Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2196/13.2TAGMR.G1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: INSUFICIÊNCIA PARA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
OMISSÃO FACTOS RELEVANTES
REENVIO
ARTº 410º Nº 2 AL. A) E 426º Nº 1 DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
Sendo omitida na sentença recorrida, referência à matéria fáctica da contestação apresentada pelo arguido/recorrente, com relevância para a decisão da causa, verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artº 410º, nº 2, al. a), do CPP e, não sendo possível, como sucede no caso dos autos o suprimento de tal vício pelo tribunal da Relação, impõe-se o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artº 426º, 1, do CPP, tendo por objeto a enunciada matéria de facto alegada na contestação e subsequente prolação de decisão em conformidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, n.º 2196/13.2TAGMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Guimarães, J1, foram submetidos a julgamento os arguidos Manuel e X – Serviços de Apoio à Gestão Empresarial, CRL, melhor identificados a fls. 456, estando pronunciados pela prática de um crime de um crime de desvio de subsídio p. e p. pelo artigo 2º, nº. 1 e 37º, nº. 1, ambos do Decreto-Lei nº. 28/84, de 20 de Janeiro e em relação à sociedade arguida, atento o disposto no artigo 3º, nº. 1, do mesmo diploma legal.

No decurso da audiência de discussão e julgamento foi comunicada pelo tribunal, aos arguidos, ao abrigo do disposto no artigo 358º, nºs. 1 e 3, do C.P.P., a eventual alteração de facto e da qualificação jurídica, passando a imputar-se aos arguidos também as penas acessórias previstas nos art. 37.º, n.º4 e 5, 8.º, alínea l) e 19.º, n.º1 e 3, do Decreto-Lei 28/84 de 20 de Janeiro, bem como a seguinte eventual alteração não substancial dos factos descritos na acusação: «5. Por decisão proferida em 02/11/2012, o IEFP aprovou a candidatura da arguida “X – Serviços de Apoio à Gestão Empresarial, CRL” à medida “Estímulo 2012”, no valor de €2490,00 euros, referente à comparticipação da formação de Jorge, durante o período do contrato a termo certo que este celebrou com a arguida, com início a 22/10/2012 e termo 21/04/2013», nada tendo sido requerido pelo arguido, que prescindiu do prazo para defesa.

Foi proferida sentença, em 13/11/2017, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo:

«Assim, em face do exposto, de facto e de Direito, decide-se, julgar a acusação do Ministério Público totalmente procedente, por provada e, em consequência:

a) Condenar a arguida X-Serviços de Apoio à Gestão Empresarial, CRL., pela prática, em autoria material, na forma consumada e, em concurso efectivo, de um crime de desvio de subsídio, previsto e punido nos art. 3.º, n.º1 e 37.º, nºs 1, do Decreto-Lei 28/84 de 20 de Janeiro, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), que perfaz o montante global de € 1.000,00 (mil euros).
b) Condenar o arguido Manuel, pela prática, em autoria material, na forma consumada e, em concurso efectivo, de um crime de desvio de subsídio, previsto e punido no art. 37.º, nºs 1, do Decreto-Lei 28/84 de 20 de Janeiro, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), que perfaz o montante global de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).
c) Aplicar à X-Serviços de Apoio à Gestão Empresarial, CRL a pena acessória de Publicação da sentença condenatória a expensas do agente da infracção, ao abrigo do disposto no art. 37.º, n.º5, 8.º, alínea l) e 19.º, n.º1 e 3, do Decreto-Lei n.º28/84, de 20 de Janeiro.

Custas Criminais

Condena-se os arguidos a pagarem as custas do processo, fixando a taxa de justiça em quatro unidades de conta, cabendo a cada arguido suportar 2 UC, atento o processado, nos termos dos art. 513.º, n.º1 e 514.º, n.º1 do Código de Processo Penal e do art. 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III, do anexo ao D.L. 34/2008 de 26 de Fevereiro.
(…)
Após trânsito publique a presente sentença, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 19.º, n.º1 e 3 do Decreto-Lei n.º28/84, de 20 de Janeiro, a expensas da arguida X-Serviços de Apoio à Gestão Empresarial, CRL

Inconformado com o decidido recorreu o arguido Manuel para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação apresentada as seguintes conclusões:

1. Se o Tribunal omite a apreciação e decisão sobre um facto alegado pela defesa e se esse facto for relevante para a decisão sobre a escolha e determinação da sanção, deixando de o considerar provado ou não provado, então fica a sentença afetada de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410.º, nº 2, alínea a) do Código do Processo penal, o que se verifica no presente caso.
2. Caso assim não se entenda, então configura a omissão do Tribunal uma nulidade por omissão de pronúncia dos artigos 379º n.º 1, alínea c) do CPP, a qual expressamente se argui.
3. Estão incorretamente julgados os factos constantes dos pontos 5, 9, 10, 11 e 12 dos factos provados, com relevo para a decisão da causa elencados na sentença recorrida.
4. Impõem decisão diversa da proferida o depoimento de J. S., e de A. S., nas passagens acima aludidas, bem como a comunicação do IEFP a fls. 147.
5. O subsídio atribuído não se destinava ao pagamento do salário do participante, nem de quaisquer outras despesas com aquele, designadamente com formação profissional.
6. Não existe qualquer normativo legal, regulamentar ou contratual que imponha que O MONTANTE DO APOIO RECEBIDO tenha de ser usado em formação profissional como se extrai da acusação pública e da sentença.
7. Mesmo que se entenda pela legalidade da condenação do Arguido, então sempre se dirá, em consonância com o referido pelo ministério público em audiência, que a pena aplicada deveria ser a da admoestação.
8. Por outro lado, a aplicar pena de multa, entendemos que o quantitativo diário de € 15,00 é manifestamente excessivo, atendendo aos factos provados em 14 a 16.
9. A decisão recorrida violou as normas constantes dos artºs 37º nº 1 do DL 28/84 de 20 de janeiro, 3º a 8º da portaria 45/2012 de 13 de fevereiro.

