Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
235/13.6GEBRG.G1
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PESSOAIS DO ARGUIDO
NECESSIDADE DE RELATÓRIO SOCIAL
REENVIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PARCIAL PROVIMENTO
Sumário: I) Perante a questão de escolha da pena e de saber da eventual substituição de uma pena de prisão de medida não superior a dois anos, assume particular relevo a recolha de todos os elementos possíveis que permitam ao tribunal saber do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.
II) Na avaliação da personalidade expressa nos factos, deverão ser ponderados os elementos disponíveis da socialização e inserção do arguido na comunidade, assumindo importância não apenas a consideração dos antecedentes criminais, mas a personalidade expressa no conjunto dos factos e o comportamento posterior ao crime.
III) In casu, a ausência desses elementos no processo, impõe a necessidade de realização de um relatório social para julgamento, elaborado por técnicos sociais habilitados (artº 370º do CPP), indispensável para habilitar o tribunal no conhecimento de factores actualizados, com particular incidência no juízo sobre a escolha e determinação da medida concreta da pena principal
IV) Verificando-se que a decisão recorrida padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada do artº 410º, nº 2, a), do CPP, quanto à globalidade da fundamentação de facto, de conhecimento oficioso, impõe-se o reenvio do processo, nos termos do artº 426º e 426º-A, do CPP.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

1. Nestes autos de processo comum n.º 235/13.6GEBRG e após a realização da audiência de julgamento, o tribunal singular da Secção Criminal da Instância Local e Comarca de Braga proferiu a sentença que absolveu o arguido Luís P. da prática de dois crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código Penal e de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e e), e n.º 3, do Código Penal e condenar o mesmo arguido pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de doze meses de prisão efectiva.

Na procedência do pedido de indemnização civil foi o arguido-demandado condenado no pagamento ao demandante Vítor D. da quantia de três mil seiscentos e trinta euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil de 4%, a contar desde a data da notificação e até integral pagamento.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, invocando, em síntese, que a sentença enferma do vício decisório de insuficiência da matéria de facto provada e, se assim não se entender, deve ser suspensa a execução da pena de prisão.

O Ministério Público, por intermédio da Exmª magistrada na Comarca de Braga, apresentou resposta concluindo que deve negar-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o Exm.º procurador-geral adjunto emitiu fundamentado parecer no sentido da improcedência do recurso.

Recolhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. Antes de mais, ter-se-á presente que a decisão do tribunal recorrido em matéria de facto é a seguinte (transcrição):

“Resultou provada a seguinte matéria de facto:

