Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5901/18.7T8GMR.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
HERANÇA INDIVISA
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Não podem os herdeiros instaurar ação de divisão de coisa comum para dividir prédio que integre a herança;
II- Só após a atribuição dos bens em partilha os herdeiros podem recorrer à ação de divisão de coisa em comum;
III- Sendo a herança indivisa, ela própria, comproprietária (a par de terceiros) de um imóvel e sendo interposta uma ação de divisão de coisa comum de tal imóvel por terceiro, antes da partilha, deverão ser demandados todos os herdeiros, os quais agirão como representantes da herança e não em nome próprio.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) T. S. veio intentar ação especial de divisão de coisa comum contra:

1.A) M. C.;
1.B) M. L.;
1.C) M. P.;
2. M. M.;
3. M. G.;
4. M. I.;
5. F. P.; e
6. F. J.,
onde conclui pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada, devendo cada um dos prédios ser adjudicados no seu todo ou vendido.

Para tanto alega que
- Autora e réus são comproprietários duas casas sitas no Largo … e de uma outra casa sito na Avenida …, nº ., todas na cidade de Guimarães, nas seguintes proporções:
a) 7/56 (1/8) para a autora;
b) 9/56 (1/8 + 2/56) para os 1ºs réus, sem determinação de parte ou direito;
c) 8/56 (1/8 +1/56) para a autora e réus, com exceção da ré 1.A), sem determinação de parte ou direito;
d) 8/56 (1/8 + 1/56) para a ré M. M.;
e) 8/56 (1/8 + 1/56) para o réu M. G.;
f) 8/56 (1/8 + 1/56) para a ré M. I.; e
g) 8/56 (1/8 + 1/56) para o réu F. P..
- Tais prédios encontram-se registados na Conservatória do Registo Predial de …, na proporção de 1/8 para cada, pela inscrição AP. 15 de 1975/05/14, a favor de J. M., J. E., L. A., M. M., M. G., M. I., F. P. e F. J..
- O F. J. vendeu o seu 1/8, na proporção de 2/56 a J. E.; e na proporção de 1/56 a F. P., L. A., M. G., M. I. e M. M..
- O L. A. faleceu em -/04/2007, sucedendo-lhe como único herdeiro o seu pai, M. F., viúvo;
- O M. F. faleceu em -/09/2013, deixando como herdeiros os réus, com exceção da ré 1.A) e J. M., pai da autora;
- O J. M. faleceu em -/01/2015, deixando como única herdeira a autora;
- O J. E. havia falecido em -/08/2008, deixando como herdeiros do 9/56, que titulava à data, os primeiros réus;
- A autora pretende pôr termo à compropriedade, sendo que cada um dos prédios é indivisível em substância, não sendo possível fazer lotes para todos os comproprietários.
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Os requeridos M. M., M. G., M. I., F. P., F. J. e M. L. vieram apresentar requerimento onde referem que, no que respeita aos dois prédios dos autos, os proprietários deles deixaram de ser os indicados na petição inicial, sendo agora outros, embora todos estejam já nos autos, por outro lado, no que respeita ao outro prédio, que era composto por dois edifícios, foi constituído em propriedade horizontal é divisível e foi dividido, tendo todos os comproprietários à exceção da M. M. transmitido os seus direitos ao marido desta, A. B., pelo que fez desaparecer quanto a essas frações o pressuposto principal da ação de divisão de coisa comum.
