente, para cada facto, com análise crítica de cada um, impõe-se rejeitar o recurso da matéria de facto interposto pela Ré Apelante, nenhuma alteração havendo, contudo, a fazer à decisão da matéria de facto, que, de qualquer modo, nunca mereceria atendimento, atenta a esclarecedora fundamentação da decisão.
Na verdade, como se refere na decisão recorrida existiu controvérsia quanto à inexistência de licença de utilização e ao conhecimento desse facto pela Ré ao tempo da celebração do contrato de arrendamento, sendo convicção, também deste Tribunal, que resultou da análise conjunta e conjugada de toda a prova, que a Ré, já à data da celebração do referido contrato, bem sabia da inexistência de licença de utilização.
No acordo escrito, ficou convencionado (cláusula 2.ª), acrescentando-se, na cláusula 6ª, que o licenciamento das instalações para restauração ficava a cargo da Autora. Porém, daí não resulta a vinculação da Autora no sentido de lhe caber diligenciar por todos os procedimentos tendentes à obtenção do licenciamento para aquele efeito, inclusive o relativo à utilização da fração.
E da Câmara Municipal resultou que a utilização não pode ser licenciada, dado que o prédio em causa foi objeto de obras, as quais foram executadas em desconformidade com o projeto aprovado, não tendo, ainda, a Ré regularizado a questão (cfr. fls. 161 e 183 a 184).
A Ré dispunha conhecimento disso, pois que, como também resulta da informação prestada pela Câmara Municipal (por aquela não impugnada), foi notificada para apresentar projeto de legalização.
Sendo a Câmara Municipal a entidade competente para determinar se um prédio está sujeito (ou não) a licença de utilização e não tendo a Ré reagido jurisdicionalmente quanto a essa pronúncia, tem-se como assente que a fração necessita, para o exercício de atividades comerciais específicas, de prévia licença de utilização.
Mesmo a testemunha Manuel, admitiu que a Ré mantem, há vários anos, um litígio com a Câmara Municipal acerca da necessidade de licenciamento, argumentando esta que o prédio, por ser anterior ao RGEU, dele não carecia. Esta via de argumentação da Ré não elimina, antes demonstra, o conhecimento por parte da mesma acerca da posição da Câmara Municipal. A Ré, por delas ter sido a autora, sabe que efetuou obras de remodelação do edifício (requereu licença de construção para o efeito – vd. documentos de fls. 164 a 165) –, tendo bem noção de que a Câmara Municipal entendeu que, em consequência dessas obras e da sua execução em desconformidade com o projeto aprovado, lhe endereça sucessivas notificações com vista a essa regularização.
E, na verdade, o facto de ter sido clausulado que a Autora se responsabilizaria por diligenciar pela obtenção de licença de restauração não prejudica a argumentação antecedente, posto que esta pressupunha o licenciamento (genérico) da utilização, que o arrendado não dispunha, como era do conhecimento da Ré (por ter sido advertida pela Câmara Municipal).
Deste modo, tudo conjugado, conduziu a que se considerasse demonstrada a inexistência da licença de utilização e do conhecimento, já à data da celebração do contrato, desse facto pela Ré.
Foi, também, levada em atenção a informação camarária de fls. 182 a 185, a cópia do pedido de viabilização subscrito pela Autora de fls. 188 a 189 e a decisão que sobre este recaiu de fls. 186 a 187.
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3ª- Modificabilidade da fundamentação jurídica: da inexistência dos direitos da Autora à resolução do contrato que celebrou com a Ré e à indemnização atribuída

Conclui a apelante que a sentença recorrida violou o disposto na 2.ª parte, do n.º 5, e do n.º 7, do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 08 de Agosto, no artigo 801.º, n.ºs 1 e 2, a contrario, e no artigo 334.º do Código Civil, pois que determinam aqueles preceitos que se a falta de licença se ficar a dever a atraso que não seja imputável ao senhorio, não poderá o arrendatário resolver o contrato. Afirma ser manifesto o desinteresse da Autora no auxílio e colaboração com a Ré para conseguir obter a licença de restauração, sendo que, caso a Autora lhe tivesse entregue a documentação pedida, com toda a certeza tudo teria ficado resolvido junto da Câmara Municipal B a breve trecho e a Autora teria conseguido aquela licença. A falta de licença para estabelecimento de restauração e bebidas não lhe é imputável, não sendo a falta de licença de utilização do locado suscetível de fundamentar o direito potestativo de resolução do contrato de arrendamento por banda da arrendatária e originar o direito a indemnização (cfr. artigo 801.º, n.ºs 1 e 2, a contrario, do C.C.), consubstanciando a ação um manifesto abuso do direito, excedendo, manifestamente, os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes.