a) No dia 19 de setembro de 2013, cerca das 15.00 horas, junto à pastelaria Montalegrense, sita na freguesia de Tenões, concelho de Braga, o arguido LUÍS P., tal como previamente combinado via telemóvel, encontrou-se com VÍTOR D. para ver e eventualmente adquirir o motociclo da marca “…”, modelo “TE 30 (Sportrax 450 R)”, de cor preta, com a matrícula .., propriedade deste último e que se encontrava a venda no site OLX pelo preço de 3.500,00€ (três mil e quinhentos Euros);
b) Nesse circunstancialismo de tempo e lugar o arguido LUÍS P. na sequência de ter sido autorizado pelo proprietário a experimentar no local a aludida mota, colocou-a em funcionamento e fugiu, levando-a consigo para parte incerta;
c) Ao atuar do modo descrito, o arguido agiu com o propósito concretizado de fazer sua a aludida mota, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do legítimo dono, VÍTOR D...;
d) O arguido atuou de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, não se coibindo ainda assim de a praticar;
e) O arguido subtraiu igualmente um capacete da marca “Monster”, no valor de 100,00€ (cem Euros), bem com um par de luvas de motociclista no valor de 30,00€ (trinta Euros);
f) Até ao presente momento o arguido ainda não devolveu os objetos subtraídos e nem ressarciu, sequer parcialmente, o ofendido;
g) No âmbito do processo comum singular n.º 355/09.1GAEPS do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende, por sentença datada de 6 de janeiro de 2012, transitada em julgado no dia 8 de fevereiro de 2012, relativamente a factos praticados no dia 25 de abril de 2009, o arguido foi condenado na pena única de 05 (cinco) anos, suspensa por igual prazo, com regime de prova, pela prática de três crimes de roubo, previstos e punidos pelo artigo 210.º, n.º 1, do C.P., e pelo artigo 86.º, n.º 3, do Regime Jurídico das Armas e Munições, de um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 210.º, n.º 1, 22.º, 23.º e 86.º, n.º 3, do Regime Jurídico das Armas e Munições, e um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e Munições.
2.2. Matéria de facto não provada
Resultou não provada a seguinte matéria de facto constante das acusações em apreciação:
a) Em data que não se logrou precisar, mas anterior ao dia 24 de julho de 2013, pelas 13 horas e 28 minutos, o arguido LUÍS P., na posse do veículo da marca Fiat, modelo Punto, de matrícula …, propriedade da sua mãe MARIA J., através de modo que não se logrou apurar, alterou o número "3” para o número “8” e a letra “U” para a letra “O”, de modo a ler-se não “…”, mas sim “…”;
b) Assim, no dia 24 de julho de 2013, cerca das 13:28h, na variante da Estrada Nacional 14, Quinta M.., em Braga, o arguido conduzia o veículo automóvel de matricula …, com a matrícula alterada para …;
c) E entrou no posto de abastecimento de combustível “…” existente naquela artéria, propriedade de … Lda.” tendo aí abastecido o automóvel com 26,42 litros de combustível, no valor de 40,00€ (quarenta euros), após o que saiu com a viatura sem que tenha efetuado o respetivo pagamento;
d) O arguido, ao agir como se descreve supra, representou e quis alterar o número e letras da chapa de matrícula e utiliza-la no referido veículo, ciente de que não era verdadeira a matrícula aposta no aludido veículo e que estava a atentar contra a fé pública atribuída às chapas de matrícula;
e) Ao agir do modo descrito, o arguido prejudicou o Estado Português;
f) Mais, o arguido representou e quis abastecer o veículo automóvel por si conduzido sem pagar o preço do combustível, com o propósito de tornar coisa sua o referido combustível, o que fez, sabendo que o mesmo não lhe pertencia, bem como que atuava contra a vontade do seu dono;
g) Desde data não apurada, mas que se sabe ser 25 de Junho de 2012, o arguido passou a servir-se e fazer-se transportar no veículo automóvel com a matrícula … (da marca …), de cor branca, movido a “gasóleo” e pertencente à respetiva progenitora, ou seja, Maria J.;
h) Uma vez na sua posse e utilização, o arguido, na execução de plano previamente arquitetado, procedeu à adulteração das características das respetivas chapas de matrícula e que se encontram legalmente atribuídas àquela viatura, substituindo o nº “3” pelo número “8” e a letra “U” pela letra “O”, por forma a que aquela viatura passasse a ostentar a matrícula “…” (matricula esta que se encontra legalmente atribuída a um veículo da marca “…”, de cor cinzenta e movido a gasolina, após o que nele passou a circular, conduzindo-o como e nas circunstâncias que bem entendeu;
i) No dia 25 de junho de 2013, pelas 14.45 horas, o arguido, que se encontrava a conduzir o veículo automóvel supra referido, pertencente à sua progenitora, ao qual havia, previamente, adulterado as características da respetiva matrícula nos moldes acima descritos, por forma a que aquela matricula apresentasse a descrição “…”, dirigiu-se ao posto de abastecimento de combustíveis denominado “A.S. …”, de …, Ldª”, sita na Variante da E.N. nº 14, Quinta …, nesta cidade de Braga, onde abasteceu (ação essa concretizada por individuo cuja identidade não foi possível apurar e que consigo circulava como passageiro) o citado veículo com 16,85 lt de “diesel-Optima”, no valor de vinte e cinco Euros, após o que se colocou em fuga sem que, previamente, se tivesse dirigido à caixa para proceder ao pagamento respetivo;
j) No dia 10 de julho de 2013, pelas 13.08h, o arguido, que se encontrava a conduzir o veículo automóvel supra referido, pertencente à sua progenitora, ao qual havia, previamente, adulterado as características da respetiva matrícula nos moldes acima descritos, por forma a que esta apresentasse a descrição “…”, dirigiu-se ao posto de abastecimento de combustíveis denominado “A.S….”, de …, Ldª”, sita na Variante da E.N. nº 14, Quinta M.., nesta cidade de Braga, onde abasteceu (ação essa concretizada por individuo cuja identidade não foi possível apurar e que consigo circulava como passageiro) o citado veículo com 20,08 lt de “diesel-Optima”, no valor de trinta Euros, após o que se colocou em fuga sem que, previamente, se tivesse dirigido à caixa para proceder ao pagamento respetivo;