TERMOS EM QUE, pelo exposto, pelo mérito dos autos e pelo que doutamente será suprido, deve ao presente recurso ser concedido provimento:

decretando-se que a sentença padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a) do Código do Processo penal anulando a decisão recorrida e ordenado o reenvio do processo para nova decisão, antecedida de novo julgamento, conforme disposto no artigo 426º, nº 1, do Código de Processo Penal.

QUANDO ASSIM NÃO SE ENTENDA, declarando-se a nulidade da sentença, nos termos supra expostos

QUANDO ASSIM NÃO SE ENTENDA, alterando-se a decisão de facto sobre factos mencionados nos nºs 5, 9, 10, 11 e 12 da sentença nos termos supra expostos, absolvendo-se consequentemente o Rec.te e, quando assim não se entenda aplicando-se a pena de admoestação, ou quando assim não se entenda, reduzindo-se a pena de multa para montante um, montante diário máximo de €7,00 por dia.

O recurso foi regularmente admitido.

O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, nos termos constantes de fls. 512 a 520, que aqui se dão por reproduzidos, formulando, a final, as seguintes conclusões:

1. A sentença recorrida não faz a indicação sumária das conclusões contidas na contestação apresentada pelo arguido, porém, daí não decorre a nulidade da sentença ou insuficiência para a decisão da matéria de facto.
2. A sentença recorrida não padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, nem de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do mesmo diploma legal.
3. Isto porque, por um lado, todos os factos relevantes para a formulação de uma decisão, constantes quer da acusação pública, quer da contestação, foram discutidos, escrutinados e analisados, fundamentando de forma lógica a condenação do arguido recorrente.
4. Por outro lado, a sentença enumera todos os factos relevantes para a decisão, os quais constam da matéria de facto provada, sendo que, relativamente à alegada falta de tomada de posição relativamente aos factos alegados pelo arguido na contestação, diga-se que estes são diametralmente opostos àqueles que foram considerados provados, na sentença em crise, entendendo-se que não é exigível ao tribunal a transcrição completa e minuciosa de todos os factos alegados que não hajam obtido a mais pequena guarida probatória.
5. A alegação de que o recorrente não tinha poder de direção na arguida X não pode colher, uma vez que, foi o próprio a confessar que, na qualidade de diretor da cooperativa arguida validava os atos praticados por esta, sendo que, nessa medida, conhecia todas as obrigações inerentes à medida “Estímulo 2012”, entre as quais que, como contrapartida da concessão do apoio financeiro concedido pelo IEFP, teria de proporcionar formação ao trabalhador admitido.
6. De igual modo, a alegacão de que o apoio financeiro recebido pela arguida X não tinha um destino especifico também não pode colher, pois da Portaria 45/2012, de 13/02 que regulamenta a medida “Estímulo 2012”, designadamente, dos artigos 1.º e 4.º, n.º 1 resulta que, sobre a entidade empregadora, no caso a aqui arguida X, recai a obrigação de proporcionar formação profissional ao trabalhador, como contrapartida da concessão do apoio financeiro e tal foi, de resto, corroborado pelo próprio IEFP a fls. 147.
7. O trabalhador contratado, Jorge testemunhou dizendo que nenhuma formação lhe foi ministrada, em nenhum momento e a testemunha J. S., diretor executivo da arguida X não foi capaz de demonstrar em que consistiu concretamente a formação profissional do trabalhador, apenas referindo que lhe foi feito um acompanhamento.
8. O Ministério Público não pugnou pela aplicação ao arguido de uma admoestação, apenas tendo verbalizado que tal pena não seria desajustada à concreta situação dos autos; todavia, a pena de multa aplicada ao arguido não foi também ela desajustada, uma vez que corresponde ao mínimo legal (cem dias) e, por outro lado, o seu quantitativo diário fixado nos € 15,00 revela-se proporcional às condições económicas e financeiras do recorrente e seus encargos pessoais, ainda que impondo algum sacrifício ao condenado, respeitando a previsão do artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal.

Nestes termos, deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pelo arguido recorrente e mantida a douta sentença recorrida.

Neste Tribunal da Relação, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, nos termos que constam a fls. 532, aderindo à posição do Ministério Público junto da 1ª instância, concluindo no sentido da procedência de que o recurso não deve merecer provimento.

Foi dado cumprimento ao disposto no nº. 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, tendo o arguido/recorrente exercido o direito de resposta, nos termos que constam a fls. 537 a 540, reiterando, em síntese, o alegado na motivação de recurso e concluindo nos mesmos termos.

Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. Cumpre agora apreciar e decidir:

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Delimitação do objeto do recurso

Em matéria de recursos, o Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito (cfr. artº. 428º do C.P.P.).
As conclusões da motivação recursiva balizam ou delimitam o objeto do recurso (cfr. art.º 412º do C.P.P.), delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Tal não impede o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas als. a), b) e c), do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cfr. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual), bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.

No caso vertente, tendo presentes as considerações que se deixam enunciadas e atentas as conclusões extraídas pelo arguido/recorrente da motivação apresentada, são as seguintes as questões suscitadas:

1ª – Nulidade da sentença por omissão de pronúncia – artigo 379º, nº. 1, al. c), do C.P.P.;
2ª – Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – artigo 410º, nº. 2, al. a), do C.P.P.;
3ª – Impugnação da matéria de facto dada como provada sob os pontos 5 e 9 a 12, por erro de julgamento;
4ª – Aplicação da pena de admoestação;
5ª – Quantitativo da taxa diária da pena de multa.
*
Para que possamos apreciar as questões suscitadas no recurso, importa ter presente o teor da sentença recorrida, nos segmentos, para o efeito, relevantes e que se passam a transcrever:

2.2. Da sentença recorrida

«(…)
II – Fundamentação de Facto

a) Factos Provados

1. O Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I. P. (abreviadamente designado por IEFP), é um instituto público de regime especial, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa, financeira e património próprio.
2. No âmbito das suas atribuições legais de Incentivar a inserção profissional dos diferentes públicos através de medidas específicas, em particular para aqueles com maior risco de exclusão do mercado de emprego, competia ao IEPF, a atribuição dos apoios financeiros regulamentados pela Portaria 42/2012, de 13/02, que criou a medida designada “Estímulo 2012”
3. A medida “Estímulo 2012” consistia na concessão à entidade empregadora de um apoio financeiro à celebração de contrato de trabalho com desempregado inscrito no centro de emprego há pelo menos seis meses consecutivos, com a obrigação de proporcionar formação profissional.
4. O arguido Manuel, na qualidade de diretor da cooperativa “X-Serviços de Apoio à Gestão Empresarial, CRL”, com sede na Praceta …, em Guimarães, e no interesse desta, candidatou-se ao referido financiamento.
5. Por decisão proferida a 02/11/2012, o IEFP aprovou a candidatura da arguida “X-Serviços de Apoio à Gestão Empresarial, CRL” à medida “Estimulo 2012”, no valor de € 2490,00 euros, referente à comparticipação da formação de Jorge, durante o período do contrato a termo certo que este celebrou com a arguida, com início a 22/10/2012 e termo 21/04/2013.
6. Nos termos do art. 7º da Portaria 42/2012, de 13/02, tais montantes seriam pagos em 3 prestações: a 1ª, no mês seguinte à notificação da decisão de aprovação, a 2ª até ao termo do 3º mês do contrato e a 3ª em sede de encerramento de contas, mediante a apresentação do comprovativo da formação ministrada ao trabalhador.
7. O IEFP, no âmbito do referido programa, entregou à sociedade arguida a quantia de € 419,22 euros a 17/12/2012 e € 838,44 euros, a 03/04/2013, no montante total de € 1.257,66 euros.
8. Decorridos os seis meses do contrato de trabalho a termo certo que arguida celebrou com Jorge, o IEFP notificou aquela para juntar, além do mais, o certificado de formação profissional emitido por entidade certificada pela DGERT, não tendo obtido qualquer resposta.
9. Com efeito, o arguido Manuel apesar de ter recebido o montante de € 1.257,66 euros do IEFP e de saber que deveria dar formação profissional a Jorge não o fez, integrando a mesma no giro normal da arguida.
10. O arguido Manuel, em representação e no interesse da arguida “X-Serviços de Apoio à Gestão Empresarial, CRL” organizou o pedido de candidatura à medida “Estimulo 2012” junto do IEFP, recebeu o montante de € 1.257,66 euros e utilizou-a para fins diversos da formação e em proveito da cooperativa.
11. Tinha perfeita consciência de que estava obrigado, como contrapartida do recebimento de tal contrapartida pelo IEFP, a ministrar formação a Jorge nos termos propostos e aceites.
12. Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime.
13. Do Certificado de Registo Criminal das arguidas nada consta.
14. O arguido Manuel é reformado e aufere duas pensões de reforma, no valor global de € 1.660,00.
15. Vive com a esposa, também aposentada que aufere uma pensão no valor de € 1.000,00.
16. O casal suporta duas prestações de créditos pessoais, no valor global de € 900,00.
17. O capital social da arguida é de € 5.000,00.
18. Os arguidos são bem reputados no meio onde estão inseridos, sendo vistos como trabalhadores e honestos.
*
b) Factos não provados

De resto, não se provaram quaisquer outros factos.
*
c) Motivação

No que toca à data, ao local e ao objecto do processo, o Tribunal fundou a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com toda a documentação junta aos autos – designadamente documentos de fls. 115 a 136, 147, 149 a 150, 153, 167 a 173, bem como o depoimento das testemunhas ouvidas, tudo devidamente valorado de acordo com as regras de experiência comum.

O arguido Manuel confessou parcialmente os factos, apenas não tendo assumido ter o poder de decisão quanto aos actos que eram praticados pela cooperativa, apenas os “validando”. Ora, a validação referida pelo arguido mais não era que precisamente decidir em última análise, vincular a cooperativa, o que foi confirmado por todas as testemunha ouvidas, designadamente J. S., Director Executivo da arguida, que esclareceu que cada acto tomado era devidamente explicado ao arguido, que assinava ou não, sendo certo que se não o fizesse, o acto não era praticado. O arguido confirmou que lhe foi explicado o teor da candidatura que nos presentes autos se discute, sabendo em que se traduzia e as obrigações inerentes. Sabia, pois, que tinha de ser ministrada formação ao trabalhador, sob pena de subversão do fito do subsídio

A testemunha Jorge, trabalhador objecto da medida “Estímulo 2012” consignou que nenhuma formação lhe foi ministrada, em nenhum momento, apenas tendo desenvolvido o seu trabalho de acordo com os seus conhecimentos académicos já adquiridos.

A testemunha J. S., por sua vez não conseguiu demonstrar ao tribunal em que consistiu a formação do trabalhador, tendo apenas dito que foi feito um acompanhamento do trabalhador, no entanto, de forma vaga sem que se percebesse em que consistiu concretamente a formação que diz ter sido ministrada e por quem (além de si), razão pela qual se deram por provados os factos constantes da acusação. É que o trabalhador foi conciso e objectivo, seguro e coerente no seu depoimento, logrando convencer o tribunal, ao invés da testemunha Jerónimo, como se disse.

Por último, a testemunha Jerónimo consignou que a formação seria feita na cooperativa pelo que se compreende que o valor atribuído fosse integrado no giro da arguida, no entanto, como nenhuma formação foi ministrada, resulta evidente que foi afecto a fins diversos, não para formação.

Relativamente ao subsídio, conforme resulta do teor dos documentos juntos aos autos o mesmo destina-se a financiar a formação de um trabalhador e não o seu salário, razão pela qual o tribunal procedeu a alteração do facto 5 da acusação, sendo certo que ostenta tratar-se apenas de lapso.

Quanto ao elemento subjectivo dos crimes em questão, o mesmo retira-se da conjugação dos factos provados com as regras da experiência comum (como se foi dizendo), pois qualquer cidadão, que corresponde ao padrão do homem médio, agindo como agiram os arguidos, revela intenção directa de praticar os factos, como efectivamente, o fizeram.

Em sede de condições de vida, designadamente no que concerne à situação económica, social e familiar dos arguidos o Tribunal fez fé nas declarações, pelos mesmos, proferidas, uma vez que as mesmas foram credíveis no que concerne a tais aspectos.

Relativamente aos antecedentes criminais dos arguidos, valeram os seus Certificados de Registo Criminal constantes dos autos.
As testemunhas José e J. F. depuseram sobre a personalidade dos arguidos e sobre a reputação dos mesmos.

Todos os elementos probatórios constantes dos autos foram analisados de uma forma crítica e com recurso a juízos de experiência comum, tendo sido todos articulados e concatenados entre si.
*
III – Fundamentação de Direito

Cumpre proceder ao enquadramento jurídico dos factos provados.

Do Crime de Desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado

Em conformidade com o disposto no artigo 37.º, do Decreto-Lei n.º28/84, de 20 de Janeiro, prática o crime de desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado:

1 - Quem utilizar prestações obtidas a título de subvenção ou subsídio para fins diferentes daqueles a que legalmente se destinam será punido com prisão até 2 anos ou multa não inferior a 100 dias.
2 - Com a mesma pena será punido quem utilizar prestação obtida a título de crédito bonificado para um fim diferente do previsto na linha de crédito determinada pela entidade legalmente competente.
3 - A pena será a de prisão de 6 meses a 6 anos e multa até 200 dias quando os valores ou danos causados forem consideravelmente elevados.
4 - Se os factos previstos neste artigo forem praticados reiteradamente em nome e no interesse de uma pessoa colectiva ou sociedade e o dano não tiver sido espontaneamente reparado, o tribunal ordenará a sua dissolução.
5 - A sentença será publicada.”

De acordo com o disposto no artigo 21.º do mesmo diploma, considera- se subsídio ou subvenção a prestação feita a empresa ou unidade produtiva, à custa de dinheiros públicos, quando tal prestação:

“a) Não seja, pelo menos em parte, acompanhada de contraprestação segundo os termos normais do mercado, ou quando se tratar de prestação inteiramente reembolsável sem exigência de juro ou com juro bonificado; e
b) Deve, pelo menos em parte, destinar-se ao desenvolvimento da economia.”
Assim, o crime de desvio de subsídio exige, como elementos do tipo objectivo de ilícito:
- A obtenção de um subsídio ou subvenção, consistindo estes, nos termos da definição constante do artigo 21.º do referido diploma legal: a) na prestação feita a empresa ou unidade produtiva, à custa de dinheiros públicos, e a essa prestação não corresponder uma contraprestação nos termos normais do mercado, ou, sendo ela reembolsável, não ser onerada com juros ou o for com juro bonificado; b) ser a prestação destinada, pelo menos em parte, ao desenvolvimento da economia com a colaboração e a ajuda das PMEs.
- Terem os beneficiários da subvenção ou subsídio utilizado as prestações obtidas para fins diferentes daqueles a que legalmente se destinam, no caso, fornecer formação ao trabalhador.

O bem jurídico protegido é a economia, mais precisamente, a intervenção do Estado na atribuição de dinheiros públicos. Há uma preocupação do legislador na salvaguarda deste bem jurídico, numa perspectiva de boa gestão dos recursos disponíveis.

O preâmbulo do Decreto-Lei nº 28/84 justifica a criação de ilícitos desta natureza pela gravidade dos seus efeitos e pela necessidade de proteger o interesse da correcta aplicação de dinheiros públicos nas actividades produtivas (alínea l) do nº 6). Também este tipo de ilícito deverá classificar-se como um crime económico. Tutela-se, portanto, a economia: estão em causa "valores, metas, funções ou instituições essenciais à subsistência, funcionamento e desenvolvimento do sistema económico" (Jorge de Figueiredo Dias/Manuel da Costa Andrade, Sobre os crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção e de desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado, RPCC 4 (1994), p. 355). Recordar-se-á a forma difusa como o termo economia se liga ao conjunto das actividades levadas a efeito de forma empresarial e dirigidas tanto à criação ou à produção como à distribuição de bens ou de outras prestações destinadas à satisfação de necessidades humanas. Mas a dificuldade, que assim logo se intui, em qualificar a economia, enquanto tal, como um bem jurídico "não anula a possibilidade de isolar diversos bens jurídicos, de configuração mais ou menos mutável, no âmbito da actividade económica" (Pedro Caeiro, Sobre a natureza dos crimes falenciais, 1996, p. 292). Ora, não será desacertado sustentar que tanto nos casos de fraude como nos de desvio dos fundos obtidos numa actividade subvencionada o bem jurídico protegido se identifica com a liberdade de disposição e planificação da entidade que concede a prestação. Consequentemente, o núcleo do ilícito nos delitos de subvenção reside, também ele, na frustração dos fins de política económica pretendidos com a subvenção.

Por outro lado, se a questão do bem jurídico aqui ganha algum relevo, isso se deve ao facto de se tratar de um conceito teleologicamente implicado na indispensável função crítica da actividade legislativa. A consequência mais importante do critério interpretativo do bem jurídico é a de que será atípica qualquer conduta que, ainda que preenchendo os elementos de um crime, não viola o bem jurídico protegido no caso concreto. (Cf. Bettiol, Diritto penale, PG, 5ª ed., 1962, p. 114; E. Gimbernat Ordeig, Concepto y método de Ia ciencia dei derecho penal, 1999, p. 87).

A incriminação reprime condutas - que a maior parte das vezes "são consideradas quase lícitas por largos sectores da população" - de utilização indevida de uma subvenção pública. Cf. Antonio Pagliaro, Principi di Diritto Penale, Parte speciale, 7ª ed., 1995, p. 93; e Renato Quartarone, La tutela penale della indebita percezione di suvvenzione, in Il Nuovo Diritto, ano LXXVI, Janeiro de 1999.], mas em utilizar prestações obtidas para fins diferentes daqueles a que legalmente se destinam - pelo menos desde que na sua obtenção não tivesse ocorrido fraude, pois então seria esta a prevalecer: "o crime de fraude na obtenção de subsídio e o de desvio não podem coexistir, pelo menos em relação à mesma fatia que foi concedida, não se concebendo um desvio em relação a verbas fraudulentamente obtidas. O próprio desvio será a concretização da fraude, e, por isso, seu elemento constituinte.
A negligência é punível e, conforme expandido supra, o crime consuma-se quando o agente já dispõe ou pode dispor dos fundos.

