Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2/12.4PEBRG.G2
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/09/2017
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCECIDO PROVIMENTO
Sumário: I – Os princípios do contraditório e da audição prévia devem ser assegurados na decisão que aprecie os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, de modo a que a mesma não constitua surpresa contra o arguido, a quem assiste o direito de impugnar não só os factos iniciais já conhecidos mas quaisquer outros que surjam e que o tribunal pretenda levar em consideração e, designadamente, os argumentos aduzidos no parecer do Mº Pº, bem como requerer a produção de meios de prova, sob pena de se quebrar a reciprocidade dialéctica entre tal Órgão e o condenado e de se postergar as garantias de defesa deste, na dimensão dos aludidos princípios, acolhidos no art. 32º da Constituição e art. 61º, nº 1, b), do CPP.
II - Todavia, se, em conformidade com tal interpretação, a citada norma do art. 61º impõe que o arguido seja ouvido pelo tribunal sempre que deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte, nem sempre essa audição prévia do condenado em pena de prisão suspensa na sua execução se terá de concretizar em auto de declarações, «na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão» (art. 495º, nº 2, do CPP), para se ter por devidamente assegurado o contraditório.
III - Para tal, estando apenas em causa o fundamento de revogação previsto no art. 56º b) do CP e devendo atender-se aos particulares contornos de cada caso, os mencionados princípios são plenamente assegurados através de notificação, para o efeito, do condenado: se, como neste processo sucede, se trata apenas de avaliar se o arguido, perante novas condenações relativas a factos ocorridos durante o período da suspensão, revelou «que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas», não se exigiria a tomada (presencial) de declarações ao arguido, embora esta diligência – apesar de não se impor, necessariamente, enquanto “audição” do mesmo – possa ser feita, a par naturalmente, de todas as outras que se revelem úteis para averiguar das razões que conduziram ao cometimento de novos crimes no período da suspensão, entre as quais a audição prévia daquele – essa, sim, obrigatória –, bem como, designadamente, a junção e ponderação do relatório referente ao acompanhamento do eventual regime de prova que, no caso tenha havido.
IV – Com o já sublinhado segmento final do art. 56º, nº 1, b), a revogação, ope legis, da suspensão como efeito automático da prática de um novo crime doloso no período dessa suspensão – pelo qual o agente venha a ser punido com pena de prisão – está posta de lado e delimitada aos casos em que esse facto imponha a conclusão de que se frustrou o juízo de prognose que havia fundamentado a suspensão, a ponderar, ainda e de novo, à luz dos fins das penas – tal como deve suceder com o incumprimento, em geral, de obrigações ou deveres impostos ao condenado como condições da suspensão da execução da pena de prisão –, suscitando-se a apreciação judicial sobre a personalidade e condições de vida do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao crime e o circunstancialismo que envolveu o cometimento pelo mesmo do(s) novo(s) crime(s), à luz dos fins das penas e, ainda, dos critérios consagrados no art. 50º, nº 1, do CP.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:


No âmbito do processo comum colectivo nº 2/12.4PEBRG da Instância Central, 1ª Secção Criminal, da Comarca de Braga, por decisão de 4/07/2012, transitada em julgado em 10/09/2012, o arguido Fernando J. foi condenado, pela prática, em Novembro e Dezembro de 2011, de oito crimes de roubo, na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, com regime de prova e na condição de o arguido retomar o acompanhamento nas consultas de pedopsiquiatria e de se inscrever e frequentar no ano lectivo seguinte um curso de formação profissional ou o 6º ano de escolaridade, ou curso que a tal desse equivalência.
Entretanto, por decisão proferida em 11/07/2016, essa suspensão foi revogada, com fundamento em o comportamento posteriormente assumido pelo arguido, tendo em vista as “sucessivas condenações” que sofreu, relativas a factos ocorridos durante o período da mesma e abarcando diversos tipos de crime, levar a concluir pela infirmação do anterior juízo de prognose favorável à suspensão e pelo fracasso das finalidades que estiveram na sua base.

Inconformado com a referida decisão, o arguido interpôs recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões:
«(…) II. O despacho recorrido, de revogação da suspensão da execução da pena, padece de nulidade, por violação do direito ao exercício do contraditório.
III. O despacho recorrido que revogou a suspensão da execução da pena ao recorrente, sem previamente ter sido notificado para comparecer presencialmente perante o tribunal, para ser ouvido, por considerar desnecessária a audição presencial, incorreu na nulidade insanável enunciada no art.119.º, alínea c) do CPP, que desde já invoca.
IV. Porquanto, o art.495.°, n° 2, do CPP exige que, no exercício do contraditório, o arguido seja ouvido presencialmente e não por escrito.
V. De acordo com o art. 495.º, n.º 2 do CPP, «O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente.».
VI. O Tribunal a quo deve procurar, por todos os meios, ouvir presencialmente o condenado, quando a suspensão tenha sido subordinada a condições sujeitas a apoio e/ou fiscalização dos serviços de reinserção social, para efeitos de modificação dos deveres impostos, sujeição a tratamento médico ou a cura, aplicação de sanções e revogação da suspensão, sob pena de violação do disposto no art.495.º do CPP.
VII. Deveria ter sido designada data para audição do arguido, o que deveria ter ocorrido na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão. Mas não sucedeu.
VIII. O Prof. Paulo Pinto de Albuquerque vai mais longe relativamente aos casos de aplicação do art.495.º, n.º 2 do C.P.P., ao considerar que «O arguido deve ser ouvido pessoal e presencialmente, sendo irrelevante o motivo da revogação da suspensão, sob pena da nulidade do artigo 119.º, al. c), uma vez que a lei não relaciona a audição do arguido com nenhum motivo especial.», ou seja, o cumprimento do n.º 2 do art.495.º do C.P.P. parece impor-se, no seu entender, não só por força do incumprimento dos deveres ou as regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social ( art.56.º, n.º1, al. a) do C.P.), mas ainda por força do cometimento de crime no decurso da suspensão pelo qual venha a ser condenado (art.56.º, n.º1, al. b) do C.P.), pois também neste caso se justificará a oportunidade dada ao arguido para ser ouvido.