k) Bem sabia o arguido que as chapas de matrícula servem para individualizar e identificar os veículos a que pertencem e que, não obstante, bem saber que a matricula que adulterou da viatura que conduzia não lhe ter sido concedida pelos serviços competentes e que, por isso mesmo, o mesmo não se encontrava em condições de circular pela via pública, não hesitou em fazê-lo, passando a circular no veículo com tal elemento, desse modo pondo em causa a credibilidade que tal documento (chapa de matricula) é merecedor pelas pessoas em geral e pelas autoridades em especial, prejudicando, dessa forma, o Estado Português;
l) Sabia, finalmente, o arguido que o mencionado bem (combustível) lhe não pertencia e, não obstante, não se coibiu de agir da forma descrita com o propósito concretizado de o fazer seu contra a vontade e em prejuízo do património do respetivo proprietário.
2.3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto
A convicção deste Tribunal quanto à matéria de facto provada e não provada resultou da adequada ponderação de toda a prova documental junta aos autos, bem como da restante prova produzida em sede de audiência de julgamento, devidamente confrontada com as regras da experiência comum e com a livre convicção do julgador (cfr. o artigo 127.º do C.P.P.).
Relativamente às alíneas a) a f) da matéria de facto provada e à matéria de facto não provada, a convicção deste Tribunal resultou da cuidadosa análise da prova documental junta aos autos a fls. 17, 18 e 19, bem como nas declarações do demandante civil VÍTOR D. e das testemunhas JOÃO P., LUÍS C. e MARGARIDA C..
O demandante civil VÍTOR D. descreveu a forma como o arguido o contactou através de telemóvel, tendo agendado um dia para que o mesmo experimentasse o motociclo que o demandante tinha anunciado para venda no OLX pelo valor de 3500,00€ (três mil e quinhentos Euros). Sob o pretexto de pretender experimentar o motociclo, o arguido colocou o capacete de proteção, no valor de 100,00€ (cem Euros), bem como as luvas de proteção, no valor de 30,00€ (trinta Euros), após, o que se ausentou do local conduzindo o motociclo e assim concretizando a sua subtração. Confirmou o demandante civil que ainda não recuperou o motociclo, tal como o capacete e as luvas, não tendo sido ressarcido sequer parcialmente pelo arguido. Sobre a autoria do crime de furto, o demandante civil afirmou inteira certeza de que foi o arguido quem conversou consigo telefonicamente, quem se deslocou até à Pastelaria …, sita em Tenões, concelho de Braga, e aí lhe subtraiu o motociclo, o capacete e as luvas.
A versão do demandante civil foi inteiramente corroborada pelas declarações da testemunha MARGARIDA C., a qual, sendo namorada do demandante civil, acompanhou-o até à Pastelaria … no dia 19 de setembro de 2013, tendo presenciado o arguido a falar com o demandante civil, bem como a subtrair o motociclo, o capacete e as luvas propriedade do seu namorado.
As declarações do demandante civil e da testemunha MARGARIDA C. surgiram de forma espontânea, coerente e naturalmente circunstanciada, merecendo inteira credibilidade por parte deste Tribunal e permitindo considerar como provados os factos supra descritos.
As testemunhas JOÃO P. e LUÍS C. não presenciaram a prática do crime de furto, embora tendo ajudado o demandante civil numa tentativa de recuperação do motociclo furtado, porquanto o mesmo apareceu anunciado posteriormente para venda num site da Internet, pelo que logo ligaram no sentido de saberem se era o motociclo furtado que estava a ser colocado à venda. Logo confirmaram que o número de telemóvel era o mesmo que antes tinha ligado para o ofendido a pedir para ver o motociclo e para o experimentar, pelo que combinaram um encontro junto ao ginásio “…”, o qual acabou por se deslocar para um café sito em Lamaçães e por trás do estabelecimento “..”, tendo aí constatado a chegada do arguido, embora desacompanhado do motociclo. Ao ser confrontado pelo próprio demandante civil, disse que ia devolver o motociclo, tendo para o efeito feito um telefonema. Sucede que ao local chegou um indivíduo a conduzir o referido motociclo, mas, ao ver o número de pessoas no local, não parou e seguiu, não mais tendo sido avistado o motociclo nesse dia.
As testemunhas supra identificadas depuseram de forma coerente e espontânea, merecendo igualmente inteira credibilidade por parte deste Tribunal.
O arguido LUÍS P. não prestou declarações em sede de audiência de julgamento, ficando em silêncio. Tal conduta processual, nos termos do disposto no artigo 343.º, n.º 1, do C.P.P., não o desfavorece, em obediência ao comando constitucional previsto no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Relativamente à alínea g) da matéria de facto provada, a convicção deste Tribunal resultou da análise do teor do certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 256 e 257.
Relativamente à matéria de facto não provada, a convicção deste Tribunal resultou da sua falta de prova em sede de audiência de julgamento.
Com efeito, nenhuma das testemunhas inquiridas sobre a matéria conseguiu identificar o arguido como sendo quem procedeu à alteração da chapa da matrícula, quem conduziu o veículo automóvel até ao posto de abastecimento de combustível e quem aí procedeu aos abastecimentos com gasolina e fugiu sem pagar.
A testemunha JOSÉ L., agente da Polícia de Segurança Pública, não presenciou a prática dos factos em causa nos presentes autos e, relativamente aos abastecimentos em causa nos presentes autos, procedeu ao visionamento das fotografias juntas aos autos, tendo confirmado que o veículo tinha uma matrícula falsa, não tendo conseguido identificar a pessoa que aí se encontra retratada.
A testemunha RICARDO A., funcionário da sociedade … M., LDA., e responsável pelos postos da … na Variante à Estrada Nacional n.º 14, não presenciou os factos, tendo posteriormente, por indicação do funcionário que se encontrava ao serviço na caixa, visionado as filmagens e preservado as gravações, tendo procedido à impressão e junção dos correspondentes talões dos abastecimentos em causa. Esta testemunha não foi capaz de apontar o arguido como sendo a pessoa que conduziu o veículo automóvel e aí procedeu aos abastecimentos seguidos de fuga.
A testemunha MARIA J., mãe do arguido, recusou-se validamente a prestar declarações, nos termos do artigo 134.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P..
Finalmente, o demandante civil e as restantes testemunhas inquiridas não revelaram qualquer conhecimento direto dos factos supra considerados como não provados.”