Nos termos do disposto no art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, “As pessoas colectivas, sociedades e meras associações de facto são responsáveis pelas infracções previstas no presente diploma quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes em seu nome e no interesse colectivo.”
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Face ao exposto, tendo em conta a matéria dada como provada, percute-se estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos deste tipo de crime.
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Inexistem factos susceptíveis de integrarem causas de exclusão da ilicitude e da culpa, pelo que, conclui-se estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime em causa, sendo forçoso concluir que os arguidos praticaram, cada um, um crime de desvio de subsídio, previstos e punidos no art. 37.º, nº 1, do Decreto-Lei 28/84 de 20 de Janeiro.
*
IV – Escolha e Determinação da Medida da Pena

Estando o comportamento dos arguidos devidamente enquadrado, importa agora graduar, dentro da medida abstracta da pena que a estes crimes compete, a pena concreta.
A determinação da medida da pena obedece a 3 fases, que consistem: na determinação da moldura penal (medida legal ou abstracta da pena) aplicável ao caso, na escolha da espécie de pena que efectivamente deve ser imposta, e na determinação da medida judicial ou concreta da pena (vide Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 198).
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (artigo 71º nº1 Código Penal), sendo certo que não se pode ignorar que a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (art. 40º nº2 Código Penal) nem a medida da pena poderá descer a um nível inferior às exigências de prevenção evidenciadas no caso concreto.

Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto comunitariamente suportável da medida da tutela dos bens jurídicos -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências do Crime, páginas 230 e 231).
Estando perante um tipo legal que estatui uma pena compósita alternativa, cumpre escolher a natureza da pena a aplicar.

O crime de fraude na obtenção de subsídio é punido com pena de prisão até 2 anos ou multa não inferior a 100 dias, ao abrigo do disposto no art. 37.º, nºs 1, do Decreto-Lei 28/84 de 20 de Janeiro. Estamos pois perante uma moldura que vai de um mês de prisão até dois anos e, de 100 (cem) a 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, ao arrepio do disposto nos artigos 41.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1, do Código Penal.
No que respeita à sociedade arguida, pessoa colectiva, a moldura fixa-se entre os 100 e os 360 dias de multa, ao abrigo do art. 90.º- B, n.º1 a 3, do Código Penal.

Face ao exposto, a pena aplicável ao arguido terá de se situar dentro das mencionadas molduras.
A primeira consideração a fazer na escolha da medida da pena deve ser a da sua finalidade. O artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, dispõe que “a aplicação das penas (…) visa a protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade.”
A aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (finalidades de prevenção geral e especial), não podendo a medida da pena ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, que fixará o seu limite máximo; a culpa representa o limite inultrapassável da actuação punitiva do Estado, em nome da dignidade essencial do indivíduo (“nulla poena sine culpa”).
As penas são medidas dissuasoras e socializadoras que pressupõem a imputabilidade e culpa do agente do crime.

A prevenção geral terá um perfil de dissuasor (na publicação – prevenção geral negativa ou de intimidação: toda a pena abstracta serve finalidades de prevenção geral de intimidação (ou negativa); a ameaça da pena, como tal, constitui um elemento dissuasor da prática do correspondente crime) e de estabilizador da confiança no sistema jurídico, de confirmação da validade e actualidade da norma incriminatória e consequente tutela confiança da comunidade na sua vigência, restabelecendo-se a paz jurídica que fora abalada pelo crime (na aplicação – prevenção geral positiva ou de integração).

A reintegração social ou prevenção especial será o resultado da execução da pena (prevenção especial positiva ou de integração e, excepcionalmente, prevenção especial negativa, de intimidação ou de segurança).

Dispõe o artigo 70.º do Código Penal que: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

Da conjugação deste preceito com a norma constante do artigo 40.º, supra referida, extrai-se que, quando a pena de multa seja suficiente para alcançar a protecção dos bens jurídicos postos em causa com a prática do crime e a reintegração do agente na sociedade, deve ser esta a pena a aplicar.

Verificamos, in casu, que exigências de prevenção geral neste domínio são prementes, face à reconhecida incidência da evasão que se gera no âmbito da obtenção de subsídios por meio de fraude no panorama nacional e às graves dificuldades que cria ao Estado no pleno cumprimento do objectivo social de apoiar o sistema educativo, ao mesmo tempo que cria desigualdades sociais gritantes entre os sujeitos e as empresas que cumprem e aqueles e aquelas que se furtam ao dever, mostrando-se necessário reafirmar o valor da norma violada.
No presente caso, as necessidades de prevenção especial são médias/baixas no que respeita aos arguidos já que não têm antecedentes criminais e o arguido Manuel se encontra socialmente inserido.
*
Os pressupostos inerentes à teoria dos fins das penas, têm que ser, de forma hábil, transpostos para o campo da responsabilidade das pessoas colectivas estando, todavia, excluída “a priori”, por razões que facilmente se intuem, a possibilidade da aplicação de uma pena de prisão.

Não pode ser formulado relativamente a uma pessoa colectiva um juízo de culpabilidade. A pessoa colectiva exterioriza a sua vontade juridicamente relevante através dos seus órgãos ou agentes não podendo, assim, ser capaz de culpa já que não se pode falar do grau de adesão da sua vontade às consequências e efeitos do facto praticado pois inexiste, quanto a ela, uma verdadeira vontade psicológica, um nexo psicológico entre o facto e a vontade que permite constatar a existência de um nexo de imputação do facto ao agente.

Assim sendo, não se pode dirigir à pessoa jurídica um juízo de censura ético-jurídico por ter agido como agiu, quando podia e devia ter agido de outra forma, pois em bom rigor, não é ela quem age, nem quem decide agir.