IX. A jurisprudência tem – se afirmado que quando a suspensão foi sujeita a regime de prova, imposição de deveres e/ou regras de conduta, se exige obrigatoriamente a audição presencial do condenado e na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, antes da prolação do despacho que decide o incidente de revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
X. É a posição sufragada, entre outros, nos acórdãos deste Tribunal da Relação, de 30 de Outubro de 2013 (proc. n.º 707/08.4PBAVR.C1), de 2 de Abril de 2014 (proc. n.º 883/07.3TACBR.C1) e de 4 de Novembro de 2015 (proc. n.º 9/05.8GALSA.C1).
XI. Acresce que, o art. 61.º, n.º 1 do CPP dispõe que que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de: «a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito; b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte».
XII. O alcance gizado pela lei foi o de definir o direito de presença do arguido quanto a actos de produção probatória, excluindo todos os restantes actos do processo, e, dentro destes actos, apenas haverá que considerar aqueles que visarem a produção de prova que possa ter relevo para o apuramento e a definição do ilícito pelo qual possa ser responsabilizado o arguido de cuja presença se trate.
XIII. Quando o n.º 2 do art.495.º do CPP prevê uma diligência que decorre de forma oral e contraditória perante o Juiz, com a presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, e em que se vai averiguar se as condições da suspensão da execução da pena foram ou não cumpridas e, em caso afirmativo, as razões do incumprimento, é também fundamental a presença do arguido/condenado.
XIV. No caso concreto, antes de ser proferida a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão não foram envidados todos os esforços necessários à audição presencial do arguido e assim este não foi ouvido na presença do técnico que fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, e como tal entendemos que o despacho de revogação incorre na nulidade prevista no art.119.º, al. c), do CPP.
XV. No caso de o arguido, notificado para comparecer nos termos e para os efeitos do disposto no art. 495.º, n.º 2, do CPP, faltasse à diligência, sem qualquer justificação, e não se mostrasse possível assim a sua audição por razões a si imputáveis, cremos que o princípio a seguir seria o que se mostra estabelecido no n.º 4 do art.185.º da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, para o incidente de incumprimento da liberdade condicional, numa situação em que se exige a audição presencial: « A falta injustificada do condenado vale como efectiva audição para todos os efeitos legais.».
XVI. Na doutrina, André Lamas Leite defende que « …, a exigência constitucional do exercício do contraditório (art. 32º, nº 2, in fine) e as previsões normativas dos artigos 61º, nº 1, al. b), e 495, nº 2, ambos do CPP, só admitem a conclusão de que é obrigatório que o tribunal, antes de determinar a revogação da suspensão de execução da pena privativa de liberdade, envide todos os esforços necessários à audição do condenado.».
XVII. Também a jurisprudência tem entendido que tendo sido envidados todos os esforços necessários à audição presencial do arguido e não sendo possível obter a sua comparência à diligência, a jurisprudência tem decidido que o contraditório imposto no art.495.º, n.º2 do C.P.P. se tem como cumprido com a notificação do defensor do arguido.
XVIII. Não se tratou do caso sub judice.
XIX. O recorrente alega que, ainda que tenha praticado um crime durante o período de suspensão, pode não justificar a revogação da suspensão e no caso em concreto o Tribunal a quo errou na aplicação do n.º1, al. b) do art. 56.º do CP.
XX. O tribunal a quo não podia revogar a suspensão da execução da pena sem ter em conta o Relatório Final de Execução social (Suspensão da Execução da Pena) que o próprio solicitou, de fls. 1441 a 1444.
XXI. E também o facto de a condenação pelo ultimo crime, de ofensa a integridade física qualificada, cuja sentença transitou em julgado em 25 de Janeiro de 2016, ter ficado suspensa na sua execução por igual período.
XXII. A revogação não opera de forma automática e o tribunal esqueceu-se de todo o conteúdo do relatório social.
XXIII. O Prof. Figueiredo Dias defendia que «a revogação automática só terá lugar se o delinquente vier a ser punido com pena de prisão efectiva.(…). Se apesar da primeira condenação, o tribunal da segunda condenação foi capaz de emitir um prognóstico favorável que o conduziu à suspensão, tanto basta para mostrar que não considerou ainda esgotadas as possibilidades de uma socialização em liberdade.”.
XXIV. Saliente-se o entendimento dos Cons. Leal-Henriques e Simas Santos, que “As causas de revogação não devem, pois, ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena”.
XXV. Para grande parte da doutrina, a nova condenação, em pena efectiva, é que é fundamento para a revogação da suspensão da pena, pois que a condenação numa pena de multa ou numa pena de substituição, como a pena suspensa, mostram que o Tribunal da nova condenação fez ainda um juízo de prognose favorável ao arguido
XXVI. É o caso do Prof. Paulo Pinto de Albuquerque que considera que «Só a condenação em pena de prisão efectiva pode revelar que as finalidades que estiveram na base de uma decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas, pois a condenação em multa ou em pena substitutiva supõe um juízo de prognose ainda ao agente pelo tribunal da segunda condenação.».
XXVII. Existe jurisprudência, no Tribunal da Relação, designadamente os acórdãos de 28/03/2012 (proc. n.º 29/09.3GAAVZ-A.C1) e de 10/7/2013 (proc. n.º 862/11.6PEAVR.C1), sustentando que revela incongruência ou contra indicação, revogar-se a suspensão da execução da pena ao abrigo da alínea b), n.º1, do art.56.º do CP se na última condenação foi de novo feito um juízo de prognose favorável e, por via disso, voltou a suspender-se a execução da pena de prisão.
XXVIII. A posição aqui exposta vai no sentido de que não deve revogar-se a suspensão da execução da pena ao abrigo da alínea b), n.º1, do art.56.º do CP, se na última condenação voltou a suspender-se a execução da pena de prisão, porquanto as finalidades que estiveram na base da suspensão continuam a poder ser alcançadas, ainda que com o reforço de medidas enunciadas no art.55.º do mesmo Código, não foi a seguida no douto despacho recorrido.
XXIX. Salvo o devido respeito, mesmo seguindo a interpretação da alínea b), n.º1, do art.56.º do CP, no sentido de que esta norma permite a revogação da suspensão da execução da pena mesmo no caso de a nova condenação ser em pena de prisão suspensa, entendemos que no caso em apreciação as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena nos presentes autos, ainda não se mostram definitivamente postergadas.