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Foi proferido o despacho de fls. 67, que, face à alteração superveniente da factualidade alegada, não contestada pela autora, determinou a notificação da requerente para, em 10 dias, apresentar novo requerimento inicial, que foi apresentado a fls. 69, onde alega, em síntese, que autora e réus são comproprietários dos seguintes imóveis urbanos, situados na União de Freguesias de …, … e …, do concelho de Guimarães:
A) Uma loja que constitui a fração autónoma “A”, do inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...-P e descrita na Conservatória sob o nº ... “A” de ...;
B) Um apartamento T4, que constitui a fração autónoma “C” do inscrito na matriz respetiva sob o artigo urbano ...-P e descrita na Conservatória sob o nº ... “C” de ...;
C) Um apartamento T4, que constitui a fração autónoma “E” do inscrito na matriz respetiva sob o artigo urbano ...-P, e descrito na Conservatória sob o nº ... “E” de ...;
D) Uma casa de rés-do-chão, descrita na Conservatória do registo Predial de Guimarães sob o nº .../20170830 (…) e inscrita na matriz sob o artigo …,
Nas seguintes proporções: 7/56 (1/8) para a autora, 9/56 (1/8 + 2/56), para os 1ºs réus, sem determinação de parte ou direito, 8/56 (1/8 +1/56) para a autora e réus, com exceção da ré 1. A), sem determinação de parte ou direito, 8/56 (1/8 + 1/56) para a ré M. M., 8/56 (1/8 + 1/56) para o réu M. G., 8/56 (1/8 + 1/56) para a ré M. I. e 8/56 (1/8 + 1/56) para o réu F. P..
Tais prédios encontram-se registados na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, na proporção de 1/8 para cada, pela inscrição AP. 15 de 1975/05/14, a favor de J. M., J. E., L. A., M. M., M. G., M. I., F. P. e F. P..
O F. J. vendeu o seu 1/8, na proporção de 2/56 a J. E. e na proporção de 1/56 a F. P., L. A., M. G., M. I. e M. M.;
O L. A. faleceu em -/04/2007, sucedendo-lhe como único herdeiro o seu pai, M. F., viúvo, conforme habilitação de herdeiros de fls 68v, do Livro 46-A, do Cartório da Notária M. O., o M. F. faleceu em -/09/2013, deixando como herdeiros os réus, com exceção da ré 1ª e J. M., pai da autora, o J. M. faleceu em -/01/2015, deixando como única herdeira a autora, o J. E. havia falecido em -/08/2008, deixando como herdeiros do 9/56, que titulava à data, os primeiros réus.
A autora pretende pôr termo à compropriedade, cada um dos imóveis é indivisível em substância, não sendo possível fazer lotes para todos os comproprietários.
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Os requeridos M. M., M. G., M. I., F. P., F. J. e M. L., notificados da nova petição inicial, vieram apresentar requerimento onde concluem entendendo que deve ser declarada a extinção da instância, quer porque as partes celebraram transação consubstanciada na escritura pública de 15 de Março de 2019, já junta aos autos, quer porque os requeridos não consentem na alteração da causa de pedir, quer ainda porque a nova petição é omissa no que respeita a factos essenciais e, consequentemente, não contém sequer a alteração da causa de pedir, imperativa em função da mencionada escritura junta aos autos e determinada no despacho referido.
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A fls. 115 e vº foi proferido o seguinte despacho:
“Req (ref.ª 8729944):
Efetivamente assiste razão aos requeridos quando defendem que a nova p.i. não pode ser vista à luz do regime legal expresso no art.º 264º do CPC, uma vez que não dão o seu acordo.
Por outro lado, também não pode ser enquadrada no art.º 265º do mesmo diploma, como também dão nota os requeridos.
Por conseguinte, não poderá a mesma ser admitida nos autos, o que se determina.
Subsidiariamente, assiste também razão aos requeridos, pois a nova petição não contem qualquer alteração à causa de pedir, relevante, coerente e consentânea com a efetuada correção da identificação das realidades prediais a dividir, seja quanto às pessoas intervenientes e titulares, seja quanto ao modo de aquisição dos direitos destas, seja ainda com as percentagens desses mesmos direitos (corroborando este segmento, vejam-se os títulos de aquisição junto aos autos e as certidões de registo predial entretanto juntas aos autos).
Por todo o exposto, não se admite a nova p.i..
Notifique e d.n..