3. O recorrente conformou-se com a decisão do tribunal em matéria de facto, restringindo o âmbito do recurso, sem prejuízo do conhecimento oficioso, às consequências jurídicas dos factos.

Impõe-se apreciar se a sentença recorrida contém os elementos necessários para a apreciação da escolha e determinação da medida concreta da pena.

Como vem sendo entendido na jurisprudência, existe e deve ser declarado o vício decisório de insuficiência para a decisão da matéria de facto quando se conclua, a partir do próprio texto da sentença, isoladamente considerada ou em conjugação com regras de experiência comum, que a matéria de facto provada se revela insuficiente para a decisão correcta de direito, ou seja, a decisão justa, a composição mais próxima da “ideal” e que, tendencialmente, declara a justiça no caso concreto.

Esta ponderação não prescinde de um adequado entendimento acerca dos poderes deveres do tribunal: o objecto da audiência de julgamento é constituído, nos termos do artigo 339°, n.° 4, do Código de Processo Penal, pelos “factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida e ao tribunal pertence o poder-dever “de esclarecer e instruir autonomamente – i. é, independentemente da acusação e da defesa – o “facto” sujeito a julgamento, criando ele próprio as bases necessárias à sua decisão” DIAS, Jorge de Figueiredo, in «Direito Processual Penal», 1988-9, p. 60.. Sendo inequívoco que também constituem objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança (artigo 124º, n.º 1, do C.P.P.). Em consequência do princípio da investigação encontra-se consagrado, com carácter geral, no artigo 340°, n° 1, do CPP, o poder-dever de o juiz ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

Ou seja, a matéria de facto provada é suficiente para a decisão quando o tribunal esgotou os poderes de investigação e decidiu, entre provados e não provados, quanto a todos os factos relevantes para a decisão justa. Incluindo-se nestes últimos, os que resultam da discussão da causa sobre as circunstâncias relevantes para a dosimetria penal.