XXX. Importa, porém, realçar, o relatório social proferido a fls. 1441 a 1444, que denota que o arguido está integrado socialmente no trabalho, assim como integrado na família, vivendo com a sua namorada, num quotidiano centrado na permanência em casa e no exercício laboral.
XXXI. Assim como o facto não recorrer ao Departamento de Psiquiatria desde há cerca de um ano, porque não ansioso ou agitado, assim como não acompanha pares relacionados com actividades ilícitas.
XXXII. Numa situação desta em que não cremos ser adequado e proporcional, concluir que a ressocialização do jovem em liberdade foi posta definitivamente em causa com a nova condenação e que o mesmo deve cumprir a pena de prisão.
XXXIII. Como o tribunal na última condenação entendeu suspender a pena, seria mais correcto o tribunal a quo, em vez de revogar a suspensão da pena, ter decidido prorrogar a suspensão da mesma, com a imposição de outras medidas, sujeitando-se o arguido a acompanhamento junto da Equipa de Reinserção Social.
XXXIV. Considerando que as finalidades preventivas que determinaram a suspensão da pena ainda se mantêm, embora abaladas, impõe-se revogar o despacho recorrido e determinar que o Tribunal a quo procure uma outra medida mais adequada, dentre as enunciadas no art.55.º do Código Penal.
XXXV. Cremos que mesmo a prorrogação do período de suspensão da pena, prevista na alínea d) do art.55.º do CP ainda pode ter lugar, apesar do período da suspensão da execução da pena ter já decorrido, uma vez que no momento em que tal ocorre se encontra pendente o incidente que pode conduzir á prorrogação (art.57.º, n.º 2 do CP).
Nestes termos, (…) deve (…) ser revogado o despacho recorrido, e prorrogando-se por um ano o período de suspensão de execução da pena aplicada ao recorrente».

O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso, dizendo, em síntese: a imposição da audição pessoal presencial do condenado não abrange a situação aqui em causa, em que a promovida e decretada revogação da execução da pena se prende apenas com a prática de crimes no período da suspensão, não envolvendo considerações atinentes ao incumprimento de outros deveres a que aquele se encontrasse sujeito; em vista das novas condenações do arguido, «é indesmentível que aquele juízo de prognose favorável formulado na condenação sofrida no âmbito dos presentes autos se viu irremediavelmente colocado em causa».
Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu alicerçado parecer discordando daquela resposta, por considerar que deve ser declarado nulo o despacho recorrido, porque a preterição da audição prévia (presencial) do arguido, prevista no art. 495º nº 2 do CPP, integra uma nulidade insanável, mas que, de todo o modo, só a condenação em pena efectiva é fundamento de revogação da suspensão, pois que a condenação numa pena de multa ou numa pena de substituição, como a pena suspensa, mostra que o Tribunal da nova condenação fez ainda um juízo de prognose favorável ao arguido.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP.
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Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 403º e 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, suscitam-se neste recurso as questões de saber se: 1ª) a não audição presencial do arguido, destinada a assegurar o contraditório (art. 61º, nº 1, al. b) do CPP), gera a nulidade a que alude o artigo 119º, nº 1, al. c), do CPP; 2ª) não se encontram preenchidos os pressupostos justificativos da revogação da suspensão, devendo ser procurada outra medida mais adequada dentre as enunciadas no artigo 55º do C. Penal, designadamente, a prorrogação do prazo da suspensão.

Importa apreciar as enunciadas questões e decidir para o que são pertinentes: A) os factos considerados na decisão recorrida; B) o teor da decisão que incidiu sobre tais factos; C) os factos e as ocorrências que se extraem da tramitação dos autos.
A) Os factos considerados na decisão recorrida (transcrição):
1) - Por acórdão proferido nestes autos em 4/07/2012, transitado em julgado em 10/09/2012, o arguido foi condenado, pela prática, em Novembro e Dezembro de 2011, de oito crimes de roubo, na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período;
2) – Entretanto, o arguido foi condenado por sentenças proferidas:
2.1) - no PCS 1488/13.5PBBRG (decisão transitada em 12/07/2014), na pena de 180 dias de multa à taxa diária de cinco euros, pela prática em 10/07/2013 de um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de dano, pena essa convertida em 120 dias de prisão subsidiária e suspensa na sua execução;
2.2) - no PCS 1541/13.5PBBRG (decisão transitada em 22/05/2014), na pena de 300 dias de multa à taxa diária de cinco euros, pela prática em 23/07/2013 de um crime de ofensa à integridade física simples, pena essa já declarada extinta (art.57º do CP);
2.3) - no P. sumário 104/13.0PFBRG (decisão transitada em 22/09/2014), na pena de 10 meses de prisão suspensa na sua execução por um ano pela prática em 5/11/2013 de um crime de detenção de arma proibida, pena essa já declarada extinta (art.57º do CP);
2.4) - no PCS 1385/14.7PBBRG (decisão transitada em 25/01/2016), na pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período pela prática em 24/06/2014 de um crime de ofensa à integridade física qualificada.
B) O teor da decisão recorrida:
«(…) Em vista destas sucessivas condenações, relativos a factos ocorridos durante o período da suspensão, nomeadamente a 10.7.2013, 23.7.2013, 5.11.2013 e a 24.6.2014, antes de percorridos dois anos sobre o trânsito em julgado da decisão condenatória proferida nos nossos autos, num sucessivo cometimento de cinco crimes ao longo de mais dois anos (um crime de detenção de arma proibida, dois crimes de ofensa à integridade física simples, um crime de dano e um crime de ofensa à integridade física qualificada), logo se infere que as expectativas do tribunal quanto à inflexão da sua postura anterior e conduta se frustraram, sendo que a ameaça de prisão não obstou a que o mesmo continuasse a praticar crimes.
Na verdade, muito embora nas duas decisões onde foram aplicadas penas de prisão tivesse sido decretada a suspensão da execução da pena de prisão, formulando-se o juízo de prognose favorável exigido pelo art. 50.º do Código Penal, o comportamento posteriormente assumido pelo arguido desde a decisão proferida nos autos vem infirmar o juízo formulado nessas condenações.
Se é certo que as finalidades da punição são a reintegração social do delinquente e sobretudo o seu afastamento da prática de futuros crimes, a pena de prisão só deve ser suspensa na sua execução, se o tribunal acreditar que a ameaça da pena de prisão, ainda que sujeita a determinadas condições, o irá afastar da prática de novos crimes.