Cumpre apreciar da inexistência de direito da Autora a resolver o contrato que celebrou com a Ré e à indemnização atribuída e, a existir, se o exercício do mesmo é abusivo.
Qualificou o Tribunal a quo o contrato celebrado entre as partes como sendo de arrendamento, pois que, através do mesmo, a Ré cedeu à Autora o gozo de prédio urbano, sua propriedade, mediante contraprestação pecuniária, e, quanto ao fim do contrato, na terminologia adotada pelo artigo 1067º, do CCiv, é não habitacional, pois que se destinou ao exercício de atividade que o Tribunal a quo entendeu ser comercial (instalação dum restaurante).
Resultou provado que Autora e Ré celebraram um contrato mediante o qual esta se obrigou a proporcionar àquela o gozo de um prédio urbano, para que a mesma aí exercesse a atividade comercial de restauração e bebidas e outras atividades similares, como café e snack-bar, mediante pagamento de renda.
Celebraram, pois, efetivamente, um contrato de arrendamento urbano, para fim não habitacional (artigos 1022.º, 1023.º, 1067.º do Código Civil).
Provou-se, também, que após a celebração do contrato de arrendamento, a autora solicitou a ligação da água, contratou uma potência superior de energia e um eletricista e foi à Câmara Municipal B apresentar o pedido de informação sobre a viabilidade de instalação duma pizzaria, no dia 26.01.2017, tendo sido informada que o referido espaço não possui qualquer licença de restauração e que somente possui licença de construção. Resultou, efetivamente, provado que o locado não possui licença de utilização (cfr. factos provados g) a k)), bem sabendo a Ré disso, pois que, antes da celebração do referido contrato, recebeu notificações para legalizar o espaço, não o tendo feito (cfr factos provados g) a k)).
Ora, nos termos do n.º 1, do art.º 1070.º, do Código Civil, o arrendamento urbano só pode recair sobre locais cuja aptidão para o fim do contrato seja atestada pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível, sendo que, nos termos do n.º 2, do art.º 1070.º, diploma próprio regula o requisito previsto no número anterior e define os elementos que o contrato de arrendamento urbano deve conter.
O diploma previsto neste preceito é o Dec.-Lei n.º 160/2006, de 8 de agosto (alterado pelo Dec.-Lei n.º 266-C/2012, de 31.12).
O mesmo “regula a consequência da falta de licença de utilização, que será a sujeição do senhorio a uma coima e a possibilidade de o inquilino resolver o contrato com indemnização pelos danos sofridos. Quando exista licença de utilização para um fim, e o contrato seja celebrado para outro fim, a consequência é a nulidade do contrato. A licença de utilização foi criada pelo RGEU (Regime Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Dec.-Lei nº 38.382, de 7 de agosto de 1951), pelo que só exigível em relação a edifícios construídos ou alterados a partir da entrada em vigor daquele diploma, ocorrida em 1951” (18) (negrito e sublinhado nosso).
No art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 160/2006, sob a epígrafe Conteúdo necessário, estipula-se que no contrato de arrendamento deve constar:
(…)
e) A existência da licença de utilização, o seu número, a data e a entidade emitente, ou a referência a não ser aquela exigível, nos termos do artigo 5.º.

Estatui o art.º 5.º sob a epígrafe Licença de utilização:

1 - Só podem ser objeto de arrendamento urbano os edifícios ou suas frações cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização.
2 - O disposto no número anterior não se aplica quando a construção do edifício seja anterior à entrada em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38382, de 7 de Agosto de 1951, caso em que deve ser anexado ao contrato documento autêntico que demonstre a data de construção.