Encerrada a audiência de julgamento, desconhece-se qualquer elemento referente à personalidade, à situação económica e social do arguido e os factos provados neste âmbito restringem-se aos antecedentes criminais.

Como sabemos, o critério para saber se deve ser junto aos autos o relatório social depende da utilidade que esse meio privilegiado de conhecimento da personalidade, das condições pessoais e da conduta anterior e posterior do arguido assume no caso concreto para a escolha e fixação da pena. Tanto mais quanto a informação sobre os antecedentes criminais faria supor a eventualidade de se configurarem especiais exigências e prevenção especial…

Perante a questão de escolha da pena e de saber da eventual substituição de uma pena de prisão de medida não superior a dois anos, assume particular relevo a recolha de todos os elementos possíveis que permitam ao tribunal saber do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente. Na avaliação da personalidade expressa nos factos, deverão ser ponderados os elementos disponíveis da socialização e inserção do arguido na comunidade, assumindo importância não apenas a consideração dos antecedentes criminais, mas a personalidade expressa no conjunto dos factos e o comportamento posterior ao crime.

A ausência desses elementos no processo, designadamente por inércia ou absentismo do arguido, “não dispensa o Tribunal de, oficiosamente, determinar a elaboração de relatório social, pelos serviços competentes do IRS, ficando, assim, numa situação de conhecimento das condições pessoais, sociais e económicas daquele, que lhe permitiria, de modo mais seguro, dosear a pena. Não o tendo feito, existe insuficiência da matéria de facto para a decisão (art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP), que o Supremo Tribunal conhece oficiosamente, de acordo com o art. 434.º, e que determina o reenvio do processo para novo julgamento, restrito à questão da determinação da sanção (art. 426.º, n.º 1)” (Acórdão do S.T.J. de 13-12-2007, Rel. Cons. Arménio Sottomayor,in www.dgsi.pt ). Ou, no mesmo sentido, como se escreveu no acórdão do S.T.J de 27-06-2001, Rel Cons Armando Leandro “Sempre que a medida concreta da pena consinta a suspensão da sua execução, o tribunal deve ordenar, mesmo oficiosamente, a produção dos meios de prova necessários à descoberta, também, da factualidade relevante para a apreciação e decisão dessa questão da suspensão, especificando-a, depois, como provada ou não provada, sob pena de, não o fazendo, se verificar insuficiência não só da matéria de facto para a decisão como também da própria fundamentação de facto e, em consequência desta, da própria decisão de direito relativa à suspensão” (in www.dgsi.pt ).

A existência de um relatório social para julgamento, elaborado por técnicos sociais habilitados (art.º 370.º do C.P.P.), torna-se indispensável para habilitar o tribunal no conhecimento de factores actualizados, com particular incidência no juízo sobre a escolha e determinação da medida concreta da pena principal.

Em conclusão, verifica-se efectivamente na sentença recorrida o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, constante do artigo 410º nº 2 alínea a) do Código de Processo Penal, quanto à globalidade da fundamentação de facto, de conhecimento oficioso, o que conduz necessariamente ao reenvio do processo (artigos 426º e 426-A, ambos do Código de Processo Penal), assim resultando prejudicada a apreciação dos restantes fundamentos invocados pelo recorrente.

4. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em revogar parcialmente a sentença recorrida e, em consequência, determinam o reenvio do processo para novo julgamento, restrito à averiguação dos elementos referentes à personalidade, situação social e económica do arguido, a efectuar pelo Tribunal competente nos termos do artigo 426.º-A do Código de Processo Penal, devendo previamente proceder-se à junção de relatório social, se possível, bem como de demais prova suplementar, que for tida por necessária.

Sem tributação.

Guimarães, 18 de Abril de 2016.

Texto elaborado em computador e integralmente revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.