Ora no caso concreto, o que aconteceu foi precisamente o contrário, ou seja, o arguido foi indiferente às exigências formais decorrentes da lei e voltou a cometer vários crimes dolosos pelos quais foi condenado. Tal conduta demonstrou a total ineficácia da suspensão decretada nos nossos autos.
A decisão de suspender a pena de prisão assentou numa prognose social favorável ao arguido ou seja, a esperança de que este sentiria a sua condenação como uma advertência e que não cometeria no futuro nenhum crime.
Porém, o Tribunal falhou nessa prognose, como o demonstrou a descrita conduta posterior.
(…) Embora o arguido não tenha sido pessoalmente ouvido no Tribunal, nos termos do art. 495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, foi notificado pessoalmente para exercer o contraditório, nada requerendo ou informado nos autos, nem por meio do seu DO, também ele expressamente notificado para este efeito.
Tais circunstâncias aliadas ao facto de as referidas condenações abarcarem diversos tipos de crime, resultando violados vários bens jurídicos, levam-nos a concluir pelo fracasso da suspensão.
Assim, vista a conduta do arguido e o seu silêncio ante a notificação do Tribunal, ao dar-lhe a conhecer a posição do MP, que solicitava a revogação daquela pena suspensa, sem que tal despoletasse qualquer reacção da sua parte, temos de concluir que o mesmo incumpriu os deveres que a nossa suspensão lhe impunha, frustrando as finalidades que estiveram na sua base, e assim infirmando o anterior juízo de prognose favorável que esteve subjacente à decisão da suspensão.».
C) Os factos e as ocorrências processuais que se extraem da tramitação dos autos:
1) - O arguido, nascido em 15/02/1995, foi condenado, por acórdão proferido nos autos nºs 485/11.OPCBRG, em 28/05/2012, transitado em julgado em 18/06/2012, pela prática, em 11/05/2011, de um crime de furto qualificado e dois crimes de roubo, na pena única de um ano e nove meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período (fls. 1449 v.)
2) - Em 8/06/2016 (fls. 1546 e ss), foi emitido parecer pelo Ministério Público, pugnando pela revogação da suspensão da execução da pena que havia sido imposta ao arguido.
3) Esse parecer foi notificado ao arguido, pessoalmente, em 24/06/2016 (fls. 1554), e através de carta remetida à sua Ilustre Defensora, em 15/06/2016 (fls. 1550).
4) Em 4/03/2016 havia sido junto aos autos (fls. 1442-1444) o “Relatório de Execução (Suspensão da Execução da Pena)”, com o seguinte conteúdo:
«Em Setembro de 2015, Fernando J. iniciou funções num espaço de restauração no centro comercial …, situação que tem contribuído para uma maior estabilização pessoal e alguma autonomização financeira. Mantém igualmente uma relação de namoro com uma jovem trabalhadora, o que parece ter contribuído para uma alteração de rotinas por parte de Fernando J.. Atualmente vivencia um quotidiano muito centrado na namorada, na permanência em casa e no exercício laboral, apesar de, paralelamente, manter uma inscrição junto do IEFP e ainda ter efetuado candidaturas para eventual emprego junto de fábricas e outros espaços de restauração. Fernando J. deixou de viver com a mãe há cerca de dois meses e reside com a namorada.
Durante o período a que se reporta o presente acompanhamento, o probando cumpriu duas prestações de trabalho a favor da comunidade, com avaliação positiva por parte desta entidade beneficiária do trabalho.
Fernando J. não recorre ao Departamento de Psiquiatria desde há cerca de um ano, porque não se tem sentido ansioso ou agitado. Conforme refere, não acompanha pares relacionados com atividades ilícitas, e os seus tempos livres são passados junto da namorada. Dos contactos efetuados junto da nova área de residência, nada de relevante nos foi referido relativamente à sua inserção social. Não há registos de novos incidentes jurídico-penais.
Face ao descrito, parece-nos que Fernando J. cumpriu com as obrigações e regras de conduta que estiveram na base do Plano de Reinserção Social elaborado, não obstante a existência do referido processo pendente de resolução.».
*
1. A nulidade decorrente da não audição presencial do arguido.
Defende o recorrente que não foi assegurado o contraditório (art. 61º, nº 1, al. b) do CPP).
A norma do art. 495º, nº 2, do CPP, prescreve que «O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente».
Por seu turno, também o art. 61º, nº 1, b), do mesmo código impõe que o arguido seja ouvido pelo tribunal sempre que deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.
Trata-se de assegurar o princípio do contraditório e da audição prévia, segundo o qual assiste ao arguido o direito de contestar e impugnar não só os factos iniciais já conhecidos mas quaisquer outros que surjam e que o tribunal pretenda levar em consideração, de modo a que não seja proferida qualquer decisão surpresa contra o mesmo, por factos dos quais não teve oportunidade de se defender.
Tais princípios têm acolhimento constitucional como decorre da segunda parte do nº 5 do art. 32º da Constituição da República, que assegura, o direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efectiva no desenvolvimento do processo.
E, particularmente no que respeita ao arguido, estão em causa as «garantias de defesa» a que alude o nº 1 do mesmo art. 32º. Perante os direitos fundamentais, o processo penal mostra-se orientado, neste domínio, para a defesa, não indiferente ou neutral. O contraditório funciona, assim, como instrumento de garantia desses direitos e corrige assimetrias processuais susceptíveis de pôr em causa o estatuto jurídico do arguido moldado pelo sistema garantístico constitucionalmente exigido, como sistematicamente vem afirmando o Tribunal Constitucional.
Com efeito, a amplitude de exigência do exercício do direito de contraditório e a conformação concreta da garantia das possibilidades efectivas para a defesa e pronúncia do arguido, não poderão deixar de corresponder proporcionalmente ao particular relevo e à importância do objecto de uma decisão que constitui autentico «desenvolvimento» ou «prolongamento» da sentença e de onde pode resultar o cumprimento de uma pena de prisão.
Consequentemente, uma interpretação das normas constantes dos citados comandos da lei de processo, à luz dos princípios constitucionais do contraditório e do processo leal e equitativo, em princípio, pressupõe a exigência de uma participação presencial e eficaz do arguido. Ao mesmo tempo, a eficácia dessa participação tem como condição indispensável que seja dado prévio conhecimento ao arguido dos argumentos invocados e dos meios de prova apresentados pelo Ministério Público.
Por isso, os tribunais superiores têm entendido que qualquer decisão que diga respeito ao arguido – o que inclui, naturalmente, a da revogação da suspensão da execução da pena – deve ser precedida da sua audição prévia e tem enquadrado a preterição dessa formalidade como nulidade insanável, prevista no art. 119º, al. c) do CPP, e, por conseguinte, de conhecimento oficioso pelo tribunal enquanto a decisão que lhe sucedeu não transitar em julgado ( V. Acs. da RL de 9/7/2014, de 1/3/2005 (CJ, 2º/123) e de 10/2/2004, da RE de 30/9/2014 e de 18/1/2005 e da RP de 4/3/2009. O citado Ac. da RE de 30/9/2014 acrescentou: «Tanto do ponto de vista gramatical, como sistemático e teleológico, não há nenhuma razão para que a referência do art. 119.º do CPP a qualquer fase do procedimento deva ser entendida como reportando-se unicamente às fases preliminares (inquérito e instrução) e à fase de julgamento do processo penal. Antes, abrange igualmente as nulidades insanáveis verificadas na fase de execução do processo penal, nomeadamente as respeitantes às normas do CPP que disciplinam a execução das penas não privativas da liberdade.». Realmente, não seria compaginável com os invocados princípios constitucionais o entendimento segundo a qual a falta de garantia do contraditório constitui uma mera irregularidade processual, sanável se não tiver sido suscitada pelo arguido no prazo de três dias após a notificação do despacho.).
Todavia, em conformidade com tal interpretação, nem sempre essa audição prévia se terá de concretizar em auto de declarações (art. 495º, nº 2, do CPP), para se ter por devidamente assegurado o contraditório, nos termos legalmente impostos. Tudo depende dos particulares contornos de cada caso.
A suspensão da execução da pena de prisão pode ser decretada incondicionadamente, mas também o pode ser subordinadamente a: cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime (art. 51º, do CP); imposição ao condenado de regras de conduta de conteúdo positivo, susceptíveis de fiscalização e destinadas a promover a reintegração do mesmo na sociedade (art. 52º, do CP); acompanhamento de regime de prova, se o tribunal o considerar adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade (art. 53º, do CP).
A destrinça entre as diversas condicionantes da suspensão releva para os efeitos, mais ou menos gravosos, que advêm da respectiva não verificação posterior. Assim, pode/deve o tribunal adoptar qualquer das medidas previstas nas alíneas a) a d) do art. 55º, do CP ( a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano da reinserção; d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º.), se durante o período da suspensão o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, enquanto, nos termos do subsequente art. 56º, a suspensão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos no plano de reinserção social; ou b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
E, após a alteração ao art. 495º, nº 2, do CPP (decorrente da Lei 48/07, de 29/8), a audição presencial do condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, «na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão», é obrigatória antes de ser proferido despacho sobre as consequências do incumprimento de tais condições.
Como é sabido, diferentemente do que sucedia até à revisão do Código Penal de 1995, actualmente, «o acento tónico passou a estar colocado, não no cometimento de crime (doloso) durante o período da suspensão da prisão e na correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento do segundo crime e respectiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para prosseguir as finalidades da punição» ( Ac. da RE de 25-09-2012 (413/04.9GEPTM.E1 - Ana Barata Brito).). Nessa medida, a revogação da suspensão da pena como decorrência do cometimento, no decurso do período de suspensão, de novo crime deixou de ser uma mera formalidade, antes impõe a avaliação sobre se a condenação pela prática desse novo crime implica a revogação da suspensão porque essa prática pusera em causa, definitivamente, o juízo de prognose que esteve na sua base, ou seja, o de que, através da suspensão, o arguido se manteria afastado da criminalidade: em função das conclusões obtidas na apreciação judicial das circunstâncias em que ocorreu o cometimento do novo crime se decidirá do benefício ou inconveniente da revogação, em conformidade com as finalidades consagradas no art. 40º, nº 1, do CP: «a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade». «Se estes são os requisitos materiais da revogação, no plano processual impõe-se a prévia realização das diligências que se revelem úteis para a decisão, avultando entre as possíveis, a audição do condenado. Só através dessa averiguação se poderá concluir com segurança pela eficácia ou ineficácia da manutenção da suspensão, pré-ordenada às finalidades visadas pela pena suspensa, sendo certo que tratando-se de motivações de ordem subjectiva ninguém melhor do que o condenado estará em condições de explicar as razões do incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostas ou do plano de readaptação, ou mesmo as razões que conduziram ao cometimento de novo crime no período da suspensão. É esta, aliás, a finalidade por excelência do direito que reconhecidamente assiste ao condenado, de ser ouvido antes da decisão de revogação: permitir-lhe fornecer uma explicação que de alguma forma contribua para reduzir ou afastar o impacto negativo do incumprimento em que incorreu ou da nova actuação criminosa, em ordem a convencer o tribunal da subsistência das expectativas em si depositadas e que justificaram a suspensão da execução da pena.» ( Ac. da RC de 12-05-2010 (1803/05.5PTAVR.C1 - Jorge Jacob).).
No caso dos autos, a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao arguido foi subordinada às duas últimas das condições acima referidas – regras de conduta (acompanhamento de pedopsiquiatria e formação) e acompanhamento com regime de prova –, e daí que, à partida, não se mostrava efectivamente afastado o regime do citado art. 56º, nº 1, al. a) e, se este viesse a ser aplicado, do trâmite processual imposto pelo citado art. 495º, nº 2.
Porém, o certo é que a decisão de revogação de tal suspensão, censurada no recurso, nada teve a ver com a infracção (grosseira ou repetida) dos deveres ou regras de conduta impostos no plano de reinserção social concernente a tal regime [art. 56º, nº 1, al. a)]. Com efeito, o Tribunal de 1ª instância fundamentou essa sua decisão, exclusivamente, nas novas condenações relativas a factos ocorridos durante o período da suspensão» [art. 56º, nº 1, al. b)].
Ou seja, na linha da fundamentação perfilhada em tal decisão, estaria apenas em questão a averiguação de elementos que pudessem indicar que o arguido revelara «que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas».