3 - Quando as partes aleguem urgência na celebração do contrato, a licença referida no n.º 1 pode ser substituída por documento comprovativo de a mesma ter sido requerida com a antecedência mínima prevista na lei.
4 - A mudança de finalidade e o arrendamento para fim não habitacional de prédios ou frações não licenciados devem ser sempre previamente autorizados pela câmara municipal.
5 - A inobservância do disposto nos n.os 1 a 4 por causa imputável ao senhorio determina a sujeição do mesmo a uma coima não inferior a um ano de renda, observados os limites legais estabelecidos pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, salvo quando a falta de licença se fique a dever a atraso que não lhe seja imputável.
6 – (…).
7 - Na situação prevista no n.º 5, o arrendatário pode resolver o contrato, com direito a indemnização nos termos gerais.
8 - O arrendamento para fim diverso do licenciado é nulo, (…).
Assim, caso o locado não disponha de licença de utilização, por motivo imputável ao senhorio, o locatário poderá resolver o contrato, além de reclamar indemnização pelos danos sofridos.
A resolução consiste na destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato.
Constitui um direito potestativo extintivo que "assenta num poder vinculado, obrigando-se o autor a alegar e provar o fundamento, previsto na convenção das partes ou na lei, que justifica a destruição unilateral do contrato" (19).
O fundamento de resolução invocado pela Autora foi a falta de licença de utilização do imóvel.
“Resulta do nº7, do referido art 5º “que o direito de resolução a que o arrendatário pode recorrer não é consequência automática da falta de licença de utilização: a resolução deve ser exercida nos termos gerais (cfr. art. 801º nº 2 e 798º do CC) e a falta de licença deve ficar a dever-se a causa imputável ao senhorio.
Nos termos do art. 798º, do CC, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que cause ao credor. Para esse efeito, conforme dispõe o art. 799º, do mesmo diploma, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (nº 1), esclarecendo-se que a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil (nº 2).
Perante estas normas, é inequívoco que o incumprimento, para ser imputável ao devedor, tem de assentar na culpa: "só se compreende a responsabilização do devedor desde que seja possível concluir que, nas circunstâncias concretas de cada caso, o devedor podia e devia ter cumprido" (20).
Fora dos casos de dolo (em que o devedor quer e aceita o resultado que sabe ser ilícito), a censura do devedor "funda-se em ele não ter agido com a diligência ou com o discernimento exigíveis para ter evitado a falta de cumprimento da obrigação, ou para a ter previsto e evitado, quando porventura nem sequer dela se tenha apercebido" (21).
O que se procura saber é se a conduta do devedor merece a censura e reprovabilidade do direito: se, perante as circunstâncias concretas do caso, o devedor devia e podia agir de outro modo.
O critério de aferição, por via da remissão para o art. 487º, nº 2, do CC, é o da culpa em abstracto, sendo apreciada pela diligência típica de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso; "a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal (um bom pai de família) teria em face do circunstancialismo próprio de cada caso" (22).
Na responsabilidade contratual presume-se a culpa do devedor, entendendo-se que, em regra, para a elidir, será suficiente a mera prova genérica da falta de culpa, alegando o devedor factos que demonstrem a sua diligência ou a adopção de medidas suficientes para afastar a falta de cumprimento da obrigação (23)(24).
Quanto à questão do imóvel arrendado não carecer de licença de utilização por o prédio ser anterior ao RGEU, aprovado pelo Decreto-Lei 38382/51, de 7 de Agosto cumpre referir que resultou provado que a Ré realizou obras no prédio, tendo obtido licença de construção, para o efeito, e não chegou a legalizar o espaço (cfr. factos provados p), h) e, ainda, g)). Assim, não obstante o referido, e como já se mencionou tendo no prédio sido realizadas obras a licença de utilização é exigível.

E, na verdade, a falta de licença de utilização é imputável ao senhorio, Ré, proprietária que realizou as obras, que a tornaram exigível, e que não cumpriu o que lhe foi determinado pela entidade competente (legalização do espaço).
Conhecia a Ré a existência de irregularidade no licenciamento camarário do imóvel, impondo-se-lhe a adoção de medidas adequadas a evitar a falta de licença, sendo-lhe a falta de licença imputável e constituindo fundamento para a responsabilidade desta e, assim, para a resolução do contrato de arrendamento.