Nestes termos, atentos os critérios definidos pelo legislador, nos artigos 41º e 71º do Código Penal, para a determinação da medida concreta da pena, a par das exigências de prevenção geral nas suas dimensões positiva (ou de integração) e negativa (ou de intimidação, contrariando a prática de factos semelhantes àqueles que o preceito incriminador visa obviar), apenas o grau de ilicitude do facto e as condições económicas do agente são susceptíveis de relevarem para a determinação da medida concreta da pena a aplicar à pessoa colectiva.

Assim, entende o Tribunal que uma pena não privativa da liberdade é, ainda, no que concerne ao crime em análise, suficiente para acautelar os bens jurídicos violados, pelo que será aplicada aos arguidos uma pena de multa.
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Para a determinação da concreta medida da pena o tribunal tem que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.
Na determinação da medida da pena atender-se-á especialmente às seguintes circunstâncias, previstas no art. 6.º do Decreto-lei 28/84 de 20 de Janeiro:

a) Ter sido praticada a infracção quando se verifique uma situação de falta ou insuficiência de bens ou serviços para o abastecimento do mercado, incluindo o regime de racionamento, desde que o seu objecto tenha sido algum desses bens ou serviços;
b) Ter sido cometida a infracção no exercício das suas funções ou aproveitando-se desse exercício, por funcionário do Estado ou de qualquer pessoa colectiva pública, ou por gestor, titular dos órgãos de fiscalização ou trabalhador de empresa do sector público ou de empresas em que o Estado tenha uma posição dominante, incluindo empresas públicas, nacionalizadas, de economia mista, com capital maioritário do Estado, concessionários ou dotadas de exclusivo, ou com administração nomeada pelo Estado;
c) Ter a infracção provocado alteração anormal dos preços no mercado;
d) Ter existido conluio, coligação ou aproveitamento desse tipo de associação voluntária para a prática da infracção;
e) Ter o agente poder económico relevante no mercado, determinado, nomeadamente, através de algum dos seguintes índices: tributação pelo grupo A da contribuição industrial, existência ao seu serviço de mais de 400 trabalhadores, ou 600 se o trabalho for por turnos, e posição dominante no mercado do bem ou serviço objecto da infracção;
f) Ter o agente aproveitado o estado de premente carência do adquirente, consumidor ou vendedor, com conhecimento desse estado;
g) Ter a infracção permitido alcançar lucros excessivos ou ter sido praticada com a intenção de os obter;
h) Representar o bem ou serviço, objecto da infracção, parte dominante do volume da facturação bruta total da empresa no ano anterior;
i) Ter o infractor favorecido interesses estrangeiros em detrimento da economia nacional.

Assim, no caso vertente atender-se-á a que (art. 71.º, n.º2):

· O grau de ilicitude é médio, atendendo à gravidade dos factos praticados pelos arguidos e ao sentimento de indiferença pelas normas penais revelado aquando da prática dos factos.
· O modo de execução, sendo que não foi ministrada qualquer formação ao trabalhador.
· Os arguidos agiram com dolo directo, uma vez que tiveram intenção directa de praticar os factos.
· As consequências dos crimes revestem-se de gravidade média, tendo em conta o valor do subsídio indevidamente recebido.
· As exigências de prevenção geral neste domínio são prementes, face à reconhecida incidência da evasão que se gera no âmbito da obtenção de subsídios por meio de fraude no panorama nacional e às graves dificuldades que cria ao Estado no pleno cumprimento do objectivo social de apoiar o sistema educativo, ao mesmo tempo que cria desigualdades sociais gritantes entre os sujeitos e as empresas que cumprem e aqueles e aquelas que se furtam ao dever, mostrando-se necessário reafirmar o valor da norma violada.
· No presente caso, as necessidades de prevenção especial são médias/baixas no que respeita aos arguidos já que não têm antecedentes criminais e o arguido Manuel se encontra socialmente inserido.
*
Tudo ponderado, dentro dos limites balizados pela medida da culpa e, tendo em conta a moldura abstracta actualmente prevista para os crimes em questão, afigura-se adequada às exigências de prevenção geral e especial aplicar aos arguidos uma pena de 100 (cem) dias de multa, pela prática de um crime de desvio de subsídio, pelo qual vêm acusados.
*
No que respeita à pena de multa, o quantitativo diário da pena de multa é fixado pelo Tribunal em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais, único critério que a lei impõe na fixação deste montante diário.

O artigo 47.º, n.º2, do Código Penal dispõe que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €5,00 e €500,00.

Nos termos do art. 90.º- B, n.º5, do Código Penal “Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 100 e (euro) 10 000, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos com os trabalhadores, sendo aplicável o disposto nos n.os 3 a 5 do artigo 47.º”.

No entanto, nos termos do art. 7.º, n.º4 do Decreto-Lei 28/84 de 20 de Janeiro, “Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 1.000$00 e 100.000$00, que o tribunal fixará em função da situação económica e financeira da pessoa colectiva ou equiparada e dos seus encargos.” Esta norma prevalece sobre o regime geral.

Assim, tudo ponderado tendo em conta situação sócio económica dos arguidos, dada como provada, entende-se fixar o quantitativo diário da pena de multa em:

- € 10,00 (dez euros), no que toca à arguida X;
- € 15,00 (quinze euros), no que toca ao arguido Manuel.
(...)»

2.3. Do conhecimento do recurso

Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia – artigo 379º, nº. 1, al. c), do C.P.P. – / Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – artigo 410º, nº. 2, al. a), do C.P.P. –

Invocando que na sentença recorrida não é feita qualquer referência aos factos alegados na contestação e particularmente aos factos vertidos nos pontos 14, 15, 32, 33, 36 e 42, em termos de os considerar provados ou não provados e defendendo tratarem-se de factos relevantes para a decisão da causa, sustenta o arguido/recorrente que a sentença recorrida padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, nº. 2, al. a), do C.P.P., ou, caso assim não se entenda, que enferma de nulidade por omissão de pronúncia, prevista no artigo 379º, nº. 1, al. c), do C.P.P.