Como se disse, impor-se-ia, naturalmente, que essa avaliação fosse precedida da realização das diligências que se revelassem úteis para averiguar das razões que conduziram ao cometimento de novos crimes no período da suspensão, entre as quais a obrigatória (e efectuada) audição do arguido e, designadamente, a junção aos autos do relatório referente ao acompanhamento do regime de prova, o que, no caso até foi feito, embora o seu conteúdo não tenha sido ponderado, pelo menos explicitamente, na decisão recorrida.
E, no caso, a tomada de declarações ao arguido, se se revelasse útil para a decisão, até poderia ser feita, a par de outras diligências, embora não se impusesse, necessariamente, enquanto “audição” do mesmo. Realmente, tem entendido a jurisprudência dos tribunais superiores que, como, imediatamente, inculca o próprio teor do citado art. 495º, nº 2 ( «O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão».), «Estando em causa o fundamento de revogação previsto no artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do CP, o contraditório é plenamente assegurado através de notificação, para o efeito, do condenado. Como claramente resulta do disposto no artigo 495.º do Código de Processo Penal, a necessidade de audição pessoal do condenado apenas é legalmente imposta quando esteja em causa a revogação da suspensão com fundamento na falta de cumprimento das condições da referida pena de substituição.» (Ac. da RC de 4-11-2015 ( P. 9/05.8GALSA.C1 - Pilar de Oliveira.)). Portanto, o trâmite processual previsto nesse art. 495º, a título obrigatório, «restringe-se à falta de cumprimento das condições de suspensão da execução da pena de prisão, sendo, por isso, inaplicável aos casos em que o agente cometeu, no decurso da suspensão, novo crime, pelo qual foi condenado» ( RC de 30-10-2013 (707/08.4PBAVR.C1 - Elisa Sales).), i. é., «circunscreve-se aos casos de suspensão da execução da pena acompanhada da imposição de quaisquer condições cuja observância deva ser apoiada e fiscalizada pelos serviços de reinserção social. Não obstante, o tribunal pode determinar a audiência presencial quando considerar que se mostra necessária, ainda que se trate do fundamento previsto na al. b) do n.º 1 do art. 56.º do CP.» ( Ac. da RC de de 2/4/2014 (883/07.3TACBR.C1 – Isabel Valongo). No mesmo sentido, entre outros: Acs. da RC de 7-04-2016 (26/14.7GCTND.C1 - Orlando Gonçalves) e de 20-06-2012, p. 56/05.0GCPBL.C1, Jorge Jacob («essa audição só tem que ser presencial quando a suspensão tenha sido subordinada a condições sujeitas a apoio e/ou fiscalização dos serviços de reinserção social»); Ac. da RP de 30-05-2012 (135/04.0IDAVR-B.C1.P1 – Deolinda Dionísio); Ac. da RL de 28-02-2012 (565/04.8TAOER.L1-5 - Neto de Moura); Ac. da RL de 29-11-2011 (434/05.4GTCSC.L1-5 - Filomena Clemente Lima).).
Diferente é a questão suscitada no recurso e que merece uma resposta negativa, porquanto resulta à saciedade que foi proporcionada ao recorrente, como condenado, a ocasião para se pronunciar sobre a possibilidade de revogação da suspensão da pena que lhe havia sido imposta e, designadamente, do teor do parecer do Ministério Público nesse sentido, o que exprime a satisfação dos enunciados dispositivos legais e dos referidos princípios neles plasmados: o arguido teve a oportunidade de apresentar os seus argumentos e requerer a produção de meios de prova, pelo que não foram postergados os seus direitos de defesa, na dimensão dos princípios do contraditório e da audição do mesmo, a que se vem aludindo.

Improcede, pois, a arguição de tal nulidade.

2. Os pressupostos da revogação da suspensão.
Segundo o recorrente, a decisão recorrida não aprecia todos os factos e circunstâncias susceptíveis de suportar a especial exigência da indagação sobre se as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena nos presentes autos já se mostram definitivamente postergadas, não tendo ponderado, designadamente, o teor do “Relatório Final de Execução” (Suspensão da Execução da Pena) e que nas sentenças proferidas sobre as posteriores condenações, apesar de já ter considerado a condenação dos presentes autos, foi emitido um juízo de prognose favorável, subjacente à substituição de penas de prisão.
Constatando que a decisão recorrida se fundamenta, unicamente, no cometimento de novos crimes no decurso do período de suspensão, para afirmar que a condenação do arguido por tais crimes demonstra indiferença pela adopção de tal medida nestes autos, concordamos, nesta vertente, com o essencial do argumentário com que o recorrente contrapõe que se averigue se os elementos fornecidos pelo processo revelam a possibilidade de manutenção ou não do juízo de prognose favorável relativo ao seu comportamento, no futuro.
Como vimos, a revisão do C. Penal de 1995 – com o já sublinhado segmento final do art. 56º, nº 1, b) – pôs termo à revogação, ope legis, da suspensão como efeito automático da prática de um novo crime doloso no período dessa suspensão, pelo qual o agente viesse a ser punido com pena de prisão ( «A suspensão será sempre revogada se, durante o respectivo período, o condenado cometer crime doloso por que venha a ser punido com pena de prisão» (art. 51º do CP de 1982).), delimitando-a aos casos em que esse facto imponha a conclusão de que se frustrou o juízo de prognose que havia fundamentado a suspensão, a ponderar, ainda e de novo, à luz dos fins das penas, tal como deve suceder com o incumprimento, em geral, de obrigações ou deveres impostos ao condenado como condições da suspensão da execução da pena de prisão ( «A violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, de que se fala na alínea a), do n.º 1, do artigo 56º, do Código Penal, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada; só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação. Importa no entanto salientar que a infracção grosseira dos deveres que são impostos ao arguido não exige nem pressupõe necessariamente um comportamento doloso, bastando a infracção que seja o resultado de um comportamento censurável de descuido ou leviandade.» (Ac. da RC de 17/10/2012 (91/07.3IDCBR.C1 - Correia Pinto). ): «A condenação pela prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena só implica a revogação da suspensão se a prática desse crime infirmar definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão. A revogação da suspensão deverá ser excluída, em princípio, se na nova condenação tiver sido renovado esse juízo de prognose favorável, com o decretamento da suspensão da pena da nova condenação. A escolha de uma pena de multa na nova condenação é, igualmente, um elemento que contra-indica a solução da revogação da suspensão.» ( Ac. da RP de 02-12-2009 (425/06.8PTPRT.P1 - Jorge Gonçalves).).