Na verdade, estatuindo o n.º 1, do art.º 1070.º, do Código Civil, que o arrendamento urbano só pode recair sobre locais cuja aptidão para o fim do contrato seja atestada pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível e o nº1, do referido art.º 5.º, que só podem ser objeto de arrendamento urbano os edifícios ou suas frações cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização e consagrando o nº5, do referido artigo, que a inobservância do disposto nos nºs 1 a 4 por causa imputável ao senhorio determina a sujeição do mesmo a uma coima (…), salvo quando a falta de licença se fique a dever a atraso que não lhe seja imputável e o nº7, do mesmo, que na situação prevista no n.º 5, o arrendatário pode resolver o contrato, com direito a indemnização nos termos gerais, vista a atuação da Ré, que notificada para legalizar, nada fez e, posteriormente celebrou o arrendamento, bem sabendo da falta de licença de utilização, não pode a mesma deixar de ver nascer na arrendatária os referidos direitos à resolução do contrato e à indemnização.
Assim, bem considerou o Tribunal a quo que “A respeito das formalidades atinentes à celebração do contrato de arrendamento, o artigo 2º/e), do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 08.08, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 266-C/2012, de 31.12, prescreve que daquele deve constar existência da licença de utilização, o seu número, a data e a entidade emitente, ou a referência a não ser aquela exigível, nos termos do artigo 5º.
Neste seguimento, o artigo 5º, do referido diploma legal, determina que só podem ser objeto de arrendamento urbano os edifícios ou suas frações cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização (n.º 1), salvo quando a construção do edifício seja anterior à entrada em vigor do RGEU, caso em que deve ser anexado ao contrato documento autêntico que demonstre a data de construção (n.º 2).
A exigência da licença de utilização baseia-se na necessidade de obrigar os proprietários dos imóveis (novos, reconstruídos ou alterados) ao cumprimento de todas as normas legais, quer relativas à construção, quer de segurança, salubridade ou estética (cfr. artigo 62º/1, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 79/2017, de 18.08, 28/2010, de 02.09, 60/2007, de 04.09, 4-A/2003, de 19.02, 15/2002, de 22.02, e pelos Decretos-Lei n.º 97/2017, de 10.08, Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10, 136/2014, de 09.09, 266-B/2012, de 31.12, 26/2010, de 30.03, 116/2008, de 04.07, 18/2008, de 29.01, 157/2006, de 08.08, e 177/2001, de 04.06, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação - RJUE).
No caso, o prédio estava sujeito a licença de utilização, já que, tendo sido executadas obras de alteração do edifício, a emissão daquela carece de ser instruída com as telas finais, acompanhadas de termo de responsabilidade subscrito pelo diretor de obra ou pelo diretor de fiscalização de obra, no qual aqueles devem declarar que a obra está concluída e que foi executada de acordo com os projetos de arquitetura e especialidades, bem como com os arranjos exteriores aprovados e com as condições do respetivo procedimento de controlo prévio e que as alterações efetuadas ao projeto estão em conformidade com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis (cfr. artigo 63º/1, do RJUE).
Não resulta dos autos que a Autora, perante as notificações da Câmara Municipal a respeito da necessidade de proceder à regularização das desconformidades realizadas entre a obra executada e a construção licenciada (o que é prévio à licença de utilização), tenha reagido por via administrativa ou contenciosa.
Deste modo, a Autora, como patamar antecedente a qualquer procedimento administrativo tendente ao licenciamento da atividade de restauração, carecia que a utilização do locado estivesse licenciada, o que a Ré, locadora, não garantiu.
É que, como se adverte no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20.06.2011, disponível em www.dgsi.pt, há que distinguir entre licença de utilização para o exercício de uma atividade genérica (v.g., habitação, comércio, profissão liberal, etc.) e a licença de utilização para o exercício de qualquer espécie daquele género (farmácia, consultório médico, restaurante, etc.), sendo que, de facto, só a primeira é que é obrigação do senhorio, por se tratar de licenciamento do edifício para necessidades comuns a certo tipo de utilização e conciliá-lo com os direitos dos restantes condóminos e com a própria estrutura e configuração do edifício e suas acessibilidades. Já as licenças, com o respetivo alvará, para o exercício de certo ramo (que podem implicar a realização de obras internas, instalações de água e eletricidade próprias e definição de áreas de compartimentos) cumprem ao arrendatário que pretende exercer a atividade específica.