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Saneamento dos autos (art.º 3.º e 590.º do CPC):
S.m.o., a p.i. primitiva poderá ferir os autos, face à matéria de facto alegada e aos documentos que a instruem, de impropriedade, quanto ao meio processual empregado, desde logo, por fazer referência a heranças não partilhadas a pessoas que constam dos autos não na qualidade de cabeça de casal das mesmas ou de partilhas não documentadas.
Por outro lado, parece conter vícios na causa de pedir alegada, que a fere de nulidade ou, no limite, de improcedência do por ela peticionado.
Por outro lado, ainda, a p.i. primitiva parece carecer da identificação dos necessários sujeitos processuais para que a decisão possa produzir o seu normal e expectável efeito útil.
Destarte, concede-se o prazo de 10 dias às partes para se pronunciarem, por escrito, sobre tais questões suscitadas pelo Tribunal, dado ser intenção deste conhecer das mesmas o quanto antes e por forma a ponderar da prossecução dos mesmos.”
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A requerente veio pronunciar-se sustentando que a ação deve prosseguir os seus termos até final e, por sua vez, os requeridos entendem que a ação deve ser declarada extinta por ocorrência de exceções inominadas que obstam ao seu prosseguimento.
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B) Foi proferido o despacho saneador (fls. 120 e seg.) com o seguinte teor:

Dos pressupostos e validade da instância:
O tribunal é competente.
Da propriedade/adequação do meio processual utilizado pela autora.
A autora propôs a presente ação especial contra os réus, alegando querer pôr fim a compropriedade de dois imóveis que id. (descrito na CRP sob os nº ...-... e nº ...-...).
Para o efeito, sustenta serem seus donos, comproprietários, e nas proporções, no que relevam, seguintes: 9/56 para os 1ºs réus sem determinação de parte ou de direito; de 8/56 para autora e todos os réus, exceto a ré M. C., sem determinação de parte ou de direito. Refere também que L. A. (primitivo comproprietário) faleceu e deixou a suceder-lhe M. F.; que este M. F. também faleceu e deixou a suceder-lhe todos os herdeiros, exceto a ré M. C., e também J. M.; e que este J. M. faleceu e deixou a suceder-lhe em exclusivo a autora.
Os réus ofereceram contestação, arguindo em síntese não existirem os imóveis id. nos autos nos termos descritos e identificados pela autora e serem outras as proporções da compropriedade.
A autora apresentou requerimento, anuindo à alteração dos imóveis, mas não alternado a identificação das proporções de cada parte sobre os mesmos.
Foram juntos documentos pelas partes, como certidões de habilitações de herdeiros, escritura de constituição de propriedade horizontal e partilha parcial de bens, certidões do registo predial dos imóveis descritos sob os nºs ... e ... da freguesia de ....
A ação foi registada, após diligências várias da autora e determinadas pelo Tribunal.
Foram as partes notificadas para a possibilidade de o tribunal conhecer de imediato das exceções, incluindo da propriedade do meio utilizado, face aos elementos alegados e documentais (certidão do registo) junta aos autos.
Assim, impõe-se apreciar a questão da adequação/propriedade do meio processual – ação de divisão de coisa comum.
A ação de divisão de coisa comum destina-se a por fim à indivisão, à compropriedade e não à contitularidade, só se podendo dividir os bens de que se seja proprietário.
No caso de heranças, como a autora alega na sua primitiva p.i. (e mesmo na segunda – ainda que se admita como articulado superveniente, desde que respeite o exigido legalmente para tal articulado), como é o caso da quota parte que pertencera ao falecido J. E., os seus sucessores e herdeiros – in casu, a ré M. C. (viúva), a ré M. L. e o réu M. (filhos) - não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, ainda que nele integre a quota parte ideal sobre os imóveis id. nos autos - mas apenas titulares de um direito sobre a herança, enquanto conjunto de direitos e de obrigações, sobre a universalidade, direito esse correspondente a uma quota parte ou parte ideal para cada herdeiro mas sem que essa quota parte esteja integrada por bens concretos que a preencham até à partilha.