O Ministério Público pronuncia-se no sentido da inexistência de qualquer dos invocados vícios, defendendo que todos os factos relevantes para a decisão, constantes quer da acusação quer da contestação, foram escrutinados e analisados, que o Tribunal a quo conheceu de todas as questões essenciais para a decisão e que ao dar como provados os factos elencados na acusação pública, que são contrários aos factos alegados na contestação, necessariamente, estes últimos ficaram prejudicados, sendo desnecessário dá-los como não provados.

Apreciando:

De harmonia com o disposto no artigo 372º, nº. 2, do C.P.P., a fundamentação da sentença consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

No que se refere à indicação dos factos provados e não provados, reportam-se aos factos alegados na acusação (ou na pronúncia), no pedido de indemnização civil e na contestação e os que resultarem da discussão da causa (isto sem prejuízo do disposto nos artigos 358º e 359º do C.P.P.), que sejam relevantes para a decisão a proferir e, mais concretamente, para a resolução das questões elencadas no nº. 2 do artigo 368º do C.P.P. e, no caso de concluir, pela condenação do arguido, para decidir sobre a determinação da espécie e medida da pena a aplicar.

Em conformidade com o que se escreve no Acórdão do STJ de 07/09/2016, proferido no proc. 405/14.0JACBR.C1.S1, acessível no endereço www.dgsi.pt: «É orientação uniforme da jurisprudência do STJ de que a decisão deve conter a enumeração concreta, feita da mesma forma, dos factos provados e não provados, com interesse e relevância para a decisão da causa, sob pena de nulidade, desde que os mesmos sejam essenciais à caracterização do crime em causa e suas circunstâncias, ou relevantes juridicamente com influência na medida da pena, desde que tenham efectivo interesse para a decisão, mas já não no caso de factos inócuos, excrescentes ou irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação e/ou na contestação, ou a matéria de facto já prejudicada pela solução dada a outra.»

Tendo presentes estas considerações e baixando ao caso concreto, analisando a sentença recorrida, verifica-se que em relação aos factos não provados, consignou-se: «b) Factos não provados De resto, não se provaram quaisquer outros factos.»

O Tribunal a quo não enumerou, pois, na fundamentação da sentença, os factos que deu como não provados, tendo usado uma fórmula genérica, da qual resulta que para além dos factos que deu como provados, não se provaram quaisquer outros factos.

Tal como faz notar no Acórdão da RC de 18/05/2011, proferido no proc. 113/09.3GBFVN.C1, acessível no endereço www.dgsi.pt, tem sido entendido que o dever de fundamentação de uma sentença não é compatível com a enumeração dos factos provados e a afirmação como não provados de todos «os restantes factos» constantes da acusação ou da contestação (cfr. Acórdão do STJ de 29/6/1995, in CJ-STJ-III, 2, 254).»

No caso vertente, o arguido/recorrente apresentou contestação, na qual alegou, designadamente, a factualidade que aqui traz à colação, a saber:

- O subsídio não se destinava ao pagamento do salário do participante, nem de quaisquer outras despesas com aquele. (cfr. ponto 14)
- O subsídio se destinou à celebração de um contrato de trabalho com o Participante. (cfr. ponto 15)
- Em 02/05/2014, a X foi notificada para, em 60 dias, restituir o apoio que havia sido concedido. (cfr. ponto 32)
- A X efetuou a restituição dentro do prazo legal. (cfr. ponto 33)
- O arguido não tinha qualquer intervenção na gestão e administração da Cooperativa. (cfr. ponto 36)
- O Diretor Executivo, com plenos poderes de organização e de gestão da Cooperativa X era J. S., no qual era assessorado pela funcionária A. S.. (cfr. ponto 42).
Na sentença recorrida, tal como já referimos, não foi elencado qualquer facto não provado, não sendo feita, nessa sede, sequer, qualquer referência à factualidade da contestação.

Ora, se em relação aos factos alegados na contestação sob os pontos 14, 15, 36 e 42, que se deixaram enunciados supra, considerando que, tal como defende o Ministério Público, resultaram prejudicados, no confronto com outros factos que foram dados como provados na sentença recorrida [sendo que, no concernente aos factos alegados na contestação sob os pontos 14 e 15, tendo em conta a matéria factual dada como provada sob os nºs. 3 e 5; e no atinente aos factos alegados nos pontos 36 e 42, atendendo a que a sua relevância para a decisão da causa estaria dependente da prova dos factos alegados pelo arguido nos pontos 37 a 41 da contestação, constituindo estes a negação dos factos narrados na pronúncia e que foram dados como provados na sentença recorrida sob os nºs. 4, 10, 11 e 12], não tendo, por isso, obrigatoriamente, de constar do elenco dos factos não provados [pese embora, se entenda que com vista a que não restem dúvidas de que a contestação foi devidamente analisada pelo tribunal, seja aconselhável que a menção à não prova dos factos alegados contrários ou que não se compaginam com os que foram dados como provados, seja feita na fundamentação da sentença, no item dos factos não provados], tal posição já não pode merecer acolhimento no tocante aos factos alegados na contestação sob os pontos 32 e 33, que se reportam à restituição pela sociedade arguida X ao IEFP do apoio financeiro concedido.

Tratando-se de factos com relevância para a decisão da causa, designadamente, ao nível da determinação da espécie e da medida da pena, constituindo a reparação do dano uma circunstância atenuante de caráter geral e que poderá levar a ponderar, designadamente, a atenuação especial da pena, nos termos previstos no artigo 72º, nºs 1 e 2, al. c), do Código Penal, o tribunal de julgamento tinha obrigatoriamente de tomar posição expressa sobre esses factos, em termos de os considerar provados ou não provados, o que não fez.
A questão que se coloca é a de saber qual o vício que corresponde à enunciada omissão.