Existe, pois, a licença de utilização (genérica) regulada pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12, que deve existir à data do arrendamento (salvo se o prédio for anterior ao RGEU); e existe a autorização proveniente do procedimento específico à atividade comercial que se pretende exercer no locado, no caso, a exploração da atividade de restauração stricto sensu, que deve obedecer ao formalismo e condicionantes previstas no Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16.01 (diploma que aprova o regime de acesso e de exercício de diversas atividades de comércio, serviços e restauração e estabelece o regime contraordenacional respetivo), e de cuja execução a Autora se tinha encarregado.
No caso, o edifício, independentemente de ser (ou não) anterior ao RGEU, necessitava de licença de utilização, uma vez que foi intervencionado pela própria Ré já no domínio do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20.11. Ou seja, ainda que a primitiva construção do edifício datasse de momento temporal anterior ao RGEU, tendo o seu interior sido objeto de reconstrução (como o demonstra a emissão do alvará de licença de construção de fls. 164/verso), está necessariamente sujeito às regras de direito urbanístico previstas quer no Decreto-Lei n.º 445/91, de 20.11, quer no RJUE, que, mais tarde, revogou aquele diploma. Foi esta também a decisão tomada pela autoridade administrativa competente para o efeito, relativamente à qual a Ré não demonstrou que, alguma vez, tenha impugnado, seja por via administrativa, seja por via jurisdicional.
Sendo assim, não dispondo o locado de licença de utilização, tal impossibilitava a legalização da específica atividade de restauração, a cargo da Autora.
Como tal, abre-se para a Autora arrendatária um direito potestativo de resolução.
Na verdade, para além da consequência contraordenacional prevista no artigo 5º/5, do citado Decreto-Lei n.º 160/2006, de 08.08, o arrendatário, na falta de licença de utilização (quando exigível), pode resolver o contrato, com direito a indemnização nos termos gerais (vd. n.º 7, da disposição citada).
Essa faculdade pode ser exercida através da presente ação, como lhe é permitido pelo citado artigo 5º/7, sendo, aliás, a única via possível ao arrendatário, contrastando, assim, com o regime anterior em que se previa, como alternativa à resolução, o direito de o arrendatário de requerer a notificação do senhorio para a realização das obras necessárias (vd. Fernando de Gravato Morais, Novo regime do arrendamento comercial, Almedina, Coimbra, 2006, páginas 82 a 83).
Preenchido, então, o pressuposto da resolução exigido pelo artigo 5º/7, do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 08.08, resulta que, nos termos do artigo 434º/1, do CCiv, a resolução tem efeito retroativo, salvo se a retroatividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução. No entanto, de acordo com o artigo 434º/2, do CCiv, nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efetuadas, exceto se entre estas e a causa de resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas.
O contrato de locação é um contrato de execução continuada (Antunes Varela/Pires de Lima, Código Civil Anotado, Coimbra, Coimbra Editora, p. 411, em anotação ao artigo 434º, do CCiv).
Em regra, o senhorio deve restituir, em espécie, a totalidade das rendas recebidas e o locatário deve restituir àquele o espaço cujo gozo, em arrendamento, recebeu, sendo que, não se mostrando a restituição em espécie possível, esses dois deveres, normalmente, compensam-se.
No caso concreto, porém, entende-se que a Ré deve restituir o valor total das rendas, como consequência do decretamento da resolução, já que a Autora não chegou a usar e fruir o arrendado. Na verdade, os elementos recolhidos apontam no sentido de que a Autora apenas efetuou modificações no locado, ao nível do fornecimento de energia elétrica e de água, mas não chegou a canalizá-lo para o exercício da atividade de restauração.
De facto, tendo o arrendamento sido celebrado a 20.01.2017 e despoletado o procedimento administrativo tendente à legalização do (futuro) estabelecimento de restauração e bebidas (mediante pedido de viabilização apresentado a 26.01.2017), a Autora esbarrou logo com a falta de licença de utilização, através de decisão da Câmara Municipal datada de 07.03.2017, tendo intentado, quase imediatamente após, a presente ação judicial (com data de entrada em 21.03.2017).