O mesmo se diga relativamente à quota parte da compropriedade do falecido L. A., embora quanto a esse e sem que se questione os meios, foi conseguido o registo da partilha efetiva dos seus bens, passando a perceber-se, atenta a certidão do registo predial, o grau da compropriedade que cada concreta pessoa dos réus ficou a ser relativamente àqueles concretos imóveis… Se nos ficássemos pela certidão do registo junta com a p.i. primitiva a solução a dar era a mesma que se dará quanto à quota parte do falecido J. E.…
Como se disse, até à partilha, os herdeiros não são donos, muito menos em compropriedade, de determinado e concreto bem que integre uma herança, e só depois dessa partilha é que o herdeiro pode ou não ser dono de alguma coisa, ainda que em compropriedade com demais herdeiros. Pode, pois, inclusive acontecer que a quota parte de um herdeiro não seja preenchida por quaisquer bens concretos que integrem a herança ou até que a herança não disponha de bens para integrar a quota de todos os herdeiros, por ter dívidas.
Pelas certidões juntas mais recentemente verificamos que, pelo menos, em relação à quota parte do falecido J. E. a aquisição por M. C., M. L. e M. se encontra em comum e sem determinação de parte ou direito, o que releva inequivocamente que os dois prédios, retius, agora quatro realidades prediais, ainda não foram partilhados entre os herdeiros, sendo o seu titular uma herança ilíquida e indivisa.
Assim, pode concluir-se que o domínio e posse sobre um bem em concreto da herança só ocorre após a partilha da mesma, o que in casu, ainda não está definido e determinado quanto à herança de J. E..
É certo que nenhum comproprietário é obrigado a permanecer na indivisão (art.º 1412º do CC). «Todavia, este direito que é adjetivado pela ação de divisão de coisa comum, tem pressupostos, e um deles é que «os herdeiros do autor da sucessão não dispõem sobre os bens que integram o acervo hereditário de um direito real, máxime, o direito de propriedade», carecendo «de efetuar a partilha antes de pretender a divisão de coisa comum.» (cfr. Ac. STJ de 30.01.2013, Proc. nº 1100/11.7TBABT.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Por conseguinte, s.m.o., a presente ação não é o meio processual adequado/próprio para proceder à divisão do imóvel id. nos autos, pois «os herdeiros do comproprietário não podem usar de ação de divisão de coisa comum (nem podem nela ser demandados), sem que, previamente, se tenham habilitado e procedido à partilha.» (cfr. Ac. STJ de 04.02.1997, relatado pelo Exmo. Conselheiro Silva Paixão, disponível na CJ do STJ Tomo I).
A impropriedade do meio é uma exceção dilatória que integra o erro na forma de processo, dado que se verifica haver erro sobre a forma de processo especial quando o fim concreto para que processo foi utilizado não corresponda ao fim a que lei o destina (art.º 193º e 576º do Código de Processo Civil).
No caso, a impropriedade do meio impede o aproveitamento de qualquer ato praticado, inadmissível em qualquer outra forma de processo, nomeadamente, no processo de inventário que tenha que ser proposto ou até de um processo de justificação notarial... E, consequentemente, nos termos do disposto no art.º 576º e 577º, al. b), do Código de Processo Civil, as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição do réu da instância.
Destarte, não poderá ser a presente ação admitida no que ao supra peticionado, por não ser a forma processualmente legalmente própria para exercer tal direito e também não existe maneira/forma de poder aproximar os atos já praticados à forma especialmente prevista na lei (art.º 193º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Pelo exposto, por impropriedade do meio, declara-se a nulidade do processado e, em consequência, absolvem-se os réus da instância (art.º 577º, al. b), do Código de Processo Civil).
Atento e na proporção do seu decaimento, mais se condena a autora no pagamento das custas processuais que sejam devidas pela presente causa (art.º 527º e sgs. do Código de Processo Civil).