«No actual regime não basta afirmar as condenações sofridas pelo agente para se concluir pela infirmação do juízo de prognose favorável determinante da suspensão da pena. Fosse assim e estaríamos a regressar enviesadamente ao regime inicial do Código de 1982.» ( Ac. da RC de 12-05-2010 (1803/05.5PTAVR.C1 - Jorge Jacob). No mesmo sentido, o Ac. da RC de 11-09-2013 (20/10.7GCALD-B.C1 - Brízida Martins).).
«A condenação por crime cometido no período da suspensão da execução da pena de prisão não dita, por si só, a imediata revogação da pena de substituição, sendo antes o juízo sobre a possibilidade de ainda serem alcançadas, em liberdade, as finalidades da punição que norteará a escolha dos regimes do art. 55º ou do art. 56º do Código Penal. (…) Tendencialmente, será a condenação em pena efectiva de prisão a reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas.» ( Ac. da RE de 25-09-2012 já citado.).
De harmonia com o art. 40º, nº 1, do C. Penal, a aplicação das penas visa, a par da protecção de bens jurídicos, a reintegração do agente na sociedade ( Portanto, são visadas finalidades de prevenção geral e especial, não de compensação da culpa ou de retribuição do mal causado (neste sentido, Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, p. 331).). Assim, também a revogação da suspensão da pena, na sequência do cometimento de novo(s) crime(s) no período da suspensão, suscita a necessidade de uma apreciação judicial sobre a personalidade e condições de vida do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao crime e o circunstancialismo que envolveu o cometimento pelo mesmo do(s) novo(s) crime(s), à luz dos fins das penas e, ainda, dos critérios consagrados no art. 50º, nº 1, do CP, por força dos quais a prática de um crime durante o período de suspensão da execução da pena de prisão só deve constituir fundamento de revogação desta, quando essa prática, tendo em conta o tipo e a gravidade penal do novo crime, as condições em que foi cometido, entre outras circunstâncias, revele, em concreto, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo concluir-se, por isso, que se frustraram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão, ou se, pelo contrário, apesar da prática do novo crime, subsistem ainda fundadas expectativas de ressocialização em liberdade.
Tendo em conta o expendido, ponderemos, pois, a concreta situação dos autos.
O arguido tinha apenas 16 quando praticou os factos por que foi condenado neste processo (em 4/07/2012) na pena única de três anos e quatro meses de prisão, como autor de oito crimes de roubo, suspensa na sua execução pelo mesmo período, com regime de prova e na condição de retomar o acompanhamento nas consultas de pedopsiquiatria e de se inscrever e frequentar no ano lectivo seguinte um curso de formação profissional ou o 6º ano de escolaridade, ou curso que a tal desse equivalência.
Posteriormente, enquanto tinha 18 e 19 anos de idade, o mesmo voltou a cometer, em 10/07/2013, 23/07/2013, 5/11/2013 e 24/06/2014, respectivamente, um crime de ofensa à integridade física e um crime de dano, um crime de ofensa à integridade física, um crime de detenção de arma proibida e um crime de ofensa à integridade física qualificada, pelos quais foi condenado nas penas de, também respectivamente, 120 dias de prisão subsidiária e suspensa na sua execução, 300 dias de multa, 10 meses de prisão suspensa e 18 meses de prisão suspensa na sua execução.
Assim, não há como iludir o intenso abalo que o arguido, na sua livre autodeterminação, provocou à confiança, nele depositada nestes autos, de que a ameaça da pena de prisão imposta, ainda que sujeita a determinadas condições, o iria afastar da prática de novos crimes. Ele próprio o reconhece no seu recurso (conclusão XXXIV).
Todavia, também não pode omitir-se que o mesmo, que completará, brevemente, 22 anos de idade, encetou, desde há algum tempo, uma significativa ruptura com esse seu percurso disruptivo, reunindo, actualmente, algumas condições que poderão garantir a sua recuperação como elemento socialmente válido, com muito maior segurança do que qualquer solução que o próprio sistema penal lhe possa oferecer.
Assim, desde Setembro de 2015, o arguido exerce funções num espaço de restauração e busca uma maior segurança na sua inserção no mundo do trabalho, porquanto, paralelamente, mantém uma inscrição junto do IEFP e tem efetuado candidaturas para eventual emprego junto de fábricas e outros espaços de restauração. Simultaneamente, mantém uma relação de namoro com uma jovem trabalhadora, com cuja família de origem habita. O que, como seria de esperar, contribuiu para uma alteração das suas rotinas, desde logo porque o arguido passa agora junto da namorada os seus tempos livres, estando muito centrado na permanência em casa e no exercício laboral.
Por conseguinte, as indicações fornecidas pelo processo apontam, com solidez, não apenas para uma autonomização financeira do arguido – o que, por si só já não seria despiciendo – como, sobretudo, para uma sua maior estabilização pessoal e psicológica. Aí residirá, por certo, a explicação para o facto de o arguido, porque não se tem sentido ansioso ou agitado, ter deixado de recorrer ao departamento de psiquiatria, necessidade que – relembre-se – havia sido detectada pelos Exmos. Julgadores que adoptaram as medidas impostas nestes autos. Acresce que, para além de não registar novos incidentes jurídico-penais, durante o período a que se reporta o acompanhamento feito pela equipa da DGRSP, o arguido cumpriu duas prestações de trabalho a favor da comunidade, com avaliação positiva por parte da entidade beneficiária do trabalho e nada de relevante é referido relativamente à sua inserção social, junto da nova área de residência.
Face ao descrito, actualmente, a equipa da DGRSP responsável pelo seu acompanhamento assevera a estabilidade das condições objetivas da sua vida e avalia positivamente o seu cumprimento das obrigações e regras de conduta que estiveram na base do Plano de Reinserção Social, o que é muito muito relevante para o que ora nos ocupa.