Deste modo, não tendo havido fruição do arrendado para a destinação convencionada (veja-se que, inclusive, no decurso da ação, a Autora enviou à Ré as chaves do locado – cfr. documento de fls. 76), entende-se que a resolução, neste caso, tem como efeito a restituição da totalidade das rendas pagas, que ascendem ao montante de € 9.000,00 (nove mil euros).
Para além da cessação da relação arrendatícia, o inquilino, nestas situações, pode pedir uma indemnização pelos danos eventualmente sofridos nos termos do artigo 801º/2 do CCiv (vd. artigo 5º/7, do acima citado Decreto-Lei n.º 160/2006).
De acordo com a doutrina tradicional, o prejuízo indemnizável nos termos do artigo 801º/2, do CCiv, é o que se considerar abarcado pelo interesse contratual negativo, ou seja, a o lucro que o credor teria tido se não fora a celebração do contrato resolvido (Antunes Varela/Pires de Lima, Código Civil Anotado, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, p. 58, em anotação àquele preceito).
(…) despesas de luz e água, (…) encontram ressarcimento a título de interesse contratual negativo, já que consubstanciam gastos que a Autora não teria tido não fora a celebração do contrato resolvido e, como tal, devem ser objeto de indemnização, por força do citado artigo 801º/2, do CCiv, totalizando o montante de € 631,56 (seiscentos e trinta e um euros e cinquenta e seis cêntimos).
(…) Sobre a quantia indemnizatória fixada quanto aos danos patrimoniais e sobre a quantia a restituir (a título de rendas), vencem juros à taxa legal de 4%, contados a partir da diligência de citação, que consubstancia o ato de interpelação de cumprimento (cfr. artigos 559º, 804º, 805º/1, 806º e Portaria n.º 291/2003, de 8/4)”.
A sentença recorrida cuidou de efetuar uma correta subsunção jurídica da factualidade dada como assente, não se vislumbrando dos factos provados que tenha existido “abuso de direito” por parte da Autora (art. 334º, do C. Civil), antes o exercício legítimo de um direito que a lei confere e que a jurisprudência vem reconhecendo.
Na verdade, e como se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 3/3/2016, Processo 681/14.8TVLSB.L1-2, in dgsi.net, “Nos termos do n.º 1 do art.º 1070.º do Código Civil, “o arrendamento urbano só pode recair sobre locais cuja aptidão para o fim do contrato seja atestada pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível.” e “Nos termos do art.º 5.º n.º 7 do Dec.-Lei n.º 160/2006, de 8 de agosto (diploma que regulamenta o disposto no n.º 1 do art.º 1070.º do CC), caso o locado não disponha de licença de utilização, por motivo imputável ao senhorio, o locatário poderá resolver o contrato, além de reclamar indemnização pelos danos sofridos. (…) No que concerne à existência de licença de utilização do locado, haverá que distinguir a licença a cargo do senhorio/proprietário do imóvel a arrendar, atinente à genérica possibilidade de utilização do edifício, da licença adstrita à específica atividade que o locatário irá exercer no locado, cuja obtenção poderá estar a cargo do locatário e não do senhorio” (25).
“Conforme vem sendo entendido pela jurisprudência (inclusive ainda à luz do RAU), no que concerne à existência de licença de utilização do locado, haverá que distinguir a licença a cargo do senhorio/proprietário do imóvel a arrendar, atinente à genérica possibilidade de utilização do edifício, da licença adstrita à específica atividade que o locatário irá exercer no locado, cuja obtenção poderá estar a cargo do locatário e não do senhorio (vide, v.g., STJ, 06.7.2011, processo 4438/06.1TBVFX.L1.S1; STJ, 19.02.2008, processo 08A194; Relação de Lisboa, 11.9.2014, processo 381/11.0TVLSB.L1-2; Relação do Porto, 17.6.2013, processo 139/10.4TJVNF.P1, todos acessíveis in (26) www.dgsi.pt)” (27).
Efetivamente, “A licença municipal obrigatória de utilização das edificações, segundo o estatuído no artigo 62º, nºs 1 do RJUE, aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, sucessivamente alterado, a última das quais pela Lei nº 60/2007, destina-se a verificar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e com as condições de licenciamento ou da comunicação prévia, e não se confunde com a licença para o exercício de certo ramo de actividade, incumbindo a primeira ao proprietário/senhorio, cumprindo ao inquilino a obtenção de licenças ou alvarás para o exercício de actividade específica que se propõe.
3. O contrato de arrendamento celebrado sem licença ou autorização de utilização, sendo esta exigível, por causa imputável ao senhorio, é susceptível de fundamentar o direito potestativo de resolução do contrato, por parte do arrendatário, previsto no artigo 5º, nº 7 do Decreto-Lei nº 160/2006, de 8 de Agosto” (28).
Como se refere no Acórdão do STJ de 14/10/2014, Processo 11291/10.9TBVNG.P1.S1, in dgsi.net “A licença de utilização tem por "finalidade específica compelir os proprietários ao cumprimento das regras legais relativamente a obras de construção ou que condicionam a utilização das novas edificações, regras essas de carácter predominantemente administrativo e que se destinam fundamentalmente à observância de requisitos de salubridade, segurança e estética dos edifícios" (29).
Diferentemente do que sucede com a licença de utilização específica para o exercício de uma determinada actividade no locado, cuja obtenção incumbe, por regra, ao arrendatário, a obtenção daquela licença de utilização para actividade genérica constitui obrigação do proprietário do imóvel” (30).
No caso destes autos, a Autora arrendatária encarregou-se de obter a licença necessária à exploração do restaurante, confiando na existência da prévia e genérica licença de utilização, que se veio a verificar inexistir, o que não pode deixar de ser imputado à senhoria, sua proprietária, que nada fez, até apesar de ter sido notificada para legalizar o espaço (cfr f.ps. h a k - h) E que a Ré, pelo menos com antecedência relativamente à data do acordo mencionado em a), que recebe notificações para legalizar o espaço; i) Contudo, sempre as ignorou; j) A Ré bem sabia não ter licença de utilização; k) O locado não possui licença de utilização).
Assim, constatando que o problema não tinha solução, pelo menos em tempo útil, nomeadamente face à posição da Câmara Municipal sobre o assunto, a A. no exercício de um direito legítimo que lhe assistia, por disposição expressa no citado art.º 5.º n.º 7, do Dec.-Lei n.º 160/2006, de 8.8, resolveu o contrato de arrendamento.
Tendo, também, direito a ser indemnizada pelos danos sofridos em consequência da conduta da R., conforme, desde logo, decorre do mesmo preceito.
Tal também decorreria do nº2, do art. 801º, do Código Civil, que “contém uma regra própria do sinalagma funcional. Nos casos em que uma das obrigações sinalagmáticas é definitiva e culposamente não cumprida, confere-se ao credor dessa obrigação o direito de resolver o contrato. A razão de ser da regra está em que, extinta por incumprimento, uma das obrigações sinalagmáticas, o modo de o seu credor extinguir a que lhe cabe - que deixou de ter razão – é a extinção do contrato por resolução. Como salienta João Baptista Machado, “Pressupostos da resolução por incumprimento”, in Obra Dispersa, vol. I, Braga, Scientia Ivrídica, 1991. p. 129, a culpa é pressuposto da obrigação de indemnizar, mas não do direito de resolução, como resulta o art. 793º” (31).
O referido “nº2 cumula o direito de resolução do contrato com o direito de indemnização e com o de restituição da prestação – ou sua parte -, se já tiver sido realizada. Tradicionalmente, entendia-se quase pacificamente que o direito de indemnização aqui referido tinha por objeto o chamado interesse contratual negativo ou danos negativos: assim, paradigmaticamente, I. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, reimp. Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 463 e 464; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado. Vol II, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, pp. 59-60. Este entendimento foi posto em causa por Baptista Machado “Pressupostos …”, pp. 175 a 183 e “A Resolução por Incumprimento e a Indemnização”, pp. 195 a 212, ambos in Obra Dispersa, vol. I. cit. Segundo este, o direito de resolução, que decorre da “rutura do sinalagma”, “não exclui o direito à indemnização pelo interesse de cumprimento”; a relação contratual desaparece e “converte-se numa relação de liquidação” e os regimes do nº2 deste preceito e do art. 802º, referem-se ao mesmo direito de indemnização. (…) Na Jurisprudência, as soluções também têm sido dispares, embora prevaleça a ideia da indemnização dos danos negativos. No sentido da admissão da ressarcibilidade do interesse contratual positivo, v. p. ex., acs do STJ de 17-12-09(885/04.1TCSNT.L1.S1; Sebastião Póvoas) (32) entre outros aí citados(negrito nosso).