Valor da causa: €582.880,00 (indicado pela Autora no r.i., que não mereceu oposição por parte dos Requeridos e por não estar em desconformidade com os elementos juntos aos autos – artº 301º do CPC).
Notifique e registe.
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C) Inconformada, a requerente T. S., veio interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 129).
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Nas alegações de recurso da apelante T. S., são formuladas as seguintes conclusões:

I. Nos termos do artigo 1412º, nº 1, do Código Civil, qualquer comproprietário pode usar do direito potestativo de não querer permanecer na indivisão;
II. Sendo o meio processual próprio a Ação Especial de Divisão de Coisa Comum, regulada nos artigos 925º e seguintes do Código Processo Civil;
III. Nada relevando se os réus são pessoas singulares, coletivas, patrimónios autónomos, ou em qualquer forma da comunhão, titulares de direitos a uma herança;
IV. O único direito que define o meio próprio é a titularidade da compropriedade pela autora;
V. Todos os titulares das restantes quotas da compropriedade dos imóveis foram demandados, quer como titulares individuais, quer como titulares de direitos a herança;
VI. A decisão recorrida violou os artigos 1412º, nº 1, do Código Civil; e 193º, 576º, 577º, 588, nºs 1, 3 b-) e 4, 925º e seguintes do Código Processo Civil.
Termina entendendo que deve ser revogada a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento da Instância, com marcação da perícia, nos termos do artigo 927º do Código Processo Civil.
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Não foi apresentada resposta.
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D) Foram colhidos os vistos legais.
E) A questão a decidir na apelação é a de saber se deverá ser alterado o despacho que entendeu existir erro na forma de processo e absolveu da instância os requeridos.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) No presente recurso está em causa apurar da propriedade ou impropriedade do meio processual utilizado para os fins pretendidos pela autora.

Há erro na forma de processo quando correspondendo ao caso processo especial, se utilize o processo comum, ou vice-versa, ou quando se utilizou um processo especial inadequado em detrimento do pertinente, o mesmo ocorrendo, mutatis mutandis, com os procedimentos cautelares – Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil anotado, 2ª Edição, 2014, página 252.
Como afirma Luís Filipe Pires de Sousa in Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 2017, a páginas 80, “a forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão pelo autor e não em referência à pretensão que devia ser por ele deduzida (aqui trata-se não de uma impropriedade da forma de processo, mas de uma situação de eventual manifesta improcedência da ação). O que caracteriza o erro na forma de processo é que, ao pedido formulado, corresponda forma de processo diversa da empregue e que não se mostre possível através da adequação formal, fazer com que, com a forma de processo efetivamente adotada, se venha a conseguir o efeito jurídico pretendido pelo autor.”
A situação dos autos permite, desde já, assinalar, que relativamente aos bens cuja divisão se requer, alguns dos interessados são comproprietários das frações que se indicam havendo ainda outros que intervêm na qualidade de herdeiros de comproprietários pré-falecidos em que não se mostra partilhada a respetiva herança e é precisamente baseada nesta situação que a decisão recorrida entende que se impõe a prévia habilitação e partilha de tais bens.
Vejamos.
Não pode haver dúvidas que uma das funções do processo de inventário é o de fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens [artigo 1082º alínea a) NCPC].
Isto porque, como afirma Luís Filipe Pires de Sousa in Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de contas, 2017, a páginas 18 e seg., “no caso de comunhão hereditária, a mesma cessa pela partilha de uma generalidade de bens entre os interessados, por forma a ficar determinado quais os patrimónios individuais em que tais bens passarão a estar integrados.
Até à partilha, os herdeiros são apenas titulares de um direito sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados. Enquanto não se fizer a partilha, os herdeiros têm sobre os bens que constituem a herança indivisa um direito indivisível, recaindo tal direito sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados desta. A contitularidade do direito à herança implica um direito a uma parte ideal desta considerada em si mesma e não sobre cada um dos bens que a compõe.