A este propósito, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores vem divergindo, considerando certo setor, que, nesta situação, o vício que se verifica é o da nulidade da sentença, defendendo uns tratar-se da nulidade prevista na al. a) do nº. 1 do artigo 379º, com referência ao nº. 2 do artigo 374º, ambos do C.P.P. (neste sentido, cfr., entre outros, Ac. da RC de 18/05/2011, proc. 113/09.3GBFVN, citado supra) e entendendo outros estar-se perante a omissão de pronúncia, nos termos previstos na al. c) do nº. 1 do artigo 379º (neste sentido, vide, entre outros, Ac. da RG 12/03/2012, proc. 485/10.7GCBRG, Ac. RL de 10/01/2013, proc. 905/05.2JFLSB.L1-9 e Ac. da RE 222/14.8GCSTR.E1, ambos acessíveis no endereço www.dgsi.pt); e perfilhando outra corrente jurisprudencial o entendimento de que o vício que ocorre é o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, nº. 2, al. a), do C.P.P. (neste sentido, cfr., entre outros, Acs. da RG de 01/09/2006, proc. 1311/06-1 e de 02/11/2015, proc. 72/15.3GAFAF.G1 e Ac. da RE de 28/11/2012, proc. 6700/12, todos acessíveis no endereço eletrónico referenciado).

Reportando-nos à sentença sob recurso, pese embora o Tribunal a quo não tivesse procedido à enumeração dos factos não provados, não se bastando a exigência da fundamentação da sentença, nessa parte, com a fórmula genérica que foi exarada: “De resto, não se provaram quaisquer outros factos”, o que poderia conduzir à nulidade da sentença, nos termos previstos no artigo 379º, nº. 1, al. a), com referência ao nº. 2 do artigo 374º, ambos do C.P.P., atendendo a que do teor da aludida fórmula, não resulta que o Tribunal a quo tivesse considerado/apreciado a factualidade alegada na contestação apresentada pelo arguido/recorrente, designadamente, nos pontos 32 e 33, em termos de a dar como não provada e, por outro lado, não constado essa factualidade do elenco dos factos provados, evidencia-se que o tribunal de julgamento omitiu a apreciação e decisão sobre aqueles factos, sendo os mesmos, conforme referimos supra, relevantes para a decisão da causa.

Salvo o devido respeito pela posição contrária, entendemos que a apontada omissão determina que a sentença fique afetada do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, nº. 2, al. a), do C.P.P., não se reconduzindo a situação à omissão de pronúncia nos termos previstos na al. c) do nº. 1 do artigo 379º do C.P.P.
Na verdade, no que concerne à nulidade da sentença decorrente da omissão de pronúncia, prevista na al. c) do nº. 1 do artigo 379º do C.P.P., tal como decorre desse normativo, verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou seja, como escreve o Cons. Oliveira Mendes, in ob. cit., págs. 1132 e 1133, «(…) questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – artigo 608º, nº. 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4º, do CPP. (…)

A falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide, pois, sobre as questões (…), entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão.»

Assim sendo, quando o tribunal de julgamento deixa de apreciar factos alegados pela acusação ou pela defesa ou que resultem da discussão da causa e que relevem para a decisão a proferir, não constituindo esses factos, de per si, uma questão a resolver, tal como se faz notar no Ac. desta Relação de Guimarães, de 02/11/2015, proferido no proc. 2/15.3GAFAF.G1, «não se pode afirmar que o tribunal tenha preterido a tomada de posição sobre questões ou sobre “temas” ou “problemas”, mas sim sobre factos concretos com relevo para a decisão da causa que constituíam o objecto do processo e lhe cabia apurar», sendo certo que como bem se refere no Ac. da R.L. de 29/03/2011, proferido no proc. 288/09.1GBMTJ.L1-5, «os conceitos de facto e questão não são sobreponíveis».

Relativamente ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, tal como se vem referindo em anteriores acórdãos que proferimos, entendemos que ocorre quando os factos provados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou de dispensa da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto, porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda, porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência.

Tendo em conta a abrangência do enunciado vício, tal como escreve o Cons. Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª edição, Almedina, pág. 1274, «A afirmação do vício (…) em causa, importa (…) sempre uma adequada perspectiva do objecto do processo, cujos confins ou limites são fixados pela acusação e (ou) pronúncia quando exista, complementadas pela pertinente defesa. A partir daí, impõe-se o confronto de tal objecto processual com os factos que o tribunal de julgamento em concreto indagou (…), independentemente de os factos indagados terem sido dados como provados ou não provados. Importa, sim, sobretudo, que todos esses factos pertinentes ao objecto do processo tenham sido averiguados em julgamento e obtida a necessária resposta, seja positiva ou negativa. Se se constatar que o tribunal averiguou exaustivamente toda a matéria postulada pela acusação/defesa pertinente – afinal o objecto do processo – ainda que toda ela tenha porventura obtido resposta de «não provado», então – e só então – o vício da insuficiência está afastado. Os factos pertinentes obtiveram resposta do tribunal, a matéria de facto é bastante para a decisão. Já assim não será se o julgamento deixou de dar resposta a um facto essencial postulado pelo referido objecto do processo, isto é, deixou por esgotar o thema probandum. (…).»

É precisamente esta última situação que ocorre no caso vertente, sendo omitida, na sentença recorrida, referência à matéria fáctica da contestação apresentada pelo arguido/recorrente, designadamente, a alegada nos pontos 32 e 33, quer nos factos provados, quer nos factos não provados, tratando-se de matéria factual relevante para a decisão da causa, conforme se concluiu supra.

Enferma, pois, a sentença recorrida do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº. 2, al. a), do C.P.P.), que não podendo, no caso concreto, ser suprido por este Tribunal da Relação, impõe, o reenvio para novo julgamento, nos termos do disposto no artigo 426º, nº. 1, do C.P.P., tendo por objeto a enunciada matéria de facto alegada na contestação e subsequente prolação de decisão, em conformidade.

Nestes termos, procedendo o recurso, quanto a este concreto fundamento, fica prejudicada a apreciação das demais questões que nele são suscitadas.

III – DISPOSITIVO

Nestes termos e pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães, na procedência do recurso interposto pelo arguido Manuel, em:

- Declarar que a sentença recorrida enferma do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e, consequentemente, determinam o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto no artigo 426º, nº. 1, do Código de Processo Penal, restrito à matéria de facto supra enunciada e subsequente prolação de decisão em conformidade.

Sem tributação.

Notifique.
Guimarães, 04 de junho de 2018