Ponderadas as questões, é evidente que, não procedendo a arguida nulidade da sentença, inexistindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, verificando-se a existência de culpa da Ré (que celebrou o contrato sem ter previamente obtido licença de utilização, que bem sabia exigida) e nenhuma obrigação tendo a Autora de colaborar com a Ré para que esta lograsse obter licença de utilização (que lhe era legalmente imposto que já tivesse antes de celebrar o contrato de arrendamento), nenhuma crítica pode ser apontada à decisão de mérito, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, sendo de manter-se, na íntegra, a fundamentação de direito que o Tribunal de 1ª Instância bem desenvolveu na sentença que proferiu, designadamente quanto à indemnização e restituição da totalidade das rendas pagas, pois que não houve (nem podia legalmente haver) utilização do imóvel para a destinação convencionada, nem, até, mesmo qualquer utilização que fosse.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo violação de qualquer normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC, sem
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Guimarães, 15 de março de 2018

Eugénia Cunha
José Flores
Sandra Melo

1. Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net.
2. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
3. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
4. Cfr. Ac. do STJ de 24/6/2014, Processo 125/10: Sumários, Junho de 2014, pag 38, em que se decidiu Não há nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, se o tribunal se limitou a cumprir o preceituado no art. 608º, nº2, do NCPC (2013), considerando prejudicado apreciar o argumento do valor das indemnizações arbitradas por ter decidido não existir fundamento legal para responsabilizar as Rés…
5. Ac. do STJ, de 30/9/2014, Processo 2868/03:Sumários, Setembro 2014,pag 39
6. Ac. da Relação de Lisboa de 17/3/2016, Processo 218/10:dgsi.net
7. Ac. do STJ, de 20/10/2015, Processo 372/10: Sumários, 2015, p.555
8. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, pags 155-156
9. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
10. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, 2017,pag. 153
11. Ibidem, pág. 153.
12. Ibidem, pags 155 e seg e 159
13. Ac. da Relação do Porto de 18/12/2013, Processo 7571/11.4TBMAI.P1.dgsi.Net
14. Abrantes Geraldes, idem, pags 155-156
15. Abílio Neto, Código de Processo Civil anotado, 4ª Ed. 2017, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda pag 999
16. Cfr. Ac. Da Relação de Évora de 3/11/2016, processo 1070/13. dgsi.Net
17. Ac. Do STJ de 3/5/2016, Processo 145/11, Sumários, Maio/2016, p.3
18. Ana Prata (Coord.) Código Civil Anotado, volume I, 2017, Almedina, pág 1299.
19. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., 275 e 276.
20. Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, 223.
21. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed. 98.
22. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., 576.
23. Neste sentido, Brandão Proença, Ob. Cit., 230 e 231
24. Acórdão do STJ de 14/10/2014, processo 11291/10.9TBVNG.P1.S1, in dgsi.net
25. Ac. da Relação de Lisboa de 3/3/2016, Processo 681/14.8TVLSB.L1-2, in dgsi.net
26. Ibidem
27. Ibidem
28. Acórdão da Relação de Lisboa de 11/9/2014, processo 381/11.0TVLSB.L1-2, in dgsi.net
29. Acórdão do STJ de 29.09.2009, em www.dgsi.pt.
30. Neste sentido, os Acórdãos do STJ de 13.12.2007, de 19.02.2008 e de 06.07.2011, acessíveis também em www.dgsi.pt.
31. Ana Prata (Coord.) Código Civil Anotado, volume I, 2017, Almedina, pág 1002
32. Ibidem, pág 1003