Tudo isto para concluir que o actual comportamento do arguido indicia que não estão completamente delidas as expectativas de que o mesmo passe a demonstrar motivação para adotar um estilo de vida normativo, mantendo-se profissionalmente activo, e passe a adoptar, definitivamente, outro estilo de vida, relegando para o passado o percurso criminal que justificou as enunciadas condenações, ainda que se deva vincar que todas estas – com especial realce para a última (por factos cometidos em 24/06/2014) – foram estribadas em juízos de prognose favorável à sua ressocialização em liberdade, com os quais a avaliação feita na decisão recorrida não é nada coerente ( Como é evidente, o juiz não está vinculado a uma anterior decisão judicial, fora dos casos em que tal se imponha para acatar o decidido pelos tribunais superiores ou a jurisprudência uniformizada. Contudo, como tem sido vincado pelo STJ, a justiça também tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade (neste sentido, o Acórdão de 31/1/2012, p. 875/05.7TBILH.C1.S1, Nuno Cameira), sendo no âmbito da responsabilidade penal que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição, devendo, para tanto, ter-se em consideração «todos os casos que mereçam tratamento análogo», exigência colocada pelo art. 8º nº 3 do CC («Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito»).).
Com efeito, deparamos, agora, com um significativo esforço de mudança na vida do arguido e temos a convicção de que essa inversão no seu percurso comportamental não só apenas em liberdade se pode consolidar, como seria comprometida, porventura, irremediavelmente, pelo cumprimento da pena imposta nestes autos. Assim sendo, entendemos que os factos apurados não justificam um definitivo juízo sobre a sua desconformidade ético-social e não permitem afirmar o afastamento do juízo de prognose que lhe foi favorável e, por consequência, a necessidade de cumprimento efectivo da pena de prisão, à semelhança, aliás, como já dissemos, do que foi feito na última condenação, em que, ponderada a condenação imposta nestes autos, também esteve subjacente um juízo de prognose favorável à ressocialização do arguido em liberdade ( Cfr. o já citado Ac. da RC de 7-04-2016: «Se o Tribunal da segunda condenação entendeu ser suficiente suspender a pena, sem imposições, seria mais correto agora o Tribunal a quo, em vez de revogar a suspensão da pena, ter decidido prorrogar a suspensão da mesma, com a imposição de outras medidas, sujeitando-se o arguido a acompanhamento junto da Equipa de Reinserção Social. A doutrina maioritária continua a defender, quanto à revogação da suspensão da pena no caso da nova condenação, que só a condenação em pena efetiva é fundamento de revogação da suspensão, pois que a condenação numa pena de multa ou numa pena de substituição, como a pena suspensa, mostram que o Tribunal da nova condenação fez ainda um juízo de prognose favorável ao arguido.». Ou o acórdão da mesma Relação de 10/7/2013 (862/11.6PEAVR.C1 - Cacilda Sena): «Se apesar da primeira condenação - pela prática de um crime de furto qualificado, em pena de prisão declarada suspensa na sua execução -, o tribunal que, em seguida, tendo por base novo crime de furto, emite, de igual modo, um prognóstico favorável que o conduz à suspensão, revela-se incongruente a revogação da suspensão ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 56.º do CP». E, ainda, o de 28-03-2012 (29/09.3GAAVZ-A.C1 - Olga Maurício): «Se na última condenação foi de novo feito um juízo de prognose favorável e, por via disso, voltou a suspender-se a execução pena de prisão, é contraindicado proceder-se à revogação daquela suspensão.».).
Tudo ponderado, concluímos que, apesar da prática dos novos crimes, subsistem ainda fundadas expectativas de ressocialização do arguido em liberdade, não se tendo frustrado, por ora, os motivos da concessão da suspensão decretada nestes autos, por acreditarmos que a ameaça da pena de prisão, ainda que sujeita às já definidas condições, o irá afastar da prática de novos crimes. É certo que o recorrente, efectivamente, incumpriu os deveres decorrentes da suspensão da execução da pena, concretamente e principalmente o de exibir um estilo de vida normativo, ou seja, cumprir as normas vigentes, e, portanto, não praticar ilícitos criminais. Contudo, entende-se que esse incumprimento não configura, ainda, uma impossibilidade de alcançar as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena, mas justifica, ao abrigo dos arts. 55º d) e 57º nº 2 do C. Penal, a prorrogação do respectivo período por mais 20 meses, por isso, até 9/09/2017 ( Nos termos do disposto no art. 57º, nº 2, do C. Penal, nada obsta à prorrogação, apesar de, entretanto, o período inicial da suspensão ter decorrido, uma vez que se encontrava pendente o presente incidente, que só agora finda, por falta de cumprimento (crimes que poderiam determinar a sua revogação), sendo certo que, atendendo a que se trata de uma prorrogação, esta, computando-se a partir do momento em que se completaria o prazo inicial (9/01/2016), terá efeitos até 9/09/2017.), mantendo-se a obrigação de sujeição ao acompanhamento por parte da DGRSP.

Procede, pois, o recurso quanto a esta questão.


Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso e, por consequência, revogar a decisão recorrida e manter a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos ao arguido, mediante a prorrogação do respectivo período até 9/09/2017, com o regime de prova inicialmente determinado e a sujeição ao acompanhamento por parte da DGRSP.

Guimarães, 23/01/2017

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado (com voto de vencida)
(Votei vencida, por entender que o condenado tem de ser presencialmente ouvido em todos os casos que possa estar em causa a revogação da suspensão da execução da pena, mesmo quando essa causa se circunscreve ao cometimento de outro crime no período da suspensão, constituindo a sua preterição uma nulidade insanável, prevista no artigo 119.º, al. c) do Código de Processo Penal.
A revogação da suspensão da execução da pena de prisão, que nunca é consequência automática da conduta do condenado, representa uma real modificação do conteúdo decisório da sentença condenatória, devendo por isso ser posta ao mesmo nível desta no que respeita ao exercício do contraditório no seu grau máximo, que passa pela audição presencial do arguido (a não ser nos casos em que a audição não seja possível por motivo que lhe é imputável).
Só dessa forma se efetiva o direito de defesa consagrado no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, já que também nos casos em que foi cometido um crime no período da suspensão, o artigo 56.º, n.º 1, al. b) do Código Penal impõe que se indague se as finalidades que estavam na base da suspensão ficaram irremediavelmente comprometidas pelo cometimento desse novo crime.
Aliás, nem se compreenderia que quando estivesse unicamente em causa a modificação dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostas fosse obrigatória a audição presencial do condenado e já não o fosse naqueles casos em que pode estar em causa a privação da sua liberdade.
Consequentemente, revogaríamos o despacho recorrido, que deveria ser substituído por outro que determinasse a audição presencial do arguido.)

Fernando Monterroso (Presidente da Secção)