Nessa medida, não se tratando de coisa comum de que sejam comproprietários, não podem os herdeiros instaurar ação de divisão de coisa comum para dividir prédio que integre a herança. Só após a atribuição dos bens em partilha é que os herdeiros podem recorrer à ação de divisão de coisa em comum…
Enquanto a causa de pedir no inventário é a existência de comunhão hereditária integrada por bens a partilhar deixados pelo de cujus, traduzindo-se o pedido na partilha de tais bens pelos interessados, na ação de divisão de coisa comum a causa de pedir consiste na compropriedade de certo bem que se quer dissolver, sendo o pedido ou de adjudicação ou venda desse bem.
Pode suceder que a herança indivisa seja, ela própria, comproprietária (a par de terceiros) de um imóvel. Sendo interposta uma ação de divisão de coisa comum de tal imóvel por terceiro, antes da partilha, deverão ser demandados todos os herdeiros, os quais agirão como representantes da herança e não em nome próprio (Cf. Artigo 2091º nº 1 do Código Civil).”
Em face do exposto, já se compreende que a solução da questão colocada não pode ser a sustentada na decisão recorrida, dado que, a não ser assim, estar-se-ia a impor aos comproprietários ou outros titulares de direitos em comum que, sempre que um dos comproprietário, ou contitular, que pretendesse pôr fim à indivisão, se um dos demais comproprietários fosse uma herança, não sendo aquele, herdeiro, veria o seu direito à divisão postergado, uma vez que a seguir-se a tese da decisão recorrida teria de se proceder à prévia partilha desta herança e se os herdeiros não pretendessem partilhá-la, aquele direito inexistiria, uma vez que o requerente, não sendo herdeiro, não tinha legitimidade para promover aquela partilha (cfr. artigo 1085º NCPC).
No sentido em que propendemos, pode ver-se, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 02/02/2021, no processo 284/18.8T8LSB.L1-7, relatado pela Desembargadora Micaela Sousa e da Relação de Évora de 12/07/2012, no processo 1100/11.7, relatado pelo Desembargador Canelas Brás, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
E como se refere neste último aresto, “é perfeitamente possível proceder à divisão dos prédios, acabando com uma situação indesejada (para alguns) de compropriedade, sem bulir com o que neles ainda não esteja partilhado. Pois conforme está nos autos toda a gente de acordo, não se partilha, na Ação para Divisão de Coisa Comum, uma herança indivisa; esta permanece como está antes e depois da divisão e é atribuída em bloco ao conjunto dos seus herdeiros – não se tratando, pois, de dividir a parte que ainda está por partilhar.”
Pelo exposto, sem necessidade de ulteriores considerações, resulta que a apelação terá de proceder e a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, sem prejuízo do conhecimento de outras questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa, determine o prosseguimento dos autos.
Não obstante a procedência total da pretensão da apelante, não havendo parte vencida, face à não oposição dos requeridos, na apelação, as custas terão de ser suportadas pela apelante, que do recurso tirou proveito (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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D) Em conclusão e sumariando:

1) Não podem os herdeiros instaurar ação de divisão de coisa comum para dividir prédio que integre a herança;
2) Só após a atribuição dos bens em partilha os herdeiros podem recorrer à ação de divisão de coisa em comum;
3) Sendo a herança indivisa, ela própria, comproprietária (a par de terceiros) de um imóvel e sendo interposta uma ação de divisão de coisa comum de tal imóvel por terceiro, antes da partilha, deverão ser demandados todos os herdeiros, os quais agirão como representantes da herança e não em nome próprio.
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III. DECISÃO

Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a douta decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que, sem prejuízo do conhecimento de outras questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa, determine o prosseguimento dos autos.
Custas pela apelante.
Notifique.
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Guimarães, 11/03/2021

Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Maria Cristina Cerdeira
2ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares